'Sobre a Saúde' (Fração Nacional DENEM da UJC)

Convidamos estudantes dos outros cursos da área da saúde, para entendermos mais a fundo a realidade das suas bases e as lutas que estão sendo travadas para que então, construamos juntos, uma alternativa às entidades que se limitam a representar, no sentido mais vazio do termo, os estudantes.

'Sobre a Saúde' (Fração Nacional DENEM da UJC)
8ª Conferência Nacional de Saúde, 1986 / Reprodução: Governo Federal

Por Fração Nacional DENEM da UJC para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Camaradas, nós da Fração DENEM (Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina) da UJC decidimos escrever essa tribuna preparatória para o nosso XVII Congresso (Extraordinário) do PCB - Reconstrução Revolucionária com intuito de compartilhar nossas reflexões sobre o setor da saúde e, também, acúmulos e leituras retirados da nossa atuação na Executiva dos Estudantes de Medicina nesses últimos anos.

A fim de deixar a nossa tribuna mais organizada, dividimos nossas contribuições nos seguintes temas: 1) O conceito de saúde em uma análise materialista-histórico-dialética; 2) A Reforma Sanitária e a atuação do PCB da época; 3) O processo da Reforma Psiquiátrica e seu papel na luta de classes; 4) Um esboço da burguesia da saúde; 5) O Perfil da classe trabalhadora nas categorias da saúde; 6) Internacionalismo proletário e saúde; e, 7) O Movimento Estudantil da Saúde, seguidos das nossas conclusões. Iniciemos.

1. A Determinação Social do Processo Saúde-Doença: a análise marxista do adoecimento da classe trabalhadora

A DSPSD surge enquanto teoria nas décadas de 70 e 80 na América Latina, contando com contribuições importantes de Asa Cristina Laurell, no México, e Sérgio Arouca, aqui no Brasil, como uma resposta ao paradigma biomédico, positivista, que entende a saúde como meramente, “a ausência de doença”, separando os processos de saúde e adoecimento dos processos históricos, sociais e econômicos que regem a sociedade. Basicamente, como se o adoecimento fosse uma imposição biológica, exterior às nossas relações coletivas, um constrangimento ao qual estamos fadados a passar, pela nossa natureza e ao qual cabe a Medicina, na figura do médico especialista e do hospital, responder a posteriori.

Obviamente, as coisas não são tão simples assim. Citando a médica Asa Laurell:

(...) o processo saúde-doença tem caráter histórico em si mesmo e não apenas porque está socialmente determinado (em) termos gerais, o processo saúde-doença é determinado pelo modo como o homem se apropria da natureza em um dado momento, apropriação que se realiza por meio de processo de trabalho baseado em determinado desenvolvimento das forças produtivas e relações sociais de produção (LAURELL,1982, p.15-16).

Ou seja, o processo de adoecimento e saúde é essencialmente ligado às relações econômico-sociais impostas por uma determinada sociedade, a classe social, como também as camadas de uma determinada classe que um indivíduo ocupa no processo de produção são fatores intrínsecos na determinação dos modos de adoecimento dessa pessoa.

Exemplificando, a saúde dos povos indígenas do Mato Grosso do Sul é determinada pela violência perpetrada pelo latifúndio, pelo envenenamento do ar, da água, dos alimentos por agrotóxicos, pela aglomeração das reservas causada pelo avanço da fronteira agrícola. Podemos (e devemos, é lógico) suturar e fazer curativos em todo mundo que aparecer na porta depois dos ataques às Retomadas, podemos fazer dezenas de projetos de conscientização sobre os sinais e sintomas das intoxicações por agrotóxicos, tratar todos os casos de tuberculose, hanseníase e gastroenterite que aparecer na nossa frente, podemos até, numa pegada mais preventiva, conseguir um projeto de construção de uma rede de saneamento básico (coisa que não há nas reservas, muito menos nas retomadas) e, mesmo assim, essa população continuará adoecida, independente do esforço que fazemos para remediar e conscientizar sobre os efeitos desses processos violentos.

Esta é a grande questão que eleva a DSPSD a um patamar superior a qualquer outra teoria da saúde, o entendimento da centralidade da exploração (superexploração no capitalismo dependente brasileiro, diga-se de passagem) da classe trabalhadora pela burguesia e a dinâmicas de opressão das diferentes camadas do proletariado no processo saúde-doença. Esse é o “X” da questão, e também o porquê essa introdução conceitual se faz necessária: o entendimento do modo de produção enquanto central da determinação do processo de adoecimento altera completamente a nossa resposta a esses fenômenos. Se o capitalismo é a raiz que nutre o processo saúde-doença, é ele que devemos combater. Na DSPSD, a Revolução Socialista é a estratégia final para a promoção da saúde da classe trabalhadora.

Como coloca Guilherme de Albuquerque, para complementar nossa análise:

“A vida humana é determinada socialmente em todas as suas dimensões, inclusive a da saúde. Compreender a determinação social da saúde, portanto, não consiste em compreender apenas que a saúde depende do acesso aos objetos humanos, mas que as possibilidades de realização do humano, e o acesso aos produtos necessários para tal, dependem do grau de desenvolvimento das forças produtivas e das relações de produção estabelecidas em cada formação social. A ideia dominante, de identificação dos determinantes, é, portanto, insuficiente para direcionar ações de saúde que contribuam efetivamente para a máxima realização do humano. Para tal, seria necessário alterar o modo de produção.

A possibilidade de criação de um novo modo de produção, voltado prioritária e fundamentalmente para a satisfação das necessidades da vida, da saúde, da máxima realização do humano em cada um, não é uma questão de fé. Trata-se de uma conclusão racional a partir da compreensão da ontologia do ser humano. O que caracteriza o humano é a ação transformadora da realidade, no sentido de satisfazer suas necessidades, ou seja, é produzir o que ainda não existe. A condição de humanidade é produzida permanentemente pelos humanos. Não estamos condenados a viver neste modo de produção, assim como os animais irracionais estão presos aos limites de seus instintos. O que nos difere é a possibilidade de afastar os limites que a natureza nos impõe, ampliando as possibilidades de realização da vida.” (ALBUQUERQUE, 2014, grifos nossos)

a. O debate de saúde atual - as determinantes versus a determinação, armadilhas liberais

Como é de se esperar, uma teoria pautada no marxismo dificilmente se torna hegemônica no debate teórico-político, especialmente em círculos tão conservadores e alienados como os círculos da saúde.

Atualmente, a disputa (desonesta) colocada nas produções da Fiocruz, por exemplo, na Associação Brasileira de Educação Médica e, também, na DENEM são pautadas na ideia do epistemicídio e do suposto eurocentrismo do marxismo, em defesa do liberalismo como motor da análise da saúde. Não abordaremos aqui esses conceitos, pois o foco do texto é mais importante, mas achamos necessário frisar as táticas e as justificativas falsas usadas para menosprezar a teoria marxista em nossos meios e corroborar uma análise fragmentada dos fenômenos sociais, que sempre acabam, de uma maneira ou outra, beneficiando a classe dominante, mesmo que estes autores se neguem a reconhecê-la como tal.

As determinantes de saúde, apesar da infelicidade do nome parecido, são uma teoria diametralmente oposta à proposta da DSPSD. Segue a sua conceituação pela Conferência Nacional das Determinantes em Saúde:

[…] tais determinantes estariam vinculados aos comportamentos individuais e às condições de vida e trabalho, bem como à macroestrutura econômica, social e cultural. Seriam os “fatores sociais, econômicos, culturais, étnico-raciais, psicológicos e comportamentais que influenciam a ocorrência de problemas de saúde e seus fatores de risco na população” (ALBUQUERQUE, 2014).

Citando o prefácio de Virgínia Fontes para o livro Do socialismo a Democracia, de André Dantas, para darmos início a nossa crítica:

A reificação de um certo formato supostamente estável das burguesias e das classes trabalhadoras obnubilou a reflexão sobre estes temas. A institucionalidade parecia fazer desaparecer, quase num passe de mágica, a carne e o sangue real que nutriram e seguem nutrindo a vida social. Enquanto ocorria veloz reconfiguração das classes trabalhadoras a partir da década de 1990, imposta por sucessivas reestruturações capitalistas, o processo foi escamoteado através de categorias que expulsavam da reflexão a contradição entre capital e trabalho, centralizando termos como “pobreza” ou “excluídos” (FONTES, 2017)

Ou seja, o problema deixa de ser a exploração e a opressão e se torna algo muito mais palatável, não fruto de uma luta entre classes mas, sim, da má distribuição de recursos e riquezas, a desigualdade social. O problema deixa de ser o capitalismo e seus efeitos nefastos na vida humana e, sim, a “má gestão” do capitalismo, sendo essa a questão que deveríamos combater para a teoria dos determinantes.

Aqui temos a mesma questão que levantamos mais acima, esse entendimento teórico altera a prática política, o foco deixa de ser a superação do capitalismo, e, sim, sua adaptação, deixa de ser a luta revolucionária para ser a busca por cargos institucionais e melhores políticas públicas e a defesa do capitalismo.

Munidos da verdade, é nosso papel nos lançarmos nesta disputa, fortalecermos nossa teoria, formularmos sobre o papel que este setor gigantesco tem na disputa entre as classes e sobre seu potencial como agente revolucionário e desmascarar as táticas liberais empregadas pelos nossos inimigos.

Não há saúde sem combate ao imperialismo, não há saúde sem combate à exploração, não há saúde sem combate à opressão, não há saúde sem combate ao capitalismo e não há saúde sem o Socialismo!

2. A Reforma Sanitária: alusão e ilusão

No início da década de 1970, a expectativa de vida da população brasileira era de 57 anos (hoje é de 75,5 anos), as doenças infectocontagiosas, como as parasitoses, a tuberculose, as ISTs, tinham um peso muito grande na péssima qualidade de vida da classe trabalhadora. Além disso, o acesso à saúde era restrito aos mais ricos, pois a maioria dos serviços de saúde eram privados, ou a pequena parcela de trabalhadores formais, que tinham acesso aos serviços de assistência médica do INAMPS (Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social), o resto da população que rezasse pela caridade das Santas Casas.

É nessa conjuntura, de verdadeira carestia do proletariado que o Movimento pela Reforma Sanitária surge no Brasil, por meio de uma luta setorial, como um dos braços da luta com a ditadura empresarial-militar, com a forte presença de intelectuais da saúde, aqui se destacando o liquidacionista, Sérgio Arouca, empresários da saúde, profissionais da saúde e os movimentos sociais, esses últimos em uma menor proporção.

As bandeiras do MRS eram os “valores democráticos universais”, a defesa do Estado burguês enquanto peça fundamental para a promoção de direitos, um Sistema de Saúde público (com um debate sobre este ser ou não estatal, mas, como já sabemos, estatal não se tornou e nem foi defendido pelo PCB da época) e o controle social.

O MRS era composto por alguns partidos de esquerda, dentre eles os mais expressivos eram o PT e o PCB. É reproduzido que havia diferenças estratégicas entre os dois, e também entre os demais membros do Movimento, que o MRS era diverso, mas a fim de manter unidade, tais diferenças foram mantidas por debaixo dos panos a fim de manter a coesão e a unidade do movimento. Mas, como coloca André Dantas, em seu livro:

[…] se foi possível e desejável a unidade acima dos conflitos é porque os conflitos não tocavam em divergências estruturais, a ponto de comprometerem a estratégia do Movimento. Se estamos corretos, portanto, tornam-se menos relevantes, para o que nos propusemos a analisar neste trabalho, o teor propositalmente ocultado deste conflito. Interessam-nos neste debate, portanto, justamente as opções assumidas e que pautaram a agenda estratégica do Movimento. (DANTAS, 2017)

Essa frente ampla não deixou de cobrar seu preço, segue passagem do discurso proferido por Sérgio Arouca na VIII Conferência Nacional de Saúde, em 1986 (importante lembrarmos que somente seis anos depois ele estaria compondo o movimento liquidacionista liderado por Roberto Freire que deu origem ao PPS).

Há alguns dias atrás, algumas entidades ligadas ao setor privado se retiraram da Conferência [...]. Mas eu lamento profundamente a sua ausência, porque nesta Conferência está se tratando é de criar um projeto nacional que não pretende excluir nenhum dos grupos envolvidos na prestação de serviços, na construção da saúde do povo brasileiro. Assim, a eles queria deixar uma mensagem: que, mesmo na sua ausência, vamos estar defendendo os seus interesses, desde que estes não sejam os interesses da mercantilização da saúde.

Portanto, todo aquele empresário que está trabalhando seriamente na área da saúde, na qualidade da sua competência técnica e profissional, não precisa se sentir atemorizado, porque aqui ele vai ser defendido. (VIII CNS, 1986, grifos nossos)

Agora questionamos aqui, camaradas, qual objetivo poderia ter a burguesia da saúde senão a sua mercantilização?

Outro aspecto importante que não podemos deixar de pontuar aqui foi a baixa participação popular na direção do MRS. Os Movimentos Populares de Saúde de fato existiram (e ainda existem) e foram sim peças importantes no jogo, mas quando comparamos com os outros movimentos que estavam acontecendo concomitantes, é gritante o esvaziamento das massas no debate da saúde.

Ilustrando, a emenda popular de saúde conseguiu 50.000 assinaturas, enquanto as emendas em defesa da reforma agrária (estas, “curiosamente” não atendidas) receberam juntas 4 milhões. O que na época surpreendeu muito as lideranças do MRS, que entendiam as massas como ignorantes demais para lutar pela sua própria saúde. No entanto, se pensarmos sobre o conceito de DSPSD, faz sim muito sentido esse giro das massas trabalhadoras para lutas como a reforma agrária, considerando endereçar (mesmo que parcialmente) as raízes da determinação do processo saúde-doença.

Sobre essa falta de participação popular, que foi uma característica importante do MRS, Tubero coloca:

Por ser um movimento social e não um partido, o movimento sanitário restringia suas pautas estritamente ao movimento da saúde, deixando de analisar outras pautas sociais e de atuar em outros segmentos da sociedade; é interessante frisar que falando da classe trabalhadora, o discurso médico-social de transformação continha esse ponto de tensão: não contava com a participação direta de grande parte da classe trabalhadora. Isso talvez aponte uma falha dos que se propunham a ser a própria vanguarda do movimento sanitário, uma vez que se limitou a pauta setorial da saúde e não conseguiu avançar em propostas de mudança da sociedade, ou seja, que conseguissem abarcar uma proposta de um novo modelo de sociedade. (TUBERO, 2011)

Concluindo esse tópico, o Movimento pela Reforma Sanitária, correto em muitas análises sobre a conjuntura da saúde da população brasileira, teve erros estratégicos gravíssimos, pautados pelo etapismo da EDN e pelo afastamento das massas trabalhadoras, que acabaram por criar, como sabemos hoje, muitos dos problemas que observamos no SUS, em especial a expansão do capital privado nos espaços de “controle social” e nos serviços em geral. Como explica Tubero:

[...]é importante destacar que o Movimento de Reforma Sanitária alude para um dado problema e ilude quanto à solução, mantendo a organização social dos serviços de saúde e uma sociedade que atribui diferentes valores de uso e de troca à vida humana. No caso do processo da Reforma Sanitária, alude quanto aos problemas de saúde e da organização dos serviços (decorrentes de determinação social) e ilude quanto à solução (reforma parcial), convivendo com iniquidades sociais e um Estado submisso aos interesses da burguesia. (TUBERO, 2011)

a. A Estratégia Democrático Nacional do PCB antigo

Aqui, vale a pena fazermos uma retomada do que foi a EDN, seguida pelo PCB desde antes e durante a luta pela Reforma Sanitária.

Do Manifesto de Março de 1958, documento direcionador das atividades políticas do PCB na época:

Ao inimigo principal da nação brasileira se opõem, porém, forças muito amplas. Estas forças incluem o proletariado, lutador mais consequente pelos interesses gerais da nação; os camponeses, interessados em liquidar uma estrutura retrógrada que se apoia na exploração imperialista; a pequena burguesia urbana, que não pode expandir as suas atividades em virtude dos fatores de atraso do país; a burguesia, interessada no desenvolvimento independente e progressista da economia nacional; os setores de latifundiários que possuem contradições com o imperialismo norte-americano, derivadas da disputa em torno dos preços dos produtos de exportação, da concorrência no mercado internacional ou da ação extorsiva de firmas norte-americanas e de seus agentes no mercado interno; os grupos da burguesia ligados a monopólios imperialistas rivais dos monopólios dos Estados Unidos e que são prejudicados por estes.

São forças, portanto, extremamente heterogéneas pelo seu caráter de classe. Incluem desde o proletariado, que tem interesse nas mais profundas transformações revolucionárias, até parcelas das forças mais conservadoras da sociedade brasileira. A sua consequência na luta contra o imperialismo norte-americano não pode ser evidentemente a mesma, porém todas essas forças possuem motivos para se unirem contra a política de submissão ao imperialismo norte-americano. Quanto mais ampla for esta unidade, maiores serão as possibilidades de infligir uma derrota completa àquela política e garantir um curso independente, progressista e democrático ao desenvolvimento da nação brasileira.

A EDN foi a expressão máxima do etapismo nas nossas fileiras, partia de um entendimento de que o capitalismo brasileiro ainda não havia sido completamente desenvolvido e, portanto, seria necessária primeiro uma revolução de caráter burguês-nacionalista, a qual devêssemos defender e compor, para posteriormente lutarmos pela Revolução Socialista.

No entanto, é importante salientar que essa estratégia não surgiu no vácuo, como também a ideia de uma frente ampla, defensora dos “valores democráticos universais” não foi exclusiva do PCB, que na verdade bebeu muito da fonte do PCI (Partido Comunista Italiano) e da corrente eurocomunista como um todo.

Da Internacional Comunista, de 1928 (retirado do livro Do Socialismo a Democracia):

As circunstâncias tornam historicamente inevitável a desigualdade das vias e do ritmo da conquista do poder pelo proletariado; elas tornam necessárias em diversos países certas etapas transitórias para a ditadura do proletariado, bem como a diversidade das formas do socialismo em via de construção. […] [países que possuem] um embrião de indústria, por vezes mesmo uma indústria desenvolvida, insuficiente embora, na maioria dos casos, para a edificação independente do socialismo; países em que predominam as relações sociais da Idade Média feudal ou o ‘modo de produção asiático’, tanto na vida econômica como na sua superestrutura política; países, enfim, em que as principais empresas industriais, comerciais, bancárias, os principais meios de transporte, os maiores latifúndios, as maiores plantações, etc., se encontram nas mãos de grupos imperialistas estrangeiros. Aqui têm uma importância primordial, por um lado, a luta contra o feudalismo, contra as formas pré-capitalistas de exploração e a consequente revolução agrária e, por outro lado, a luta contra o imperialismo estrangeiro, pela independência nacional. A passagem à ditadura do proletariado só é possível nestes países, regra geral, depois de uma série de etapas preparatórias, esgotado todo um período de transformação da revolução burguesa-democrática em revolução socialista, sendo que o sucesso da edificação socialista é, na maior parte dos casos, condicionado pelo apoio direto dos países de ditadura proletária. (IC, 1928, p. 28).

Essa foi a estratégia adotada pelo PCB durante o processo da Reforma Sanitária, até ser derrotada pela Estratégia Democrático-Popular, liderada pelo Partido dos Trabalhadores, como veremos a frente.

3. Luta Antimanicomial e a Reforma Psiquiátrica Brasileira

Para complementar nossa análise, é importante também entendermos o processo da Reforma Psiquiátrica.

A resistência contra a violência nos hospitais psiquiátricos no Brasil é antiga. Desde o início do século XX, psiquiatras como Ulisses Pernambucano (1892-1943) e Nise da Silveira (1905-1999), impulsionados por suas inclinações humanistas (e, no caso de Nise, comunistas), desafiaram os horrores praticados nesses espaços e propuseram reformas em seus locais de trabalho, enfrentando perseguições pessoais e políticas. Mas foi no final da década de 1970 que um movimento crítico às instituições manicomiais começou a se estruturar de maneira mais orgânica, dentro do contexto das lutas da época.

Para compreender qual é a função histórica desempenhada por essas instituições manicomiais, é preciso partir do que se entende por Lógica Manicomial: uma gestão violenta de corpos marginalizados e improdutivos, expressando as contradições mais latentes da formação social brasileira. Tais instituições são sintomas, no sentido em que são lugares que explicitam uma contradição profunda. Como afirmou Vladimir Safatle, um sintoma faz emergir algo que só pode ser ignorado na condição de criar um dispositivo de silenciamento e apagamento que sempre fracassa, e quanto mais fracassa, mais violento se torna. Há lugares que todo pensamento não pode ignorar. O manicômio é a expressão particular de uma totalidade.

As diversas expressões da formação social brasileira partem de uma gênese, e essa gênese é o colonialismo, historicamente situado em território brasileiro, com gênero, raça e classe. Consequentemente, expressão da dimensão do intolerável: uma nação fundada a partir do empilhamento de corpos escravizados. Assim, a análise da luta antimanicomial, enquanto movimento particularmente brasileiro, deve partir de um pensamento amplo que não se encerra nos muros do manicômio. A partir desse ponto, entende-se que a lógica manicomial transcende o manicômio para outros aparatos de violência, tendo um vínculo íntimo com o sistema carcerário, a violência policial, a guerra às drogas e demais violências executadas desde o período colonial. E quem são os alvos dessa lógica? A classe trabalhadora marginalizada, negra e com determinações claras de gênero, com pressões ainda mais violentas sobre mulheres e comunidade LGBTQIA +.

Partindo dessa análise, entende-se que a história da luta antimanicomial no Brasil está intimamente ligada à luta da classe trabalhadora brasileira. Esse movimento começou a se organizar formalmente pela primeira vez através da ação dos trabalhadores da saúde mental. Movidos pelas condições precárias de trabalho e pela necessidade de denunciar a desumanização dentro dos grandes asilos brasileiros, essas lutas começaram a ganhar força e amplitude, acompanhando o movimento mais amplo da classe trabalhadora que, desde o golpe empresarial-militar de 1964, enfrentava as contradições geridas pela burguesia. Com o desgaste do regime ditatorial e o ascenso dos trabalhadores no final dos anos 1970, a transição "lenta, gradual e segura" foi impulsionada por lutas democráticas significativas, que se somavam aos conflitos econômicos da classe. Esse movimento coordenado produziu uma nova estratégia, a Democrático-Popular, que passou a orientar as lutas da classe, buscando superar a anterior estratégia Nacional Democrática, liderada pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB).

A estratégia Democrático-Popular destacava a necessidade de acumular forças, tanto dentro quanto fora da ordem burguesa, combinando a ocupação tática de espaços no Estado com a pressão dos movimentos sociais. A metáfora da pinça resumia essa abordagem, prevendo uma ação coordenada através de suas duas "pernas" – Estado e movimentos sociais. A democracia era vista como essencial no caminho ao socialismo, fundindo-se facilmente na consciência da época, em contraste com o autoritarismo anterior. Essa ação combinada visava promover reformas no aparelho de Estado, transformando-o em direção ao socialismo.

A ideia de uma democratização progressiva da sociedade e do Estado era vista como um caminho distinto da estratégia anterior, rejeitando claramente uma "nova teoria de etapas". Inicialmente, a possibilidade de uma ruptura nesse caminho não estava descartada – reconhecia-se que a burguesia não aceitaria pacificamente as transformações no interior da ordem capitalista. Contudo, tratava-se de um horizonte de longo prazo, pois segundo tal estratégia, o socialismo não estava na ordem do dia, o que tornava necessária a acumulação de forças ao longo do tempo.

A trajetória antimanicomial no Brasil se desenvolveu de modo conectado às apostas da estratégia democrático-popular, sem que isso signifique, também aqui, um vínculo imediato, que suponha a aplicação no movimento de propostas elaboradas em âmbito partidário. A interação entre certa parte e o todo em que se encontra inserida é dialética, marcada necessariamente por continuidades e descontinuidades, onde o movimento particular guarda, como sempre, relativa autonomia no que tange à totalidade a que se encontra referido. Nesse mesmo sentido, o tratamento conferido ao processo de produção das transformações no campo da saúde mental supõe o movimento antimanicomial e a reforma psiquiátrica brasileira como dimensões inseparáveis desse processo. O que também não supõe uma equivalência uniformizadora entre essas dimensões.

Grande parte das vezes a Reforma e o movimento antimanicomial são tratados de modo absolutamente indiferenciado, o que tem como resultado certo ocultamento do último no processo histórico e no presente, enquanto força social ainda viva, mesmo que desvitalizada. A Reforma Psiquiátrica brasileira é a materialização das intenções do movimento antimanicomial, a principal concretização, portanto, do que foi o projeto do movimento, nas condições próprias do seu desenvolvimento, marcado pela luta de classes nesse momento histórico e a força política da estratégia democrático-popular. Evidentemente não se tratam da mesma coisa. Mas enquanto materialização de uma intencionalidade posta pelo movimento, ela não deve ser pensada de modo apartado dos caminhos do seu desenvolvimento. Este, por sua vez, não pode ser compreendido fora da dinâmica das classes em luta, de que foi (e é) também uma parte, da complexa trama política, econômica e social que compõe o contexto histórico em que surgiu e se desenvolveu.

Foi então no contexto anteriormente descrito que determinadas propostas de reformas no Estado foram desenvolvidas no Brasil no âmbito das políticas sociais, entre as quais aquelas do campo da saúde. Inserido e articulado à proposta de Reforma Sanitária que mobilizou o campo no seu conjunto, o projeto de Reforma Psiquiátrica foi fruto das lutas travadas pelo movimento antimanicomial brasileiro, que foi o sujeito ativo na estruturação de um novo arcabouço para as políticas públicas de saúde mental no país. Inicia-se, a partir daí, um importante processo de reordenamento das ações de cuidado voltadas para os chamados loucos, partindo da condenação da prioridade conferida aos espaços manicomiais, apontando a comunidade como a contrapartida necessária. O projeto tinha como objetivo fundamental e indissociável a desconstrução dos estigmas que envolviam as experiências de sofrimento mental, e a batalha pela extensão da cidadania aos loucos. Prevendo, portanto, um conjunto de transformações de escopo mais amplo, visava-se modificar assim o lugar social da experiência da loucura na nossa sociedade.  Nesse sentido, compreendemos a Reforma Psiquiátrica como uma tática necessária operada dentro dos limites da institucionalidade burguesa.

O projeto original da lei da Reforma Psiquiátrica, de Paulo Delgado-PT em 1989 expressava:

Art.1 - Fica proibida, em todo o território nacional a construção de novos hospitais psiquiátricos públicos e a contratação ou financiamento pelo setor governamental, de novos leitos em hospital psiquiátrico;

Art. 2 - As administrações regionais de saúde (secretarias estaduais, comissões regionais e locais. secretarias municipais) estabelecerão a planificação necessária para a instalação e funcionamento de recursos não-manicomiais de atendimento, como unidade psiquiátrica em hospital geral, hospital-dia, hospital-noite, centro de atenção, centros de convivência, pensões e outros, bem como para a progressiva extinção dos leitos de característica manicomial.

Dessa forma, mesmo versando sobre a progressiva extinção das instituições dentro da lógica manicomial e impossibilitando novos desses aparatos, tal projeto de lei ainda era uma mediação tática, considerando que a lógica manicomial é um desdobramento da acumulação do capital que visa a gestão violenta dos improdutivos, e, portanto, íntima ao modo de produção capitalista que persistirá a despeito de qualquer reforma. Ainda assim, a Lei efetivamente aprovada após 11 anos de tramitação no Senado foi alterada a ponto de não prever mais o fim dos manicômios (os quais nem constam no corpo da lei), mas sim um amparo legal para o reconhecimento dos direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redirecionando do cuidado para estratégias de desinstitucionalização que fundamentaram a estruturação da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS).

O esforço pelas reformas não contém, em si, força motriz própria, independente da revolução; em cada período histórico ele apenas se movimenta sobre o quadro da sociedade capitalista. Além disso, por mais bem executada que seja ou por mais favoráveis que sejam as condições para sua implementação, essa política nunca levaria à supressão do capitalismo porque deixa intocada a base da desigualdade social no mundo burguês. Afinal, a dominação do capital não se assenta em direitos adquiridos ou em outra forma jurídica qualquer, porém, numa relação econômica na qual “a força de trabalho desempenha o papel de mercadoria”, fato esse em si perfeitamente compatível com uma situação de igualdade jurídica e política.

Desse modo, a Reforma Psiquiátrica deve ser compreendida como um avanço importante da classe trabalhadora no reconhecimento da cidadania aos loucos e fundamentando o surgimento de uma rede pública comunitária substitutiva, a RAPS. Mas necessita de ser pensada historicamente como uma tática dentro dos limites burgueses que deveria avançar as condições de luta do proletariado contra os sistemas de opressão do Capital e seus desdobramentos tipicamente coloniais em solos brasileiros, mesmo que de maneira limitada.

A Reforma Psiquiátrica não acabou com os manicômios, muito menos com a lógica manicomial, mas possibilitou a criação de uma rede substitutiva desinstitucionalizada. Entretanto, longe de ser ideal, as contradições das raízes coloniais continuam se expressando mesmo dentro dessa rede, pois o solo histórico e capitalista dependente brasileiro permanece o mesmo, e só pode ser mudado por uma revolução.

a. A atual conjuntura:

Nos últimos anos, a atenção psicossocial enfrentou um forte retrocesso, com enfraquecimentos nas equipes da Estratégia Saúde da Família (ESF), aumento do financiamento para hospitais psiquiátricos e a inserção desses hospitais na RAPS, o que fortaleceu a centralidade do modelo hospitalar.

Apesar das conquistas impulsionadas pela Reforma Psiquiátrica Brasileira, ainda há desafios a serem superados, como as desigualdades regionais, o subfinanciamento, a persistência da lógica manicomial dentro da RAPS. Infelizmente, a partir do golpe em 2016, mudanças nas diretrizes governamentais relacionadas às políticas de saúde mental têm favorecido um retorno ao modelo que valoriza o internamento em hospitais psiquiátricos.

Dessa forma, para entendermos esse processo a partir de suas contradições, é preciso retornar no conceito da Lógica Manicomial, entendendo que seu fundamento é a violência contra a classe trabalhadora marginalizada como forma de controle. Assim, mesmo o cuidado pensado originalmente como comunitário passou a reproduzir violências e segregações desses sujeitos. Isso, vinculado diretamente ao racismo, à violência policial, ao encarceramento em massa, à política de guerra às drogas e ao genocídio da classe trabalhadora brasileira. Mesmo dentro da RAPS - e do SUS como um todo - esses sujeitos continuam sendo alvo de uma violência que se perpetua desde o colonialismo, não por erros de gestão ou apenas por falta de financiamento, mas porque a violência contra esses corpos nunca foi condenada e é essencial para o controle da burguesia nacional sob a luta de classes.

A contrarreforma, portanto, promove o sucateamento da RAPS, que além da própria falta de serviços, gera instituições de lógica manicomial em funcionamento muito mais próximo de ambulatórios e hospitais do que deveria ser a atenção psicossocial. Esse funcionamento é lucrativo, pois, em vez de construir serviços territorializados e contratar equipes que o administram sob a perspectiva da clínica ampliada, cria-se uma instituição para “girar o serviço”, promovendo atendimentos ambulatoriais, focados na doença, e muitas vezes por funcionários terceirizados. Tal dinâmica tomou um direcionamento desastroso a partir do Teto de Gastos imposto pelo governo Temer, mas segue na mesma direção com a aprovação do Arcabouço Fiscal no governo Lula - Alckmin.

Não será no plano técnico-científico, mas no plano político, ético e ideológico que a disputa precisa se dar. Neste sentido, poderíamos discutir à exaustão qual é a melhor técnica assistencial, ou forma de aplicá-la. Mas é central reconhecer que estão colocados diferentes projetos políticos e disputas ideológicas. A luta antimanicomial só avançará se organizarmos a classe em direção à revolução brasileira, pois apenas assim que será possível superar a dinâmica sangrenta que segrega e oprime, fundamentada em políticas de austeridade que privatizam a segurança pública e lucram sobre o antigo sistema colonial de empilhamento de corpos negros e favelados, agora com outra roupagem.

b. As Comunidades Terapêuticas:

A destruição da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) nos últimos 10 anos reflete o modus operandi da burguesia nacional: uma combinação de austeridade econômica com um conservadorismo higienista, integrando práticas neoliberais a um discurso moral-religioso racista, machista e segregacionista. Nesse cenário, a área de álcool e outras drogas revela a totalidade da formação social brasileira. É nesse contexto que se estrutura o "novo manicômio" - as comunidades terapêuticas - enquanto os antigos manicômios ainda operam e se expandem.

As Comunidades Terapêuticas (CTs) se organizam e funcionam de maneira similar a uma cadeia, uma igreja e um hospital psiquiátrico, encontrando sua especificidade na articulação dessas três instituições. Conforme relatado pelo IPEA (2017), apesar da heterogeneidade das CTs no país, seus três pilares principais são: disciplina, religiosidade e trabalho forçado (‘laborterapia’). Considerando o trabalho escravo, bem como a cor da força de trabalho nessas instituições, podemos acrescentar outra instituição fundamental na formação social brasileira: a senzala.

As Comunidades Terapêuticas surgem no Brasil na década de 1960, consolidando-se devido às lacunas assistenciais e à falta de responsabilidade do Estado em relação ao cuidado de pessoas com necessidades associadas ao consumo e/ou dependência de drogas. As CTs são instituições de natureza não-pública (com ou sem fins lucrativos), têm a abstinência como objetivo de tratamento e exigem o isolamento via internação, baseando-se nos pilares de disciplina, trabalho e religiosidade. Atualmente, estima-se que existam mais de duas mil Comunidades Terapêuticas (CTs) legalizadas no Brasil, formando uma extensa rede de serviços que encarcera, tortura e doutrina a classe trabalhadora brasileira enquanto aparato político e religioso de controle social.

No contexto político estatal, um avanço significativo ocorreu entre 2010 e 2011 sob o governo Dilma, com a publicação do programa: Crack, é Possível Vencer, que permitiu o repasse de verbas estatais às CT's, com a contratação sendo gerida por municípios e estados. Em 2011, a portaria 3.088 instituiu a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), categorizando as CTs como instituições de atenção residencial de caráter transitório, junto com as Unidades de Acolhimento para adultos e infanto-juvenis. Nesse ambiente de pânico social em torno do crack, as CTs se proliferaram, encontrando apoio na ascensão do conservadorismo religioso.

Além disso, o apoio estatal às CTs está alinhado com uma ofensiva neoliberal nas políticas púlbicas, em particular contraponto às Reformas Sanitária e Psiquiátrica brasileiras. Essa ofensiva representa a continuidade e intensificação de medidas como a apropriação do fundo público pela burguesia nacional, o desmonte do Sistema Único de Saúde (SUS), cortes de verbas, teto de gastos, subfinanciamento, mercantilização, terceirização e privatização de serviços e sua gestão.

Em 2015, com a Resolução nº 01 do CONAD, essas instituições foram regulamentadas no âmbito do Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas (SISNAD), num movimento liderado por Osmar Terra, então ministro do Desenvolvimento Social no governo de Michel Temer e ex-ministro da Cidadania de Jair Bolsonaro. Em 2019, foi instituída uma nova Política Nacional sobre Drogas (PNAD), e foi sancionada a nova lei de drogas (LD), que enfatizou ainda mais o papel das CTs.

De acordo com o relatório do Conselho Federal de Psicologia (CFP), do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) e do Ministério Público Federal (MPF), mesmo as CTs legalizadas não cumprem as normas da ANVISA e cometem diversas violações de direitos devido à fiscalização inadequada ou inexistente. A partir desse relatório, observou-se que muitas CTs no Brasil praticam métodos tão violentos quanto os dos antigos manicômios, sem garantir minimamente a preservação dos direitos humanos mais básicos. Apesar das críticas, antes da institucionalização e sanção das novas PNAD e LD, em março de 2019, houve um aumento nos contratos com as CTs e no número de vagas nessas instituições, sem necessidade de licitação. Segundo a Conectas Direitos Humanos e o CEBRAP (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), entre 2017 e 2020, as CTs receberam um total de R$ 560 milhões do poder público, representando um aumento de 65% nos investimentos, enquanto os CAPS AD receberam apenas um aumento de 11% no mesmo período.

Referente à espiritualidade/religiosidade, o levantamento do IPEA (2017) aponta que 82% das CTs têm vinculação religiosa, predominantemente com instituições evangélicas e católicas. Assim, a expansão e centralidade das CTs nas políticas sobre drogas estão intimamente ligadas ao crescimento do poder religioso, e principalmente evangélico, bem como sua influência política. Entretanto, o financiamento estatal em casos de vinculação religiosa viola o princípio constitucional de laicidade.

Sobre o trabalho, denominado laborterapia, é importante entender que se trata de trabalho não remunerado, uma vez que os frutos desse trabalho não retornam ao trabalhador na forma de salário. De acordo com o relatório elaborado pelo CFP, MNPCT e MPF, a laborterapia envolve práticas de trabalho forçado e em condições degradantes, em analogia à escravidão e substitui a contratação de profissionais pelo uso da mão de obra dos internos – sem remuneração ou qualquer direito trabalhista. Portanto, trata-se de uma estratégia de exploração dos internos; trabalho servil. O dependente de drogas, rotulado como doente (e, dada a dimensão religioso-moral, também como pecador, moralmente fraco, etc.), não deixa de ser um trabalhador; pelo contrário, a partir de sua condição singular, ele é transformado em um trabalhador ainda mais explorado: o que ele produz não retorna para ele na forma de salário. Além disso, é oprimido pela moralização e estigma de doente e, sobretudo, pela instituição e pelo Estado, que terceirizam tal modus operandi às CTs.

Para que as CTs sejam integradas nas políticas de saúde, é necessário que seus princípios orientem essas políticas; ou seja, que haja um alinhamento entre as políticas e as CTs quanto à compreensão das drogas e ao cuidado oferecido. Isso implica a exigência da abstinência como objetivo principal. Essa abordagem requer que o foco do cuidado esteja nas drogas, vistas de forma negativa, como males intrínsecos. Portanto, apesar dos títulos, as recentes políticas (Lei de Drogas e PNAD) são essencialmente antidrogas. Existe um paradoxo, pois esses instrumentos normatizam ações com base na abstinência, enquanto a portaria 3.088/2011 estabelece como diretriz da RAPS o desenvolvimento de estratégias de Redução de Danos. Dessa maneira, a Redução de Danos perde seu significado, já que seu enfoque está nos indivíduos, suas relações com as substâncias e os contextos de vida, e não nas drogas em si.

Para as CT's, o papel do Estado torna-se essencialmente financeiro, através de repasses, ou complementar, por meio de dispositivos e iniciativas públicas. A naturalização da complementaridade entre público e privado está associada à noção de qualidade no tratamento, sem especificações claras de como isso é alcançado. Assim, justifica-se a centralidade das CTs nas políticas sobre drogas, promovendo a mercantilização e privatização do cuidado aos usuários de drogas, sob pretextos contraditórios de cuidado acolhedor, sem as devidas clarificações e controle, e baseados em visões moralistas e irreais sobre as drogas.

Como exposto anteriormente, a Lógica Manicomial se expressa em diferentes espaços, e na atual conjuntura, não é coincidência que essa lógica seja encontrada em outros âmbitos, como o carcerário e na socioeducação. Assim, as CTs, ao contribuírem para a recuperação e reinserção no modo de produção capitalista, transformam sujeitos improdutivos em produtivos e aptos a consumir. Essas instituições, reforçadas por algumas das racionalidades que as sustentam (psiquiatria, discurso moral-religioso, etc.), cumprem o papel de garantir segurança e ordem por meio da coerção e controle, promovendo tranquilidade ao isolar sujeitos considerados doentes, incontroláveis e/ou perigosos, uma expressão pura de nossa formação social.

c. O que fazer:

A Luta Antimanicomial é uma das expressões da luta da classe trabalhadora brasileira frente aos aparatos de repressão enraizados no colonialismo e atualmente geridos pelo neoliberalismo. Nesse contexto, o campo de álcool e outras drogas expressa em suas particularidades a própria dinâmica da totalidade social brasileira. A área da saúde deixa de ser apenas atravessada, mas possibilita uma pertinente amarração entre as esferas produtiva e reprodutiva, entre a economia e a política, e a dimensão moral-religiosa. A saúde no capitalismo-dependente brasileiro, em última instância, é a graxa nas engrenagens do capital; é o que mantém os trabalhadores aptos a trabalhar e gere os considerados improdutivos, além da profunda acumulação e transferência de lucro aos países de capitalismo central a partir das relações de produção em saúde.

A história da luta em torno das políticas de saúde reflete intimamente os avanços e retrocessos da luta de classes, sendo a Reforma Sanitária o seu movimento mais amplo, e tendo a Reforma Psiquiátrica como um de seus desdobramentos em sua própria particularidade e limitações.

O combate às Comunidades Terapêuticas é o movimento tático que deve ser operacionalizado hoje na luta antimanicomial, entendendo sua articulação com o antiproibicionismo, o abolicionismo penal e a área da saúde como um todo. É preciso evidenciar os usuários no centro dessa luta, deslocando o debate essencialmente acadêmico para as massas. Devemos garantir espaços de coesão e solidariedade social, hoje dominados pelo poder religioso-evangélico. É crucial compreendermos que a guerra às drogas corresponde a um elemento central de nossa luta, expressando-se no encarceramento em massa e na violência contra a contra classe trabalhadora negra e periférica. Essa guerra sustenta a lógica manicomial hoje, corroendo as conquistas da Reforma Sanitária e deteriorando os distintos aparatos do SUS.  Devemos avançar para além da "defesa de um sistema de saúde universal, público e estatal". Não virá uma nova reforma para superar as anteriores, as próximas conquistas só ocorrerão a partir dos desdobramentos da estratégia da revolução socialista.

4. Perfil da classe trabalhadora na saúde

Avançando na nossa análise, a fim de contribuirmos para o debate acerca dos setores estratégicos da classe trabalhadora, trazemos aqui uma caracterização breve das principais categorias profissionais do setor.

A compreensão e a caracterização do que é o trabalhador da saúde no Brasil cumprem a função tanto de aprofundar onde reside o teor estratégico do setor saúde quanto de subsidiar as formulações de como de fato se aprofundar nesse setor, isto é, quais categorias são prioritárias, quais outras frentes de trabalho podem ser melhor mobilizadas taticamente para iniciar inserção e quais as melhores mediações para atuação em cada local de trabalho e momento do “ciclo de vida” de cada categoria.

Primeiramente, constam como profissões da saúde, segundo a BVS/MS:

  • Terapia Ocupacional
  • Psicologia
  • Odontologia
  • Nutrição
  • Medicina Veterinária
  • Medicina
  • Fonoaudiologia
  • Fisioterapia
  • Farmácia
  • Enfermagem
  • Educação Física
  • Biomedicina
  • Biologia
  • Serviço Social

Além disso, de imediato algumas informações e questionamentos já precisam ser acrescentados:

  1. Residentes e estagiários/internos em saúde enquanto concretamente força de trabalho;
  2. Existência de desdobramentos das categorias, como é o caso mais concreto da enfermagem (subdividida em enfermeiros, técnicos de enfermagem e auxiliares de enfermagem);
  3. Outras categorias potencialmente essenciais no funcionamento do setor saúde foram terceirizadas enquanto atividades-meio e não constam como profissões da saúde necessariamente: Vigilância; Limpeza e conservação; Manutenção predial; Lavagem de roupas; Alimentação;
  4. Necessidade de identificar no setor saúde uma faceta produtiva (e se podemos caracterizar dessa forma) - produção de insumos, insumos farmacêuticos e fármacos, além da respectiva faceta de pesquisa e desenvolvimento, centrada na pós-graduação e majoritariamente em instituições públicas.

a. Quantitativo geral de trabalhadores por categoria:

  • Enfermagem - 3.000.000
  • Enfermeiros - 741.333
  • Técnicos - 1.808.738
  • Auxiliares - 466.890
  • Obstetrizes - 386
  • Medicina - 598.000
  • Psicólogos - 531.000
  • Assistentes sociais - 176.000
  • Fisioterapeutas - 278.000
  • Odontologia - 636.000
  • Cirurgião dentista - 415.376
  • Técnicos em saúde bucal - 43.972
  • Auxiliares em saúde bucal - 176.753

b. As e os profissionais de enfermagem:

A enfermagem no Brasil é predominantemente feminina (85,1%), embora tenha havido um aumento no número de homens nas últimas décadas. A categoria é jovem, com 25% dos profissionais com até 35 anos e 40% entre 35 e 50 anos. Em termos de distribuição, São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro concentram 38,5% dos profissionais, enquanto esses três estados mais Rio Grande do Sul e Bahia somam 58,7%. A maior parte dos profissionais reside na capital (56,8%), e 40,9% vivem no interior.

A composição racial na enfermagem é variada: na equipe de enfermagem como um todo, 42,3% branca, 11,5% preta, 41,5% parda, 1,9% amarela e 0,6% indígena. Entre as enfermeiras, 57,9% são brancas, enquanto entre técnicas e auxiliares, 37,6% são brancas.

A maioria dos enfermeiros (57,4%) se formou em instituições privadas, e há uma tendência crescente de cursos integrais se tornarem diurnos, com 39,5% dos cursos sendo diurnos e 36,6% integrais. Cerca de 51,0% dos profissionais trabalhavam antes de se formarem, e 80,1% já fizeram ou estão fazendo pós-graduação, com 72,8% das pós-graduações sendo especializações, majoritariamente em instituições privadas. No entanto, há uma superqualificação significativa, com um terço das auxiliares e técnicas possuindo escolaridade maior do que o exigido para a profissão.

O mercado de trabalho para enfermeiros apresenta algumas dificuldades, como a falta de concursos públicos (18,1%) e mudanças de emprego que, apesar de ser a situação de menos de ⅓ do contingente, são motivadas por insatisfação salarial e condições de trabalho. A maioria (63,7%) possui apenas um emprego e 83,1% não atuam em outro município. Em termos de carga horária, 34,7% trabalham entre 31-40 horas semanais e 24,7% entre 41-60 horas. O setor público emprega 56,5% dos profissionais em hospitais, 18,1% em UBS e 11,0% em urgência/emergência, com 56,8% dos profissionais em regime de plantão e 42,6% em regime diário.

No setor público, 62,5% das enfermeiras têm rendimentos de até R$3.000, enquanto no setor privado essa proporção é de 68,2% e no setor filantrópico, 70,1%. As enfermeiras se destacam em atividades de administração, supervisão e assistência hospitalar, enquanto técnicas e auxiliares frequentemente trabalham em plantões e assistência hospitalar, muitas vezes em condições de sub-salário, isto é, recebem menos de 1.000,00 mensais. É a situação, no caso das auxiliares e técnicas, de 18,8% do setor público, 27% do setor privado e 28,2% do setor filantrópico.

c. As psicólogas e os psicólogos

Os psicólogos têm uma média de idade de 36,7 anos, com 50% dos profissionais até 39 anos, sendo 79,2% mulheres. Da caracterização racial, 63,9% são brancos, 26,1% pardos, 8,5% pretos, 1,2% amarelos e 0,3% indígenas.

A maioria (61,6%) tem renda de até seis salários mínimos, e 67% se formaram em instituições privadas. Em relação ao emprego, entre 59,8% e 70,9% trabalham exclusivamente na psicologia, e a taxa de desocupação varia entre 4,4% e 11,9%, dependendo da região, sendo a mais marcada no Nordeste. Quanto ao vínculo empregatício, 35,5% são autônomos exclusivamente, 18% assalariados exclusivamente, 24,6% assalariados e autônomos e 10,2% autônomos e voluntários. Os assalariados e autônomos apresentam maior renda média, mas também maior carga horária.

A principal dificuldade para inserção no mercado é a falta de oferta de trabalho e a defasagem entre habilidades e demandas do mercado. A maioria dos psicólogos demora cerca de 1 ano para conseguir o primeiro emprego na área da psicologia, e inicia sua carreira em clínicas (43,9%), seguido pelas áreas social/comunitária (14,7%) e organizacional/trabalho (14,4%).

d. As médicas e os médicos

Com 562.229 médicos, tendo este número mais do que dobrado desde 2000, a taxa nacional hoje é de 2,60 médicos a cada 1.000 habitantes. A densidade de médicos é marcadamente mais baixa nas regiões Norte e Nordeste do país, sendo o Acre, Amazonas, Maranhão e Pará os estados com menor densidade no Brasil. O mesmo se reflete na concentração de médicos nas capitais (6,13 médicos/1.000 habitantes) sendo muito maior que regiões metropolitanas (1,14) e interiores (1,84).

Do total dos médicos, 62,3% são especialistas, e quanto ao gênero, em Urologia, Ortopedia e Traumatologia, e Neurocirurgia os homens representam mais de 90% entre os especialistas. Em nove especialidades, os homens são mais de 80%. As mulheres são minoria em todas as especialidades cirúrgicas, caso da Cirurgia Geral, em que representam menos de 25% do total de especialistas.

A especialidade com maior número de mulheres é a Dermatologia, com 8.236 médicas, que correspondem a 77,9% dos dermatologistas. Outras especialidades com grande proporção de mulheres são Pediatria (75,6%), Alergia e Imunologia e Endocrinologia e Metabologia, ambas com 72,1%. Em Ginecologia e Obstetrícia, Geriatria, Hematologia e Hemoterapia e Genética Médica as mulheres representam pelo menos 60%. As especialidades de Nutrologia, Medicina Física e Reabilitação, e Gastroenterologia estão proporcionalmente equilibradas entre homens e mulheres.

As especialidades “mais jovens”, com menor média de idade, são Medicina de Emergência (40,9 anos), Medicina de Família e Comunidade (41,5 anos) e Clínica Médica (43,7 anos). São também as que apresentam menor percentual de médicos com 55 anos ou mais.

Sobre os dados de composição racial, os principais estudos disponíveis mostram apenas as estatísticas para médicos residentes e estudantes. Dos residentes, 70,1% são brancos, 24,5% pardos, 3,0% pretos, 1,7% amarelo e 0,1% indígena. Dentre os estudantes ingressantes, nas instituições públicas 55% são brancos, 34,6% pardos, 7% pretos, 2,4% amarelos e 1,0% indígena, enquanto que nas instituições privadas, 75,3% são brancos, 20,8% pardos, 2,2% pretos, 1,5% amarelos e 0,2% indígenas.

O rendimento mensal médio dos médicos em todo Brasil é de R$30,1 mil mensais.

e. As e os profissionais do serviço social

Mais uma vez, há predominância feminina, com 92% de mulheres no serviço social, 7,4% de homens e 0,1% de outras expressões de gênero. Quanto à composição racial, 46,98% brancas, 37,58% pardas, 12,76% pretas, 1,85% amarelas e 0,32% indígenas. Sobre o vínculo religioso, 49,65% são católicas, 21,61% evangélicas, 12,42% não possuem religião e 9,33% são espíritas.

Mais de 75% das assistentes sociais são provenientes de instituições de ensino privadas, majoritariamente privadas com fins lucrativos (quando comparado a privadas filantrópicas e privadas comunitárias). Esse dado se relaciona com os rendimentos declarados das assistentes sociais, onde, entre os profissionais que declararam não ter nenhum rendimento (18% do total de profissionais), 80% são oriundos de instituições privadas. Os dados indicam que as pessoas sem rendimento ou com menor rendimento realizaram curso superior em instituições privadas, e as de maior rendimento (acima de R$ 7.001,00) concluíram seus cursos em instituições públicas, especialmente da rede federal de ensino. 68,8% das vagas de graduação ofertadas foram para cursos à distância (EaD), sobretudo nas universidades privadas. Nas instituições públicas, predomina o ensino presencial, com cerca de 85% das vagas presenciais, apesar do fenômeno de aumento das vagas EaD, com cerca de 15% das vagas totais.

5. A burguesia da saúde

A fim de expandirmos sobre nosso raciocínio em relação a posição estratégica do setor da saúde para nossa estratégia revolucionária, trazemos aqui uma breve caracterização da burguesia da saúde e sua atuação no Brasil.

A burguesia da saúde no Brasil se apresenta como dinâmica e implicada em diversos setores da economia, articulando por exemplo o setor de produção de insumos e equipamentos em saúde e administrando os serviços de forma a garantir a circulação dessas mercadorias e cumprir o papel social e ideológico da saúde na sociedade de classes. Com a criação do SUS e a não estatização completa da saúde (proposta inclusive defendida pelo PCB à época, pautado pela EDN), grupos privados de maior ou menor escopo, como é o caso das Santas Casas de Misericórdia (vinculados à Igreja Católica) e outros grupos de caráter filantrópico, permaneceram no controle local dos serviços de saúde, sobretudo hospitais, e desenvolveram novas formas de dominação e expansão ao longo das décadas, via estabelecimento das políticas neoliberais no país.

a. Sobre o SUS e as modalidades privatistas de sua gestão 

Ao final da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos despontaram como uma superpotência econômica, política e militar. Naquele contexto, as visões e propostas alavancadas pelo governo dos Estados Unidos foram decisivas para a criação e o desenho das duas instituições nascidas na Conferência de Bretton Woods: o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (Bird), logo chamado de Banco Mundial. O dinheiro “emprestado” pelo Banco serviu de alavanca na difusão e institucionalização de ideias econômicas e prescrições políticas sobre o que os governos dos Estados clientes deveriam fazer em matéria de desenvolvimento capitalista, nas suas mais diversas dimensões. 

A partir da década de 1970, novos arranjos político-institucionais determinaram o desenvolvimento do neoliberalismo e do chamado “Estado-mínimo”, que permearam a atuação do Banco Mundial, o qual, nesse contexto, difundia o argumento de que as causas do subdesenvolvimento dos países latino-americanos, como o Brasil, seriam duas: populismo econômico e excesso de intervenção do Estado. Para superar esses “problemas”, o Banco Mundial elaborou um “receituário” no Consenso de Washington a ser cumprido pelos países periféricos a fim de que, supostamente, superassem a crise e se adequassem à nova lógica mercadológica do neoliberalismo. Tal “receituário” previa essencialmente disciplina fiscal/monetária, liberalização, privatização e desregulamentação do mercado. Nascia ali a institucionalização das Políticas de Austeridade.

Nesse contexto, em 1995, o Estado brasileiro passou por uma Reforma Administrativa, que previa, entre outras coisas, que algumas funções do Estado (como a saúde, a educação, a segurança alimentar, e a preservação do meio ambiente) poderiam passar a ser de responsabilidade da iniciativa privada. Assim, surgiram as Organizações da Sociedade Civil (OSC), instituições privadas, sem fins lucrativos, legalmente constituídas e auto administradas. Algumas OSCs recebem, desde o fim da década de 1990, os títulos de Organização Social (OS) ou Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP). As Organizações Sociais em Saúde (OSSs), especificamente, fazem parte do Complexo Econômico Industrial da Saúde e constituem um mecanismo de privatização da saúde (transferência das funções e responsabilidades do setor público, completamente ou em parte, para o setor privado). São reguladas pelo direito privado, têm autonomia de processos e dispensa de licitação, não estão submetidas aos tribunais de contas públicas (apesar de receberem dinheiro público!), e como são ditas entidades sem fins lucrativos, também estão isentas do pagamento de imposto de renda e das contribuições sociais. 

Em síntese, recebem dinheiro público, mas operam em condições de mercado. Nessas Entidades privadas impera a alta rotatividade e precarização dos contratos de trabalho (segundo dados do IPEA, 93,40% das OSs e 78,94% das OSCIPs não registram vínculos formais de trabalho) e a "quarteirização", que ocorre quando a OSS subcontrata outra empresa privada para realizar atividades-meio, mecanismo que lhes é permitido. Em suma, as OSSs se valem da precarização crescente da infraestrutura, das terceirizações e da exploração dos trabalhadores (por meio da pejotização, dos salários baixos e da contratação de equipes reduzidas) para garantir seus lucros, enquanto a população adoece física e psiquicamente. 

Para fins de exemplificação, observamos a Tabela 1, que investiga o valor total dos recursos financeiros captados por OSSs nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro. Pode-se observar que no período de 2009 a 2014 as dez maiores OSS do país mobilizaram um montante de R$ 22.967.358.628,14, considerando-se apenas os valores declarados nos contratos de gestão e nos termos aditivos estabelecidos entre essas organizações e as secretarias estaduais de saúde dos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro. A SPDM, mantenedora do Hospital São Paulo, maior OSSs em atividade no país, aparece nas posições 171ª, 168ª e 167ª entre as 1.000 maiores empresas de diversos setores produtivos do país, nos anos 2012, 2013 e 2014, respectivamente (segundo o jornal Valor Econômico; http://www.valor.com.br). Em 2014, considerando apenas o ranking do setor de serviços médicos, a SPDM ocupava o 2º lugar marcando uma importante presença na prestação da assistência em diversos outros estados, envolvendo 37.500 trabalhadores.

A figura 1, por sua vez, apresenta a expansão geográfica das dez maiores OSS presentes em 17 estados do país, as quais têm contratos de gestão com as secretarias de saúde estaduais e com algumas secretarias municipais. Salienta-se a grande capacidade de expansão dessas Organizações pelo território nacional, monopolizando a gestão dos serviços de assistência à saúde.

Por fim, outro exemplo dos mais estruturados para a privatização da saúde, da educação e da expansão dos oligopólios é a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), uma empresa pública de direito privado criada nos governos petistas para o gerenciamento dos hospitais da rede federal de ensino. Apesar da roupagem estatal, a EBSERH é a articuladora da terceirização dentro dos Hospitais Universitários (HUs), contratando fornecedoras e outras empresas para administração e serviços sem licitação, instituindo uma lógica produtivista nos HUs que destrói qualquer perspectiva de cuidado e ensino em saúde e entrega para o capital a infraestrutura e o conhecimento produzido na rede de alta complexidade do SUS e das universidades.  Vale ressaltar que a EBSERH vem se movimentando em direção a hospitais fora da rede federal de ensino, sobretudo no Rio de Janeiro, usando universidades como a UNIRIO, UFF e UFRJ como trampolim para tomar hospitais municipais e estaduais. 

As Organizações Sociais de Saúde (OSSs), as Parcerias Público Privadas (PPPs) e a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) representam diferentes modalidades de privatização do SUS, e o definhamento progressivo dessa política pública evidencia qual tem sido seu papel no processo de produção e reprodução do capital: o de gerir o sofrimento humano. 

É urgente pautar o fim dessas modalidades privatistas de gestão, reivindicando um SUS 100% estatal, público e que de fato dê cabo ao cuidado em saúde.

b. Sobre os planos e conglomerados privados de saúde

Conforme se estruturam e ganham mais corpo os planos privados de saúde, os grupos familiares donos de hospitais, as empresas de diagnóstico e redes de laboratórios, às custas de isenções fiscais e contratações por parte do Estado, avança a monopolização. Atualmente, das 1000 maiores empresas segundo o veículo da mídia burguesa Valor Econômico, 29 são empresas descritas como do setor de serviços médicos, entre eles: Rede D'Or São Luiz (com receita líquida de 22.987,4 milhões de reais em 2022), Dasa, Hospital São Paulo (SPDM), Hospital Israelita Albert Einstein.   

Tais grupos se organizam enquanto oligopólios ou conglomerados, adquirindo instituições/serviços menores, se fundindo (como a fusão da HapVida e Notredame ou a Rede D'Or e SulAmérica)  e construindo redes nacionais, à disposição do Estado para prover serviços - como é o caso da gestão das UBSs, UPAs, hospitais de alta complexidade, serviços de diagnóstico e até mesmo consultoria e modelos de gestão, como observamos no Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (PROADI-SUS) - usando recursos públicos direta ou indiretamente. 

A partir da gestão de um único hospital, um conglomerado da saúde articula dezenas de fornecedores e outras empresas terceirizadas, em proporções que não estão explicitadas e que fazem parte da ausência de qualquer transparência ou fiscalização do uso de recursos públicos por parte das Organizações Sociais de Saúde, por exemplo. A lógica privada de gestão dos recursos, incluindo os recursos humanos, é diretamente convidada pelo Estado neoliberal a entrar no SUS, determinando quais ferramentas de avaliação e dimensionamento devemos usar no Brasil para saber quantos médicos faltam ou sobram em determinada região do país, quantas vagas em cursos de medicina privados devem ser abertos.

c. Sobre a burguesia da educação em saúde

Entrando no setor da educação, os conglomerados da saúde já atuam diretamente no lucrativo ramo das faculdades privadas de medicina. Grupos como a DNA Capital investem e detêm recursos ao mesmo tempo do conglomerado educacional Inspirali (especializado em cursos de medicina e vinculado ao grupo Ânima), do grupo Dasa (do ramo de diagnósticos), de pós-graduações em saúde e de empresas de software de gestão de clínicas e hospitais. Se trata do domínio completo de todos os processos envolvidos no trabalho em saúde.

Em relação à burguesia da educação/saúde, especialmente àquela relacionada aos cursos de Medicina, assistimos a uma disputa intercapitalista entre mantenedoras tradicionais (como PUC, representadas pela Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino - ABMES) x Conglomerados Bilionários da Educação (como AFYA, ANIMA e YDUQ, representados pela Associação Nacional de Universidades Privadas - ANUP) para consolidar o monopólio sobre a abertura de novas vagas, a partir da concentração e centralização de capitais. 

Ao longo das últimas décadas, a disputa pela abertura de novas vagas em cursos de Medicina se tornou a galinha dos ovos de ouro das entidades privadas do setor da educação, visto que o curso, de 6 anos, tem um elevado retorno e uma baixa evasão, chegando a representar um ativo de R$ 2 milhões por uma única vaga. E o Estado tem cumprido o papel de proteger, de diferentes formas, esse processo de monopolização, especialmente a partir de 2013.

Em 2013, durante o Governo Dilma, foi criado o Programa Mais Médicos, sob o argumento de atender a população brasileira nos serviços de Atenção Básica do Sistema Único de Saúde (SUS) a partir de modalidades formativas de ensino, pesquisa e extensão. Nesse sentido, Instituições de Ensino Privadas podiam se candidatar à abertura de novas vagas no curso de Medicina por meio dos editais de chamamentos públicos. O Programa, bastante comemorado por setores aparentemente progressistas, apesar de ter sido importante para atenuar e distribuição desigual de profissionais no país, esteve condicionado desde o princípio à dinâmica privatista que era fomentada no SUS e na educação superior pelo Governo social-liberal de Dilma (PT) nesse mesmo período. Fizeram parte desse processo a incorporação cada vez mais brutal Organizações Sociais de Saúde (OSSs) no SUS, incluindo Hospitais Universitários, e também os inúmeros subsídios estatais e incentivos fiscais aos Conglomerados Bilionários da Educação, que se candidataram aos montes aos editais de chamamento públicos de abertura de escolas médicas que eram realizados naquele período. O incentivo real nunca foi dado à abertura de novas vagas em Universidades Públicas, mas sim às Instituições Privadas, que obviamente não se instalaram onde, necessariamente, havia maior necessidade de profissionais, mas nos locais em que seus lucros seriam garantidos. 

A partir de 2018, durante os Governos de Temer e posteriormente de Bolsonaro, com o apoio de Entidades Médicas, foi suspensa a abertura de novos cursos de Medicina no País, sob o argumento de que era preciso frear o aumento indiscriminado de escolas médicas sem qualidade adequada, argumento esse motivado por interesses meramente corporativistas. Na prática, porém, o processo de monopolização e desmonte da educação pública continuou sendo fomentado, visto que milhares de vagas foram criadas por IES privadas durante os cinco anos de suspensão por meio de ações judiciais.

Em 2023, durante o Governo social-liberal de Lula-Alckmin, a lógica do Programa Mais Médicos foi retomada, seguindo premissas muito semelhantes àquelas que vigoraram durante o Governo Dilma. Essa retomada foi marcada, entre outras coisas, pela abertura do Edital que permitiu a abertura de 95 novas Escolas Médicas Privadas no país. E nesse processo, apesar da resistência de muitas mantenedoras tradicionais, os grandes Conglomerados Bilionários da Educação, como AFYA, ÂNIMA e YDUQ, tem vencido. A Afya, por exemplo, cujo maior acionista é o bilionário grupo alemão Bertelsmann, teve receita líquida de mais de R$2,3 bilhões em 2022, enquanto a população brasileira ainda convivia com os efeitos brutais do genocídio orquestrado durante a pandemia de COVID-19.

O capitalismo em seu estágio monopolista explicita o acirramento das tensões entre diferentes grupos da burguesia, os quais se colocam em disputa para hegemonizar os lucros advindos da destruição da vida da classe trabalhadora. Dessa vez, estamos assistindo à disputa interna da burguesia da educação (Conglomerados Bilionários da Educação, representados pela ANUP x Mantenedoras e Fundações de Instituições de Ensino Superior privadas, representadas pela ABMES), mas virão outras, com tendências cada vez maiores à hegemonização.

Todo esse processo foi o pano de fundo de um acalorado debate, feito de forma muito corporativista e superficial, sobre permitir x não permitir a abertura de novas escolas médicas. Mas como discutido anteriormente, a discussão, no fundo, nunca foi sobre abrir ou não novas escolas médicas, nem tampouco sobre a qualidade dos profissionais formados, mas sobre quem ficará com os lucros do monopólio sobre esse processo. 

É preciso denunciar que os verdadeiros interesses dos estudantes e trabalhadores não estão sendo contemplados por esse falso debate, visto que os verdadeiros problemas não estão sendo apontados: (1) O projeto de desmonte da educação pública tem sido tocado há anos (não há concursos, faltam docentes, faltam campos de prática, faltam políticas de permanência...), fazendo emergir, no senso comum, a ideia de que leiloá-la é a solução; (2) Com o avanço das Organizações Sociais de Saúde (OSSs) e das Parcerias Público-Privadas (PPPs), desde a década de 90, a privatização do SUS e dos Hospitais Universitários, com consequente prejuízo à vida da população, já é uma realidade. E se o Programa Mais Médicos não foge a essa dinâmica, ele segue apenas sendo um gestor do sofrimento da população brasileira; (3) A má distribuição de médicos no país não é, necessariamente, resultado da falta de profissionais, mas da ausência de incentivos para que eles queiram se estabelecer em regiões fora dos grandes centros (faltam infraestrutura dos serviços de saúde, programas de residência e concursos; (4) A abertura desenfreada de novas escolas médicas ajuda a avolumar a reserva de mercado de médicos pelo país. Isso tem reduzido seu poder de barganha frente às OSSs, fomentando a rápida precarização dessa categoria de trabalho, como denuncia o processo de pejotização, que vem acompanhado de jornadas de trabalho extenuantes e da dificuldade de estabelecer qualquer processo de estabilidade profissional; (5) O aumento do número de vagas no curso não vem acompanhado pelo aumento do número de vagas em programas de residência, que tampouco são contemplados pela Lei de Cotas. A existência desse funil cada vez mais brutal é o que alimenta os cursinhos de residência, pertencentes a grupos bilionários como o MEDGRUPO, que lucram em cima do desespero de estudantes mal formados. Esses cursinhos separam quais estudantes terão acesso a melhores salários e condições de trabalho e mais estabilidade de quem, sem conseguir ingressar num programa de residência, irá deteriorar as próprias condições de vida pulando de plantão em plantão, em portas de pronto-socorro, com rotinas extenuantes e nenhum tipo de estabilidade.

6. O internacionalismo proletário na saúde

Para iniciar essa parte do nosso debate, decidimos pontuar alguns elementos que consideramos importantes destacar acerca do que se apresenta enquanto possibilidades para se explorar no sentido da afirmação da superioridade da proposta socialista para a humanidade, em comparação com a barbárie promovida pelo capitalismo, em âmbito internacional, para que possamos incorporar na prática do novo partido enquanto aprofundamento das abordagens, agitação e propaganda sobre a questão internacional. 

Existem algumas características que compõem um padrão que vem se repetindo em nações que por breves ou longos momentos enrijeceram-se contra a lógica capitalista ao serviço de saúde. Os desastrosos números de mortalidade infantil, a baixa expectativa de vida e a presença concentrada desses serviços nos grandes centros urbanos e para os ricos são sinais que precederam algumas revoluções que lograram repensar também o conceito de saúde com posteriores reverberações mundiais e que perpetuam mais do que as próprias experiências socialistas nacionais.

Em épocas posteriores ao de uma revolução como a russa ou a cubana, os respectivos partidos se mostram prontamente dispostos a cumprir com o compromisso socialista de atender às demandas sanitárias do povo com drásticas reformas no modelo de oferta do serviço de saúde, reformas na educação superior e técnica dos profissionais. Esse foi o caso por exemplo da própria revolução bolchevique que capitaneou o primeiro sistema de saúde público e universal após a criação do Comissariado do Povo de Saúde Pública “Narkom Zdrav” que com uma série de planejamentos e ações foi capaz de reformular o ensino, a oferta do serviço e a igualdade no atendimento a todos os seus cidadãos que hoje entendemos por atenção básica de saúde. 

Foram priorizadas amplas pesquisas sobre a prioridades e maiores agravos da sua população para uma ação eficaz no atendimento e na produção de fármacos que correspondem a essas demandas, foi introduzida aos cidadãos a educação para a realização de atividades físicas como prevenção de doenças e atenção especial para os trabalhadores e doenças ocupacionais, estava assim sendo criada a atenção básica de saúde, uma forma mais consciente de agir pela promoção e prevenção da saúde para além dos antigos sistemas que tratavam as doenças e não o seu povo. Com o passar dos anos de desenvolvimento, aplicação e resultados na saúde com o sistema sanitário soviético, a OMS reconhecendo o seu sucesso, enviou uma delegação e produziu relatórios que serviriam de exemplo a serem adotados em outras nações baseando-se nessa atenção básica como meio de alcançar superiores taxas de qualidade na saúde pública. 

Com fim do da URSS é sabido que a população foi lançada à sua própria sorte, ou melhor, sujeita aos interesses do capital, que adentrou na Rússia por meio de planos de saúde privados cooptando a integralidade do serviço de saúde, deixando de ser um direito para se tornar um produto.

Outros expoentes dessa nova forma de encarar a saúde de forma exemplar foram Cuba e a República Democrática Alemã inspiradas no modelo soviético mas com suas próprias peculiaridades e avanços.

Já quanto ao que está em curso, é possível perceber grandes diferenças nas propostas de modelo de sociedade, a começar pela maior potência antagônica ao domínio estadunidense. Não é objetivo desta contribuição caracterizar o regime chinês como socialista ou não (é bem provável que não haja consenso de compreensão nem mesmo dentro desta fração). Porém, podemos avaliar como exitosa, dentro de um contexto de competição da ordem capitalista global, que hegemonizou as relações internacionais, a estratégia de construção e consolidação da soberania nacional da China desde seu processo revolucionário em 1949. Não se tratou de um processo linear, livre de contradições e de questionamentos acerca de sua orientação, nem mesmo realizado da mesma maneira ao longo dessas mais de sete décadas, mas o que se tem hoje de resultado é um país capaz de fazer frente e ameaçar o posto de maior potência mundial dos Estados Unidos. Com o Partido Comunista Chinês (PCCh) tendo sido o responsável por planejar a execução, em cada uma das suas etapas, da produção de um complexo industrial de saúde (bem como de qualquer área da economia nacional), a China foi capaz de reduzir drasticamente a dependência da produção de tudo que envolve o fornecimento de saúde no país, vide a velocidade monstruosa que foi controlada a pandemia de COVID-19, especialmente com a produção de vacinas próprias e eficientes que foram capazes de contribuir, também, com o controle da contaminação e de número de mortes em todo o mundo. 

Apesar de ser atualmente a experiência mais emblemática no sentido de poderio econômico, ela não é a única. Exaltamos a saúde cubana, especialmente a compreensão de saúde coletiva, quase que como regra em todo o campo da esquerda brasileira praticamente (mesmo que parte possa desconsiderar o fato de que isso foi alcançado apenas por ter havido uma revolução socialista), citamos pontualmente medidas importantes de Vietnã, Coreia Popular, entre outros, mas ainda temos pouco aprofundamento do que vem sendo construído no campo da saúde, na prática, nos países que podem ser consideradas experiências socialistas na atualidade. Acreditamos ser tarefa de um partido comunista, por meio de sua fração de saúde, ter esse domínio como parte de sua estratégia propagandística da superioridade do modelo socialista em relação ao capitalista para a vida humana, bem como contribuindo para a compreensão de que a construção da soberania nacional é parte fundamental para acesso à saúde. 

Ainda sobre a atualidade, é importante que não caia no esquecimento o que foi a pandemia de COVID-19 e como os países, blocos e organizações mundiais lidaram com a situação. Os países socialistas levaram desde o primeiro momento com seriedade a situação sanitária mundial de modo a mitigar os danos ao povo e nunca levantando as cifras de custo e lucro por cima das vidas humanas. 

A exemplo dessa tarefa global está Cuba com um conhecido programa de atuação de médicas e médicos com larga experiência de atuação diante de tragédias (climáticas, epidêmicas ou políticas) e nas mais remotas circunstâncias que os caracterizam como um verdadeiro exército sanitário. Há anos atrás teve papel fundamental no combate do ebola em África quando essa doença ainda não demonstrava seu potencial de lucro, visto que não atingiu países centrais, e isso fez com que Cuba e seus profissionais fossem reconhecidos como agentes capacitados para atuação em situações semelhantes de epidemias, como comprovado também na pandemia de COVID que chegou a mandar seus médicos a mais de 20 países em missões de apoio nas brigadas internacionais. Ainda que sob décadas do embargo criminoso imposto pelos EUA e seus aliados, Cuba conseguiu produzir vacinas próprias e vacinar toda sua população com uma velocidade invejável, por meio de uma indústria farmacêutica nacional e capacidade de capilarização do acesso à saúde em todo o território. 

A China com seu enorme potencial demonstrou a capacidade de fazer brotar da terra hospitais de campanha completos em apenas 10 dias. A disciplina e a prática dos nossos irmãos foram superiores a todas as campanhas de difamação e racismo que a mídia e os governos ocidentais tentaram emplacar numa tentativa de minar a popularidade do governo chinês mas também a de seus cidadãos civis que viviam em terras estrangeiras. O sentimento anti-china que as potências ocidentais tentam emplacar carrega o mesmo valor que o sentimento anti-comunista agregando também acenos racistas.

Poderíamos destacar diversos outras iniciativas, mais ou menos exitosas, que demonstraram o real interesse em cessar o sofrimento das pessoas, como no Vietnã, Laos, Coreia Popular, etc., e explorar a contradição escancarada ao mundo capitalista, que, em contrapartida ao término do período pandêmico, foi capaz de dar à luz novos 40 bilionários apenas do ramo farmacêutico, com seus monopólios da produção de vacinas que ao serem vendidos para diversos governos cobraram valores de até 24 vezes em relação ao custo de sua produção. 

Os modelos de saúde de países capitalistas/liberais devem ser colocados à prova, escancarados para o povo de  seus limites, contradições e incapacidade de produzir algo diferente de desigualdade e sofrimento.  Há em vigor uma crise global dentre os profissionais de saúde que precede a pandemia da COVID mas que foi aprofundada por ela entre outros fatores, o despreparo dos sistemas de saúde nacionais burgueses em lidar com problemas que fogem à razão do lucro. Em comum entre diferentes nações, as e os trabalhadores possuem longas cargas horárias, alta demanda laboral, baixos salários e precarização das condições de trabalho. Isso tudo tem culminado diretamente na saúde do trabalhador que vem aumentando os índices de burnout, estresse pós-traumático e problemas cardiovasculares. Soma-se a isso a pressão cotidiana do trabalho e pelo salário, baixos níveis de apoio institucional e planos de carreira insuficientes. No entanto há uma diferença na percepção do trabalhador de saúde em se reconhecer como um agente ativo na construção do avançar de uma sociedade ao trabalhar sob um regime socialista que além de reconhecer verdadeiramente o seu esforço, o legitima quando sinaliza a intenção de tratar e salvar vidas ao detrimento de obter lucro com o sofrimento seu e de seus pacientes. Na contramão há uma frustração cotidiana de qualquer profissional de saúde que hoje sabidamente reconhece que o seu esforço individual ao cuidar de um paciente é com o intuito final de obter lucro para grandes conglomerados da saúde.

Tem ocorrido um movimento de países centrais em cooptar trabalhadores da saúde estrangeiros, principalmente de países com renda média baixa e isso tem gerado um efeito cascata de desequilíbrio na ocupação laboral. Hoje a Alemanha tem trabalhado ativamente recrutando enfermeiros brasileiros com incentivos com bolsas, aulas de idioma e outras facilidades de migração e estabelecimento por lá. Por sua vez, o Brasil contrata enfermeiros de outros países da américa latina por salários mais baixos ainda. A não consolidação do piso da enfermagem no Brasil é estimuladora à imigração de enfermeiros brasileiros em busca de uma vida melhor.

Está em curso uma corrida global de recrutamento de trabalhadores do “sul global” para o “norte”.

Caso similar acontece hoje na Libéria. O país conta atualmente com 1 médico e 2 enfermeiros para cada 2 mil habitantes. Ainda assim, metade dos que se formam deixam o país para trabalhar no exterior. A Libéria é vítima de ações do Fundo Monetário Internacional que impõem congelamentos de gastos públicos, fazendo com que não se possa contratar mais pessoas e abrindo alas para a privatização e fuga de profissionais onde consigam exercer a profissão a qual se formaram.

Da maneira similar tem acontecido esse recrutamento de mão de obra estrangeira no tão vangloriado National Health Service (NHS) do Reino Unido, que atualmente conta com mais de 12% do total de funcionário sendo estrangeiros de origem asiática ou africana (em sua maioria de origem de antigas colônias britânicas como é o caso da Índia, Paquistão e Nigéria), esse número era de 7% em 2020. Esses profissionais são geralmente alocados em regiões com piores condições de trabalho e menores salários.

Não é preciso sair da Europa para observar o mesmo fenômeno acontecendo. A Albânia (será mesmo na Europa?) sofre com a saída de 20% de seus médicos formados no país para trabalhar na União Europeia, principalmente para a Alemanha. Isso fez com que o país decretasse no ano passado uma lei que impusesse obrigatoriedade de todos os formados em medicina a trabalhar ao menos 5 anos no país antes de saírem e trabalhar no exterior. Em resposta os estudantes albaneses vêm protestando desde então e chamando essa lei de “populista e comunista” por privarem a sua suposta liberdade individual.

A informação filtrada e editada que chega até a população brasileira sobre as maravilhas de uma vida nos Estados Unidos por meio dos monopólios da mídia burguesa esconde a tragédia que é o acesso à saúde, com evidente recorte de classe e raça, neste país. A segregação e o nível absurdo de barbárie não é exclusividade da maior potência econômica e militar do planeja, pois até nas experiências mais glamourizadas do capitalismo, como o sistema de saúde britânico, a suposta justiça social do Canadá e da social-democracia europeia, são apenas engodos e instrumento de propaganda capitalista que esconde o que de fato acontece nesses países com os pobres e racializados, bem como o que tem por trás de um vendido bem-estar social alcançado - superexploração da periferia do sistema. É preciso escancarar de maneira organizada e sistemática para o povo a falência do capitalismo em oferecer para humanidade uma proposta de vida digna.

Outras situações que fogem ao campo socialista precisam também de atenção para que possamos compreender melhor as possibilidades de luta existentes em regimes desfavoráveis. Iniciativas que ocorrem em países dependentes como o nosso, demonstram a necessidade de se buscar sempre o avanço do processo de conquista de soberania nacional -. Podemos comparar a atuação de governos recentes da América Latina, em que embates foram realizados na busca de, apesar de não necessariamente alcançar o socialismo, mas promover reformas importantes no campo da saúde que visam reduzir a dependência, fortalecendo a capacidade de produção nacional e enfrentamento ao centro, como na Bolívia, Colômbia, Venezuela, em alguns momentos, Equador e Argentina. É questão de saúde. É difícil chamar de soberana uma nação incapaz de curar os próprios doentes, de produzir os próprios medicamentos, de produzir os próprios equipamentos hospitalares de alta e de baixa complexidade. 

A exemplo, focalizando apenas no caráter farmaceutico do apartheid na Palestina, as 5 farmácias das 6 ao todo, se encontram na Cisjordânia e que juntas fornecem apenas 50% dos remédios vendidos na Palestina. Em Gaza há apenas 1 farmácia, inativa entre tantas razões mas que vão desde a falta de insumos e equipamentos como pela simples recusa das autoridades israelenses de permiti-las adentrar ao território de Gaza. Isso faz com que os medicamentos israelenses sejam mais acessíveis aos palestinos, assim, nutrindo o inimigo com os escassos recursos de um povo para o seu algoz, torna-se distante o vislumbre de uma emancipação verdadeira de seu colonizador.

Enquanto partido que vislumbra e luta por uma revolução devemos pois também considerar todos os desdobramentos desta, incluindo seus momentos de batalhas armadas. Analisemos ao menos um pouco o caso de Moçambique na época da antiga FRELIMO, em que a falta de medicamentos, profissionais preparados e estrutura mínima para fazer funcionar um hospital de guerrilha foram suficientes para fracassar em batalhas por mais que no âmbito militar houvessem armas e soldados dispostos a combater por uma independência. A brutaidade sionista está nos ensinando  que hosptais são importantes alvos militares e que nenhuma convenção entre países burgueses será suficiente para impedir de que seja feitas as maiores atrocidades possíveis pelo homem contra o homem. Ao contrário, não prever a sujeição de falhas e de ataques no nosso sistema de saúde nestes momentos de combate declarado e não se preparar para estes eventos é se sujeitar a maiores riscos de fracasso.

Nesse segundo momento, pontuamos alguns elementos que julgamos serem necessários de que se discuta para a organização do partido, a fim de que se produza nele capacitação teórica e prática dos quadros como tarefa de uma fração de saúde que possa contribuir com as lutas contemporâneas.

Primeiramente, estamos cientes que um dos pilares da crise no nosso antigo partido e evidente escancaramento das contradições que vinham sendo produzidas no interior dele foi a questão do nosso posicionamento em relação ao movimento comunista internacional. Também não é objeto desta tribuna a discussão sobre qual deve ser o bloco que devemos compor e quais são os melhores aliados. O fato é que é necessário que estejamos conectados com as variadas formas de tentativas de avanço da construção do poder popular pelo mundo no que se refere o campo da saúde enquanto instrumento. É também fato que a construção da revolução brasileira se dará a partir da nossa própria realidade, neste momento histórico, considerando tudo que há de particular aqui, sem que importemos modelos que tiveram sucesso em outros locais e momentos históricos. Porém, o internacionalismo é parte indissociável do movimento comunista e com ele é possível elaborar, de maneira cada vez mais organizada e planejada, propostas que possam ser apreciadas e trabalhadas em cada local onde a classe trabalhadora se organiza para avançar com o socialismo.

Também destacamos a necessidade da elaboração, a partir do aprofundamento teórico e conhecimento das experiências em outros países, de propostas de políticas públicas para o Brasil que visem promover mais soberania no campo da saúde e avançar no poder popular junto às diversas categorias que compõem a área.  

Nesse sentido, tomemos de exemplo nossa vizinha Argentina aprovou em 2020 depois de anos de grandes mobilizações populares que agitaram o debate público de saúde no país, tendo em vista que durante as transmissões ao vivo de debates chegavam a mais de 4,5 milhões de pessoas assistindo (num país de 45 milhões, estamos falando de 10% da população de um país). As consequências começam a se apresentar em relatórios publicados que demonstram que durante quase 3 anos de programa, em todo o país já foram realizados 245 mil procedimentos de aborto  e as mortes maternas caíram 43%. Em meninas de 10 a 14 anos, a taxa de fecundidade diminuiu em 43% entre os anos de 2018 e 2021. No Brasil, durante 2012 a 2022 morreram 483 mulheres e meninas por aborto em hospitais da rede pública, essa é a quinta maior causadora de mortes maternas do país. Enquanto na Argentina os laboratórios públicos em 4 diferentes províncias se fortalecem com a produção e distribuição destes medicamentos necessários para a consolidação desta política sanitária, no Brasil pouco se avançou mesmo entre a esquerda. Parecem haver grandes muros que impedem o vislumbre dos modestos avanços que eclodem no nosso continente.

Atualmente, no primeiro governo de esquerda da história da Colômbia, o presidente Gustavo Petro, apesar de estar em condições muito desfavoráveis no que diz respeito à correlação de forças no parlamento, comprou a luta da organização de um sistema único de saúde no país, chamando o povo colombiano para o debate e compreendendo a necessidade de se realizar enfrentamentos para que haja avanços para a saúde colombiana.

Aqui, onde já existe um sistema de saúde consolidado, podemos avançar ainda mais, devemos pautar também uma maior  compreensão dos diferentes modelos de saúde das experiências de orientação socialista ou não, para que se possa apontar os limites do SUS e fazer sua defesa crítica, sempre elaborando sobre sua capacidade de ser instrumento de soberania, desde que utilizado para este fim.  O mote da defesa do Sistema Único de Saúde como estatal, universal, gratuito e de qualidade vêm sendo repetido incansavelmente, e cada vez mais sendo reafirmado na medida em que os ataques a ele são constantes desde sua criação. O SUS talvez seja uma das últimas políticas brasileiras que podemos denominar como reforma verdadeira e que ainda resiste, em grande parte, por conta da organização da sua defesa a partir dos estudantes e trabalhadores que compreendem a sua grandiosidade. 

Devemos ter em nosso partido a compreensão e dimensão da importância histórica dessa conquista, que foi enorme, mas também caminhar alguns passos a mais. Para além de defender o que temos, é importante que tenhamos compreensão de seus limites e também do que queremos com esse sistema. Hoje, imprescindível para o modelo de saúde brasileiro, exemplo no mundo (capitalista) de que é possível haver, mesmo nesse sistema, a saúde sendo pensada de maneira divergente da lógica do lucro, o SUS também permite pensar formas de luta que fomentam na classe trabalhadora um sentimento de coletividade e necessidade de organização ampla e planejada pelo Estado. É necessário, contudo, que tenhamos condições de elaborar, a partir do aprofundamento da compreensão de outros sistemas de saúde, seja das experiências socialistas históricas e atuais, ou de Estados que hoje se encontram num momento de governos social-liberais/social-democráticos, o que podemos utilizar para avançar a construção do poder popular no Brasil utilizando como instrumento o nosso sistema de saúde envolvendo a classe trabalhadora desse campo. 

Outro debate importante que vêm ocorrendo nesse momento congressual e na construção do nosso novo partido, diz respeito à participação (ou não), e sua forma, nos processos eleitorais da democracia burguesa. O mérito desta discussão também não será considerado nesta tribuna, mas é possível que nos capacitamos para elaboração de programas e posicionamento de campanha relacionado a saúde (se for o caso de optar pela participação) de maneira mais qualificada quando nos munimos teoricamente do que é possível ser feito efetivamente no momento atual da nossa  democracia, a partir das experiências internacionais de sucesso (ou de brigas que devemos comprar). Seja no intuito de utilizar o momento eleitoral apenas como visibilidade, agitação e propaganda do Partido, seja para construção de fato de candidaturas com possibilidade real de vitória, é importante parte da estratégia eleitoral lastrear as propostas na realidade material. 

Por fim, temos em mente que vivemos em um momento histórico de baixa no movimento comunista internacional e da pouca influência que temos globalmente sobre os rumos da humanidade, sendo nossa tarefa histórica reverter esse cenário buscando a construção do poder popular e da emancipação da classe trabalhadora. Ainda nesse momento, chegamos a um ponto de total interdependência entre países a partir de uma dinâmica econômica global controlada pela lógica do capital e que a nossa atuação é realizada nesse cenário desfavorável. 

Apesar disso, essa interdependência pode ser compreendida também como oportunidade quando utilizamos o que temos de potencialidade de construção de acordos e parceria bi ou multilaterais. Como vivemos no Brasil sob o domínio do neoliberalismo há décadas, o que predominou foram as relações preconizadas pelo FMI, Banco Mundial, OMC, OCDE, etc, para elaboração de formulações de políticas e (contra)reformas que nos aprofundaram na dependência em relação ao centro do capitalismo. Porém, com a emergência, nas últimas décadas, da China e o abalo da lógica unipolar no mundo, é possível que se considere novas formas de nos relacionar com os países do globo, a fim de nos posicionarmos frente aos acordos nos quais nos sujeitam ainda mais à dependência e não avançamos no caminho da soberania nacional. Certo de que não há como pensar política de saúde desconectada da lógica econômica que organiza a sociedade, é fundamental que tenhamos compreensão ampliada dos acordos que podem ser realizados e propostos como política internacional em nosso tempo, analisando cada uma das particularidades e sendo capazes de formular acerca do assunto com propriedade e sendo vanguarda nas proposições. Hoje vários países de África e outros, como a Argentina (antes de Milei), se colocam na chamada nova rota da seda da China com acordos que promovem transferência de tecnologia e condições mais favoráveis do que aquelas propostas pelos “acordos” da hegemonia neoliberal. Porém, há muito o que pensar para além de China, Rússia, BRICS, etc., quando consideramos as condições para elaborações novas cooperações no sentido da superação da dependência com países da Ásia, África e América Latina. 

7. O Movimento Estudantil de Saúde

A educação da juventude comunista não deve consistir em oferecer-lhe discursos adocicados de toda a espécie e regras de ética. Não é nisto que consiste a educação. [..] Enquanto os operários e os camponeses continuarem oprimidos pelos latifundiários e capitalistas, enquanto as escolas continuarem nas mãos dos latifundiários e capitalistas, a geração da juventude permanecerá cega e ignorante. (LENIN)

Diante das atuais polêmicas levantadas por outros camaradas a respeito da nossa permanência ou não nas disputas das entidades estudantis, nós, da fração DENEM (Direção Executiva dos Estudantes de Medicina) decidimos trazer as nossas contribuições, fazendo um recorte de como essa disputa se deu e tem se dado dentro do movimento estudantil em um pequeno fragmento do que constitui a área da saúde. 

Antes de iniciar qualquer disputa, é importante que se tenha muito bem firmado e analisado o objeto disputado e quais as suas particularidades. Para nós, esse objeto consiste na consciência política do estudante de medicina, que, em linhas gerais, quando alinhados a um discurso minimamente progressista, se apresenta como uma pessoa de classe média, pouco aberta para debater política para além dos preceitos já pré-determinados pelo campo democrático popular, ou, quando explicitamente reacionários, negam qualquer contradição do capital que os é apresentada.

Assim definido, passamos a refletir sobre o papel da DENEM nessa disputa. Fundada em 1986, com o objetivo de acumular poder para pressionar um movimento de transformação da escola e da educação médica, indo na contramão dos grupos que defendiam que o movimento estudantil não tinha como papel a formulação de projetos e modelos (Pinto et al., 2000). A DENEM encabeçou diversas discussões importantes para a categoria e foi um espaço crucial para a formação teórico-prática de muitos camaradas, que hoje são quadros do partido e da nossa juventude, mas, para além dos ganhos, qual a relevância política que a DENEM tem para as bases? Ela é, ainda hoje, vista como um instrumento de luta ou a máxima “A DENEM é de luta” está ultrapassada? Ainda não temos consenso sobre essas questões.

Ampliando nossa busca para além do que é vivido na DENEM, pouco se encontra na internet acerca das executivas nacionais dos demais cursos e das movimentações que têm acontecido guiadas por elas, algo que limitou a escrita desta tribuna, mas que reforçou o nosso questionamento sobre o real papel dessas entidades para fora da sua gestão.

A construção de uma universidade popular, é uma tarefa urgente e necessária, camaradas e é indubitável que o movimento estudantil, em todos os seus eixos, seja o protagonista dessa transformação, o que está sendo questionado é se estamos disputando as entidades cegamente e de maneira saudosista presos a uma memória de algo que outrora trouxe ganhos reais para a nossa organização. 

Convidamos os nossos camaradas, estudantes dos outros cursos da área da saúde, para entendermos mais a fundo a realidade e o perfil das suas bases e as lutas que estão sendo travadas para que então, construamos juntos, uma alternativa às entidades que se limitam a representar, no sentido mais vazio do termo, os estudantes.

 8. Conclusões

Esta é a tentativa de apresentar ao partido que queremos construir as sínteses sobre a saúde, o Brasil e a luta de classes que formulamos enquanto militantes da UJC na Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina. Muitos aspectos centrais para a análise do setor saúde não estão presentes nessa contribuição, por conta das limitações materiais da militância e entendemos a necessidade de serem retomados durante e após o período congressual, como a caracterização do Movimento Sindical, dos Movimentos Populares atuais, os ataques contra o SUS, o ME de saúde dos outros cursos, a atuação política das Associações e Conselhos. 

Entretanto, essa tarefa, de formular sobre todo um setor, por todo o exposto, estratégico, não cabe apenas a alguns poucos estudantes de medicina, mas sim a uma estruturada Fração Nacional de Saúde, composta pelos melhores militantes das diversas categorias da saúde e regiões do país, produzindo o programa mais avançado para a saúde, rumo à Revolução Brasileira. Que depois de nos depararmos com o pior do que o capitalismo pode fazer com as vidas humanas, nas UBSs, nas emergências e nos IMLs, possamos contribuir para superar a máquina de moer gente.


REFERÊNCIAS:

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