'Sobre a profissionalização das finanças e a proletarização das nossas fileiras' (Luiz Neto)

A centralização das finanças nas instâncias de direção se faz importante para que justamente as finanças adquiridas em frentes de atuação com predominância pequeno burguesa possam ser redistribuídas para outros organismos, de acordo com as nossas prioridades políticas.

'Sobre a profissionalização das finanças e a proletarização das nossas fileiras' (Luiz Neto)
"Diante do gigantesco desafio de nacionalizar um jornal em poucos meses, de estruturar uma política de finanças que consiga organizar um congresso nacional e que dê as condições para que a classe trabalhadora mais pauperizada faça parte das nossas fileiras se desenvolvendo enquanto militante, eu suplico: debatamos finanças!"

Por Luiz Neto para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Hoje, podemos afirmar que a questão das finanças é levada a sério na nossa organização?

Historicamente as finanças são negligenciadas, jogadas para escanteio e desvinculadas da política do partido, fazendo com que seja tocada por poucas pessoas de forma nebulosa, com poucos repasses, poucas formulações e pouco incentivo ao desenvolvimento de ideias visando a sua profissionalização.

Como fugir do autofinanciamento? Como fugir da rifa? Como liberar militantes? Como garantir que toda militância tenha condições de se desenvolver, tenha vestimenta da organização sem precisar pagar, consiga colocar a militância no cotidiano da sua vida, independente da condição econômica que se encontre?

Procuro nessa tribuna desenvolver algumas ideias que venho formulando e trazer alguns questionamentos no sentido de superar esses problemas, entendendo que somente coletivamente poderemos sair do imobilismo que nos encontramos, das dívidas, da artesanalidade financeira e da reprodução de um mesmo perfil de militante em uma dinâmica que exclui as camadas mais periféricas da nossa organização.

Proletarização das fileiras através das finanças:

Qualquer debate minimamente consistente e referendado pelo crivo da realidade concreta leva em consideração a intrínseca relação da proletarização das nossas fileiras através das políticas financeiras constantes. E ainda neste momento, vemos dentro da nossa organização e sobretudo nos organismos responsáveis pelas tarefas do movimento estudantil uma predominância de militantes oriundos da dinâmica pequeno burguesa de suas universidades, que influenciam também as políticas de finanças não só no nível das universidades, mas também a nível estadual e nacional, entendendo que, principalmente falando de UJC, nossos quadros mais avançados no trabalho político das finanças advém desses locais de atuação.

Para além de cotizar todo mês, o militante tem que comprar a própria vestimenta da organização, muitas vezes pagar o próprio transporte para as atividades, comprar rifas, tentar arrumar doações através de circulismo e se virar como dá pra desenvolver minimamente a sua militância tendo que conciliar trabalho, estudo, cuidados domésticos e sabe lá quais outras tarefas da vida pessoal. O resultado é óbvio: quem vai conseguir se desenvolver enquanto militante, ter tempo para estudar, participar e muitas vezes auto financiar suas atividades pelo partido é o militante com melhor condição econômica. Na prática, isso acarreta no desligamento de militantes mais proletarizados, que não conseguem encontrar espaço nem sentido para a militância. Com a reprodução dessa lógica de evasão dos camaradas mais pauperizados e priorização de militantes com melhor condição financeira na nossa organização, faz sentido aparecerem com frequência desvios tão pequeno burgueses nas nossas conferências, reuniões, tribunas e espaços congressuais, como foi o caso da conferência regional da UJC-SP e a falsa polêmica de inserção ou não nas periferias. Deve ser por isso também que, ao observarmos o caixa das células mais proletarizadas, temos um valor irrisório se comparado a outros organismos, o que acarreta obviamente em um maior desenvolvimento de trabalhos em frentes de atuação específicas em que existem militantes com melhores condições para militar, em relação ao trabalho nos bairros e periferias do Brasil, onde na maioria dos casos a questão econômica se mostra um grande empecilho ao desenvolvimento dos trabalhos, em todos os aspectos. A centralização das finanças nas instâncias de direção se faz importante para que justamente as finanças adquiridas em frentes de atuação com predominância pequeno burguesa possam ser redistribuídas para outros organismos, de acordo com as nossas prioridades políticas.

As finanças são as condições concretas para o trabalho político.

Com condições mais propícias em uma frente de atuação da nossa organização, é claro que vamos desenvolver mais trabalhos nela e, portanto, absorver para nossa organização mais militantes oriundos dessa ou daquela dinâmica, excluindo militantes que venham de locais com maior dificuldade de inserção e trabalho justamente pela condição econômica desses locais. Esse é um dos motivos para a concentração, apesar dela ter diminuído no último período, de militantes que venham do movimento estudantil público em detrimento de militantes que venham dos trabalhos em bairros e cultura, trabalhos em grande parte com maior necessidade financeira. Daí formamos uma direção oriunda predominantemente desses locais e com os desvios clássicos dos mesmos, o que influencia diretamente nas decisões que a organização toma, nas prioridades políticas da organização, nos planejamentos e no rumo do partido de vanguarda da revolução brasileira.

Um dos grandes problemas que temos nos organismos com militantes mais proletarizados é justamente a inserção da militância em seu cotidiano, por diversas questões, mas principalmente as questões econômicas já citadas. Diante desse cenário, de que forma, tendo em vista a importância das políticas financeiras para inserção desses militantes oriundos das condições mais precárias do capitalismo brasileiro e para o enraizamento do partido no seio de toda a classe trabalhadora, conseguiremos criar as condições financeiras para que essas pessoas se desenvolvam enquanto militantes e se transformem em quadros políticos proletarizados oriundos das periferias, como bem indicou a conferência regional da UJC-SP?

Empresas do partido:

Como bem citado na tribuna “Finanças para fortalecer nossas linhas defensivas (resposta ao camarada Chima) (Sebastian Lacerda)”, o partido não tem mais o suporte financeiro internacional que tinha na época da União Soviética e também não tem fundo partidário. Por tanto, se faz necessário a criação de outros mecanismos para obtenção dos recursos.

O primeiro passo para profissionalizar as finanças do partido e fugir da artesanalidade é a criação de empresas. Um dos grandes debates do CONUJC, a criação de CNPJ para nossas empresas e desenvolvimento de atividades financeiras se faz essencial. Na história do PCB, vemos que várias empresas que não tinham nenhuma relação pública com o PC eram campanhas financeiras bem sucedidas do partido. Para citar a minha terra, na Baixada Santista (SP) o partido realizava através do CES (Centro dos estudantes de Santos e Região) grandes bailes que eram a sensação da cidade de Santos entre 1930 e 1960. Os bailes financiavam todas as atividades e através dele o partido conseguiu adquirir uma sede para o CES, que também era utilizada para as atividades específicas do próprio partido.  Fica muito mais fácil quando conseguimos estruturar empresas que sejam geridas pelo partido, com militantes que trabalham nas empresas e se especializam neste trabalho.

Destacar militantes para estudar sobre gestão de empresas, sobre logística, marketing digital (visto a importância do mesmo no mundo digital contemporâneo) são caminhos importantes para chegar nesse objetivo. Inclusive, o destaque de militantes desempregados para essas tarefas através de cursos técnicos é essencial. Alguns camaradas desempregados e sem estudar devem ser destacados para estudar e passar nos vestibulares de gestão empresarial, logística, marketing. Se ainda não está sendo feito, temos que fazer.

É claro que, dentro de uma empresa gerida por um partido comunista, não podemos esquecer da lógica de exploração da mais valia. É possível não reproduzir tal lógica, considerando as necessidades da empresa e a competitividade do mercado? Sem reproduzir essas lógicas, conseguiremos ter capital de giro para reinvestir na empresa? Quais mecanismos podemos criar para que os camaradas que trabalhem diariamente nas empresas sejam remunerados de forma justa e ainda sim o partido tenha o máximo de arrecadação financeira possível?

São importantes questões a serem debatidas em nosso congresso. De todo modo, deixo abaixo alguns ramos empresariais que julgo com potencial para trabalharmos:

1. Serigrafia

Coloco como prioritária a serigrafia por algumas razões. A primeira é que esta é uma necessidade candente da nossa organização. No que diz respeito a produção dos nossos materiais (camisetas, bonés, moletons, bandeiras etc) temos terceirizado esse trabalho para diversas empresas. A terceirização desse trabalho desacelera a produção e encarece o custo e, portanto, o preço dos produtos para a militância. Tendo uma serigrafia própria, além de produzir os nossos próprios materiais ganhando autonomia, conseguimos também realizar trabalho para outras organizações e entidades. Inclusive, existe demanda de entidades, seja sindicais e/ou estudantis, para este trabalho. É uma necessidade que sempre teremos e nada mais justo que profissionalizar essa parte da organização.

2. Editora

Uma editora do partido, que reúna os escritos que dialogam com a nossa linha política faz sentido por vários motivos. Para além de produzir e divulgar a literatura partidária, servindo como referencial teórico para a classe trabalhadora, uma editora pode servir também como tarefa de finanças através da loja do partido. A editora LavraPalavra é indiscutivelmente um grande exemplo de editora a ser seguido e estudado, visando sua integração enquanto editora partidária.

3. Loja partidária

Uma loja nacionalizada, que venderia nosso jornal e os materiais produzidos pela nossa editora, mas que também venderia itens de esquerda gerais. O que mais vende para o público de esquerda são itens de estética, principalmente os que ressoam de forma positiva em todo o espectro da esquerda: bottons temáticos, camisetas temáticas, artes de esquerda, copos de esquerda, pin, bonés etc.

Essa loja teria várias sessões em todo país, subordinadas à secretaria de finanças do CC, para que os mesmos produtos fossem vendidos em todos os locais, formando comissões ou grupos de trabalho por estado e/ou por Comitês Locais. Assim, teríamos uma loja nacionalizada em que todos as células e comitês com estrutura para isso gerenciariam sua sessão como tarefa de finanças constante, ao mesmo tempo que liga-se a uma tarefa de agitação e propaganda da nossa linha política. Essa loja pode ou não ser vinculada publicamente ao nosso partido, mas creio que a não publicização desse fato possa ser benéfica para a compra de militantes de outras organizações que porventura não tem uma loja própria. Na Baixada Santista tínhamos a “Revolushop”, loja local em que essa situação sempre acontecia: sem saber que era da UJC, militantes do PSOL, UP, LCP e de outras juventudes sempre compravam conosco.

O problema que surge na formação de uma loja nacional é a logística, área que precisamos avançar muito. Tanto em relação à produção e circulação de nosso jornal, como dos produtos da loja, uma rede logística que se estenda por todo o país, no sentido de conseguir transportar e produzir os produtos. Avançando na logística, conseguimos transportar qualquer coisa para qualquer lugar.

4. Educação online

A venda de cursos é um dos ramos que mais cresce no Brasil. O custo de produção não é alto e quase não existe custo de mantimento, tirando a mensalidade para manter o website funcionando.

Fugindo da lógica neoliberal, faz muito sentido pensarmos na produção de uma escola de marxismo online. Esse projeto já existe, o Classe Esquerda, que com certeza tem muito acúmulo para nos oferecer sobre e muito o que avançar.

Porém, não precisamos nos limitar a ofertar apenas cursos marxistas. Tendo uma escola ampla de educação online (ou escolas específicas de áreas não relacionadas a nossa linha política) e com a grande quantidade de professores que temos em nossas fileiras, facilmente poderíamos desenvolver cursos de praticamente todas as áreas do conhecimento. Assim, podemos utilizar do grande contingente de professores que temos para desenvolver materiais pedagógicos a serem vendidos em conjunto aos cursos, com um custo pequeno e um retorno, a depender da demanda de cada área do conhecimento, considerável.

Logística:

Como exposto anteriormente, a logística é peça chave para conseguirmos desenvolver uma loja nacional e uma distribuição de mercadorias no país.

Das poucas resoluções de finanças que temos no caderno de teses do congresso, uma delas especifica a questão logística:

§46 O Comitê Central formulará uma política financeira que será o desdobramento financeiro de nossos objetivos políticos, tendo dentre seus eixos a garantia das condições materiais para profissionalizar a nossa inserção no movimento de massas e a estruturação de nosso complexo de agitação e propaganda. Esse complexo será constituído por redes logísticas e produtivas, garantindo desde a criação de materiais (físicos e digitais) até sua distribuição à escala nacional. (grifos meus)

É o problema da logística a pedra no sapato da estruturação da política de finanças nacional e desse “complexo de agitação e propaganda”. Antes de sonhar em ter uma loja nacional ou um jornal que esteja em todos os cantos do país, precisamos formular sobre logística.

Na UJC-SP tivemos alguns avanços, com o jornal O futuro de SP, apesar das dificuldades que encontramos na logística de produção e envio dos materiais. Inclusive, seria de grande proveito que os camaradas que estavam nessa tarefa escrevessem para a tribuna no sentido de compartilhar experiências e formulações para superação desse problema. Dentro do departamento logístico da UJC-SP também tivemos dificuldades desde a logística de produção dos produtos (comprar o material, enviar para serigrafia e buscar) até o envio para todo estado. Enviamos pelo metrô, pelo correio, giramos camaradas dos núcleos para buscar e nos desdobramos de várias formas, mas não conseguimos estabelecer um padrão logístico consistente que resolvesse o problema e desse conta dos vários pedidos que tínhamos. Imagine isso a nível nacional. Qual a forma mais barata de transportar jornais? E para transportar livros? E para transportar coisas mais pesadas? E quando a mercadoria deve ser transportada de forma clandestina?

A resposta é, a longo prazo, criar um complexo logístico do zero e que funcione na clandestinidade. Começando pela estruturação para trabalhos de agitação e propaganda através do jornal, mas que também sirva como logística para a tomada do poder e transporte clandestino. Estruturar um complexo profissionalizado e próprio de logística envolve, por exemplo, recrutar e/ou formar militantes da área de logística, ter caminhões próprios, ter caminhoneiros do partido, centros logísticos, camaradas destacados para coordenar e acompanhar as entregas. Duplica-se a necessidade de uma estrutura sólida quando falamos de mercadorias clandestinas. Nossa organização carece de formulações sobre esse tema.

Avancemos nas formulações sobre logística!

Diante do objetivo de formar um complexo de agitação e propaganda com redes logísticas e produtivas em funcionamento, exposto nas nossas resoluções, onde estão as formulações sobre logística nas tribunas do nosso congresso?

Reitero esse tópico porque sinto a necessidade de alertar para o conjunto da organização dos objetivos da nossa tribuna de debates e do que é primordial a ser debatido no momento. Li tribunas escritas sobre diversos temas, uma grande quantidade que não dialogam com as nossas teses e nossos objetivos programáticos, sendo debatidas de forma incansável enquanto tribunas que versam sobre temas de extrema importância, como as finanças, são praticamente ignoradas. Me parece que o surgimento dos grandes debates nas nossas tribunas são sempre quando aparecem desvios políticos nelas ou quando a rede social decide, a partir da sua lógica adoecedora do engajamento e do julgamento, que essa é uma tribuna válida de ser discutida.

Diante do gigantesco desafio de nacionalizar um jornal em poucos meses, de estruturar uma política de finanças que consiga organizar um congresso nacional e que dê as condições para que a classe trabalhadora mais pauperizada faça parte das nossas fileiras se desenvolvendo enquanto militante, eu suplico: debatamos finanças!