'Sobre a dependência científico-tecnológica Brasileira' (Y.G.)
Até a década de 1980, a propriedade intelectual era considerada uma forma de estimular a inventividade na forma do lucro da patente da invenção. Não bastasse a apropriação da inovação, essa lei inaugura o monopólio da pesquisa em si.
Por Y.G. para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
Nos últimos anos vivenciamos, de forma única na história brasileira, uma das maiores pandemias já registradas. Infelizmente a resposta dada a essa catástrofe que vitimou mais de 700 mil pessoas no nosso país foi vergonhosa, principalmente se levarmos em conta as tecnologias existentes que deveríamos ter acesso para o combate ao vírus da COVID. Pretendemos mostrar aqui alguns pontos nodais da questão da dependência e como nossos problemas não serão resolvidos pelo capitalismo precisamente porque o modo de organização social em que nos encontramos cria as próprias condições para tal tragédia.
O senso comum e a ideologia liberal afirmam que o capitalismo obteve sucesso para se tornar o modo de produção vigente em escala mundial, pois foi capaz de trazer inovações científicas como a humanidade nunca antes teria visto. Entretanto, para entendermos como e de qual modo a chamada inovação tecnológica é criada, devemos entender o papel da ciência para o desenvolvimento da humanidade. Em linhas gerais, a ciência pode ser entendida como o aprendizado resultante do processo de interação entre o homem e a natureza, o que chamamos de trabalho. Com toda a complexidade desse processo levada em conta, percebemos que o homem, ao transformar a natureza, transforma também a si mesmo. Portanto, o homem ao realizar trabalho, ao modificar a natureza, naturalmente materializa o conhecimento obtido no processo em forma de técnicas que, ao se socializarem, se transformam na tecnologia socialmente disponível na sociedade. Assim, a tecnologia faz parte do homem em processo de sociabilidade desde sempre. No entanto, apesar do homem enquanto ser genérico ser o produtor de toda a tecnologia através do trabalho, nas organizações sociais dividas em classes nem todos os homens detém a propriedade dessas tecnologias.
A técnica, o conhecimento obtido pelo trabalhador no próprio processo de trabalho, é simultaneamente propriedade individual e propriedade coletiva. É individual porque é um aprendizado resultante da experiência prática; no entanto, é também coletiva, pois, para que não se perca, necessita ser compartilhada e reproduzida, mas sem prejuízo do aprendizado individual daquele que compartilha e reproduz. Assim, é propriedade intelectual; e, como tal, é propriedade social. A tecnologia acumulada pelo desenvolvimento de uma sociedade necessita ser incessantemente reproduzida e ampliada a fim de que o modo de vida (o modo de produção) dessa sociedade seja também reproduzido e ampliado. No entanto, a tecnologia, fruto do trabalho coletivo, torna-se no modo de produção capitalista propriedade privada, e precisamente daqueles que não trabalham. Desse modo, a tecnologia – algo que é, em sua essência, conhecimento socialmente acumulado; algo intangível, imaterial, compartilhável sem prejuízo nenhum para seus possuidores – deixa de ser comum, deixa ser coletiva; passa a ter um preço (valor de troca), passa a ser fonte de vantagens, fonte de lucro.
A afirmação de que o capitalismo é a “era tecnológica” é uma ideologia, em seu sentido mais estrito, ou seja, o de falsa consciência – de considerar algo particular como universal –; cuja função não é outra senão apresentar o modo de produção atual como o único possível, como o eterno, que sempre foi e sempre será, sem a possibilidade de uma alternativa. Nessa forma de organização social, o proletariado produz através do trabalho as técnicas, mas a burguesia detém o monopólio dessas tecnologias, e, portanto, somente ela usufrui desse conhecimento acumulado. Mais do que isso, nessa sociedade regida pelo lucro, somente o trabalho que gera mais valia é socialmente valorizado, e a consequência imediata é que as tecnologias geradas por esse processo de trabalho essencialmente alienado, geram conhecimentos, técnicas, também alienadas, também alienantes.
Para além dessa ideologia da era tecnológica, V.I. Lenin já nos mostrava o inverso, que no estágio imperialista do capitalismo onde o monopólio e o cartel são a regra, “[...] como todo monopólio, engendra inevitavelmente uma tendência à estagnação e à decomposição”, e dessa forma, em vez de proporcionar um ambiente propício à inovação na verdade “surge[...] a possibilidade econômica de conter artificialmente o progresso técnico”, exatamente pela supressão do contraditório processo de concorrência intra-burguesa.
- Imperialismo estadunidense e propriedade intelectual
Uma forma de ver claramente como o capitalismo é uma forma de sociabilidade que impede o avanço da ciência é discutirmos o chamado Regime dos Direitos de Propriedade Intelectual (DPI) [1]. Até a década de 1980, o DPI era considerado uma premiação para o inventor, uma forma de estimular a inventividade na forma do lucro da patente da invenção. Ainda que antes as patentes já fossem comumente apropriadas por empresas privadas, e ainda que os usos sociais das tecnologias monopolizadas já fossem comumente negados às maiorias, após a década de 1980 o capitalismo inaugura uma nova forma de apropriação privada da ciência. A chamada Lei de Bayh-Dole, aprovada pelo Congresso estadunidense em 1980, legaliza neste país o patenteamento de descobertas científicas sem uma utilidade comprovada [2], o que na verdade significa a apropriação privada do objeto de pesquisa.
Não bastasse a apropriação da inovação, essa lei inaugura o monopólio da pesquisa em si. Nem mesmo o paradigma da reprodutibilidade do método científico é respeitado em prol do lucro capitalista. Além dessa nova forma de exploração, o artigo 204 dessa lei também afirma a prerrogativa de empresas estadunidenses adquirirem antecipadamente o direito de exploração de eventuais descobertas das universidades e institutos de pesquisa neste país, fato apontado por alguns como a maior ofensiva imperialista dentro do ramo do DPI, pois é uma “(...)transformação no status da patente, que se transmuda de direito de exploração comercial em direito de investigação”, com viés claramente de favorecer as empresas estadunidenses.
Portanto, não surpreende que as medidas tomadas pelos EUA nas últimas décadas foram no sentido de pressionar os organismos de cooperação internacional a implementarem essa nova visão da DPI para todos os países, fazendo por um lado a defesa intransigente dos interesses estadunidenses, e, por outro, de maneira cínica, forçando os países signatários a respeitarem o DPI enquanto “norma ética universal”. Um exemplo esclarecedor ocorreu quando os EUA incentivaram a engenharia reversa de suas empresas de semicondutores até que empresas asiáticas entraram no mercado e começaram a disputar mercado com suas concorrentes estadunidenses [1]. A partir disso, os EUA começaram a pressionar os organismos multilaterais a penalizar a engenharia reversa das empresas concorrentes através de mecanismos que culminaram em 1994 no chamado acordo TRIPS, que na prática serve para “aplicar represálias e medidas unilaterais contra supostos transgressores estrangeiros” [2].
Reafirmamos aqui que, dentro do modo de produção capitalista, a noção de ciência como bem universal e socialmente distribuída é uma falácia. Nessas condições, a ciência é, antes, parte essencial do processo de acumulação de capital concentrado nos países centrais do sistema, e se dá sob a sua forma monopólica imposta, via de regra, através da força que o imperialismo tem, tanto no âmbito político quanto no âmbito militar. De tal modo que a ideologia de existe uma ciência universal tem a função de manter o status quo do sistema capitalista, e, na periferia do sistema, concorre para a manutenção da nossa subserviência ao ocultar que a ciência dura somente se materializa em inovação em um ambiente específico – a saber, no centro do capitalismo –, onde as condições para tal se dão em uma coordenação estratégica que funde universidade, Estado e empresas monopolistas. Coordenação esta que consegue, através do investimento do Estado na ciência avançada e tecnologia de ponta nas universidades, se apropriar das técnicas ali geradas e transformá-las em mercadorias rentáveis.
- A dependência tecnológica e a pesquisa brasileira em C&T
A ideologia da “era tecnológica” serve de instrumento para o silenciamento das massas que não usufruem das riquezas geradas pela sociedade, mas também das nações dependentes. Para ilustrar um pouco mais o caráter ideológico do discurso da tecnologia como algo universalmente usufruído, “globalizado”, podemos analisar alguns dados sobre as patentes no Brasil. Na figura 1 temos a proporção dos pedidos de patentes dos residentes e não residentes entre 2008 e 2017.
É fácil perceber o padrão: cerca de 80% dos pedidos de patentes são de não-residentes, o que significa que a apropriação das inovações no Brasil se dá majoritariamente por empresas estrangeiras. Vejamos na figura 2 a relação entre despesa e receita por meio de royalties, ou seja, pagamentos feitos pela utilização de tecnologias diversas.
Como podemos ver, temos um déficit em todos os anos analisados, com um crescimento acelerado após 2004. Para uma visão de prazo um pouco mais longo podemos analisar como a indústria brasileira tem contribuído para o produto interno bruto, o PIB, desde 1948 (Fig.3), visto que a indústria é o setor da economia com maior densidade tecnológica.
Notemos que a partir de 1982 a indústria manufatureira brasileira entrou em decadência, contribuindo cada vez menos para o PIB, de cerca de 20% na dec. de 80 para quase 10% em 2018. Essa decadência vem pari passu com a nova onda tecnológica da robótica e da microeletrônica que surgem pela década de 90. Portanto, apesar do discurso hegemônico da tecnologia como algo universal, vemos que cada vez mais há uma monopolização dessas tecnologias em poucos países, e um processo de reprimarização econômica no Brasil, tendência essa seguida pelos outros países periféricos, como podemos ver na Fig.4.
Além disso, já faz algumas décadas que o número de publicações internacionais de pesquisadores brasileiros se tornou parte da avaliação do sucesso da ciência brasileira. De fato, aumentamos muito nossas publicações internacionais, entretanto, o número de pedidos de patentes não acompanhou esse crescimento, como podemos ver na figura 5.
Não bastasse a baixíssima taxa de pedidos de patentes, o aumento no número de publicações não interferiu significativamente na taxa de pedidos, nem na relação entre pedidos de patentes de residentes e não residentes (Fig.1). Mais do que a ineficiência do aumento de publicações internacionais em um suposto aumento natural da inovação, que se mostra falso, afirmamos que esse parâmetro “publicação internacional” tem como principal função a reprodução da dependência. Vejamos como esse parâmetro distorce as relações científicas brasileiras das quais o senso comum acadêmico afirma serem “livres”.
As grandes revistas são organizadas por grandes empresas, como a Elsevier, que cobram milhares de dólares pela publicação e/ou pelo acesso aos artigos em revistas associadas a ela. Daí já temos o primeiro aspecto de alienação. Um artigo para ser visualizado/citado passa pelo mecanismo de compra do seu conteúdo, logo, artigos mais citados são citados por outros pesquisadores que pagaram pelo acesso (financiados por empresas ou o próprio estado), portanto os conteúdos “da moda” são distorcidos pela lente do capital.
Se não bastasse isso, a CAPES e o CNPq priorizam os seus investimentos em laboratórios cujas publicações tem publicações de alta relevância, ou seja, avaliadas pelo sistema QUALIS, que tem como “campeãs do ranking” as mesmas revistas supracitadas, que cobram para publicação/acesso. A consequência óbvia é que a distribuição de recursos por essas agências de fomento reproduz um padrão científico também alienado.
Diante deste quadro e somando-se à discussão da DPI’s e a proteção de objetos de pesquisa ainda na fase de estudo, como é possível um pesquisador afirmar que tem autonomia para fazer a pesquisa em seu laboratório? Desde sua formação inicial ele só conseguiu a sua bolsa de iniciação científica pois escolheu uma área privilegiada por esse método de avaliação e ele não percebe que seu próprio objeto de pesquisa não apenas lhe é imposto, mas também lhe é alienado, e isso desde o primeiro momento em que pisou no laboratório. Ele afirma essa “autonomia” pois seu trabalho é alienado de si; o pesquisador não consegue ver o resultado final do seu trabalho, assim como um operário fabril. Assim, segue fazendo sua pesquisa e contribuindo para a acumulação privada do conhecimento social nas mãos dos capitalistas, conhecimento que deveria na verdade ser utilizado para o bem-estar da classe que banca a sua pesquisa, a classe trabalhadora superexplorada da periferia do sistema.
- O fracasso brasileiro diante da COVID-19
No Brasil temos o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), criado em 1969, que é um fundo que tem como objetivo financiar a inovação e o desenvolvimento científico e tecnológico. É gerenciada pela Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), uma empresa pública brasileira de fomento à ciência, tecnologia e inovação, vinculada ao ministério de ciência, tecnologia, inovação e comunicações (MCTIC). Esse fundo teve, segundo a lei orçamentária anual de 2020, quase 5 bilhões em caixa [LOA 2020]. Parte desse fundo financia a pesquisa nacional de diversas formas e durante a pandemia tinha 90% de seus recursos contingenciados.
Recentemente esse fundo foi alvo de ataques do governo Bolsonaro pela chamada PEC dos fundos, que “permite ao governo usar para outras finalidades o dinheiro dos fundos infraconstitucionais e vinculados a áreas específicas” [7]. Após pressão das entidades científicas o FNDCT foi retirado da emenda. Mais recentemente, com R$ 10 bilhões em recursos não reembolsáveis e crédito para inovação, o FNDCT chegou ao final de 2023 com 100% dos valores executados, sendo metade dos recursos não-reembolsáveis. Aqui cabe uma atenção especial para a tentativa governo Lula-Alckmin de contornar o arcabouço fiscal através do uso do BNDES juntamente com os fundos do FNDCT, assunto que mereceria uma tribuna só para o tema. De qualquer forma, a tendência que se apresenta é a de financeirização dos fundos de investimento em ciência aqui do Brasil, que continuarão a ser alvo da burguesia nacional e internacional. Esse fenômeno já ocorre em larga escala nas economias desenvolvidas, e trará para cá a completa submissão “desta atividade a interesses de curto prazo, envolvendo novos agentes cujas decisões sobre investimento serão influenciadas pelas dinâmicas dos mercados financeiros.” [2]
Este é mais um dos muitos ataques que a ciência brasileira tem recebido desde o ajuste fiscal do governo Dilma, perpassando por Temer, acelerado com Bolsonaro e mantido pelo governo Lula-Alckmin através do novo teto de gastos, cinicamente nomeado de arcabouço fiscal. E é resultado de uma burguesia rentista que agora exige, em tempo de crise estrutural do capital, que os recursos públicos sejam revertidos para a reprodução do capital fictício nas bolsas de valores por meio dos títulos da dívida pública, em detrimento da classe trabalhadora. Até mesmo economistas liberais que projetaram uma queda do PIB nunca antes vista com uma explosão do desemprego e o caos instaurado pela “pandemia”, se calam sobre o aumento da concentração de renda dos setores que lucraram – e muito – com a morte da classe trabalhadora por conta do COVID. Essa burguesia (ex-)industrial que agora vive ou da renda da terra e/ou da especulação financeira, juntamente com os tradicionais setores agro, e a burguesia mercantil, fazem seu ataque final ao pouco que a classe trabalhadora conquistou no último século.
Não por acaso em meio à pandemia essa burguesia pressiona pela diminuição da quarentena, para manter seus lucros em um país dependente e subdesenvolvido cuja superexploração da força de trabalho é regra, se nem o salário de miséria pode pagar aos trabalhadores, que morram. Com um exército de reserva de dezenas de milhões, que diferença fará a morte de algumas dezenas de milhares? Por essa necessidade da burguesia nacional de manter seus lucros, ao mesmo tempo em que deve transferir parte da riqueza aqui produzida para as burguesias dos países centrais, não houve nenhuma tentativa promover aqui as medidas mais básicas de combate à pandemia que são feitas nas metrópoles. Patentes continuaram intocadas, tanto para testes em massa quanto para reagentes necessários para a fabricação de tais testes, respiradores e etc. Vejamos um estudo do Instituto Nacional de Propriedade intelectual, ligado ao ministério da economia, sobre os pedidos de patentes referentes à respiradores pulmonares no Brasil no ano de 2020 [8]. Dos 901 pedidos de patentes feitos para componentes desses respiradores, somente 19 pedidos são de residentes, ou seja, de empresas, universidades ou pessoas físicas daqui do Brasil. Os outros 882 pedidos são de não-residentes entre eles PHILIPS, 3M, só para citarmos algumas empresas mais conhecidas. Ou seja, apenas cerca de 2% dos pedidos de patentes são nacionais.
Mesmo que existam dentro do ordenamento burguês mecanismos de suspensão temporária da patentes, a chamada “quebra de patente”, onde o país comprador, caso considere o valor fora da realidade, suspenda temporariamente a patente em âmbito nacional para que outra empresa fabrique à preços mais acessíveis, ainda se considera um pagamento ao depositante da patente suspensa (em geral dos países centrais), ou seja, dentro dos limites dos acordos comerciais impostos pelo imperialismo (ver caso do retroviral que combate o HIV), esses mecanismos são insuficientes para resolver definitivamente nossos problemas. O déficit brasileiro em 2023 no setor de produtos químicos foi de mais de 43 bilhões de Reais [10], e hoje a importação supera os 90% em alguns tipos de fertilizantes [11]. Setores de informática, saúde, petróleo e gás, máquinas e equipamentos, todos esses setores têm problemas imensos na questão da dependência que não tem previsão de serem encarados sob o prisma liberal do teto de gastos, transferindo montantes inimagináveis de riqueza para o centro do capitalismo.
- APONTAMENTOS FINAIS
Nessa tribuna tentei apontar alguns dos problemas atuais em que a forma que o Brasil tem para produzir tecnologia nos afeta de forma velada ou escancarada. Esses processos exemplificam o que é comumente chamado de dependência científico-tecnológica. Não é a burguesia em geral que detém o monopólio das tecnologias, mas em especial, as burguesias dos países centrais. Portanto, a ciência no capitalismo não tem um caráter universal, ela é monopólio das burguesias dos países que largaram na frente em seu processo de industrialização, que iniciaram o capitalismo com suas revoluções burguesas, e, por consequência, se tornaram hegemônicas diante do restante do mundo.
Da mesma forma que respiradores estiveram em falta e, apesar de medidas isoladas de tentar produzir modelos desses equipamentos nas universidades e institutos de pesquisa, não houve estrutura para a produção em massa dos mesmos – estrutura esta que só existe nas grandes indústrias que, em qualquer sociedade cujo Estado se preocupa minimamente com a vida da sua população, deveriam ter sido tomadas para a produção exclusiva desses equipamentos – algo que claramente não será feito por governos liberais guiado pelos interesses já expostos. E não será feito por dois motivos claros: o primeiro é ideológico, pois seria didático para a classe trabalhadora perceber que o Estado pode fazer algo que a iniciativa privada não quer fazer, e, em segundo lugar, não será permitido pois exporia ao conhecimento do Estado as entranhas das empresas, com todas as suas deficiências e irregularidades. Esses mesmos pontos influenciam decididamente a pressão para possíveis quebras de patentes relacionadas à vacina ou à diversos setores de ponta na cadeia de produção global. É assim que o ódio de classe organiza a política nesse momento de crise, da forma de uma declaração de guerra explícita. Que morram os pobres para manter os lucros, salvam-se os CNPJ’s em troca da morte de “alguns” CPF’s.
Entretanto essa dinâmica não é livre de contradições. A ciência, crítica em sua raiz, parte do pressuposto da negação da realidade imediata e, portanto, a ciência e o capitalismo em sua fase mais avançada se tornam antagônicos, e um exemplo recente pode ser visto pelos movimentos de negação da crise climática. Falsificações da realidade são mecanismos recorrentes em momentos de crise do capitalismo, já que na contradição entre necessitar dos avanços tecnológicos para crescimento econômico e a impossibilidade de aplicar esses avanços para uma real melhoria da vida, toda sorte de ideologias surgem para tentar representar objetivamente essa contradição. Um exemplo clássico fora a ideologia da “raça ariana”, que apesar de que hoje saibamos claramente ser falsa, serviu naquele contexto para justificar um modo de produção e acumulação específico. No contexto atual, onde a ciência aponta para uma crise climática sem precedentes causada pelo modo de produção capitalista, surgem ideologias que tem como função desacreditar a ciência. Essa contradição poderá ser uma frente de atuação dos comunistas, apontando as insuficiências dos ecólogos liberais, ao mesmo tempo atuando na defesa da superação do modo de produção capitalista como único verdadeiro meio de resolver a questão climática.
Entretanto, a ideologia dominante também influencia enormemente os trabalhadores da ciência, e a crítica à ciência alienada deve superar a estratégia etapista pequeno-burguesa de setores que hoje disputam a institucionalidade, e trazer consigo a necessidade da defesa de um projeto revolucionário voltado para a superação do subdesenvolvimento e da dependência científico- tecnológica do Brasil ante aos países metropolitanos e, sobretudo, ao imperialismo. E a história há comprovado inúmeras vezes que, na América Latina, qualquer intenção política de levar a cabo um projeto de desenvolvimento nacional, e um conjunto consequente de reformas estruturais (como, por exemplo, a reforma universitária; necessária para mudar a direção da ciência no país), será necessariamente recebido a golpes de Estado pela burguesia nacional em íntimo conluio com o imperialismo. Por isso, aqui na periferia tropical do sistema, a única maneira de realizar reformas sociais profundas e duradouras é por meio de um processo revolucionário, é pela participação das massas nas decisões políticas e na manutenção das suas conquistas. Em suma, faz-se necessário uma revolução socialista, que combata o imperialismo, que combata a burguesia nacional e internacional, e que tenha como objetivo último o fim da exploração de uma nação pela outra, e do homem pelo homem.
Refs:
[1] CORIAT, Benjamin. O novo regime global de propriedade intelectual e sua dimensão imperialista: implicações para as relações" norte/sul". 2002.
[2] OLIVEIRA, Elizabeth Moura Germano. A economia do conhecimento e uma nova forma de dependência no capitalismo brasileiro.
[5] https://valoradicionado.wordpress.com/2019/10/28/patenteamento-horizontal-gerou-pouco-desenvolvimento-na-america-latina/ , https://valoradicionado.wordpress.com/2018/12/13/pico-da-industrializacao-brasileira-e-periodos-de-desindustrializacao-intensa/
[6] http://www.finep.gov.br/images/a-finep/FNDCT/06_03_2020_LOA_2020.pdf
[7] http://portal.sbpcnet.org.br/noticias/senadores-tiram-fndct-da-pec-dos-fundos/
[8] http://www.inpi.gov.br/noticias/observatorio-faz-estudo-sobre-patentes-de-ventiladores-pulmonares