'Sobre a comunicação, a nacionalização e as direções' (Victor Plasa)
É importante que haja certa unidade ideológica, mas as divergências precisam ser incorporadas ou derrubadas, conforme sejam convincentes. O problema é que surge uma postura de ataques pessoais e um escalonamento dos divergentes.
Por Victor Plasa para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
Percebo que várias das práticas do PCB formal que criticamos seguem em nossas fileiras. Compreendo que um processo como esse não foge da história, e por isso estamos sujeitos a vários vestígios do passado, contudo, em certos momentos tenho a impressão de que não há diferença entre militar no RR ou no CC. Evidentemente, temos maior liberdade de crítica, já que nossas tribunas não têm suas temáticas filtradas ou seus autores selecionados pela direção nacional, e isso é uma das ferramentas que nos permitirá construir uma verdadeira organização leninista.
Pretendo tratar da comunicação entre direção e base, bem como a formação dos grupos monolíticos. Minha análise parte do estado de São Paulo, que, além de ser onde milito, concentra parte considerável de nossa militância e de nossas direções.
O Comitê Central do PCB, e as instâncias de direção em geral estabeleciam uma comunicação muito nebulosa e unidirecional. Suas decisões pouco consultavam as bases, era muito complicado para a juventude até mesmo fazer perguntas sobre circulares. Mas essa prática não era exclusiva do partido, também se dava na UJC, em menor medida. Com a consolidação do racha, nossas lideranças adotaram comportamento parecido, dada a conjuntura que exigia certo segredo sobre as informações. Contudo, já estamos no processo de construir um congresso fundante de outro partido, já está claro quem ficou com o CC e quem está com o RR, então por que seguimos excluídos dos debates?
Tribunas como a de L. Queen demonstram muito bem essa questão, quando afirma que:
“Tudo isso é bom, mas, ao mesmo tempo, me faz refletir sobre uma tendência observável: a de que as direções partidárias se omitem de discutir com a base o que é consenso entre si ou que é resolvido em suas instâncias. Aparentemente, as polêmicas citadas acima surgiram por meio de disputas dos organismos de direção que não foram sanadas internamente (ou que foram sanadas da maneira como certos camaradas julgaram inapropriado).”
Concordo com a observação. As discussões só descem à base quando a instância de direção não consegue solucionar suas polêmicas. Isso ocorre também estadualmente, que, na UJC, agora conta com mais um nível, a Coordenação Local. Como não existe uma profissionalização das assistências, o caminho burocrático é muito longo e demorado, e não temos noção de quando, ou mesmo se nossos debates serão analisados.
Nesse contexto, percebo uma novidade com relação ao PCB formal. Temos as tribunas públicas, em que podemos expressar nossas críticas, apontar sugestões, divulgar notícias e analisar a geopolítica internacional. Contudo, as tribunas são majoritariamente escritas pela base, com raras contribuições de nossas direções, especialmente nacionais. A forma como se têm lidado com as polêmicas também demonstra certo abandono das direções. Resta a impressão de que as tribunas foram uma forma de escoar as indignações das bases e diferenciar o RR do CC, atraindo a militância.
Não acredito que tenha sido algo intencional, mas em certo momento as tribunas se pareceram mais com um fórum, que parece pouco incorporado ao partido. Prova disso é o documento congressual, genérico em quase todos os pontos, mesmo com formulações profundas e qualitativas presentes nas tribunas. O documento, como publicado, não soluciona a questão da comunicação, tampouco a sistematização das polêmicas, já que não absorveu as formulações.
Ao mesmo tempo, descem circulares aos montes, com cada vez menos orientações, que parecem atender a um ritmo irreal. São muitas lutas, bandeiras, eleições, causas, simultâneas, que chegam em um ritmo tão acelerado que se torna muito complicado realizar um trabalho profundo e contínuo em todas.
Parte dessa nebulosidade comunicativa a que me refiro está no próprio conhecimento de nossas direções. Sabemos quem compõe os órgãos da UJC, mas as direções partidárias estaduais e nacionais não estão claras para a base. Um dos motivos para isso é o fato de não terem sido eleitas em congresso, já que é uma situação extraordinária, mas os critérios de seleção e cooptação também não estão claros. Espero, com toda sinceridade, que não seja uma justificativa baseada em “questões de segurança”, pois nossa organização não é grande ou influente o suficiente na luta de classes, ainda, para sofrer perseguições desse tipo.
Em São Paulo, a direção estadual da UJC se mistura com a do partido e com a direção nacional. Isso dificulta a compreensão de quem compõe qual instância, e contribui, junto com os problemas de comunicação, para a sensação de que nossas direções se fecharam em si mesmas. Vestígio disso é o fato de só tomarmos conhecimento de determinados debates por meio dos militantes de nosso núcleo que compõem CL ou CR, quase em uma dependência de meios informais. Diga-se de passagem que a cultura política cujo fluxo de informações se dá pelas mesas de bar e pelas amizades segue viva.
Dessa forma, surge outro problema que julgo contribuir para o congelamento de nossa organização: a transformação do partido e da UJC em clubes de amigos. Está presente em todos os níveis, e afeta nossa política profundamente. Mas antes de aprofundar a questão, precisamos voltar em alguns pontos.
Compreendo que, enquanto comunistas, é muito difícil para nós estabelecer laços de amizade ou amor romântico com pessoas distantes de nossa visão de mundo. É isso, por vezes, que traz uma pessoa até nossas fileiras. Também entendo que camaradas que mudam de cidade ou de estado, às vezes contam apenas com seus novos camaradas como meio de sociabilidade, e até de rede de apoio. Não se trata, assim, de um julgamento moral nesse sentido.
Minha questão com essas relações é que elas atrapalham o andamento de nossa política, pois adicionam uma camada afetiva a nossas relações de camaradagem. Essa camada afeta a análise científica das linhas políticas, da presença dos camaradas em determinada tarefa e até da formação de quadros. Embora se manifeste mais em nominatas, está presente em outros momentos, inclusive nas etapas de congresso.
Meu núcleo vivencia isso há pelo menos três anos. Camaradas experientes, naturalmente se tornam referências por sua atuação, suas formulações e sua capacidade de análise de conjuntura, tática e estratégia, o que está muito longe de ser um problema. Entretanto, a maioria dos camaradas, independente de sua experiência na militância, adotam um comportamento de concordar ou discordar com determinadas propostas, de defender táticas, com base em qual camarada está propondo ou defendendo, independente da argumentação.
Adotam, ainda, uma postura de buscar uma unidade ideológica completa, que massacre qualquer divergência. É importante que haja certa unidade ideológica, mas as divergências precisam ser incorporadas ou derrubadas, conforme sejam convincentes. O problema é que surge uma postura de ataques pessoais e um escalonamento dos divergentes.
Mas as nominatas são o momento de maior manifestação desse amiguismo. Tanto localmente quanto ao nível estadual, já presenciei várias nominatas em que a defesa dos nomes fugia completamente da argumentação, sendo perceptível que se tratava de defender um nome porque tinha proximidade com a pessoa, ou porque não queria que seu “concorrente” fosse aprovado.
O teor das defesas, em diversos momentos, era envolvido em um fenômeno muito curioso. A argumentação trazia elementos lógicos e racionais, ainda que rasos e insuficientes, mas o tom exaltado da voz e dos gestos tornava perceptível a indignação que tal pessoa não seguiria na direção, ou não iria para outra etapa de congresso. Camaradas da CL, da CR e da CPN, sua base não conhece nominalmente, tampouco pessoalmente a maioria de vocês, não conhece suas formulações, suas atuações cotidianas com a mesma profundidade que vocês. Enquanto não se estabelecer uma comunicação aberta e direta, a base se baseará em sua experiência e no desempenho dessas pessoas nos debates em questão, logo, se a pessoa pouco se destacou naquela etapa de congresso ou conferência, não teremos outras fontes para deliberar sobre sua presença ou não em nominatas.