'Sobre a composição orgânica do Partido Bonsai: critica a tribuna “Amadeo Bordiga, Centralismo Orgânico e a nossa Reconstrução Revolucionária”' (Fábio Ornelas)

O bordiguismo não é apenas anti-leninista, justamente por sepultar aqueles pontos que garantiam que o leninismo não é uma seita, mas é a crença mística-reacionária de um poder moderador no próprio partido.

'Sobre a composição orgânica do Partido Bonsai: critica a tribuna “Amadeo Bordiga, Centralismo Orgânico e a nossa Reconstrução Revolucionária”' (Fábio Ornelas)

Por Fábio Ornelas para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Camaradas,

A presente tribuna surge da necessidade de combater algumas ideias que tem transitado clandestinamente em nossa militância, encontrando nas brechas do recente período conturbado pelo qual o processo de reconstrução revolucionária do partido se deu, e que se apresentou de forma mais nítida na recente tribuna “Amadeo Bordiga, Centralismo Orgânico e a nossa Reconstrução Revolucionária”[1]. Sinto não poder realizar de um dia para o outro uma crítica mais aprofundada da história de uma corrente e o que considero serem todas as suas falhas. Urge uma resposta mais ligeira a recente tribuna, tomando os aspectos mais básicos disponíveis. Na tribuna citada vemos em destaque a seguinte passagem:

“Essa formulação contrasta e se propõe a ser uma proposta mais radical da que vemos alguns camaradas defendendo, de que deveríamos ‘ter mais pessoas diversas nas direções’, ora, se dar direções significa dar voz, a base não tem direito a voz, na prática.” [2]

De fato, como muito bem nos lembrou Engels em “Sobre a autoridade”[3], a concretude das relações materiais nos impõe uma série de “autoritarismos” da realidade material, que impedem por exemplo que materialmente TODOS os militantes estejam presencialmente em um mesmo congresso, necessitando algum nível de deliberação que não o mero espontaneismo potencialmente arbítrio. Portanto, de fato, o caráter centralista da teoria do partido é a tentativa inevitável de impor uma ordem que oriente um sentido a nossa ação unitária. Porém, o radicalismo da proposta, não passa de mera retórica, uma vez que não busca solucionar o problema concreto da organização em sua materialidade social e da construção teórica do programa partidário e seus estatutos através de congressos e tribunas.

“Isto é, sem uma política de centralismo prático, não há opções senão a organização histórica das frações, que se vendo num ambiente no qual a disputa e o convencimento não podem ocorrer no próprio seio do partido, se organizam dentro do mesmo contra uma direção mandonista.”[4]

A argumentação é tão genialmente composta que não resta dúvidas: “Os partidos comunistas devem realizar um centralismo orgânico que, por meio da máxima consulta possível com a base, garanta a eliminação espontânea de qualquer agrupamento que tenda a se diferenciar”[5]

Percebam apenas o minucioso materialismo linguístico: se o conceito de organicidade significa “máxima consulta possível com a base”, cairíamos em contradição, pois isso seria apenas um centralismo-democrático envergonhado; mas a “raiz” materialista da retórica vem logo em seguida, pois as “eliminação espontânea de qualquer agrupamento que tenda a se diferenciar” garante por si que não haverá processo democrático. Compreendemos, de acordo com nossos zelotas, que “qualquer tentativa de eliminar essas divergências perigosas a partir de fórmulas mecanicistas e estatutárias, apenas adiaria o problema, e não resolveria em seu cerne. Isso seria apenas uma ilusão burocrata e juspositivista”[6], e aqui concluímos que a raiz gramatical dessa organicidade é a forma espontânea de como a própria concepção de partido se dá. Pois supostamente,

“nossa história nos ensina que a aquisição de nosso método não pode derivar de descrições livrescas, por mais detalhadas que sejam; o camarada domina o método de trabalho do partido trabalhando dentro dele, em seu ambiente ‘ferozmente antiburguês’, com a dificuldade adicional de que, em nosso caso, ele deve se livrar de uma massa de peso morto cultural-ideológico, encharcado com o mito do indivíduo, da pátria e da divindade, com o qual os meios ilimitados da sociedade burguesa envenenaram o fundo de sua alma.”[7]

O que significaria ser ferozmente antiburguês não sabemos, mesmo sendo este um princípio supostamente importante de ser posto em prática. Sabemos apenas que, a linha histórica do obreirismo no PCB, durante o século XX, já considerou como desvio burguês desde as sandálias de Marighella até as reivindicações legítimas da militância LGBT classista. Nada nos permitirá repetir tais erros no futuro, afinal, segundo nossos jardineiros zelotas, o princípio da invariabilidade prevalecerá qualquer mudança orgânica de conjuntura ou surgimento de pauta imprevisível: 

“O centralismo democrático, levantado como um princípio contra Lenin, sanciona o princípio não marxista da reconstrução contínua da teoria e da tática, em congressos periódicos, com base em supostas mudanças nas condições sociais, econômicas e políticas da sociedade, condições que, obviamente, variam de país para país, se não forem realmente moduladas para áreas específicas dentro de cada país.”[8]

Percebam que essa proposta fica ainda mais arbitraria quando ela não procura justificar-se estrategicamente, quando temos acúmulo histórico-teórico, inclusive pré-marx, advindo da teoria militar, de que a tática de batalhas específicas, conjunturais, não sobrepõe nem devem contradizer a estratégia central da guerra como um todo. De tal modo, que a estratégia só passaria por uma mudança ou caso a guerra tenha sido ganha, ou caso ela tenha se mostrado como falha na prática. E mesmo estes casos de fracasso e necessária reorganização estão teorizados em Clausewitz enquanto necessidade de uma reserva estratégica, em nosso caso: a reconstrução revolucionária.

Venho tentando mostrar que, as premissas de tal princípio de invariabilidade não passa de um quiproquó retórico. A própria origem do seu método não se da na concepção materialista de que a organização política surge, como toda superestrutura, no reflexo da produção material da humanidade na busca de resolver suas necessidades no mais básicas, problemas que se expressam concretamente economicamente. 

Para Bordiga[9], o princípio da invariabilidade seria algo espontaneamente autoevidente, portanto não necessitando de uma justificativa além da realidade que existe uma luta de classes e existe uma ciência infalível do proletariado, e todo fracasso seria advindo da não admissão do princípio metafisico da invariabilidade. Motivo do qual aparece inclusive uma defesa do “determinismo econômico” como um dos princípios invariáveis, mesmo não levando em conta que esse mesmo determinismo econômico não é possível de ser aplicado a sua própria teoria, pois o princípio da invariabilidade é um princípio construído TEORICAMENTE, sendo o comunismo também algo vindo de fora do imediatismo do cotidiano estreitado pela mediação da lógica do capital, e por isso considerada como expressão teórica de necessidades reais. Não admira inclusive que um dos proponentes do bordiguismo em nosso partido[10] vá defender o abandono da categoria de consciência de classe em prol de categoria de composição de classe, baseando-se em um materialismo meramente linguístico, e sem se dar conta: que não existe nenhuma contradição impeditiva de ambas categorias serem utilizados em um mesmo arcabouço teórico; como, também, que na prática, analisar a classe meramente pela sua composição, significa admitir o mero reboquismo teórico, problema levantado por Lênin em sua crítica a consciência sindical, espontânea, meramente composta pelas pautas imediatas.

Resta ao partido bordiguista apenas a fé de que o eterno despojo e depuração do partido em prol de sua doutrina central vai resultar espontaneamente em um salto revolucionário. Condenando assim o partido ao eterno reboquismo oportunista de depender de períodos inesperados de sublevação das massas como momento oportuno da agitação e propaganda, e não do papel ativo visando o desenvolvimento da consciência proletária, que não surge de forma espontânea, mecanicamente depurando-se como na poda de um bonsai.

Concluo que: o bordiguismo não é apenas anti-leninista, justamente por sepultar aqueles pontos que garantiam que o leninismo não é uma seita, mas é a crença mística-reacionária de um poder moderador no próprio partido. E proponho: aos amantes da jardinagem que iniciem a realização de seu partido-ideal depurando-se, nem que seja de mera forma retórica, livrando-se de concepções dogmáticas e que perigam condenar a transição da polêmica sobre uma revolução permanente em uma polêmica a respeito do racha permanente.


[1]  GATASOVIETICA; BENITES, João Vitor. “Amadeo Bordiga, Centralismo Orgânico e a nossa Reconstrução Revolucionária”, disponível em: https://emdefesadocomunismo.com.br/amadeo-bordiga-centralismo-organico-e-a-nossa-reconstrucao-revolucionaria-gatasovietica-e-joao-vitor-benites/ 

[2]  Idem.

[3]  ENGELS, F. “Sobre a autoridade”, disponível em:  https://www.marxists.org/portugues/marx/1873/03/autoridade-pt.htm 

[4]  GATASOVIETICA; BENITES, ibid. idem.

[5]  III CONGRESSO DO PARTIDO COMUNISTA DA ITÁLIA apud. GATASOVIETICA; BENITES, ibid. idem

[6]  GATASOVIETICA; BENITES, ibid. idem.

[7]  idem

[8]  PARTIDO COMUNISTA INTERNACIONAL apud. GATASOVIETICA; BENITES, ibid. idem.

[9]  BORDIGA. “A ‘Invariância’ Histórica do Marxismo”, disponível em: https://medium.com/miséria-da-razão/a-invariância-histórica-do-marxismo-42eb8f2c19a3 

[10]  TARBRAM. “O partido contra o partidismo”, disponível em: https://janitzio.substack.com/p/o-partido-contra-o-partidismo?utm_source=profile&utm_medium=reader2