'Sobre a cisão na Bahia e a unidade do nosso partido: resposta ao chamado do camarada Gideão Gabriel' (Camarada ΔV e Vinícius Junqueira)
Compreendemos que o apelo que o camarada traz de “criação de sínteses” indica duas possibilidades: conciliação de posições antagônicas ou abstração e esvaziamento da linha política de modo a abarcar ambas ao mesmo tempo que não abarca nenhuma, nos quedando à inércia por indefinição.
Por Camarada ΔV e Vinícius Junqueira para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
Camaradas,
provocados pela tribuna do camarada Gideão Gabriel, nós, enquanto militantes do PCB-RR no estado da Bahia, participantes ativos das movimentações da cisão com as direções do Comitê Central e Regional do PCB, escrevemos este texto em resposta visando dar uma contraposição à tese apresentada pelo camarada.
Para introduzir a nossa resposta, vemos a necessidade de um resumo das teses do camarada, que introduziremos com as citações a seguir:
“Por outra parte, a sensação da falta de conexão entre a defesa da cisão com o seu argumento principal: o abandono do marxismo-leninismo pela maioria do núcleo dirigente do PCB. Concomitantemente, a sobreposição disso pela noção de conexão central cisão - problemas sensíveis organizativos, aqui na Bahia, nas bases.”
“Ou seja, não houve um espaço para a tentativa sequer de uma análise fria do que acontecia e ouvindo os dois lados da cisão. Confiou-se justamente nas direções e em seus trabalhos desenvolvidos nos últimos anos. Tomou-se decisões sem o tempo necessário de apreensão de evento que, como exposto pela fração que cindiu e pelo CC, já se gestava há anos dentro do PCB.”
“A partir desse momento, imaginava que como a maioria se propôs a cindir, de forma lógica, o próximo passo seria a disposição para superar o que se apontou como os problemas fundamentais. Mas o que aconteceu em parte, foram militantes que agitaram ativamente pelo racha e disputaram ideologicamente, por motivos diferentes, não se colocaram para esta segunda fase ou fase mais difícil: formular e superar as resoluções do congresso passado do PCB.”
“Não é compreensível que se siga tocando tarefas como se não estivéssemos em um momento crucial, em que parte significativa de nossas forças e energia intelectual deve estar direcionada, dentro dos nossos limites de formação teórica, a pensar que partido queremos construir.”
Apreendemos deste texto os seguintes pensamentos com base nos trechos em destaque:
- A cisão na Bahia foi puxada por razões meramente organizativas, sem qualquer lastro político;
- Os camaradas não tiveram tempo hábil e nem espaços adequados para tirar debates e sínteses políticas do processo de racha;
- Os militantes aderiram ao racha exclusivamente por confiança em direções já consolidadas;
- Os agitadores e organizadores do processo de cisão na Bahia se ausentaram da tarefa de formulação política;
- Nossa tarefa fundamental com o racha é alcançar as sínteses a despeito de nosso trabalho prático.
SOBRE A DECISÃO PELA CISÃO NA BAHIA
De início colocamos uma discordância diametral com a premissa do camarada Gideão de tomar as dimensões do debate sobre o racha como de fato gerais só e somente só a partir do Ativo do PCB do dia 12 de agosto de 2023. Para sustentar essa discordância é necessário que se tenha consciência do estado de coisas no PCB-BA e na UJC-BA desde a publicação da crítica do camarada Ivan Pinheiro a participação do Partido na Plataforma Mundial Anti-imperialista na Revista Opera.
Desde aquele momento o debate extravasou dos espaços internos do Partido e foi para as redes sociais, pautando justamente do escopo da crítica do camarada Ivan Pinheiro: a postura internacional do PCB e a nossa relação com outros partidos como o TKP e o KKE que tinham e têm linhas bastante críticas à articulação internacional de linha sino-russa que a PMAI propunha. Internamente o debate ficou entravado, especialmente a partir da expulsão em massa de militantes do Comitê Central do PCB em processos disciplinares viciados e que inclusive atingiu a camarada Ana Karen, atual Secretária Política do Comitê Regional do PCB-RR na Bahia.
É claro que há uma relação dialética do caráter organizativo e do caráter político da cisão na Bahia. Se as direções do PCB estivessem de acordo com os preceitos marxistas-leninistas e acolhesse e abrisse fóruns de discussão acerca das críticas, possivelmente a Conferência Política seria suficiente para resolver essas questões. Contudo, tínhamos fundamentalmente compreensões distintas e antagônicas de como se deve construir um Partido, e só e somente só o XVII Congresso Nacional Extraordinário do PCB seria suficiente para resgatar a nossa organização.
Quando o camarada Gideão coloca na tribuna que a cisão se consolidou exclusivamente por questões organizativas e que isso levou a não haver tempo hábil e nem espaços adequados para a discussão de sínteses, esta crítica está equivocada, pois não foi um desejo daqueles e daquelas que racharam que não houvesse um diálogo para apaziguamento das relações internas do PCB com a realização do Congresso. Quando no Ativo citado pelo camarada, que foi convocado no auge das denúncias e da publicização das diversas posições existentes nas nossas fileiras sobre as questões candentes, nossos camaradas tratavam das questões referentes à crise do Partido e as direções se restringiam a tratar do balanço do pleito eleitoral de 2022, nós já tínhamos uma situação de que cada fração estava falando para si mesma, não havia interlocução em espaços que deveria haver interlocução. Quando a única resposta que nos era dada frente às questões relativas à crise partidária era que “isso é uma cizânia de um grupo fracionista”, ignorava-se a carta e atacava-se o carteiro. Esse, desde o início da crise partidária, foi o “diálogo” que se travou entre a base e as direções da maioria do Comitê Central, chegando ao ápice da infame Circular Interna nº26 de 2023 da Comissão Política Nacional do CC, que expressamente censurava todo e qualquer debate dos coletivos partidários acerca dos problemas do Partido.
Ou seja, o cenário de hipervigilância tornou qualquer discussão, tanto entre direção e base quanto entre os membros da própria base, uma real possibilidade de desligamento sumário. Não há qualquer extrapolação da realidade nesta frase, haja vista que um dos eventos nefastos que sucedeu a Reunião de Núcleo da UFBA, convocada a revelia das orientações do CPN no dia 17/07/2023 a pretexto da crise partidária, foi a expulsão do camarada Anderson Costa, então Secretário Organizativo, sem nem sequer direito de defesa, das fileiras da União da Juventude Comunista, sob a justificativa de ser um articulador do movimento fraccionista na UJC Bahia.
Acreditamos que a crítica à ausência do direito de defesa é equivocada. Durante o Ativo, o principal denunciado, então Secretário Político da UJC-BA, teve o direito de defesa; e durante este direito de defesa ele não só não negou nenhuma das denúncias, mas confirmou serem verdadeiras todas elas. E mais: assumiu que a denúncia da existência de um grupo de perseguição sistemática a uma das nossas camaradas era verdadeira. Ao assumir todas as denúncias, ele mesmo comprovou a existência de uma fração e explicitou a impossibilidade de conciliação.
Se havia a pretensão de abertura de diálogos para passar a limpo as questões referentes à crise partidária e a resposta que dão é soluções administrativas voltadas a pessoas singulares, a militantes individuais, e não às práticas problemáticas apontadas, ao caráter propriamente político, não tínhamos como chegar qualquer síntese neste espaço e por isso entendemos que desde o primeiro momento que a polêmica partidária foi posta à luz pelos camaradas expulsos pelo Comitê Central do PCB esta querela já nos dizia respeito enquanto militantes do Complexo Partidário no estado da Bahia. As formas da cisão foram as formas possíveis as quais era permitido debater e lutar pelo partido. A decisão sobre as formas não se deu por capricho ou vontade de um ou outro camarada: foram as únicas encontradas naquele momento do processo. Visto tudo isso, a cisão era já uma consequência necessária de todo o processo.
SOBRE O CARÁTER POLÍTICO DA CISÃO NA BAHIA
O ponto mais nevrálgico das teses do camarada Gabriel Gideão está justamente na defesa de que a “questão central saiu do abandono do marxismo-leninismo (e liquidacionismo do PCB) para problemas em relação ao trabalho prático e as perseguições” e a “falta de conexão entre a defesa da cisão com o seu argumento principal: o abandono do marxismo-leninismo pela maioria do núcleo dirigente do PCB. Concomitantemente, a sobreposição disso pela noção de conexão central cisão - problemas sensíveis organizativos” (grifos nossos).
Pois bem, o camarada referido, no exposto acima, ele mesmo realiza um corte, um rompimento, entre aquilo que seriam “os problemas sensíveis organizativos” e o “abandono do marxismo-leninismo”. Contudo, todo marxista-leninista minimamente consequente compreende com clareza cristalina que uma das contribuições fundamentais de Lênin para a práxis leninista está no desenvolvimento das formas organizativas para a revolução proletária.
Não há, na prática política dos comunistas, uma separação entre linha política e forma organizativa: a degenerescência da forma organizativa do Partido Comunista é uma das expressões, se não há mais vital, da debilidade da linha política - ou melhor: do abandono do marxismo-leninismo.
Todo o esforço da vida política de Lênin foi no sentido de formular a forma organizativa adequada para a revolução proletária nas condições russas e internacionais às quais ele estava envolvido: transformação do capitalismo concorrencial para capitalismo monopolista, guerras imperialistas, autocracia czarista etc. Seria desnecessário aqui retomar todas as teses presentes no “Que Fazer”, “Carta a um camarada”, “A Que Herança Renunciamos” e todos os debates relativos aos Congressos do POSDR.
O que o camarada entende como “contradição”, na verdade foi o eixo dinâmico da cisão. Não é um acaso que a decisão por participar na PMAI, por parte do Secretário Geral do PCB e de seu Secretário de Relações Internacionais, uma plataforma estranha à nossa linha política, foi tomada por sujeitos que abandonaram a forma organizativa própria do Partido Comunista, tenham eles mesmos formado uma fração e eles mesmos tenham ativamente lutado por impedir a polêmica dentro das fileiras do partido.
Não é um acaso, como apontado por diversos outros camaradas em diversos outros momentos, que a defesa da tese da contradição principal da nossa era ser “povos do mundo x imperialismo otanista” tenha partido dos sujeitos que macularam com a forma organizativa. Que os mesmos sujeitos que passaram a defender a bisonha tese do “marxismo e leninismo” tenham constantemente agitado uma linha política distinta da do Partido em espaços particulares de formação e formulação política.
Discordamos veementemente da tese do camarada Gideão de que “é explícito que parte da militância acompanha o racha por motivos organizativos e não por divergência da linha política” (grifos nossos). Como já repetido exaustivamente por nós, a linha política é indissociável dos problemas organizativos.
SOBRE A SUPOSTA UNIDADE POR MEIO DA SÍNTESE
No seu escrito, o camarada Gideão alega uma inquietação diante da falta de unidade presentes nas tribunas para o nosso Congresso. Ora, o que inquieta é um comunista estranhar a falta de unidade no momento de debate, prévio à tomada final de decisão. Todo marxista-leninista entende que o momento do debate é aquele em que ficam claras todas as divergências de opinião, onde se formam as linhas, onde os grupos que antes estavam escondidos saem à luz do dia. Não deve inquietar nenhum revolucionário que o debate exponha as diversas divergências: ele justamente existe para expôr este fato e construir a unidade. A unidade não é e nem deve ser um fato dado, prévio ao momento do debate, mas o resultado final do processo.
No bojo da discussão sobre a unidade partidária, o camarada Gideão propõe algo enigmático. O referido propõe que nosso trabalho deva ser pautado por “criar sínteses” diante da falta de unidade. Audaz, visto que nenhum comunista rejeitaria a unidade partidária: a perspicácia da proposta do camarada está nas entrelinhas, no modo de se chegar a essa unidade.
Diante da profusão de distintas opiniões sobre os mais variados temas, explicitadas nas Tribunas Preparatórias, fica exposto a falta de unidade teórica do conjunto do Partido. É isso que assusta o camarada. E a solução? Abdicar de certos trabalhos práticos, em prol de forjar essa unidade, lançando mão de todas as nossas energias única e exclusivamente para o Congresso. A posição do camarada fica explícita no seguinte trecho de sua tribuna: “Não é compreensível que se siga tocando tarefas como se não estivéssemos em um momento crucial, em que parte significativa de nossas forças e energia intelectual deve estar direcionada, dentro dos nossos limites de formação teórica, a pensar que partido queremos construir”.
Pois bem, há uma divergência entre nós e o camarada. Apesar de concordamos que a tarefa do Congresso é fundamental e essencial de nosso trabalho, a construção da unidade partidária não é um movimento exclusivo do pensamento. O trabalho prático forja, também, a unidade partidária. Os diversos encontros entre nossos militantes, os momentos em que podemos nos ver e dialogar francamente, assimilar nossas convergências e divergências, decidir por agir ou não, qual ação tomar diante de certa situação etc. A construção da unidade partidária é um processo vívido entre o pensamento e a ação: nossa unidade só poderá ser a da práxis.
A unidade, proposta nas entrelinhas pelo camarada Gideão, seria supostamente alcançada pela “criação de sínteses”. O camarada não deixa claro o que seriam estas sínteses, mas podemos depreender coisas interessantes do escrito criticado aqui. Primeiro, vale rememorar que o camarada argumentava que não houve tempo para assimilar as denúncias, assim como o direito de defesa e do contraditório. Isto será importante para o nosso argumento.
O que seria criar sínteses? O camarada expõe que não houve por parte, seja dos elementos pró-CC, como daqueles pró-Congresso, qualquer tentativa de criar sínteses. Por isso o camarada reinvindica a falta de direito de defesa e contraditório. O que entendemos disso é uma posição pantanosa, conciliatória entre as partes. Não por um acaso o camarada cita a suposta “terceira via” em seu texto. Quando diante das denúncias e das expulsões sumárias, quando já haviam posições antagônicas explícitas e não conciliáveis, clamar por tempo, por direito de defesa, só pode ser entendido ou como inocência diante do processo irrefreável ou como um entendimento falho sobre as posições existentes.
E no momento pós-racha, o camarada continua a reivindicar a “criação de sínteses” como eufemismo para conciliar posições antagônicas. Como isso se expressa? Pois bem, quando o camarada cita os casos de militantes que aderiram ao Congresso por se sentirem horrorizados diante das denúncias, mas tinham posições próximas ao ecletismo teórico, caracterização positiva do bloco do BRICS etc.
Diante destas posições, não se deve tentar “criar sínteses”, ou melhor, conciliar posições antagônicas: a luta deve ser levada até o fim, pela tentativa de convencimento entre as partes. Aqueles que têm posições distintas da caracterização positiva do bloco do BRICS e demais assuntos não devem tentar apaziguar a contradição e chegar numa unidade fictícia, mas sim tentar convencer os contrários da justeza de suas posições. Assim como vice-versa.
Neste sentido, compreendemos que o apelo que o camarada traz de “criação de sínteses” indica duas possibilidades: conciliação de posições antagônicas ou abstratificação e esvaziamento da linha política de modo a abarcar ambas ao mesmo tempo que não abarca nenhuma, nos quedando à inércia por indefinição. Trata-se de uma posição centrista e pantanosa que abre essas duas vias conciliatórias que não nos ajudam a superar os problemas que estamos buscando sanar. Um dos maiores trunfos da cisão na Bahia foi termos alcançado, ainda que a duras penas, a consciência de que não havia terceira via a ser adotada naquele dado momento. A correção do nosso pensamento se mostra na prática com todas as iniciativas de terceira via a nível nacional minguando veementemente ou se rendendo a uma disputa interna no PCB-RR
Enfim, a tese de que todos os esforços do nosso partido deveriam estar voltados a construção interna do nosso XVII Congresso Nacional indica um rumo autodestrutivo, no sentido que nos retira das disputas concretas da luta de classes e torna nosso trabalho autocentrado, sendo que o sentido de atuação de um PC necessariamente deve ser voltado para fora do partido.Os trabalhos do XVII Congresso Nacional devem ser tocados paralelamente aos trabalhos do Partido na luta de classes, visando firmar a interlocução dos debates internos com os debates externos da nossa realidade e assegurar a participação qualitativa do PCB-RR enquanto operador político do proletariado na tarefa histórica de superação do capitalismo por meio da revolução proletária-socialista.