Sionismo e Palestina: Uma Análise Crítica da História e da Colonização
A conexão intrínseca entre sionismo e colonialismo emerge claramente ao longo do tempo, não apenas como um fenômeno histórico, mas como uma contínua manifestação de desapropriação e exploração.
Por Ju Sieg e Lígia Orlandin
À luz do recente aprofundamento do genocídio do povo palestino em Gaza, torna-se imperativo desvendar as raízes profundas do movimento sionista e sua materialização no Estado de Israel em 1948. É crucial romper com narrativas simplificadas e abordar de forma contundente a questão da limpeza étnica, que se manifestou como um projeto contínuo do Estado de Israel desde sua criação.
A essência do Estado de Israel perpassa a dominação do povo palestino e a constante judaização dos territórios palestinos, visando assegurar a maioria judaica naquele território. Isso se traduz em demolições frequentes de casas e vilas palestinas, expansão dos assentamentos coloniais nos Territórios Palestinos Ocupados (TPOs) e a violência cotidiana das Forças de Ocupação Israelense para com os palestinos e palestinas.
Além disso, o próprio processo de criação do Estado de Israel foi marcado por uma série de eventos violentos, incluindo assassinatos em massa e expulsão de palestinos. Dados históricos apontam que aproximadamente 8 mil palestinos foram assassinados e 700 vilas e cidades foram demolidas pelas milícias que, posteriormente, integrariam o futuro Estado de Israel.
Iniciamos este documento, portanto, trazendo um breve levantamento histórico sobre tais questões, acompanhado de análises sobre o sionismo, as limitações dos grupos sionistas intitulados 'marxistas' e 'socialistas' (como Poalei Zion), e o nosso entendimento sobre o que é o Estado de Israel. Esta abordagem crítica busca lançar luz sobre as dimensões menos exploradas da questão palestina, incentivando uma reflexão profunda sobre suas origens e consequências.
I) Palestina: do Império Otomano ao Mandato Britânico
Para compreender a intensificação da disputa internacional sobre a região, é fundamental voltarmos ao final da Primeira Guerra Mundial, momento em que a região da Palestina, anteriormente sob o domínio do Império Otomano, entrou em disputa junto às demais localidades do Oriente Médio durante a Campanha do Sinai e Palestina. Essa campanha ocorreu após o avanço dos Aliados sobre terras otomanas, especialmente após a tomada do Canal de Suez pelo Império Britânico em 1915.
Entre 1917 e 1918, a Revolta Árabe marcou uma série de revoltas populares contra o domínio otomano, com a reivindicação da criação de um único estado árabe do Iêmen à Síria. Essa revolta recebeu apoio dos países aliados, notadamente da Grã-Bretanha e França, sob a promessa de respeitar a independência dos reinos árabes locais. Contudo, prevendo a possível derrota do Império Otomano, França e Grã-Bretanha assinaram um acordo secreto de divisão da região do Oriente Médio (Acordo Sykes-Picot) em 1918.
Com a assinatura do Armistício de Mudros, a ofensiva otomana sobre a região cessou, consolidando-se o Mandato Britânico da Palestina, que perdurou de 1920 a 1948. Durante esse período, as condições do Mandato Britânico moldaram significativamente o cenário político e social na região, lançando as bases para as tensões que culminariam na criação do Estado de Israel em 1948.
II) A organização e fortalecimento do movimento sionista internacionalmente
Durante o século XIX, a Europa experimentou um aumento significativo do antissemitismo, sobretudo nos países do leste, resultando na marginalização e perseguição dos judeus, refletida na negação de direitos civis, especialmente nos estados cristãos, como era o caso da Prússia. Esse período levou a uma profunda reflexão por parte da intelectualidade europeia sobre a chamada "questão judaica", visando compreender as origens do antissemitismo, suas manifestações e, crucialmente, explorar maneiras de superá-las.
Na obra de crítica filosófica de Bruno Bauer, intitulada "A Questão Judaica", ele argumenta que os próprios judeus são os primeiros responsáveis por sua opressão, sugerindo que a resposta para a perseguição seria o abandono da religião por parte dos judeus, com o Estado assumindo uma postura laica. Posteriormente, Marx, ao aprofundar a questão judaica, transcende a análise de Bauer, enfocando-a como um problema intrínseco ao Estado, não apenas ao Estado teocrático. Marx reconhece que a laicidade pode representar um avanço na conquista de direitos civis, embora não seja suficiente para a total emancipação dos sujeitos.
Como resposta à marginalização dos judeus, o movimento sionista começa a emergir na Europa, inicialmente como uma necessidade de revitalizar o "espírito do judaísmo" – uma expressão coletiva, cultural e religiosa que, ao longo do tempo, evolui para uma perspectiva nacionalista. Essa transformação implica no entendimento de que os judeus não constituem apenas um grupo étnico ou religioso, mas formam uma nação.
O termo "sionismo" é introduzido publicamente em 1890 por Nathan Berbaum. No entanto, somente em 1896, após o lançamento da obra "O Estado Judeu" de Theodor Herzl, a questão se desenvolve abertamente como um projeto político de estabelecimento de uma nação. Esse movimento necessita da internacionalização para a criação de um Estado-lar para os judeus, além de alinhamento com os poderes políticos europeus. Um ano após a publicação da obra de Herzl, o 1º Congresso Sionista é concretizado, marcando a fundação da Organização Sionista Mundial.
O surgimento do movimento sionista na Europa Central no final do século XIX visa revitalizar o povo judeu em seu lar ancestral após quase dois mil anos de exílio, resultado do fracasso dos judeus em assimilar-se à sociedade ocidental e da intensificação do antissemitismo na Europa. O historiador israelense Shlaim, em "A Muralha de Ferro" (2000), aponta para a solução da questão da autodeterminação judaica por meio da constituição de um estado próprio, com maioria absoluta judaica, independente e soberano politicamente, alinhado com as ideologias nacionalistas europeias.
Na obra de Herzl, encontramos elementos esclarecedores sobre os preceitos da fundação do Estado de Israel. Em primeiro lugar, cabe destacar que o Estado proposto por Herzl não necessariamente precisaria se estabelecer na Palestina ou em Eretz Israel. Conforme destacado por Gudrun Krämer, o Estado-nação poderia ser consolidado em um pedaço de terra na África ou América do Sul, mas essa consolidação exigiria um planejamento meticuloso, preparação adequada e apoio internacional. Krämer ilustra as palavras de Herzl sobre o tema:
Penso que a questão judaica não é mais social do que uma religiosa, embora algumas vezes assuma estas e outras formas. É uma questão nacional, e, para resolvê-la, devemos, acima de tudo, torná-la uma palavra de questão política a ser resolvida pelas nações civilizadas do mundo em conselho (KRÄMER, 2011)
A proposta da Palestina surge mais adiante no mesmo livro de Herzl, onde ele enfatiza sua importância como um "lar histórico" memorável, declarando que a região atrairia o povo judeu com uma potência extraordinária:
Se vossa alteza o sultão nos desse a Palestina, nós poderíamos em troca ceder a regulamentação financeira da Turquia por completo. Para a Europa, poderíamos lá formar uma muralha contra a Ásia, poderíamos servir como um posto avançado da civilização contra a barbárie. Nós devemos, como um estado neutro, permanecer em contato com toda a Europa, que teria garantir a nossa existência. Os santuários do mundo cristão poderiam ser salvaguardados pela garantia de um território de status extranacional, reconhecido sob as leis das nações. Devemos formar uma guarda de honra sobre estes santuários, respondendo pelo cumprimento deste dever para a nossa existência. Essa guarda de honra poderá ser um grande símbolo de solução da questão judaica depois de dezoito séculos que para nós foram preenchidos pela dor. (KRÄMER, 2011)
Conforme aponta Huberman (2014, p. 49), no processo de criação de um estado judeu na Palestina,
os líderes sionistas tiveram três grandes tarefas: a) unir os judeus da diáspora em torno do nacionalismo sionista; b) conseguir o apoio das grandes potências imperialistas ocidentais da época, em especial a Grã-Bretanha, ao empreendimento colonial na Palestina; e c) conquistar a maior quantidade de terra com a menor quantidade de árabes-palestinos possível para redimir a bíblica Terra de Israel.
III) Resistência durante o mandato britânico, a imigração sionista e primeira proposta de partilha
O período que antecede a Segunda Guerra Mundial é caracterizado pela forte organização da resistência árabe contra o colonialismo britânico, evidenciado pelas Revoltas Árabes de 1936 a 1939, além do aumento expressivo da imigração sionista. Antes disso, entretanto, os sionistas, por meio da Declaração Balfour conseguem o apoio do governo inglês no comprometimento da construção de um “lar nacional judeu” na Palestina. Esse movimento viabiliza a construção de diversos assentamentos na região, bem como o estabelecimento de fundações políticas, econômicas, militares e culturais na Palestina, que descambam nas Revoltas Árabes (MARSALHA, 2012, p. 32-4)
Em resposta às ações populares, a Grã-Bretanha, desloca um contingente de 25.000 soldados para a Palestina, apoiados pelas milícias sionistas Stern, Irgun e Haganá. Este período testemunha a perda de aproximadamente 5.000 vidas palestinas, 10.000 feridos e 5.679 detenções. Simultaneamente, o projeto sionista ganha força suficiente para se consolidar como um projeto de Estado. O empreendimento colonial na Palestina torna-se central para o movimento sionista, buscando incessantemente o apoio da Grã-Bretanha, a principal potência imperialista da época.
Em julho de 1937, a Real Comissão de Inquérito (Comissão Peel) recomenda pela primeira vez a partilha da Palestina em dois Estados, um árabe e um judeu, sugerindo até mesmo a "transferência" da população árabe para territórios externos ao Estado judeu. Segundo a proposta, 20% da Palestina histórica comporia o Estado judeu (englobando cidades como Jaffa, Haifa, Acre e Nazaré), enquanto o mandato britânico permaneceria em torno da região e 70% continuariam sob domínio árabe.
Em agosto do mesmo ano, o XX Congresso Sionista ocorre para avaliar a proposta da Comissão Peel. David Ben-Gurion, líder sionista, rejeita a proposta sob argumentando que os colonos e comunidades sionistas na Palestina deveriam liderar o projeto, sem depender dos britânicos. Ele destaca a necessidade de “remanejar” a população árabe, referindo-se aos deslocamentos já realizados:
A transferência populacional já foi realizada no Vale [Jezreel], em Sharon [a planície] e outros locais. Vocês estão a par do trabalho do Fundo Nacional Judeu (FNJ) nesse caso [referência às expulsões esporádicas –sic, a.n.- de comunidades camponesas árabes de terras adquiridas pelo FNJ]. Trata-se agora de uma transferência em dimensões totalmente diferentes. Novos assentamentos judeus, em várias partes do país, só serão possíveis se houver a transferência dos fallā¬īn árabes (MORRIS, 2007)
Apesar de divergências sobre o método de implementação do projeto, principalmente em relação a divisões de responsabilidades, poderes e proporções de terras, o XX Congresso aceita a proposta da Comissão Peel, considerando-a um passo fundamental para o respeito à autodeterminação nacional judaica. No entanto, a escalada de violência durante as Revoltas Árabes confere novas dimensões aos conflitos na região.
Em 1947, a pedido da Grã-Bretanha, a ONU estabelece o UNSCOP (United Nations Special Committee on Palestine) para elaborar um plano de partilha da região. Em 29 de novembro do mesmo ano, a ONU aprova a partilha da Palestina entre dois estados, um árabe e um judeu, dividindo a região em oito partes, com 55% do territórios aos judeus e apenas 45% aos palestinos. Jaffa deveria ser um enclave árabe em território judeu (Haifa), e Jerusalém ficaria sob controle internacional, sob tutela da ONU. A resolução 181, aprovada por 33 votos a favor, com 13 países contrários (incluindo membros da Liga Árabe) e 10 abstenções, marcou o início do primeiro êxodo, envolvendo possivelmente metade dos 750-800.000 palestinos que se tornaram refugiados em 1948.
IV) Al Nakba: a catástrofe em 1948
Para o colonialismo ser possível, não basta apenas a posse formal das terras. É preciso estabelecer o poder a partir da permanente ocupação das mesmas. Ao contrário da falaciosa narrativa de uma "terra sem povo", a Palestina sempre foi habitada por uma diversidade étnica, predominantemente árabe, moldada ao longo dos sucessivos regimes políticos. Essa realidade era reconhecida até mesmo nos congressos sionistas, como evidenciado pelo discurso de Leo Motkim em 1898 durante o segundo congresso.
“Alguém deve admitir que a densidade da população não exatamente impõe ao visitante da Palestina um deleito, já que em largas porções de terra constantemente se depara com grandes vilarejos árabes - e isso é um fato bem estabelecido, que a maior parte das regiões férteis da nossa terra está ocupada por árabes” (KRÄMER, 2011)
Contudo, o desafio não se limitou à mera remoção da população árabe das regiões urbanas e rurais da Palestina; a essência era inviabilizar seu retorno. Essa estratégia respondia a dois interesses cruciais na época: o desejo sionista de estabelecer uma presença exclusivamente judaica e o interesse britânico em transferir sua responsabilidade de mandato para as Nações Unidas, uma vez que a região já não era tão lucrativa no Oriente Médio.
A Nakba de 1948, historicamente marcada pelos eventos de 15 de maio, testemunhou 750.000 palestinos deslocados e expulsos de suas casas durante a invasão de 531 vilarejos e 11 bairros urbanos por forças militares sionistas. A expulsão meticulosa dos palestinos após a resolução 181 da ONU foi arquitetada via levantamentos de dados realizados por intelectuais da Universidade Hebraica Ben-Zion Luria, a Agência Judaica e o Fundo Nacional Judaico, resultando nos Arquivos dos Vilarejos.
Ilan Pappé, no artigo “1948: Limpeza Étnica da Palestina”, esclarece como o planejamento foi elaborado secretamente, abrangendo detalhes cruciais:
Detalhes precisos foram registrados sobre a localização topográfica de cada vila, suas estradas de acesso, qualidade da terra, fontes de água, principais fontes de renda, composição sociopolítica, afiliações religiosas, nomes de seus mukhtars, relacionamento com outras aldeias, idade de homens solteiros (16-50) e muito mais. Uma categoria importante foi um índice de "hostilidade" (em relação ao projeto sionista, isto é), conforme determinado pelo nível de participação da vila na Revolta Árabe de 1936-1939. O material incluía listas de todos os envolvidos na revolta e das famílias daqueles que haviam perdido alguém na luta contra os britânicos. Foi dada atenção especial às pessoas que supostamente mataram judeus (PAPPÉ, 2006)
Os Arquivos dos Vilarejos não apenas mapearam as regiões árabes a serem atacadas, mas também categorizaram a "hostilidade" dessas áreas em relação ao projeto sionista, baseando-se na participação das vilas na Revolta Árabe de 1936-1939. Esses dados fundamentaram o êxito do Plano Dalet, que direcionou ataques diretos a vilarejos e urbanizações, marcando um território específico para a fundação de Israel.
Segundo Pappé, a análise dos arquivos comprova que ao final da década de 40 o mapeamento estava quase completo, carregando informações sociais, políticas e geográficas cruciais para a invasão e ataque dos vilarejos. Os árabes, no entendimento dos órgãos sionistas, já não eram um grande obstáculo para o avanço sobre a Palestina. A única preocupação era o aspecto demográfico, já que à Grã-Bretanha coube aniquilar lideranças e organismos militares locais durante a Revolta Árabe de 1936-39, tanto no conflito, quanto posteriormente, adotando um regime mais repressivo na colônia – ou seja, politicamente e militarmente não existia uma organização forte o suficiente para um confronto.
Ao final da Segunda Guerra, os interesses sionistas chocam-se temporariamente com a remanescente presença britânica na região, o que é resolvido pouco tempo depois, quando a Grã-Bretanha entrega o mandato da Palestina à responsabilidade das Nações Unidas - prevendo, após o Holocausto, a dificuldade em se frear qualquer insurreição judaica na região, já pelo fortalecimento do movimento sionista e da unificação em torno da fundação de um Estado Nacional. Vislumbrando a saída dos britânicos da Palestina, traçou-se então o “Plano C”:
Como os planos A e B, o plano C tinha como objetivo preparar as forças militares da comunidade judaica para as campanhas ofensivas que eles realizariam contra a Palestina rural e urbana após a partida dos britânicos. O objetivo de tais ações seria "dissuadir" a população Palestina de atacar assentamentos judeus e retaliar por ataques a casas, estradas e tráfego judeus. O plano C explicou claramente que ações punitivas desse tipo implicariam: atacar a liderança política. Atingir os incitadores e seus apoiadores financeiros. Golpeando os árabes que agiram contra os judeus. Atingir altos oficiais e oficiais árabes [no sistema obrigatório]. Atingindo o transporte palestino. Danificar as fontes de subsistência e as metas econômicas vitais (poços de água, moinhos, etc.). Atacar aldeias, bairros, provavelmente ajudarão em futuros ataques. Atacar clubes, cafés, locais de reunião etc. (PAPPÉ, 2006, p.16)
Segundo Pappé, “Plano C” incorporou os dados necessários para um exitoso desempenho das ações já contidas no Arquivo dos Vilarejos, tais como listas de líderes e ativistas, os “alvos humanos”, levando a adoção do “Plano D” (Plano Dalet, em hebraico), que, enfim, demarcava as questões geográficas, especificando onde se firmaria territorialmente o Estado de Israel.
Essas operações podem ser realizadas da seguinte maneira: destruindo aldeias (incendiando-as, explodindo-as e plantando minas em seus escombros), e especialmente os centros populacionais difíceis de controlar permanentemente; ou montando as operações de controle de acordo com as seguintes diretrizes: cercar as aldeias, realizar uma busca dentro delas. Em caso de resistência, as forças armadas devem ser exterminadas e a população expulsa para fora das fronteiras do estado (PAPPÉ, 2006, p.16)
O Plano Dalet direcionou os ataques diretos aos vilarejos, encontrando paralelos nas táticas adotadas também nos centros urbanos. Ele foi transmitido para comandantes de brigadas militares, com diretrizes e ordem operativas bem definidas para a ação de expulsão e ataques. Cada brigada recebia uma lista das aldeias ou bairros que deveriam ser ocupados e destruídos.
Desde então, o povo palestino enfrenta uma Nakba contínua, caracterizada por políticas de colonização e limpeza étnica que persistem até os dias atuais. As guerras de expansão israelense em 1967 reconfiguraram a distribuição geográfica de Israel, e as políticas de assentamentos ilegais sobre os Territórios Palestinos Ocupados (TPOs) continuam a desafiar a estabilidade na região. A sistemática destruição de vilas, demolição de casas, assassinato de civis e prisões políticas de líderes palestinos são elementos constantes dessa estratégia de desapropriação e deslocamento da população árabe.
Esse processo de desapropriação e deslocamento da população árabe por meio desses procedimentos relatados é considerado pela literatura do tema como uma desarabização e judaização da Palestina. Isso perpassa a transformação demográfica e física do território Palestino aliado às políticas de colonização e imigração. Então, observamos o avanço dos assentamentos israelenses nos Territórios Palestinos Ocupados, por meio de expropriação de terras, demolições, despejos forçados, além das políticas institucionais de alteração de composição étnica, religiosa e racial do território. Para além das ferramentas militares e legais, existem também os mecanismos de redefinição de fronteiras, restrição do acesso a direitos básicos e construção de muros, barreiras e obstáculos físicos, impedindo a livre transitoriedade dos palestinos por suas terras.
V) O que é sionismo?
A compreensão da ação sionista nos territórios palestinos, anteriormente à criação do Estado de Israel e até os dias atuais, exige um enquadramento na discussão sobre colonialismo e imperialismo. O sionismo, desde suas primeiras migrações no final do século XIX, pode ser entendido como parte integral de um projeto colonial de judaização da Palestina, então sob domínio do Império Britânico. Como Losurdo (2014) destaca:
Não há dúvida de que o sionismo, mesmo na multiplicidade dos seus componentes, se caracteriza por uma palavra de ordem inequívoca: “uma terra sem povo para um povo sem terra”! [...] Ademais da ideologia, o sionismo toma de empréstimo da tradição colonial as práticas de discriminação e opressão. Bem antes da fundação do Estado de Israel, já no curso da Segunda Guerra mundial, quando se estabelecem na Palestina os sionistas programam a deportação dos árabes. “Deve ficar claro que não há lugar para todos os dois povos neste país”; faz-se necessário “transferir os árabes para os países confinantes, transferi-los todos”: inequívoco é o programa enunciado no final de 1940 por um dirigente de primeiro plano do movimento sionista.
Mesmo antes da fundação do Estado de Israel, durante a Segunda Guerra Mundial, os sionistas já planejavam a deportação dos árabes da Palestina, evidenciando a conexão do sionismo com práticas coloniais. Essa abordagem é confirmada pelo líder sionista, que declarou a necessidade de "transferir os árabes para os países confinantes". A judaização das terras palestinas, portanto, começou no contexto da colonização pela comunidade sionista no final do século XIX e não se encerrou com a criação de Israel, mantendo-se em constante estado transitório.
O nacionalismo judeu está entrelaçado com a ideologia nacionalista europeia, buscando reinterpretar as raízes históricas da Bíblia Hebraica. Essa instrumentalização da religião judaica como uma ferramenta nacionalista visa recriar um passado comum para todos os judeus, transformando-os em uma raça e grupo biológico distintos. A liderança sionista, exemplificada por David Ben-Gurion, demonstra essa conexão ao afirmar: "Não é importante se a história [bíblica] é um relato verdadeiro de um evento ou não. O que é importante é se os judeus acreditam que a história do povo começa tão longe quanto o período do Primeiro Templo" (ROSE, 2004).
O nacionalismo sionista, portanto, não pode ser dissociado do contexto eurocêntrico e imperialista que deu origem ao movimento sionista. Como observa Edward Said, o "problema árabe" era percebido pelos sionistas como algo a ser negado e exterminado. A negação da existência dos palestinos, seguida por tentativas de obstrução, diminuição, silenciamento e confinamento, caracterizou a política dos sionistas em relação ao povo árabe. Esse processo intricado inclui não apenas a política dos sionistas em relação aos palestinos, mas também as ações de Israel nas colônias árabes e a natureza das forças de ocupação israelenses após 1967.
Desde o princípio, a parcela hegemônica do movimento sionista estava alinhada às necessidades históricas dos judeus europeus, o que significa que, ao consolidar Israel, as visões sobre como gerir um “estado moderno” abraçam as inúmeras contradições típicas dos estados burgues ocidente. É inegável dizer, por exemplo, que sim: existem judeus que sofreram e sofrem violência estatal por parte do sionismo. A história dos judeus mizrahi, por exemplo, que constituem a maioria da classe trabalhadora dentro de Israel, foi de intensa marginalização por parte do governo sionista desde a leva de imigração dos anos 1950.
O sionismo, conforme argumenta Bruno Huberman, é uma variante do nacionalismo europeu e uma instância de expansão europeia ultramarina. Maxine Rondinson, em "Israel: A Colonial-Settler State?" (1973), destaca as características coloniais do movimento sionista, comparando-as às práticas colonialistas e racistas europeias do século XIX. A judaização da Palestina, às custas da expulsão e dominação dos palestinos, ecoa os padrões coloniais observados em outras partes do mundo.
Portanto, denunciar a judaização do território palestino, a desapropriação das terras palestinas e a exploração do povo palestino implica necessariamente denunciar o sionismo e, por conseguinte, o Estado Sionista de Israel.
Conclusão: Desvendando o Sionismo e Apoiando a Luta Anticolonial Palestina
Num momento de genocídio em curso, é imperativo revisitar a história do sionismo e suas raízes coloniais para compreender a natureza intrínseca da luta de libertação do povo palestino como uma batalha anticolonial desde seu princípio. A abordagem do sionismo sobre os territórios palestinos, marcada por desapropriações, expulsões e opressão, se alinha de maneira incontestável ao modus operandi de movimentos coloniais que moldaram a história.
A conexão intrínseca entre sionismo e colonialismo emerge claramente ao longo do tempo, não apenas como um fenômeno histórico, mas como uma contínua manifestação de desapropriação e exploração. Este entendimento profundo revela que a luta pela Palestina é, em essência, uma resistência anticolonial, combatendo a estrutura que busca subjugar, negar identidade e perpetuar a supremacia étnica.
Neste contexto, é crucial saudar e reconhecer os esforços dos judeus antissionistas no mundo, representados por grupos como Vozes Judaicas pela Libertação no Brasil. Estes corajosos defensores compreendem a conexão intrínseca entre sionismo e colonialismo, reconhecendo que os preceitos judaicos autênticos estão distantes do projeto sionista que busca impor uma narrativa unificada e uma hegemonia étnica.
Dizer "Palestina Livre do Rio ao Mar" transcende uma mera afirmação territorial; é uma negação inequívoca do projeto colonial sionista desde sua raiz. Essa declaração proclama que não há espaço para estados fundados na supremacia étnica, rejeitando a lógica que busca estabelecer fronteiras baseadas na exclusão, na opressão e na negação dos direitos fundamentais dos palestinos.
Num momento em que a resistência palestina é mais vital do que nunca, compreender o sionismo como um empreendimento colonial é essencial para uma ação efetiva. A verdadeira justiça na região exige não apenas a denúncia dos atos de opressão, mas a desmantelação das estruturas coloniais que perpetuam a desumanização do povo palestino. A história do sionismo, vista através da lente anticolonial, é um guia para aqueles que buscam um Estado Único Livre, Socialista e Laico!
Referências
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https://blogdaboitempo.com.br/2014/08/14/a-esquerda-o-sionismo-e-a-tragedia-do-povo-palestino/