'Será mesmo tudo pra ontem? Contra a ansiedade e exaltação do sacrifício em nossas fileiras' (Kause Chaves)

Apresento o termo ansiedade realizando um paralelo com a condição psicológica mesmo mas não é da questão psicológica individual que quero tratar aqui, embora acredite que seja necessário debatermos mais sobre isso também.

'Será mesmo tudo pra ontem? Contra a ansiedade e exaltação do sacrifício em nossas fileiras' (Kause Chaves)

Por Kause Chaves para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Escrevo essa breve tribuna no intuito de debater sobre uma certa ansiedade que não só vivo como vejo ser muito constante em nossa organização. Apresento o termo ansiedade realizando um paralelo com a condição psicológica mesmo mas não é da questão psicológica individual que quero tratar aqui, embora acredite que seja necessário debatermos mais sobre isso também.

Falo aqui de uma ansiedade no sentido coletivo, como um estado de alerta constante que nos impede de focar no que realmente importa para nossa organização e trabalhos políticos, nos colocando sempre na necessidade não só de ter as opiniões mais aceleradas mas também de um excesso de preocupação e atuação em absolutamente todas as frentes, mesmo que de forma medíocre. Essa inquietação, necessária a qualquer comunista, quando em excesso, atrapalha nosso desenvolvimento pois impede não apenas um certo distanciamento que permita análises melhores sobre o que precisamos de fato decidir quanto inviabiliza a realização ou a apreensão de acúmulos.

Indo aos exemplos, mais ou menos a cada 4 anos teremos Congresso do partido, anualmente também há eleições sobre as quais nos debruçamos com mais ou menos energia, em sindicatos, movimento estudantil, cidades, estado e/ou federação. As decisões mais pontuais sobre como deverão ser nossas táticas para cada um desses momentos deve ser conjuntural, afinal, não é possível dizer se daqui 4 anos a melhor tática para representar o avanço da luta de classes e da classe trabalhadora é disputar uma eleição ou realizar alguma outra ação. Contudo, se queremos sequer ter a opção de disputar eleições ou qualquer outra tarefa que exige logística, recursos humanos e financeiros e planejamento de forma qualificada daqui 6 meses, 1 ou 4 anos, não podemos ficar de braços cruzados nas atividades que nos levam a tal capacidade. E caso não tenhamos tal capacidade que tenhamos a coragem de admiti-la no lugar de buscar convencer nossos camaradas apenas na base do disciplinamento.

Em meu antigo núcleo, era bastante comum que eu recebesse a etiqueta de “esquerdista” sempre que colocava a necessidade de que os camaradas que estavam apresentando que deveríamos disputar alguma eleição ou construir alguma tarefa que demandasse um grande esforço sem avanços explícitos para a luta de classes apresentaram os motivos pelos quais a gente deveria fazer aquilo, quais as nossas condições concretas tanto de vitória, quanto de derrota mas também, em caso de derrota quais eram os avanços esperados e táticas que melhor se adequariam a cada situação. Salvo raras excessões isso nunca era apresentado, no lugar, era levantado o espantalho do esquerdismo, como se eu e outros camaradas que apresentavam as limitações de certas disputas fossem apenas pessoas “contra eleições, esquerdistas, que não querem diálogo e/ou disputas com outras forças”.

Apresento essa divergência pessoal apenas para ilustrar uma situação corriqueira e dar mais concretude para a tribuna, no sentido de que meu apelo segue o mesmo: “EU QUERO SER CONVENCIDO” não apenas acreditar que estamos tomando as melhores decisões porque alguns quadros são disciplinados, bons, etc… Mas porque temos um planejamento concreto para realização de nossas tarefas, sabemos o que queremos quando as realizamos e temos noção tanto de nossos acertos a cada etapa mas principalmente de nossos erros. E convencimento não é algo que fazemos apenas uma vez durante o processo de recrutamento.

O Convencimento é uma tarefa interna, é algo que deve ser constante em nossa organização, não porque queremos alienar nossos camaradas e/ou romantizar o partido, mas pelo contrário, o Convencimento é necessário porque para a classe trabalhadora, militar é abrir mão de outros aspectos da vida! Muitas vezes será não acompanhar mais seu time do coração, perder horas importantes de cuidados com a família, ter um espaço limitado para auto-investimento profissional na carreira, etc. Então se o Partido quer que seus camaradas realmente sejam capazes de tomar essas decisões a favor de suas decisões coletivas não basta apenas descer uma circular apresentando “que se faça tal tarefa”.

É necessário tempo, convencimento e o combate sistemático ao pensamento imediatista e coletivamente ansioso que nos leva a repetir sempre as mesmas táticas de disputa desordenadas como se fosse uma grande novidade, não porque achamos que estavam corretas das últimas 10 vezes que tentamos mas porque a incapacidade de realizar e assimilar balanços é comprometida pelo próprio ciclo de tarefas atropeladas e militantes quebrados que não vêem outra alternativa entre realizar um trabalho completamente alienado abrindo mão de todos os aspectos da própria vida que não sejam os ligados à militância ou se afastarem da organização.

Nossos quadros não são descartáveis camaradas! Dá muito trabalho realizar um recrutamento, formar as pessoas na prática e na teoria, ter comunistas comprometidos para depois simplesmente os descartarmos por não terem disponibilidade de realizar 7 reuniões por semana em horário útil, ou de lerem 20 documentos a cada 3 dias, etc. O requisito para estar no partido comunista deve ser SER COMUNISTA e estar disposto a construir a revolução conforme cada capacidade permitir, não criarmos um padrão abstrato e inalcançável do que é ser um comunista para nosso partido e sair cobrando todo mundo como se isso fosse trazer avanços. Tal atitude apenas fomenta o burocratismo em nossas fileiras.

Essa atitude ansiosa frente aos trabalhos nos impede de ter uma organização que tenha planejamentos a curto, médio e longo prazo e, como sempre tem algo “pegando fogo” na conjuntura, acabamos hiper-valorizando o auto-sacrifício de nossos quadros no lugar da disciplina, pois disciplina não é ficar dias e noites sem comer e ver os familiares para tocar tarefas que a organização sequer tem uma linha política coerente sobre, disciplina é ser capaz de questionar e contribuir com seu partido, inclusive o criticando quando esta quebrando seus próprios quadros.

Estar absorvidos em todas as pautas de maneira imediatista também nos coloca numa posição alienada frente aos próprios trabalhos realizados, um dos grandes exemplos é a situação do Movimento Estudantil, apesar de disputarmos constantemente grêmios, DCEs, CAs, DAs, etc temos pouquíssimo a contribuir no sentido da profissionalização do entendimento desses espaços, parece que seguimos realizando atividades na base da “intuição” contra organizações que são profissionais e oportunistas nesses espaços, a equação “todo dia saí um otário e um malandro de casa e quando os dois se encontram dá negócio” está feita, e não preciso dizer que se não temos uma análise científica do que pretendemos disputar, de nossas forças e inserções não somos nós os malandros.

Um outro aspecto é relacionando o tema dessa tribuna ao nosso Congresso. Nossas teses devem expressar essa nossa dificuldade, indicando que temos que superá-la, mas para além disso, é preciso que nossas teses tenham em sua escrita também a capacidade de convencimento de nossos camaradas de que essa é a organização capaz de fazer avançar a Revolução Brasileira, não podemos aceitar apenas um tratado sobre um partido logicamente correto mas um documento que expresse o nosso ÓDIO DE CLASSE! Pois, é disso que se trata.

-Há braços. Venceremos, mas pra isso é necessário planejamento.