Seca e exploração: como o modelo econômico predatório agrava a crise na Amazônia

No Brasil, a degradação ambiental pelo agronegócio perpassa as relações de exploração no campo que foram mais calcadas a partir da intensificação da concentração de terras, a monocultura e a exportação de produtos primários resultados da crise do capitalismo acirrada em 2008.

Seca e exploração: como o modelo econômico predatório agrava a crise na Amazônia
Rio Acre no dia 02 de setembro de 2024/ Foto: Kauana Niz/Acervo PCBR.

Por Redação

A seca nos principais rios amazônicos, como o Amazonas, o Madeira, Purus e o Tapajós, tem se intensificado nas últimas décadas. No Amazonas, a previsão é que esse ano se enfrente uma seca pior ou igual ao que o estado viveu no ano passado. Durante a estiagem, o Rio Negro alcançou o nível mais baixo dos últimos 120 anos. No Acre, a crise climática ocasionou uma das maiores enchentes há quase 6 meses e agora provoca uma estiagem severa que coloca em risco o Rio Purus e seus afluentes (rios Acre e Iaco) e atinge metade da população acreana. Em  Rondônia a situação também é alarmante, o Rio Madeira alcança o menor nível de baixa registrado em quase  60 anos.

A seca histórica que devastou a Amazônia em 2023 é um prenúncio alarmante para o que se aproxima em 2024. No ano passado, a região enfrentou a pior seca já registrada, com os rios Amazonas, Madeira, Purus e Tapajós atingindo níveis críticos.

O fenômeno climático El Niño intensificou a estiagem, enquanto o desmatamento, a construção de hidrelétricas e a mineração exacerbaram a crise. O impacto foi devastador, com queimadas, mortes de fauna e a paralisia de comunidades inteiras que dependem dos rios para sua sobrevivência.

O El Niño, caracterizado pelo aquecimento anômalo das águas do Oceano Pacífico, impulsiona ar quente e seco sobre a região amazônica. Em 2023, o fenômeno foi exacerbado pelo aquecimento das águas do Atlântico Norte, criando um ambiente ainda mais hostil para a floresta. Essa combinação climática, somada à degradação, revelou a gravidade da crise: o desmatamento ao longo das margens dos rios reduziu a cobertura vegetal essencial para a regulação hídrica. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) apontam que o desmatamento aumentou 33% entre 2020 e 2021, agravando a perda de umidade e a capacidade de retenção de água do solo. Além disso, a construção de hidrelétricas e a mineração, que alteram o fluxo dos rios e reduzem o volume de água disponível, também são responsáveis por intensificar a crise hídrica.

A degradação ambiental provocada pelo desmatamento, a destruição de igarapés e a construção de hidrelétricas amplifica os efeitos para essa crise. Estudos do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) indicam que a construção de represas altera o fluxo dos rios e reduz o volume de água.

A mineração também é uma atividade que cresce intensamente responsável por remover grandes áreas de vegetação e contaminar os rios. A cidade de Barcarena (Pará)  é um exemplo, região conhecida como “a Chernobyl da Amazônia”, conta com a presença da Alunorte – maior refinaria de Alumina do mundo fora da China – desde 1995. Em 2010 a Alunorte foi vendida pela Vale à Norsk Hydro que já foi acusada e denunciada diversas vezes de despejar toneladas de rejeitos químicos tóxicos em rios que sustentam comunidades tradicionais na região.

A seca severa não afeta apenas a biodiversidade e o ecossistema, mas também tem um impacto devastador sobre os moradores das cidades e das comunidades ribeirinhas. Tradicionalmente, essas comunidades dependem dos rios para pesca, transporte e agricultura. Com a diminuição dos níveis dos rios, o transporte fluvial torna-se impossível, isolando aldeias e dificultando o acesso a serviços essenciais. A pesca, vital para a segurança alimentar e a renda local, também é afetada, com peixes concentrados em poças menores isoladas e tornando a pesca mais difícil. A qualidade da água também é comprometida, aumentando o risco de doenças gastrointestinais e afetando a agricultura local.

As cidades ao longo dos rios, como Porto Velho, Rio Branco e Manaus, enfrentam desafios similares, com a diminuição dos níveis dos rios comprometendo o abastecimento de água potável e prejudicando a economia local. A crise hídrica afeta o transporte de mercadorias e eleva os custos, resultando em inflação local e redução na qualidade de vida.

A combinação desses efeitos cria uma crise multidimensional que sobrecarrega as infraestruturas urbanas e agrava as desigualdades sociais. Os governos estaduais têm demonstrado uma incapacidade notável de enfrentar a crise hídrica. Em Porto Velho, a seca do Rio Madeira levou à declaração de estado de emergência, mas a resposta das autoridades foi lenta e inadequada. O Amazonas decretou estado de emergência ambiental e de saúde pública em todas as 62 cidades devido à seca e queimadas. Na capital, Manaus, o colapso nos sistemas de abastecimento de água foi mal gerido, e, em Belém, a seca comprometeu a produção agrícola local. A crise no Acre, que afetou o Rio Purus e seus afluentes, resultou em uma crise humanitária com assistência insuficiente. A falta de políticas públicas eficazes e planejamento para a gestão dos recursos hídricos revela um descaso profundo.

O recente Projeto de Lei 2.168/2021, que será analisado pelo Senado, propõe a legalização de obras de infraestrutura em Áreas de Preservação Permanente (APPs), permitindo a alteração do meio ambiente para que o pasto consuma água, aumentando os impactos ambientais e comprometendo a vegetação nativa essencial para a regulação hídrica. Além disso,  com  o  teto de gastos foram reduzidos em 52% os recursos destinados à política ambiental entre 2016 e 2022, conforme relatado pelo Observatório do Clima. Essa redução limita a capacidade de resposta às crises ambientais e compromete projetos essenciais de monitoramento e recuperação.

Enquanto a Amazônia se prepara para receber a COP 30 (30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas) em Belém, a contradição entre os objetivos que o evento propõe e as políticas em curso escancaram os “falsos” acordos climáticos . A COP 30 se propõe como o evento mais importante para discutir   ações sistematizadas e acordos entre os países para enfrentar a crise climática global. Ao mesmo tempo, a preparação do evento causou desmatamento e expansão de projetos de infraestrutura em áreas sensíveis. Isso demonstra que o evento serve mais como um teatro para publicizar a ‘agenda verde’ que vem sendo adotada por autoridades internacionais, mas que na prática caminham no sentido contrário. A manutenção da Amazônia e seus povos deve ser uma prioridade, não apenas em conferências internacionais, mas também nas políticas públicas e planejamentos que afetam a região.

O combate à crise ambiental na Amazônia exige um compromisso real com a preservação, a justiça climática e a revitalização dos recursos naturais, algo que não é possível no sistema capitalista que pressupõe a acumulação de riquezas, exaurindo a natureza e superexplorando os trabalhadores. É contraditório que um sistema baseado na exploração infinita de recursos naturais possa prosperar em um espaço onde os recursos são finitos

No Brasil, a degradação ambiental pelo agronegócio perpassa as relações de exploração no campo que foram mais calcadas a partir da intensificação da concentração de terras, a monocultura e a exportação de produtos primários resultados da crise do capitalismo acirrada em 2008.

Esta exacerbou as contradições do desenvolvimento desigual global. Os capitais transnacionais passaram a ser mais relutantes em compartilhar valor com a burguesia nacional brasileira, resultando em uma nova rodada expropriatória no capitalismo dependente. Isso contribuiu para uma nova rodada expropriatória, na qual o capitalismo dependente busca recuperar o fôlego.