Seca do Rio Marupá: impactos do garimpo e a omissão do Estado
No início de setembro, o Rio Marupá, afluente do rio Tapajós, sofreu uma seca completa. O fato ocorre após crescente degradação ambiental na região e afeta diretamente comunidades como a do povo indígena Munduruku, que depende do rio para sua alimentação e deslocamento.
Em uma fotografia do Rio Marupá, captada pelo coletivo audiovisual indígena Wakoborun, percebe-se que um rio já esteve ali, mas é difícil acreditar que o governo brasileiro permitiu que isso acontecesse. A tristeza é evidente para quem imagina o que está acontecendo com aqueles que dependiam desse rio. Como estão os peixes, a vegetação e o povo indígena Munduruku? O que vão fazer agora?
O genocídio do povo Yanomami em Roraima, não é o único exemplo grave de invasões de garimpeiros e abandono estatal, isso tem se tornado cada vez mais comum na Amazônia. E, este recente caso mostrou o que o capitalismo pode causar: uma seca completa em um local que já foi um rio, mas onde agora se vê apenas lama e dragas submersas.
O coletivo audiovisual indígena Wakoborun tem denunciado outros ataques a Terra indígena (TI). Além do Rio Marupá, o Rio Kabitutu também está seco. Na região do Rio das Tropas, os igarapés Preto e Branco apresentam níveis abaixo do esperado. Além disso, foram registrados mais de 300 focos de incêndio na TI.
Este ano, os principais rios amazônicos têm enfrentado uma seca histórica, esse caso resulta do que já pontuamos anteriormente: desmatamento acelerado, degradação dos ecossistemas e intenso período de estiagem. E, no caso do Rio Kabitutu, a falta de medidas eficazes do Estado para conter o avanço do garimpo ilegal também contribuiu, culminando na seca total do rio no último mês.
A mineração na região, iniciada nos anos 1980, tem devastado as terras dos Munduruku, com a invasão de garimpeiros em busca de ouro. Esse processo destrói rios e florestas, além de causar grave contaminação por mercúrio, utilizado na separação do ouro. O mercúrio polui os rios, afetando a fauna, a flora e a saúde dos Munduruku, que consomem peixes contaminados. Estudos recentes da Fiocruz mostraram que cerca de 90% das amostras de cabelo coletadas apresentam altos níveis de mercúrio, que pode causar distúrbios digestivos, danos neurológicos e problemas no desenvolvimento infantil.
Luta incessante do povo Munduruku
Os Munduruku têm um longo histórico de lutas contra a invasão de suas terras, resistindo desde o período colonial até os dias atuais contra a exploração de recursos naturais e projetos de desenvolvimento, como a construção de hidrelétricas na Amazônia. Conhecidos por sua resistência militar no passado, nas últimas décadas, eles se organizaram intensamente para defender seus interesses, culminando na criação do Movimento Munduruku Ipereg Ayu, uma entidade representativa que surgiu nos anos 2000 para articular a defesa de seus territórios e direitos frente às ameaças contemporâneas.
Diante da devastação contínua, o povo Munduruku persiste na luta pela preservação de suas terras. Em carta ao governo federal, exigem a retirada imediata dos garimpeiros e a punição dos responsáveis pela destruição ambiental. Denunciam a contaminação por mercúrio, o desmatamento e a perda de autonomia dos povos indígenas, agravada por iniciativas como o crédito de carbono, que beneficia apenas empresas externas, em uma clara ação imperialista.
Além disso, criticam a lentidão do governo Lula em cumprir as ordens judiciais de expulsar os invasores, e exige ações urgentes para proteger tanto o território quanto as comunidades.
Histórico da garimpagem na região
A atividade do garimpo na região data de várias décadas, com a descoberta de ouro no final da década de 1950. Durante a ditadura empresarial-militar e seu lema "integrar para não entregar", avançaram-se o genocídio indígena e a construção de rodovias, incluindo a Transamazônica, que afetaria diretamente esse território. No início dos anos 1970, a exploração se intensificou, inicialmente de forma semi-mecanizada ou artesanal, o que limitava os danos à floresta e aos rios. No entanto, a prática cresceu impulsionada por políticos e empresários locais.
A partir de 2008, com a valorização do ouro e a chegada de máquinas como retroescavadeiras e pás carregadeiras, a dinâmica do garimpo mudou drasticamente. Esses equipamentos, capazes de derrubar centenas de árvores e criar enormes crateras, ampliaram consideravelmente o rastro de destruição ambiental.
Projetos anti-indígenas
A garimpagem foi agravada pelo governo genocida de Bolsonaro-Mourão, que favoreceu a exploração de terras indígenas e enfraqueceu significativamente as políticas ambientais, deixando um legado de devastação que o governo atual tem feito pouco para combater.
Atualmente, projetos de lei como o PL nº 3.025/2023, proposto pelo governo federal, pretendem legalizar o garimpo em terras indígenas, permitindo a exploração de áreas não protegidas até a Constituição de 1988 e regulando o comércio de ouro no país. Além disso, a Lei do Marco Temporal, criada pelo senador Hiran Gonçalves (PP-RO) em 2019 e aprovada em 2023, compromete a demarcação de terras indígenas e facilita ainda mais as invasões por garimpeiros.
As ações do governo neoliberal de Lula-Alckmin têm sido insuficientes. No primeiro ano do governo, o Senado aprovou a tese do marco temporal no Projeto de Lei 490 (PL 2903/2023), que foi enviado para sanção presidencial, porém, o presidente Lula vetou parcialmente o PL 2903, contrariando o pedido do movimento indígena, que era o veto total. A PL 2903 foi sancionada como a Lei 14.701, fruto de um acordo entre o governo federal e a bancada ruralista para garantir apoio à aprovação da Reforma Tributária.
Apesar das promessas de campanha, o governo tem agido com leniência frente à ofensiva latifundiária, favorecendo os ruralistas frente ao Marco Temporal e na demarcação de TIs, perpetuando o genocídio dos povos indígenas. As ações se limitam a fiscalizações pontuais e à destruição da infraestrutura do garimpo, sem estabelecer uma fiscalização permanente e rigorosa.
A luta pela preservação do território e pela saúde da população indígena se intensifica com as constantes denúncias de crimes ambientais. São 255 Terras Indígenas (TIs) em processo de demarcação, mas sem conclusão devido aos grandes interesses econômicos do agronegócio, da mineração e das madeireiras. Terras como Karipuna (RO), afetada pelo desmatamento ilegal e grilagem, Tupinambá de Olivença (BA) e Ka’apor (MA) enfrentam invasões e conflitos com fazendeiros. A falta de demarcação é impulsionada pela influência política do agronegócio e pela exploração de recursos naturais e a insuficiência do Estado burguês.
No Pará, diversas etnias sofrem com a não demarcação. Graças a uma incessante luta, a TI Sawré Muybu (PA) também do povo Munduruku, localizada na região do Médio Tapajós, que é alvo de projetos de hidrelétricas e mineração, teve sua demarcação autorizada pelo Ministério da Justiça nesta última quarta-feira (25), depois de 17 anos de espera.
Últimas considerações sobre uma catástrofe cada vez mais presente
A seca no Rio Marupá também está relacionada com às mudanças climáticas. O desmatamento na Amazônia tem alterado o ciclo das chuvas, provocando secas mais longas e enchentes mais intensas. A combinação da mineração com o avanço do desmatamento está gerando uma crise ambiental sem precedentes na região.
Na região se concentra dois aspectos da extração. De um lado, a extração de minério legalizada, promovida pelo governo e por grandes empresas que é apresentada como um motor de desenvolvimento para a região. Do outro, o garimpo ilegal que acumula lucro aos grandes garimpeiros.
Tanto de forma legal quanto ilegal, essas práticas provocam uma ampla degradação ambiental e intensifica as desigualdades sociais. Enquanto o ouro e outros recursos naturais são extraídos para enriquecer empresários e políticos, as comunidades indígenas sofrem as consequências diretas, como a contaminação dos rios e a devastação de seus territórios.
A seca no Rio Marupá, reflete a exploração capitalista desenfreada, que prioriza os interesses predatórios das grandes corporações em detrimento do bem-estar coletivo e da preservação ambiental.
A luta dos Munduruku é uma luta pela sua soberania, pela posse de suas terras, e um chamado para a mobilização contra um modelo de desenvolvimento que está devastando a Amazônia e ameaçando a sobrevivência das comunidades tradicionais e da classe trabalhadora.