'Saúde mental e relações de camaradagem' (M.F)
as medidas em relação à saúde mental devem começar nos núcleos de base, que repensem a forma como as relações se estabelecem, se preocupem em não sobrecarregar militantes, se importem em se conhecer e criar uma rede de apoio.
Por M.F para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
Camaradas, escrevo a presente tribuna após a leitura da contribuição de camarada Vinicius Nogueira no escrito “A questão da saúde mental na organização marxista”, a qual me levou a pensar na urgência do debate acerca da saúde mental na militância e da sistematização dos acúmulos des militantes que estudam/trabalham nesta área. Essa contribuição visa continuar o debate acerca da saúde mental na busca por aprofundando-nos em uma visão marxista da Psicologia.
Tenho percebido que, mesmo após inúmeros afastamentos por questões relacionadas à saúde mental, esse assunto não tem sido debatido de maneira aprofundada. Não desconsidero a importância dos debates que têm sido realizados nas tribunas, mas não há nenhuma disputa possível com militantes quebrados. Dessa forma, a presente tribuna é, acima de tudo, um convite para que militantes que tenham acúmulo no assunto possam seguir esse debate, de maneira que em algum momento (espero que em breve!) possamos pensar em medidas mais organizadas. É também um apontamento sobre a necessidade de pautarmos essa questão em nossas etapas de núcleo e em nossos planejamentos, pensando se temos construído uma rede de apoio dentro da militância, se sabemos minimamente acolher es camaradas e se sabemos quais serviços podemos procurar em momentos críticos.
Gostaria de iniciar dizendo que o conceito de “saúde mental” é amplo, e nem sempre é fácil a sua definição. No entanto, da mesma forma que a “saúde” não é apenas a ausência de doença, a saúde mental é mais do que a ausência de perturbação mental. Neste sentido, tem sido cada vez mais entendida como o produto de múltiplos e complexos fatores, que incluem fatores biológicos, psicológicos e sociais. Tal apontamento parece óbvio para os marxistas, mas vejo que não é visto dessa maneira, especialmente quando pensamos no diagnósticos. É sempre importante, enquanto militantes comunistas, politizar e problematizar os diagnósticos psicológicos. A quem eles servem? De que forma esses sintomas surgem? São tão fixos mesmo? Como o ambiente da militância não os agrava?
Bom, aponto isso pois é evidente que a Psicologia Histórico-Cultural, abordagem desenvolvida por Lev. S. Vygotsky, Alexei Leontiev e Alexander Luria, baseando-se no materialismo histórico-dialético, têm contribuições importantes e que devem ser pensadas dentro da organização. É nítido o aumento dos diagnósticos, e não apenas na militância, vê-se que a relação com tais diagnóstico tem se dado da maneira que o capitalismo gosta: individualizado, despolitizado, descontextualizado e fixo. Um exemplo disso é o TDAH, diagnóstico tão comum e que poucos de nós questionam, ainda que saibamos que a atenção é uma função DESENVOLVIDA em um contexto sócio-histórico. É comum que nos agarramos ao diagnóstico sem pensar de maneira marxista: como produto desse momento histórico, como funções que podem ser desenvolvidas, como sofrimentos que apontam diretamente para as contradições do capitalismo.
Nesse contexto de sofrimento mental, dentro e fora da organização, é comum nos depararmos com pessoas que saíram das organizações pois não suportaram permanecer em um ambiente adoecedor, ou que não desejam se organizar pois seu tempo tem sido devorado pelo trabalho e o tempo que lhe resta é tentando não sucumbir ao sofrimento. É preciso que pensemos em como não temos construído um espaço acolhedor para es militantes, e se não aprendermos a lidar com isso, jamais alcançaremos uma classe que tem sido moída pelo modo de socialização que o capitalismo impõe.
É fato que o coletivo pode ser um elemento extremamente importante no que diz respeito à saúde mental. Olhar para camaradas que compartilham de nossos ideais, que também abdicam de inúmeras coisas pela militância, nos ajuda a seguir. No entanto, é importante que tenhamos vida para além das tarefas que tocamos, e que as relações da militância possam ir para além dessas tarefas. Será que conhecemos minimamente quem milita conosco? Será que sentimos que podemos contar com camaradas em momentos difíceis? Quantas vezes você se sentiu acolhide por alguém da militância? Penso que temos olhada uns para os outros como meras pessoas que cumprem tarefas junto conosco, sem se importar em conhecer ou estar disponível caso seja preciso.
Sabemos que esse modo de olhar não é um modo fraterno. É duro, e seguirá sendo duro, se manter em uma organização em que não se é visto como sujeito que é importante de diferentes formas. Vejam, camaradas, a tribuna “Falta de camaradagem: O que temos a ganhar com isso” escrita por Ane Lim, demonstra que o modo como estamos olhando para quem milita conosco é, no mínimo, desumano. É sempre importante debater, mas não se olha para ninguém dentro dessa organização como descartável. Se você se olhar com o mínimo de profundidade, verá que é sujeito dessa sociedade, que carrega as contradições que sempre apontamos e que, por isso, falhará. Mesmo quando há falha, deve-se pensar em como lidar e, em casos extremos, a expulsão é uma medida, mas ela não é a primeira e muito menos a única.
Nesse sentido, queria ressaltar que as medidas em relação à saúde mental devem começar nos núcleos de base, que repensem a forma como as relações se estabelecem, se preocupem em não sobrecarregar militantes, se importem em se conhecer e criar uma rede de apoio. Além disso, que se informem sobre os serviços que podem ser acessados, sobre psicólogos que atendem por valor social. Criem espaços para que camaradas que estão esgotades possam falar sobre isso e leiam sobre acolhimento (prática que não é exclusiva da Psicologia). Nas redes sociais, tomem vergonha na cara, debatam com qualidade ou simplesmente guardem seus comentários e sigam suas vidas.
Gostaria de adicionar também que, na relação camarada é sempre e de máxima importância pensar no combate a opressões. No tempo em que milito, percebo que muitos núcleos não dão a devida assistência para camaradas que sofrem opressões dentro e fora da militância, e isso é adoecedor e revitimizador. Se um camarada faz a denúncia sobre determinada situação, a urgência é que todas as medidas sejam tomadas e que e militante tenha a assistência necessária e possível. Esse é também um dos motivos de muitos afastamentos.
Por fim, queria dizer que essa tribuna ficou levemente confusa, mal escrita e longa. Pretendo, assim que for possível, me debruçar mais sobre pontos que coloquei aqui: o problema do diagnóstico, a camaradagem e o combate a opressões. Mas, gostaria de finalizar dizendo que espero verdadeiramente que a militância se torne um lugar de fortalecimento como deve ser, e que cada camarada que hoje se encontra esgotade e/ou afastade, encontre acolhimento e saiba que seguiremos incansáveis para que esse sistema seja destruído e outra maneira de ser possa ser construída.
Saudações revolucionárias!