Salário mínimo e inflação no Brasil: a conta que não fecha
Fernando Haddad e Simone Tebet, em vários momentos de 2024, divulgaram a ideia de desvincular o salário mínimo da previdência e assistência social, mas não conseguiram correlação de forças para avançar nesse ataque.
Por Redação
O Governo Lula-Alckmin apresentou seu pacote de ajuste fiscal ao Congresso Nacional. O PLP 210/2024 e PL 4614/24 não contém as promessas do pronunciamento feito pelo Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em rede nacional (27/11/24), como isenção do imposto de renda para quem ganha até 5 mil reais e muito menos mudanças nos privilégios dos militares. Ficou para um futuro incerto. O PLP 210 e o PL 4614 versam, basicamente, sobre o salário mínimo, Benefício de Prestação Continuada, abono salarial e os “supersalários”. A nossa atenção, neste texto, será a questão do salário mínimo.
O pacote neoliberal apresentado pelo Governo Federal não é fruto apenas da chamada “pressão do mercado”: é uma consequência estrutural do Novo Teto de Gastos. Como o Novo Teto de Gastos – chamado de Novo Arcabouço Fiscal – limita o crescimento da despesa pública (excetuado o gasto com juros da dívida) em até 70% do aumento da arrecadação e com uma banda que vai de 0,6% até no máximo 2,5% por ano. Em termos práticos: o Estado brasileiro vai gastar menos do que arrecada (não considerando a despesa com juros da dívida pública) e com um teto de no máximo 2,5% para o gasto primário. O que é o gasto primário? É a despesa com saúde, educação, cultura, lazer, meio ambiente, previdência social, ciência e tecnologia, infraestrutura, geração de emprego etc.
A partir dessa lógica do Novo Teto de Gastos, auto-imposta pelo Governo Lula-Alckmin e referendada pelo Congresso Nacional, a valorização do salário mínimo é um problema. O salário mínimo é indexado a benefícios previdenciários e de assistência social. Isso significa que quando aumenta o salário mínimo, aumenta também o valor da aposentadoria e de políticas sociais como o Benefício de Prestação Continuada (BPC). Fernando Haddad e Simone Tebet, em vários momentos de 2024, divulgaram a ideia de desvincular o salário mínimo da previdência e assistência social, mas não conseguiram correlação de forças para avançar nesse ataque.
A solução encontrada, com apoio da Febraban (Federação Brasileira dos Bancos), foi limitar o crescimento do salário mínimo ao limite do Novo Teto de Gastos; isto é, o salário mínimo pode ter ganho real – acima da inflação – de no máximo 2,5% ao ano. A regra atual de valorização do salário mínimo é considerar o índice de inflação medido pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (IPCA) dos últimos 12 meses e o percentual de crescimento do PIB dos últimos dois anos. Por essa regra, em 2025, o salário mínimo teria aumento de 7,71%, passando para o valor de R$ 1.521. A proposta do Governo Lula-Alckmin é de manter a mesma metodologia de cálculo, mas nunca superando o limite de 2,5% de crescimento ao ano – limite do Novo Teto de Gastos.
Nesse sentido, vamos imaginar que, para 2026, o IPCA + índice de crescimento do PIB dos últimos dois anos, indique que o salário mínimo deve crescer acima da inflação em 10%. Mesmo assim, o máximo de crescimento será de 2,5% ao ano. O economista Pedro Rossi fez uma simulação de quanto seria o valor do salário mínimo hoje se a regra de valorização máxima de 2,5% tivesse sido adotada em 2003, no primeiro ano do mandato de Lula.
O salário mínimo, hoje, seria menor que mil reais. Os números não deixam dúvidas para mostrar a mentira de quem afirma que a valorização do salário mínimo está garantida. Formalmente, sim, todo ano teremos ganhos reais acima da inflação, mas com um limite tão pequeno de, no máximo, 2,5% de ganho ao ano, teremos um achatamento do poder de compra da classe trabalhadora. É fácil demonstrar esse achatamento a partir da questão do custo dos alimentos.
O IPCA mede milhares de preços na economia brasileira. O índice geral de inflação é uma média, o que não significa que, em cada setor específico, não tenhamos índices de inflação menores ou maiores. A inflação no preço dos alimentos em 2024, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), é de 4,5%. Ainda segundo o IBGE, a inflação de alimentos nos domicílios foi de quase 49% entre janeiro de 2020 e agosto de 2024. Esse valor está bem acima do índice geral de inflação.
Se, para 2024, a inflação no setor de alimentos foi de 4,5%, o aumento do salário mínimo de no máximo 2,5% não cobre o aumento do custo de vida com alimentação. É conhecido o dado, asseverado por vários institutos de pesquisa (públicos ou privados), que quanto menor o nível de renda de uma família, maior é o total da renda gasto com alimentação. O portal de notícias Agência Brasil, em matéria assinada por Daniel Mello (25/04/2023), apresenta o seguinte cenário:
As famílias da classe C, que ganham entre R$ 5,2 mil e R$ 13 mil mensais, gastam em média um terço, o equivalente a 33,3%, dos rendimentos com alimentação, segundo pesquisa divulgada nesta terça-feira (25) pelo Instituto Locomotiva. Entre as famílias da classe B, com rendimento de R$ 13 mil a R$ 26 mil, o percentual da renda comprometida com alimentação cai para 13,2%. Para as famílias com rendimentos entre R$ 1,3 mil e R$ 5,2mil, classificadas como classes D e E, mais da metade do dinheiro recebido mensalmente (50,7%) é gasto com comida.
Mais de 60% da classe trabalhadora ganha até dois salários mínimos e gastam 50,7% com alimentação. Como temos uma tendência de alta do preço dos alimentos acima do índice médio de inflação, esse ataque a valorização do salário mínimo, olhado numa perspectiva de média/longa duração histórica, vai significar um poder de compra cada vez menor do povo trabalhador e aquela clássica percepção no supermercado que o “dinheiro dá para nada”.
Objetivamente, o ataque ao salário mínimo promovido pelo Governo Lula-Alckmin, será um fator de potencialização da fome no país. Vai reduzir a parcela da renda do povo trabalhador disponível para consumo de bens e serviços, encolher o mercado interno (na dimensão do consumo popular) e impactar na geração de empregos. Aliado a isso, o Brasil já tem um dos piores salários mínimos da América Latina – na América do Sul o nosso salário mínimo só é maior que o da Venezuela e Argentina.
Como podemos ver, o ataque ao salário mínimo vai aumentar a fome, desemprego, estimular a superexploração da força de trabalho e manter o Brasil na posição de um dos piores salários mínimos das Américas. É falso, portanto, esquecer tudo isso e afirmar que os ganhos acima da inflação estão garantidos.
A luta do povo trabalhador brasileiro deve ser por maior valorização do salário mínimo, enfrentamento à precarização do trabalho e fim da escala 6x1 com redução da jornada de trabalho para 30h semanais sem redução salarial.