'Saber pensar o espaço, para saber nele se organizar!' (Camarada Azevedo)
Com a ausência de uma leitura da lei geral do desenvolvimento desigual das regiões do Brasil, não conseguimos compreender as particularidades de cada uma e a partir daí traçar táticas para realidade brasileira, de maneira nacional.
Por Camarada Azevedo para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
Saber pensar o espaço, para saber nele se organizar, para saber nele combater… Afinal, nem toda região montanhosa arborizada é Sierra Maestra.
Yves Lacoste.
O título escolhido por mim, para esta breve tribuna surge a partir da leitura do livro “A geografia: isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra”, do geógrafo francês Yves Lacoste, uma contribuição inquietante para nossos militantes neste momento de reconstrução e aprofundamento de nossas tarefas revolucionárias.
Desde o nosso último congresso, da UJC, venho tentando escrever essa contribuição para nossa organização, no que pese a necessidade de avançar para além dos debates que estamos acostumados internamente e para o próprio campo à esquerda – que se esquiva em apresentar uma alternativa real à barbárie capitalista – que propõe-se a romper com a ordem vigente.
Assim, de início, gostaria de apontar uma de nossas grandes debilidades enquanto organização no tempo presente: pensar o espaço brasileiro, sua formação e suas ligações com o capital internacional.
Não quero aqui com isto, dizer que a temática sobre o Espaço não esteja intimamente ligada às demais questões [sociais, econômicas etc.] debatidas nas diversas tribunas, e que aqui estão sendo apresentadas e colocadas para as críticas e reflexões, por parte de nossas e nossos camaradas.
Ora, é impossível avançar enquanto uma organização marxista-leninista, revolucionária, se não soubermos evidenciar no conjunto das práticas sociais, as diversas representações dos espaços, que lhe são ligadas.
Estou convencido de que a crise em nosso Partido se dá, sobretudo, pela urgência dessa nova reestruturação [produtiva e espacial], no mundo, que urge com a crise estrutural do capital e culmina com a urgência em termos uma organização que possa não só dar respostas à realidade, mas avançar com ousadia rumo a construção do projeto socialista brasileiro. Assim, se torna necessário reorganizar e reorientar nossas formas de leitura, de combate, de atuação e de possíveis caminhos até a vitória de nossa estratégia, da Revolução Socialista Brasileira.
Bem camaradas, o que ficou evidente, ao menos para mim, antes mesmo da crise vir à público, é que a fração acadêmica, pequeno burguesa, ligadas aos órgãos dirigentes do “velho PCB”, centralizava toda sua leitura sobre nosso país a partir do estado de São Paulo e de sua região, e em outros casos a partir das capitais estaduais, através dos Comitês Regionais. Não me interessa aqui abordar sobre este último, uma vez que estão inseridas nessa mesma lógica de controle acrítico por parte dos órgãos centrais e seus dirigentes. Se notarmos, não é algo que acontece apenas em nosso partido, mas com boa parte – quiçá toda – esquerda brasileira em que seus principais órgãos de deliberações partidárias estão situados na região Sudeste do país.
É possível notar que apesar dos grandes avanços teóricos, não soubemos imprimir uma linha geral de atuação de nossa organização em nosso país, mas a partir de processos locais, que convencionamos chamar durante a crise, de federalismo, este último apenas como resultado desta ausência de leitura sobre o processo espacial de formação do Brasil. O que quero dizer, é que não fomos capazes de entender – ou imprimir – as particularidades de nossa formação social e principalmente espacial e suas ligações com o capital internacional para uma atuação consequente através de nossa organização.
Com a ausência de uma leitura da lei geral do desenvolvimento desigual das regiões do Brasil, não conseguimos compreender as particularidades de cada uma e a partir daí traçar táticas para realidade brasileira, de maneira nacional. E por qual motivo não conseguimos fazer? bem, o que nos foi evidenciado durante toda a crise é que nossas tarefas enquanto organização e a sua linha política era centralizada, em suma, no estado de São Paulo e toda sua região, assim foi adotada uma leitura da formação do capitalismo, e por conseguinte do capitalismo brasileiro, a partir desta região.
O que implica e implicou diretamente em nossas mais diversas formas de atuação em cada localidade, o que parece não problemático visto apenas a aparência dessas atuações. Porém, a maneira como nossa estrutura interna estava colocada, e aqui no que refere a certas figuras dirigentes, centralizava toda uma leitura de país, sem se preocupar de fato em entender a maneira desigual e em certa medida combinada, como se configura o Espaço brasileiro. E é essa forma de estruturação interna que impedia certos trabalhos de serem tocados pelas bases proletárias, que passaram a compor nossas fileiras e cujo processo de desgaste mental, ao enxergar as limitações dessa direção e as violências perpetuadas por estes dirigentes, foi responsável pelo processo de afastamento de figuras importantes para nossas fileiras.
Isso significa camaradas, que há um completo desentendimento e uma falta de compromisso ao tratar da Revolução Brasileira, ou melhor, de não colocá-la na ordem do dia. O que me parece [e não só parece] um grande erro, uma vez que a falta de uma leitura e de um direcionamento tático, que fosse capaz de inserir os povos originários e o negro, no Brasil, implica diretamente na ausência de entendimento a respeito de uma das contradições que necessitam de uma resposta radical, que é a contradição campo-cidade, intimamente ligada a maneira em que as classe sociais, com todas suas particularidades, estão inseridas e subordinadas por tal contradição.
É preciso compreender como os povos originários, os negros e todas as minorias sociais foram expropriadas de seus espaços originais e inseridas na logica da acumulação capitalista, que se reproduz de maneira violenta no cotidiano das cidades brasileiras. Não avançaremos enquanto organização de nossa classe, se as particularidades regionais e das classes não somarem uma síntese dialética do que hoje é nosso país. Para a partir daí traçarmos nosso plano tático e estratégico, que não só incluam os povos originários, os negros, quilombolas, as mulheres, as LGBT+ e todas as minorias deste país na construção da Revolução Socialista Brasileira, mas que estes sejam os sujeitos deste processo de transformação radical.
Compreender tais contradições é uma tarefa central para o momento, afinal, como responderemos, por exemplo, a questão da violência nas cidades baianas – e não apenas, pois este é um fenômeno essencial para reprodução do capitalismo dependente brasileiro – que em 20 anos vitimaram mais de 100 mil homens e mulheres, durante os governos petistas em nosso estado, em que a maioria destes homicídios e feminicídios foram de jovens negros e negras oriundos das periferias baianas, sem compreender que este processo é estritamente ligado à expulsão do campo para as periferias das cidades brasileiras.
Na prática pudemos evidenciar o que esse erro foi capaz de gerar em nossa organização por parte de certas figuras. No que se refere aos chamados coletivos partidários [CNMO, CFCAM, LGBT COMUNISTA] foi escancarada a forma como esses coletivos eram tratados por parte dos órgãos centrais/regionais e até mesmo pela própria militância do complexo partidário em função, obviamente, dessa centralização, que nunca buscou avançar para responder e atuar sobre as questões emergentes de nossa classe, e que agora se busca uma solução concreta com o XVII Congresso.
De tal maneira, é urgente superarmos a centralização da região Sudeste, não apenas nas leituras e orientações, essa superação deve começar com descentralização dos espaços internos – congressos, conferências, reuniões etc. – de nossa organização nessa região, das produções teóricas etc., caso continuemos a perpetuar tais práticas afastaremos nossa militância, especialmente do Norte e Nordeste, de construírem uma verdadeira unidade partidária. Quem não está disposto a sacrificar nada, não consegue mudar nada, camaradas!
Ademais, precisamos colocar o debate sobre o Brasil em todas suas dimensões, e a dimensão espacial não pode estar fora deste, seja para pensar as formas organizativas clandestinas, seja para repensar nossa postura com as comunidades e territórios tradicionais – que poucas vezes ou raramente foram mencionadas em algum material ou orientação interna – seja para pensar o recrudescimento de nossa atuação com o avançar da crise capitalista, que caminha sutilmente para uma ofensiva dura e já conhecida pela humanidade, por parte das classes dominantes e repensar a quem interessa essa divisão regional que se conformou no Brasil, tal qual conhecemos.
Por fim camaradas, gostaria de finalizar esta tribuna, dizendo que ela é apenas uma das contribuições sobre a temática. Aqui contém elementos introdutórios de uma análise que é muito mais profunda e carrega dimensões mais complexas sobre a temática e que não é possível abarcar em todas suas dimensões e aprofundamentos apenas em uma tribuna. Assim, convido-os a discutirem sobre a temática regional e suas implicações para uma leitura mais apurada e precisa da realidade local e brasileira e do papel do Partido frente a tal questão.