'Rio Grande do Sul: inércia, esquerdismo e um caminho para sair da lama' (Theo Dalla)

Se é necessária a paciência com nossas debilitadas condições, também é necessária a urgência para agir de acordo com estas debilitadas condições – e avançar a partir delas.

'Rio Grande do Sul: inércia, esquerdismo e um caminho para sair da lama' (Theo Dalla)
"Temos feito quase nenhuma atividade prática, e as que fazemos carecem de tática. Temos enfrentado uma dificuldade significativa para organizar as etapas de célula do Congresso, as quais tem mostrado pouca adesão e envolvimento da militância neste que seria o marco a partir do qual as coisas melhorariam. As sempre atrasadas convocatórias para ações são respondidas por nem ¼ de nossa militância."

Por Theo Dalla para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Camaradas,

Nosso Partido no Rio Grande do Sul passa por um período, no mínimo, complicado. Como se pode atestar publicamente, são diversos desligamentos de quadros jovens e importantes, e uma situação de inação diante de grandes problemas do estado, como no caso das chuvas que devastaram Porto Alegre e Região Metropolitana – ficando o Partido atrás, inclusive, das massas que se mobilizaram espontânea e radicalmente exigindo reparação imediata da luz e da água. Nosso Partido assistiu atônito e imóvel tudo isso, lamentando nosso nível de desorganização e agarrando-se na esperança de que as coisas vão melhorar depois do Congresso. 

Recentemente, o camarada Jones Manoel organizou uma live em seu canal do Youtube para debater a situação de Porto Alegre e convidou o deputado estadual Matheus Gomes. No princípio, fiquei um pouco incomodado com a situação, pois o camarada sequer conversou conosco. Ao assistir à transmissão, dei graças a deus por não termos sido chamados ao debate. Não teríamos condições de dizer 1/3 do que foi dito. Não teríamos linha política para apresentar, menos ainda exemplos de trabalho prático junto às massas para demonstrar. Menos ainda teríamos condições de responder sobre a situação concreta da luta de classes concreta do nosso estado. Estamos alheios a tudo isso. A live serviu como um pedagógico tapa na cara.

Há pelo menos três semanas, inclusive antes das chuvas, nas reuniões semanais do secretariado do Comitê Regional Provisório, tenho apontado que nossa situação está insustentável, que se somente esperarmos o congresso, até chegaremos lá, mas depenados, reduzidos à pó, a quem sobrou porque se segura na convicção ideológica, mas também se acomodou a tocar os trabalhos nesta velocidade morosa que tanto criticamos no antigo PCB. Os fatos das últimas semanas atestam cada vez mais esta tendência. 

Se ao mesmo tempo não podemos querer dar passos maiores que as pernas, também não podemos temer dar passo algum. Desde quando entrei na militância, em 2016, com uma fome de luta insaciável que me levava a propor ações diariamente na lista de emails, insistiam muito que eu precisava ter “paciência histórica” e me adaptar o “tempo coletivo”; eu deveria compreender que nosso Partido não agiria com efetividade na maioria das grandes lutas devido a nosso pequeno tamanho e debilidade organizativa. Isso nunca me convenceu, mas certamente me influenciou. Peço licença ao leitor para contar uma anedota que ilustra bem esta angústia e me motivou a elaborar estas reflexões.

Em 2017, com 18 anos, por iniciativa própria iniciei um diálogo com os trabalhadores da CEEE que estavam na luta contra a privatização. Era um dia que nossa militância foi mobilizada para ir à Assembleia Legislativa pois teria uma votação num tema de territórios quilombolas, mas a sessão foi cancelada. Ficamos na Praça da Matriz, em frente a Alergs, e havia um grupo de servidores da CEEE com camisetas contra a privatização. Nossa militância estava sentada num banco, conversando entre si, ignorando a existência daqueles sindicalistas. Incrédulo, fui conversar com eles, ouvir a situação, as demandas, já que meu Partido nada dizia. Me contaram tudo com paciência, sobre a luta, sobre a direção pelega do sindicato, sobre a mobilização, sobre o Regime de Recuperação Fiscal do RS. Peguei alguns contatos e, daquele dia em diante, participei durante quase um ano de todas as reuniões daquele grupo de oposição sindical (mesmo sem eu ser da categoria e trabalhando numa empresa terceirizada qualquer), que era o principal responsável por tensionar o sindicato pelego à uma posição mais combativa, além de ser articulado a nível estadual. Cheguei a recrutar um trabalhador para a UC, mas o coletivo não deu continuidade ao processo. Durante esse período, não tive qualquer apoio do Partido e um tempo depois fui girado para outra tarefa, sem justificativa. 

Me indignava esse descaso com uma luta tão fundamental, mas me centralizei. Precisava me convencer que o Partido não tinha condições de tocar e priorizar aquela luta. Hoje, como parte da direção do Partido, me percebi olhando para as consequências desastrosas da privatização da CEEE e me convencendo de que não tínhamos condições de fazer nada, que era preciso esperar, que não adiantava ter pressa agora que estamos completamente bagunçados. Em parte, é verdade. Por outro lado, há tempos já entendi que a “paciência histórica”, muitas vezes usada como um justificador da inércia, no âmbito da moral comunista, carrega consigo o seu contrário: a urgência histórica. A questão não se trata de evocar um ou outro conforme o sentido dos ventos, mas de equilibrá-los constantemente. Se é necessária a paciência com nossas debilitadas condições – já que elas não mudarão do dia pra noite a ponto de nos colocar na dianteira do movimento de massas –, também é necessária a urgência para agir de acordo com estas debilitadas condições – e avançar a partir delas.

No entanto, não há, até o momento, nada nem ninguém que aponte o caminho de mudança. Como sair desta condição para outra? Como a direção deve conduzir este processo? Como fazê-lo sem incorrer em erros do passado? Como organizar o tempo de militantes que dividem suas rotinas entre estudo, trabalho, doméstica e militância? Como reanimar as tropas tão abatidas com os últimos meses desde a cisão? Como iniciar, de fato, uma inserção consistente nos locais de trabalho e moradia, e desenvolver um trabalho de massas que dure mais que uma tarde de tarefa? 

Situação atual, desorganização e tática-plano

Somos um estado que reduziu seu efetivo militante de mais ou menos 200 para um pouco menos de uma centena. Há cidades fundamentais que perdemos quase todo nosso trabalho. A maioria da militância está desgostosa com o atual estado de coisas, desanimada com nossa inação. A base está distante da direção e vice-versa, apesar de que há algumas dezenas de militantes na base com ânimo e disposição para agir, mas falta o olhar e direcionamento da direção. Temos feito quase nenhuma atividade prática, e as que fazemos carecem de tática. Temos enfrentado uma dificuldade significativa para organizar as etapas de célula do Congresso, as quais tem mostrado pouca adesão e envolvimento da militância neste que seria o marco a partir do qual as coisas melhorariam. As sempre atrasadas convocatórias para ações são respondidas por nem ¼ de nossa militância. Nosso maior sucesso nos últimos meses é nossa estruturação financeira, que avançou, mas precisa ir além. Sequer todas as cotizações estão regularizadas ainda. Conseguimos profissionalizar uma militante e temos a sede estadual em nossas mãos, mas a subutilizamos. As células respiram por aparelhos, nenhuma tem uma atividade constante e consistente no momento.

Por sua vez, a direção estadual está se esforçando para sair da areia movediça que criou para si. Estamos afundados em um burocratismo virtual, de modo que nossa atuação se resume a infindas mensagens nas dezenas de grupos do Telegram, e algumas tentativas isoladas (mas não menos dignas) de desenvolver um trabalho numa ou outra comissão. No entanto, esta direção não debate política, absolutamente. Não houve, nestes seis meses de cisão, sequer uma reunião em que se debateu a conjuntura do estado. O secretariado do CR se tornou uma comissão de despacho: nos reunimos semanalmente, de forma remota, para encaminhar pendências, lidar com urgências/denúncias de assédio e remendar furos organizativos. O pleno do Comitê Regional acaba desempenhando um papel ainda menor, em parte devido à dinâmica deste secretariado (do qual faço parte). 

Para piorar, há um grave erro de direção: projetar o seu próprio ânimo nas bases. Noutras palavras, é a seguinte operação: os membros da direção se sentem cansados, imersos em trabalhos burocráticos, distante das bases e das massas. As tarefas se arrastam. Não se tem uma apreensão precisa de como está a base, já que há poucas atividades em que as pessoas se encontram, se conhecem e demonstram sua disposição no processo prático. O distanciamento da base cria uma sensação de que a realidade do Partido é a realidade da direção, isto é, a direção está cansada e desanimada, logo, também está a base. Por um lado, há um fundo de razão, visto que quando a direção não dirige, não fala, não orienta e relega todo organismo à inação, a base tende a se desacreditar, se desanimar. Mas a base não é um espelho, um reflexo direto e idêntico a sua direção. Este erro é gravíssimo. 

Toda cisão é, essencialmente, desorganizadora. Mas as coisas podem piorar muito quando há uma condução ruim. Este Comitê Regional cometeu diversos erros durante todo processo de cisão. Apesar de o período de clandestinidade ser acusado como uma das principais causas da desconfiança de parte da base com a direção, acredito que este elemento seja secundário (só exaltado por ter ferido o ego de algumas pessoas) se comparado aos erros posteriores à cisão. Na prática, além de ter um Comitê Regional Provisório eleito em circunstâncias e com critérios muitíssimo questionáveis, este – assim que eleito – deslumbrado com a ideia da cisão, colocou para si a tarefa de realizar, imediatamente, uma transformação completa em nossa forma organizativa, além de elaborar um planejamento estadual consistente, que tanto fez falta nos últimos anos.

A intenção era boa (já que, de fato, é necessária uma mudança organizativa, para que nossa estrutura se torne mais flexível e adaptável às necessidades práticas), mas a execução foi desastrosa. Primeiro, porque superestimamos o nível de unidade ideológica e ânimo de nossa militância (em parte, muito abalada e desconfiada pós cisão). Segundo, porque apostamos todas nossas fichas na criação de um novo esquema organizativo, que mais bagunçou e atrasou nossos trabalhos do que outra coisa. Terceiro, porque priorizamos fazer este processo todo apenas dentro da direção, com muito pouco envolvimento da base. Quarto, porque, por mais qualificado que fosse nosso planejamento (se comparado aos quase inexistentes anteriores), por mais que tenhamos analisado – parcialmente – a dinâmica de produção e circulação de capital no estado, ele carece dum fio condutor essencial – a luta de classes concreta. 

Assim, durante os quatro primeiros meses da cisão, o Comitê Regional se fechou em si na tentativa de realizar esta formulação. Neste momento, corretamente, abrimos mão de participar de algumas lutas práticas, pois não tínhamos qualquer planejamento, quaisquer objetivos (o que sempre foi criticado no antigo PCB, dado seu movimentismo estéril), e fazia sentido elaborá-los antes de agir imediata e espontaneamente, como que movidos apenas pelo ímpeto de “fazer alguma coisa” e se mostrar “melhor que o velho PCB”. Era o centenário debate da tática-plano contra a tática-processo. O que não percebemos, no entanto, é que paulatinamente, nesta demora na formulação, distanciamento da base e bagunça organizativa, fomos perdendo cada vez mais forças e, assim, nosso planejamento foi se tornando cada vez menos executável, pois presumia mobilizar efetivos que não tínhamos. 

Isso tudo se agravou com a frieza de nosso planejamento, o qual, como dito, prescindia de analisar a luta de classes concreta, as lutas recentes e históricas do estado, as principais categorias mobilizadas, as principais tendências de luta, a correlação de forças da burguesia e dos movimentos populares, uma análise do governo e sua base de sustentação etc., resumindo-se a uma definição dos setores considerados estratégicos a se inserir, a partir de uma (necessária) leitura objetiva (mas fria) de dados econômicos do Rio Grande do Sul, e uma série de objetivos necessários para a reestruturação organizativa (muitos ainda válidos). Temos objetivos estratégicos e metas organizativas, mas não temos tática alguma – seja “-processo ou -plano”.

Lembro-me que o camarada Gabriel Lazzari, ao falar sobre a necessidade da cisão, descrevia o Partido como um carro que andava com o freio de mão puxado. Talvez, no RS, tenha faltado analisar que este carro estava numa ladeira. Ao destravar o freio de mão, pisamos fundo no acelerador e esquecemos de tirar o pé da embreagem. O motor roncou alto, mas o carro só deslizou ladeira abaixo, enquanto seus motoristas se olham atônitos, na esperança de que as coisas vão melhorar somente porque estamos andando para algum lugar. Porém, agora, é preciso colocar no pé no freio novamente. E combinar com calma o jogo entre aceleração e embreagem, urgência e paciência.

Hegemonia proletária e esquerdismo infantil

Um dos eixos principais que motivaram nossa cisão foi o debate em torno da hegemonia proletária. A necessidade de colocar os interesses históricos e estratégicos do proletariado como guia, organizador e subordinador das lutas econômicas e políticas de todas as classes exploradores e oprimidas. Vivemos sob a hegemonia política e social da pequena-burguesia na esquerda, o que faz da construção da hegemonia proletária um ponto vital para a revolução brasileira. Porém, muitas vezes, ela é traduzida no esquerdismo mais tosco possível. No RS, não foi diferente, apesar de algumas experiências até certo ponto bem-sucedidas.

Se, por um lado, na eleição para o DCE da UFRGS em 2022 (e somente neste momento), conseguimos elaborar uma tática que melhor captou o ânimo das massas de estudantes, que melhor representou um programa avançado e socialista para a universidade brasileira, com denúncias à conciliação, ao reformismo, à falta de projeto totalizante de universidade dos demais partidos e uma análise crítica do papel do Movimento Estudantil na luta de massas da América Latina, por outro lado, cruzamos o sutil limite entre a hegemonia proletária e o esquerdismo sectário. 

Claro, a eleição do DCE da UFRGS não foi o marco a partir do qual caímos neste esquerdismo. Ele está mais para o marco do teste de uma linha política independente, que serviu como a primeira resposta prática à subordinação absoluta que o PCB fazia ao PSOL e ao PCR. Porém, por mais que o sectarismo infantil já existisse anteriormente, ele se aprofundou a partir deste evento no RS (o qual precisa ser melhor analisado, pois tem um impacto muito grande na militância de nosso estado, especialmente pelos grandes erros de nossa gestão). A bem da verdade é que este sectarismo – que passa pela rejeição total de tudo e qualquer coisa que o “outro campo” faz e fala – sempre foi uma das principais muletas do PCB, que justificava sua impotência no movimento de massas pelo hegemonismo do campo petista. Nascemos no PCB aprendendo a recusar e ignorar tudo que o PT e o PcdoB fazem – e a amar tudo que faz o PSOL (e só reclamar nos corredores). O que faz a vitória na eleição do DCE da UFRGS é dar a impressão de que poderíamos ignorar o que também faziam o PSOL e o PCR, ao invés de nos projetarmos como articuladores da unidade num sentido revolucionário. Nada mais distante da hegemonia proletária e mais próximo do infantilismo esquerdista.

A live de Jones com Matheus Gomes serviu para evidenciar nosso esquerdismo e, pior que isso, para escaralhar o tamanho da nossa arrogância. Desprezamos em absoluto o trabalho dos parlamentares de esquerda no Rio Grande do Sul. Não os acompanhamos, não sabemos de seu trabalho se não pelo que vemos individual e esporadicamente nas redes sociais. Aliás, sequer acompanhamos o que acontece na Assembleia Legislativa, seja o que faz o governo, seja o que faz a oposição. Mesmo não desprezando teoricamente a importância da luta parlamentar, a desprezamos na prática, como quem diz: importa-nos apenas a luta nas ruas. E também não a fazemos de forma consistente. 

Ao fim, resta que Matheus Gomes (Resistência/PSOL) e outros parlamentares do PcdoB e do PT protagonizam lutas fundamentais e estratégicas, como pela reestatização da CEEE, e nós assistimos sentados em cima do “Centralismo-Democrático de Lenin” e do “Estratégia e Tática da Hegemonia Proletária”, conversando no bar sobre os intentos eleitoreiros destes parlamentares reformistas. Sequer conversamos com estes partidos para entender o que estão fazendo, que fóruns estão organizando para debater esta luta, que mobilizações estão pretendendo. Pensamos que só vale a pena nos movermos quando houver condição de determinarmos os rumos das coisas. E como estamos debilitados, não agimos. Sequer nos damos ao trabalho de tomar conhecimento do que está sendo feito. Como não agimos, não cresce nossa influência. De tão “puramente comunistas”, chegamos ao ponto de sermos estéreis. 

Dessa forma, jamais teremos uma linha política consequente, por melhor que seja a análise política que a fundamente. Pois, para que uma linha seja consequente, ela precisa ter consequências na realidade. Porém, para tanto, é preciso que ela seja testada no movimento de massas. E não está sendo.

Ainda, há outra camada do nosso esquerdismo. Uma das diretrizes que descrevem de forma condensada um princípio dos comunistas frente à conciliação, à demagogia, ao reformismo é o seguinte movimento pendular: apoiá-los à medida que pendem à esquerda, derrubá-los à medida que pendem à direita (sem renunciar à liberdade de crítica em qualquer caso). Em geral, não poupamos esforços para criticá-los quando pendem à direita. Está correto, ainda que feito de forma rasa muitas vezes. Porém, quando pendem à esquerda, fechamos os olhos, fingimos não ver que estão à nossa esquerda e buscamos motivos para continuar em nossa posição supostamente crítica e revolucionária: “eles estão se movimentando só porque é véspera da eleição”. Ora, pode ser verdade. E, justamente por isso, devemos estar lá, em todas as reuniões, assembleias, mobilizações e ações para marchar juntos nas lutas justas até o limite que os conciliadores estão dispostos a ir, porque somente assim podem ser expostas suas contradições, seu hegemonismo, suas ilusões institucionais e sua conciliação. E por consequência, também serão expostas as nossas contradições, debilidades, nossos limites, reformismos e erros. Somente na luta de classes concreta, nos espaços onde a luta é organizada e onde acontece, seja com quem for; somente junto às massas é possível construir a hegemonia proletária. 

Um caminho para dirigir o carro do RS

Sem qualquer pretensão de pôr um ponto final ou apontar um caminho perfeitamente delineado, tomo a liberdade de fazer alguns apontamentos sobre o caminho que precisamos percorrer para superar nosso estado atual.

Precisamos nos despir desta arrogância infantil, do sentimento de impotência e da postura inerte, imediatamente. É preciso fixar os olhos na luta de classes do Rio Grande do Sul, centrar nossa cabeça nisso e nada mais. O primeiro passo é nos somarmos nas reuniões em que se está debatendo a luta pela reestatização da CEEE. A proposta de realizar um plebiscito popular ventilada pelo deputado Matheus Gomes na live com Jones é um acerto enorme. Poucos sabem, mas o governo Eduardo Leite retirou um dispositivo constitucional que exigia a realização de um plebiscito popular para realizar a privatização de setores econômicos estratégicos. Por isso, emplacou a venda da CEEE sem ter o desgaste de receber uma provável negativa da população gaúcha. Ora, não é evidente que construir esta campanha nos bairros, locais de trabalho e estudo, tem um potencial muito grande como veículo de mobilização e amplificação do debate político?

Nesse sentido, precisamos nos colocar a disposição para levar esta campanha até às últimas consequências. Somar esforços seja com o PT, o PcdoB, o PSOL, a UP, o PSTU ou quem for, para realizar este plebiscito e levar a luta pela reestatização até as últimas consequências. Fazer o esforço de articulação unitária com estes partidos, mas prioritariamente com os movimentos sociais, associações comunitárias, entidades estudantis e sindicatos para se envolver nesta luta. Não há hegemonia proletária se a luta for fragmentária, se os debates não se concentram em um fórum comum; não há hegemonia proletária sem unidade.

Em segundo lugar, precisamos produzir uma análise de conjuntura própria, profunda, centrada na luta de classes do estado. Tal análise pode e deve ser feita junto à nossa ação, sendo esta última, inclusive, parte da matéria que nos servirá para a análise e sua fundamentação. O debate conjuntural deve se tornar uma constante na direção e na base, priorizando a realização de eventos presenciais, com vistas a superar a condição estritamente virtual em que estamos afundados. Isso é básico, mas infelizmente, precisa ser dito e reafirmado constantemente. 

Em terceiro lugar, a partir desta análise mais consistente do estado, poderemos formular um material próprio de agitação e propaganda, utilizando ao máximo os recursos materiais que temos para tal. Seja por meio da produção audiovisual, seja com materiais físicos nas ruas. Estes devem nos servir de veículo para iniciar diálogos mais profundos com as pessoas. Por mais óbvio e básico que também seja este ponto, elaborar panfletos sem qualquer direcionamento prático da luta, mas somente com palavras de ordem radicais ao final, é o que mais temos feito. Sem uma análise precisa das forças em disputa, das possibilidades abertas e da sua relação com a estratégia socialista, o panfleto se torna uma grande perda de tempo.

Em quarto lugar, elevando o sentido do ponto anterior, não podemos nos limitar a simplesmente pedir a assinatura da população para um plebiscito popular auto-organizado (que sequer tem validade jurídica em si). É preciso transformar este esforço em um saldo organizativo para o movimento de massas, isto é, organizar grupos nos locais de estudo, trabalho e moradia por onde estamos e passamos, que viabilizem discutir tanto este tema como outros do estado, da cidade (inclusive, as eleições) ou mesmo dos seus locais, a partir do que organizemos ações. É preciso fazer isso sempre na perspectiva de articulação e unificação destes organismos, que serão instáveis e pequenos nos locais onde não houver organização prévia. Onde houver, devemos buscar participar e/ou estabelecer contatos.

Em quinto lugar, orientando tudo isso, não podemos renunciar ao que já elaboramos em nosso planejamento estadual. Por mais que algumas coisas tenham se tornado inviáveis, ainda há sentido e direcionamentos importantes, como a definição de bairros específicos para enfocar nossa atuação, bem como categorias de trabalhadores estratégicas do ponto de vista de produção e circulação de capital. 

Em sexto, como já parece ser um consenso no estado, precisamos constituir uma rotina de atividade presenciais, constantes, inabaláveis. Sem isso, a tendência é nos afundarmos constantemente na inércia e no burocratismo virtual. Sejam atividades de confraternização entre a militância, sejam reuniões, sejam ações diretas. A relação de camaradagem, de confiança, a autoestima militante, a reflexão crítica sobre a ação só pode se constituir mediante a própria ação. Para isso, a campanha nacional da Vida Além do Trabalho pode ser um bom começo, junto a luta pela reestatização da CEEE. Algumas ações no âmbito da agitação e propaganda já estão sendo planejadas nesse sentido. Novamente, é um ponto básico, sem polêmica, mas necessário de ser reafirmado para nortear nossa saída do lamaçal. 

A maioria desses pontos já foram debatidos na última reunião do secretariado do Comitê Regional (30/01), mas ainda precisam ser aprofundados, debatidos junto ao pleno do Comitê Regional e a militância como um todo para, principal e finalmente, serem postos em prática, testados no próprio movimento de massas, que vai demonstrar, invariavelmente, quais são nossas forças reais, o que podemos ou não fazer, e como podemos avançar.

Um fraterno abraço.