'Resolver problemas de uma organização comunista com base no Design de Experiência' (Bi)
A ideia dessas provocações não é burocratizar nosso trabalho, nem ditar o que é certo ou errado, mas pensar em possibilidades que possam nos ajudar a executar ele. Podemos co-construir esses processos, essa forma organizativa e quais outros métodos, além do que foi trazido.
Por Bi para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
Introdução
No dia a dia de uma organização comunista, costumamos ter dificuldade de gerenciar o nosso trabalho político. Isto é, entender o que é prioridade, o que vem depois, até mesmo perceber que tomamos decisões erradas ao focar em um (ou mais) projetos de uma vez. Muitas vezes, focamos em realizar um projeto porque, de alguma maneira, entendemos que vai ser efetivo, mas não faltam situações que aconteceu de planejarmos, colocarmos todos os esforços para fazer acontecer e, no fim, não alcançar o resultado que queríamos, seja quantitativo ou qualitativo. No fim das contas, isso não é um problema só de planejamento: é um problema de design de experiência.
Trabalho com Design de Experiência do Usuário (ou no nome chique do LinkedIn "User Experience") , uma área que estuda como a experiência das pessoas afeta a percepção e uso sobre serviços, produtos e sobre as experiências do dia-a-dia. Apesar de ser uma área recente no Brasil, ela foi cunhada nos anos 90 por Donald Norman. Existe diversas opiniões do que é design que se assimilam muito às polêmicas do que é arte, mas vou partir do pressuposto que Design é resolver problemas: não somente como um aspecto visual e estético – que é o que mais costuma ser entendido – mas também como aprofundar em problemas e propor mudanças. O Design de experiência do usuário também acaba somando conhecimentos da psicologia, filosofia, dados, gerenciamento de projetos, entre outras.
Por isso, acredito que podemos usar o design para resolver conflitos organizativos do nosso processo de construção de uma organização comunista. Por mais que no dia-a-dia nas empresas, esse uso do design de experiência é geralmente um: gerar mais lucro para os patrões, podemos aprender com as ferramentas/técnicas e aplicá-las a nossa realidade. Portanto, gostaria de propor algumas reflexões sobre como nos organizamos e possíveis caminhos de como podemos avançar sendo mais efetivos
PS: Minha ideia não é propor que apliquemos tudo, mas possamos experimentar diferentes modelos e que possam ter conhecimento de quais existem. Vale lembrar que são testes, que aplicaremos na nossa realidade e veremos o que funciona ou não, mas fica aberto o debate com outros designers ou outras pessoas que quiserem contribuir nesses pontos também.
1.Ter discussões coletivas mais eficientes
Por vezes, podemos perceber que as discussões coletivas em reuniões, tarefas e planejamentos costumam se prolongar e até mesmo gerar menos engajamento ao longo do tempo pelas pessoas. Existe o aspecto bom, de darmos voz a todas as pessoas, mas também existe o aspecto ruim de que a discussão acaba não se tornando produtiva em alguns cenários, ou deixando no esquecimento pontos trazidos.
Jake Knapp e Teresa Torres, autores dos livros Design Sprint e Continuous Discovery, respectivamente, abordam bastante em seus livros o quanto é um problema utilizarmos do brainstorm (que significa “chuva de ideias”, ou seja, apresentar um problema e debater ali na hora soluções para ele), porque somente as pessoas que se sentem mais à vontade costumam falar, e as pessoas tendem a dar mais razão àquelas pessoas que por algum motivo se destacam (seja por hierarquia, amizade, entre outros fatores subjetivos). O que pode ajudar a evitar o brainstorm na nossa organização:
Preparo prévio individual: quando as pessoas não se preparam previamente para uma discussão, tendem a trazer as discussões por recência ou que vem na cabeça naquele momento, e quando isso acontece na execução de projetos, pode gerar conclusões aquém do esperado. Individualmente, também podem usar seus momentos de ócio também para refletir e gerar novas ideias. Portanto, sempre que possível, o ideal é que as pessoas possam ter acesso à pautas, tópicos, entre outros, de forma prévia para que possa usar momentos coletivos mais para trazer o que já pensou e adicionar novas ideias coletivamente.
Facilitação: Usar dinâmicas ajuda a agrupar ideias e transformá-las em uma posição coletiva. É interessante de forma geral aquelas que oferecem:
(1) dar tempo para cada pessoa pensar em um tópico individualmente,
(2) agrupar o ponto dela ao de outras pessoas que tenham o mesmo ponto, sendo complementares,
(3) dar espaço para que as pessoas discutam,
(4) tomem decisões coletivas, realizando ou não votos.
O principal objetivo aqui é tornar a comunicação com várias pessoas mais efetiva, juntando similaridades, e permitir que todas se expressem querendo vocalizar ou não. Os processos não precisam ser escritos em pedra, mas podemos aprender aqui o que pode funcionar e o que não. Vou deixar no final do texto algumas sugestões de livros e ferramentas que podemos usar.
2. Retirar viéses inconscientes
Por vezes, percebemos que viéses inconscientes do que é o problema de fato surgem e priorizam, ou despriorizam, determinados tópicos. Por exemplo, a pessoa 1 fala "eu acho que as pessoas lgbts estão caindo no discurso do capital e lucrando com eles", e a pessoa 2 fala "não, eu acho que as lgbts estão se organizando para fazer a revolução acontecer". Ambas as pessoas podem estar certas ou erradas, o fato é que pode ser que não se tenha dados e fatos para comprovar ou não seus argumentos, e mesmo que até se tenha dados através de uma notícia ou outra: isso representa a totalidade? de quem?
O primeiro passo que gostaria de apresentar é como podemos organizar nosso pensamento para retirar esses vieses e focar nas coisas corretas. Com isso, trarei métodos de mapas mentais e de pesquisa que usamos no design para extrair e dar uma melhor visibilidade desses problemas (dosando para não burocratizar).
2.1 Primeiro passo: Organizar o pensamento coletivo usando mapas mentais
Os mapas mentais são excelentes em reduzir a complexidade do nosso pensamento, em especial o pensamento coletivo. Para sabermos qual resultado queremos atingir, quais possíveis focos podemos ter, e quais são soluções e formas de fazer possíveis, um modelo de mapa mental bastante usado é o proposto pela Teresa Torres, em seu livro Continuous Discovery, chamado Árvore de Oportunidades. Nos próximos tópicos, vou aprofundar nessa árvore e os casos em que podemos usá-la aqui dentro.
2.2 Entendimento de onde queremos chegar (Círculo azul: Desired Outcome)
O primeiro passo para nos direcionar na retirada de viéses inconscientes é responder a pergunta: onde queremos chegar? Por exemplo: queremos ter naquele período X% novas pessoas iniciando a organização conosco, ou por exemplo, ter menos de Y% pessoas se afastando da organização política dentro do partido. O ideal é que possamos ter um número que seja indicador de sucesso para nos ajudar a dar um norte, mas é normal que a gente não consiga em determinados períodos.
2.3 Entendimento do grupo focal a se atuar nesse período (Não está mapeado na raiz do método, mas é imprescindível em nosso trabalho político)
Apesar de entender que, no fim, somos todos pertencentes à classe trabalhadora e não possuidores dos meios de produção, sabemos que existem desnivelamentos e especificidades em cada tipo de perfil, somado a isso opressões e problemas completamente diferentes. Por isso, é importante entender todos os nossos focos para realizarmos trabalhos estratégicos que se diferenciam para um público ou outro. Não precisamos (e nem recomendo) focar em todos de uma vez, podemos por um período aprofundar em um, e ao longo do tempo aprofundar em outros.
Ex: pessoas que trabalham no Burger King; pessoas que são operárias em montadoras de veículos, entre outros.
2.4 Mapeamento de oportunidades após a validação ou invalidação de hipóteses (Verde: Opportunity)
Lembra quando eu trouxe o exemplo "eu acho que as pessoas lgbts estão caindo no discurso do capital e lucrando com eles"? Então, esse momento é o de entender, para determinado grupo focal, quais são as hipóteses que temos e se elas são verdadeiras ou não. Existem diversos métodos para validar ou não, mas eu sugiro esses como os principais (não necessariamente sempre fazendo todos, mas entendendo momento para cada):
- Entrevistas qualitativas: É o momento em que sentamos de frente com a pessoa e nos comportamos como pesquisadores, perguntamos sobre sua realidade e aprofundamos em hipóteses que temos. Neste momento, existem técnicas para investigar a diferença entre o que a pessoa fala e o que a pessoa faz, e buscar captar o fato concreto.
- Pesquisa quantitativa: Dado que validamos ou invalidamos algumas hipóteses na etapa anterior, a pesquisa quantitativa pode nos ajudar a entender mais sobre o tamanho dessa hipótese e nos ajudar a priorizar uma coisa ou outra. Vamos pensar outro exemplo: "As pessoas LGBTs que trabalham no Burger King na região de SP já pensaram em se organizar", com essa hipótese podemos validar ou invalidar outras hipóteses: em quais regiões isso é verdade? de quais gêneros? quais faixas etárias isso é mais verdade e quais não?
- Análise de conjuntura: a análise de conjuntura (ou podemos chamar também de pesquisa de dados secundários) segue sendo um caminho importantíssimo para nos ajudar a entender oportunidades. Ao lermos livros, notícias entre outros, continuam surgindo problemas e necessidades de atuação.
A árvore de oportunidades costuma ser eficiente para consolidar todos os aprendizados, mas tem outros métodos auxiliares também, como Mapa de Empatia, Personas, Job to be Done, relatórios de pesquisa, entre outros.
Outro modo extremamente útil de mapear problemas em diferentes grupos focais é mapeando o que chamamos de jornada de usuário, entendendo todos os passos que a pessoa executa, qual a experiência em cada momento e quais oportunidades tiramos disso. Acredito que pode ser uma ferramenta importante para entender mais sobre determinadas camadas sociais!
Para essas pesquisas, o ideal é que se consiga fazer essas descobertas de forma contínua, dado que a conjuntura muda e com isso as necessidades e urgências podem mudar também. O ideal não é "esperarmos" ter todas as respostas e isso pausar nosso trabalho político, mas sim já ir adicionando nossas descobertas dentro do mapeamento em Oportunidade e isso ajudar a gerar ideias.
2.5 Geração de ideias (Amarelo e laranja: soluções e experimentos)
Imagine que uma oportunidade que surgiu foi "90% das pessoas lgbts da Avenida Paulista não entendem direito sobre comunismo". A partir disso, o mais comum é a gente tender a escolher uma única solução, e apostar todas as nossas fichas nela. Por exemplo: panfletar no espaço que essas pessoas estão sobre o que é comunismo e a importância da organização. Mas aí você chegou no dia e descobriu que as pessoas nem querem te ouvir, e você se sente frustrado e depois realizam o balanço do porque essa aposta foi um problema. Mas se tivessem sido mapeados caminhos alternativos e testado qual de fato faria com que chegássemos ao caminho esperado, poderíamos ter mais sucesso. Portanto, para cada oportunidade, a ideia é pensarmos em mais de uma solução para que seja possível experimentar e aprender qual funciona e qual não funciona.
A área laranja (Experiment) diz respeito exatamente de como experimentar essas soluções, e pra isso é importante a gente aprofundar na construção do que é uma hipótese:
Gosto bastante também de como a Teresa Torres define uma boa hipótese: precisa ser mapeada (1) qual a mudança, (2) qual o impacto, (3) para quem, (4) quanto % de impacto e (5) até quando.
Por exemplo:
(1) Panfletos na Paulista vão fazer com que (2) tenhamos maior adesão à organização comunista (3) da classe trabalhadora LGBT (4) em 20% (5) no mês de Junho.
2.6 Aprendizados
É importante aprendermos com o que fizemos e não entender, caso um caminho tenha dado errado, que ele não possa ser testado de novo. O interessante é tratarmos todo esse processo como um ciclo iterativo (não interativo), que descobrimos coisas, testamos, aprendemos e voltamos do começo.
Importante também é mantermos a memória viva, e comentarmos tudo o que fizermos. Eu sugiro o Notion como uma ótima ferramenta de gestão de tarefas e documentação.
3. Conclusão
Precisamos construir uma organização comunista que descubra os problemas, aprofunde neles e seja propositiva de como podemos resolvê-los na medida da nossa capacidade. Precisamos ir além das nossas suposições, validando-as e realizando um trabalho que se comunique com a classe trabalhadora, colocando as necessidade dela(s) no centro da nossa tomada de decisão.
Para além de uma ciência que serve para aumentar o lucro, o design é uma das poucas disciplinas, segundo Rafael Cardoso (autor do livro Design para um mundo complexo), com capacidade sistêmica de diminuir a complexidade, simplificando o entendimento comum, seja de forma visual ou seja apenas dando visibilidade.
A ideia dessas provocações não é burocratizar nosso trabalho, nem ditar o que é certo ou errado, mas pensar em possibilidades que possam nos ajudar a executar ele. Podemos co-construir esses processos, essa forma organizativa e quais outros métodos, além do que foi trazido.
Sugestões bibliográficas:
- Livro Universal Methods of Design (2019)
- Livro Design Sprint (2019)
- Livro Continuous Discovery (2020)
- Livro Design para um mundo complexo (2022)
Algumas sugestões de métodos:
- Local para fazer dinâmicas online: Figma. É gratuito se você tiver até três boards na organização (mais do que isso começam a cobrar).
- Design Sprint - o livro todo é um bom começo para começar a entender como pegar um problema do zero e chegar a uma solução rápida em 5 dias. Não é ideal para quando você quer ter mais certeza da solução, mas é ótimo para situações de emergência.
- Pesquisa qualitativa - alguns livros podem ajudar, mas especialmente o livro Continuous Discovery da Teresa Torres, no capítulo 4, é um bom norte de como entrevistar. O Livro UX Research com sotaque brasileiro também é muito bom, principalmente por ser o único em português. Outro link que pode ajudar: Portal Nielsen Norman.
- Personas- forma interessante para entender diferentes perfis de pessoas e deixar no radar principais perfis que queremos atuar - link
- Mapeamento de experiência - jornadas de usuário, por exemplo, são uma forma legal de mapear uma experiência de ponta a ponta. Pode ser efetivo, por exemplo, para entender a jornada de militantes / ex - militantes, pontos que estão sendo positivos ou não. Link.
- Árvore de oportunidades - importante para entender onde queremos chegar, quem é o perfil, quais problemas e oportunidades, quais soluções propomos e como vamos testá-las. O livro da Teresa Torres aborda sobre, mas pode ser lido também um resumo no Link.
- Priorização: mais importante do que fazer algo, é importante entender o que não fazer, e uma forma interessante de mapear isso é por meio de histórias de usuários, onde se mapeia a jornada, qual a prioridade de cada coisa, e o que vai em outras entregas. Link.
- 5Wh2: Perguntas importantes na hora de entender o porquê de realizar aquilo: Quem? Por que? Como? Onde? Quando? Como? Quanto? Link. Definição de uma boa hipótese. Link.