Resoluções do XVII Congresso (Extraordinário) do Partido Comunista Brasileiro - Reconstrução Revolucionária
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PREFÁCIO - Qual o significado histórico da consolidação do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário?
Gabriel Lazzari
Secretário-Geral do PCBR
O congresso do nosso partido foi um acontecimento único no seu gênero, sem precedentes em toda a história do movimento revolucionário russo. Pela primeira vez, um partido revolucionário clandestino conseguiu sair das trevas da ilegalidade para aparecer à luz do dia, mostrando a todos e cada um a trajetória e o desfecho da luta interna do nosso partido, a fisionomia do nosso partido e de cada uma das suas partes de alguma importância em questões de programa, de tática e de organização. Pela primeira vez conseguimos nos libertar das tradições de relaxamento e de filistinismo revolucionário próprios de círculos, reunir dezenas dos mais diversos grupos, muitas vezes terrivelmente hostis entre si, unidos exclusivamente pela força de uma ideia e prontos (prontos em princípio) a sacrificar todo e qualquer particularismo e independência de grupo em prol do grande todo que pela primeira vez criávamos de fato: o partido. Mas em política os sacrifícios não se obtêm sem esforço; conquistam-se combatendo. Como era inevitável, a luta pela morte das organizações foi terrivelmente encarniçada. O vento fresco da luta aberta e livre transformou-se em turbilhão. Este turbilhão varreu – e ainda bem que varreu! – tudo o que ainda subsistia de todos os interesses, sentimentos e tradições de círculo, e criou pela primeira vez organismos coletivos genuinamente partidários.
[Vladimir Lênin, Duas táticas da social-democracia na revolução democrática, 1904]
O bolchevismo existe, como corrente do pensamento político e como partido político, desde 1903. Só a história do bolchevismo durante todo o período da sua existência pode explicar de maneira satisfatória porque é que ele pôde criar e manter, nas condições mais difíceis, a disciplina férrea necessária à vitória do proletariado.
[Vladimir Lênin, Esquerdismo, doença infantil do comunismo, 1920]
Reconstruir a história da luta do proletariado por sua emancipação, pela conquista efetiva do poder de Estado, é um desafio imenso. É preciso recolher, analisar, destrinchar as condições objetivas e subjetivas da luta dessa classe em cada país, em cada localidade, em cada momento e recompor esse quadro como um todo. No meio desse conjunto imenso de elementos, é tarefa também dos marxistas “separar o joio do trigo”, ou seja, compreender quais aspectos são determinantes e quais são determinados, quais são centrais e quais são laterais, quais são predominantes e quais são subordinados. Um erro na consideração desses elementos pode ser fatal para a própria luta do proletariado: considerar como mais fundamental para o desenvolvimento de uma determinada greve um setor de retaguarda dela do que um setor de vanguarda leva um determinado partido a modificar sua tática, pondo em risco o desenvolvimento da própria greve; da mesma forma, hesitar em um momento que pede audácia, ou até mesmo avançar muito rapidamente em um momento em que são necessários recuos pode produzir derrotas que marcam o proletariado por anos.
Este prefácio tem como objetivo apresentar aos trabalhadores um pouco do histórico que levou à consolidação, em junho de 2024, do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR). Compreender essa história não é uma condição indispensável para apreender os elementos que estão dispostos nas páginas seguintes, no Programa, no Estatuto e nas Resoluções aprovadas no XVII Congresso (Extraordinário) do PCB-RR. Mas certamente ajudará a traçar um quadro em movimento do PCBR, como continuador e legatário do Movimento Comunista Brasileiro em geral e do velho Partido Comunista Brasileiro em particular. Em vez de uma “foto”, isso é, da consolidação de anos de disputa interna ao PCB em posições aprovadas pelo Congresso, poderemos ter algo mais parecido com um “filme”, em que as causas e consequências aparecem conforme sua inter-relação real. Com isso, esperamos cumprir o objetivo de explicar o atual estado de nosso Partido não como uma “ideia absoluta”, “parida” das mentes dos militantes, mas como síntese de um processo de amadurecimento ideológico e prático de milhares de militantes comprometidos com a luta pelo socialismo-comunismo – processo que ainda requer aprofundamento, revisão, reanálise, autocrítica e imensa capacidade prática. Não somos ainda a vanguarda do proletariado brasileiro – essa é uma tarefa a se construir, a tarefa de aprofundar a Reconstrução Revolucionária do Partido Comunista em nosso país.
A contrarrevolução nos anos 1990 e a Reconstrução Revolucionária do PCB
Seria possível estabelecer diversos pontos de início da discussão sobre o atual estágio do Movimento Comunista Internacional (MCI). Um balanço histórico do MCI que consiga sintetizar as diversas tendências do movimento revolucionário que decorreram (com maiores rupturas ou maiores continuidades) do evento fundante da Revolução Russa em 1917 é uma necessidade que nosso Partido ainda deverá cumprir, sobretudo como atualização ao documento Socialismo: Balanço e Perspectivas, aprovado no XIV Congresso Nacional do PCB (em 2009). Esse esforço exigirá dos comunistas brasileiros grande dedicação e aprofundamento na história da luta de classes no mundo. No entanto, para os fins a que se dedica esse prefácio, é suficiente que possamos debater o impacto da contrarrevolução nos anos 1990 e o que isso implicou para o desenvolvimento do PCB.
A virada dos anos 1980 para os anos 1990 presenciou a consolidação de uma série de recuos políticos e ideológicos realizados por Partidos Comunistas ao redor do mundo. Contando com dois eventos “balizadores” desse processo de derrota da classe trabalhadora mundial (a queda do Muro de Berlim, em 1989, e a dissolução da União Soviética, em 1991), todo o contexto político mundial dá um passo atrás na luta dos trabalhadores pelo socialismo-comunismo. Os países socialistas do Leste Europeu caíram em “efeito dominó”, causando um retrocesso em direitos e condições de vida assustadores para a classe trabalhadora dentro deles. Podemos mencionar, como exemplo, os níveis de desemprego na Rússia, que não chegavam a 4% em 1991 e atingem 14% da população em 1999; ou o PIB russo, que caiu mais de 40% entre o fim da URSS e o 1998; entre outros indicadores. Massas de trabalhadores foram levados à miséria e setores ligados à ex-burocracia soviética e ao capital internacional invadiram os mercados dos países até então socialistas com uma onda de privatizações absolutamente inigualada até o momento por nenhum país. As economias planificadas centralmente tornaram-se economias altamente monopolizadas por esses setores.
Não foram, contudo, apenas os aspectos econômicos que representaram uma derrota para o proletariado internacional. Principalmente do ponto de vista das condições subjetivas, o fim do papel de liderança do MCI que cumpria o PCUS e o fim da alternativa societária que a URSS representava causaram um recuo imenso na perspectiva revolucionária dos trabalhadores. Essa crise objetiva do socialismo mundial também se refletia, de diversas maneiras, nos Partidos Comunistas – e isso não apenas a partir dos anos 1980, mas com raízes muito anteriores, do ponto de vista ideológico, estratégico e tático. Assim, pudemos ver casos como a dissolução do Partido Comunista Mexicano, ainda em 1981, no Partido Socialista Unificado do México; ou a liquidação do Partido Comunista Italiano, em 1991, transformado em Partido Democrático da Esquerda.
No Brasil, a situação não foi diferente. Já desde pelo menos o VIII Congresso do PCB, em 1987, ficava clara a intenção da maioria da direção do Partido em caminhar em um sentido de abandono completo do marxismo-leninismo e da perspectiva socialista (para nem falar da perspectiva socialista revolucionária), advogando por uma nova formação política – de fato, o fim de um Partido Comunista. É nesse cenário que ocorre a movimentação de diversos militantes, desde membros do Comitê Central até militantes de base, pela manutenção do Partido, organizando o Movimento Nacional em Defesa do PCB entre o IX Congresso, em 1991, e o X Congresso de 1992, considerado fraudulento pelos militantes do Partido. Quando efetivamente se realiza o Congresso em 1992 e o Partido se divide – com a ala majoritária do CC adotando o nome de PPS e debandando para o liberalismo, e com a ala revolucionária disputando, inclusive legalmente, o PCB –, é realizada a Conferência Nacional de Reorganização e convocado um X Congresso legítimo para 1993.
É nesse Congresso de 1993 que é colocada pela primeira vez a tática da Reconstrução Revolucionária como uma palavra de ordem e objetivo do Partido. Hoje, em retrospectiva, podemos afirmar categoricamente que esse processo não foi linear e nem era interpretado da mesma maneira por diversos militantes do próprio PCB. O ponto de culminância que nos permite observar isso, no entanto, foi o XIII Congresso, em 2005. Nesse Congresso, em meio ao primeiro governo Lula, o Partido decide abandonar por completo a estratégia democrático-nacional que sustentou durante a maior parte de sua história e assumir a Estratégia Socialista, isso é, o Partido passa a compreender que não há etapas intermediárias a se conquistar antes da tomada revolucionária do poder pelo proletariado. O Partido não chegou a essas conclusões sem desafios – diversos militantes abandonaram o PCB a partir das definições de sua Estratégia, demonstrando que o próprio processo da Reconstrução Revolucionária havia atingido um grau de amadurecimento distinto de seu princípio. Se em 1992 a questão era simplesmente manter o Partido (e entre os defensores dessa manutenção, havia diversas linhas políticas e visões estratégicas), em 2005 se esclarece o caráter socialista da Revolução Brasileira e começa o período de maior desenvolvimento da Reconstrução Revolucionária do Partido.
A crise capitalista e as divergências no Movimento Comunista Internacional
Não podemos compreender esse processo da Reconstrução Revolucionária como um fenômeno isolado. Já desde os anos 1990, diversas iniciativas são formadas para reagrupar os comunistas em âmbito internacional, sendo a mais duradoura e ainda existente o Encontro Internacional de Partidos Comunistas e Operários (EIPCO). O Movimento Comunista Internacional (MCI) já há décadas colecionava divergências importantes e inconciliáveis em termos de estratégia: se podemos observar um processo de autocrítica estratégica muito demarcado em alguns PCs (KKE, sobretudo a partir do 14º Congresso; PCM, a partir de sua refundação em 1994; entre outros), que despontam, dessa maneira, como um polo mais coeso em termos de avanço do marxismo-leninismo no MCI; temos ao mesmo tempo PCs que abertamente apresentam perspectivas reformistas (PC Português; PCdoB; PC da Federação Russa) para alcançar o socialismo (ou nem isso) em seus países. O desenvolvimento dessas divergências foi se dando, em termos ideológicos, nos vários EIPCOs desde sua fundação.
A crise capitalista, que se iniciou em 2008/2009 com a explosão da bolha dos créditos subprime nos EUA e seguiu com efeito dominó pelo mundo, gerou uma queda generalizada das taxas de lucro da burguesia internacional. Sem o avanço consciente e massivo da classe trabalhadora em nível internacional, as medidas burguesas de enfrentamento à crise se deram segundo o roteiro das chamadas “medidas neoliberais”, ou seja, cortes de direitos e precarização das condições de vida da classe trabalhadora; achatamentos e arrochos salariais; flexibilização de legislações trabalhistas; privatização massiva de serviços básicos (saúde, educação, previdência etc.) – em suma, medidas que visavam a aumentar a exploração do proletariado global como forma de retomar as taxas de lucro reduzidas com a crise. A expressão político-eleitoral desse processo foi o ascenso rápido de figuras da extrema-direita em diversos países. Ficava cada vez mais claro que, para sua aplicação sem contestação, era preciso passar para uma política de repressão política aberta dos trabalhadores que lutavam em defesa dos seus interesses de classe. Os setores da burguesia que estavam menos diretamente dispostos a fechamentos de regime e apostavam em novos ciclos de conciliação de classes foram progressivamente perdendo espaço – alguns de maneira irreversível.
Um momento como esse – de retrocessos nos direitos e condições de vida da classe trabalhadora produzidos por uma intensa e direcionada repressão de Estado – produziu um cenário novo de diferenciação política. Cada vez mais as pressões pequeno-burguesas que se manifestavam nas estratégias rebaixadas de alguns PCs opunham a esse avanço da extrema-direita e de forças neofascistas e neonazistas uma defesa da democracia burguesa, retomando as mesmas justificativas para o giro estratégico das Frentes Populares nos anos 1930 e 1940. Essa diferenciação expressava, também, diferentes abordagens teóricas em relação ao marxismo-leninismo: a visão sobre o imperialismo e as posições dos países na cadeia imperialista; a questão do Estado e da participação dos comunistas nos governos burgueses; o papel dos comunistas frente às forças liberais no movimento dos trabalhadores (social-democratas, reformistas etc.), entre outras.
Esse processo intensificou imensamente as divergências também no seio de alguns Partidos. O primeiro caso de maior expressão foi a cisão do Partido Comunista dos Povos da Espanha (PCPE) em 2017, dando origem ao Partido Comunista dos Trabalhadores da Espanha, esse último identificado claramente com uma visão marxista-leninista e com a Estratégia Socialista de tomada do poder pelo proletariado; mas também foram notáveis o fim do pacto de unidade de ação, em 2020, entre a Frente da Juventude Comunista e o Partido Comunista, na Itália, resultando na criação da Frente Comunista; a desfiliação do Movimento de Juventude Connolly do Partido Comunista da Irlanda, em 2021; a fundação do Partido Comunista Argentino, em 2023, como uma cisão marxista-leninista do Partido Comunista da Argentina; a separação da União da Juventude Comunista Revolucionária (Bolchevique) e o Partido Comunista dos Trabalhadores da Rússia, em 2022, por conta do apoio deste último às operações de sua própria burguesia na guerra interimperialista na Ucrânia. Os exemplos não são poucos e revelam um processo muito maior de agudização de contradições e divergências políticas, que são produto das posições diversas das classes sociais e como essas posições se expressam dentro dos PCs.
É importante mencionar particularmente, como já fizemos antes, o impacto da guerra interimperialista na Ucrânia para essa aceleração do processo de diferenciação no seio do MCI. Não é um acaso que o tema da guerra seja sempre um divisor de águas no seio do movimento dos trabalhadores: é nele que se apresenta na prática a máxima de que “a guerra é a política por outros meios” – e, nos casos das guerras entre polos em disputa por lugares destacados na cadeia imperialista, o maior exemplo de conciliação com os interesses burgueses se mostra quando uma organização operária apoia que sua “própria” burguesia nacional use a classe trabalhadora como bucha de canhão na guerra, matando e morrendo nas mãos de outros trabalhadores conscritos. O precedente histórico da própria divisão do movimento operário entre comunistas e social-democratas, no curso da Primeira Guerra Mundial, não é somente uma coincidência. Assim, não foi por acaso o exemplo da cisão no seio do PCTR.
Também o papel da China no atual estágio do capitalismo é um dos temas centrais das diferenciações no MCI. Enquanto alguns Partidos preferem se apoiar em análises antileninistas do imperialismo para ver a disputa da China contra o bloco EUA-UE como uma disputa “anti-imperialista”, os membros do polo marxista-leninista do MCI compreendem que as disputas interimperialistas hoje em desenvolvimento no mundo estão diretamente conectadas com a posição destacada da China na cadeia imperialista e sua disputa pela hegemonia neste sistema, pela exportação de capitais para países na América Latina, na Ásia e na África. Essa é a mais aguda expressão atual da divergência, no seio do movimento internacional dos trabalhadores, entre enxergar o imperialismo como uma política de Estado ou de governo, identificada principalmente com o avanço militar sobre outros países; e enxergar o imperialismo como um estágio do próprio capitalismo, que predomina e condiciona as relações entre os países, que é a visão leninista. A luta anti-imperialista não é uma luta contra “impérios”, mas contra o sistema capitalista-imperialista, contra o capitalismo em sua fase monopolista.
O que vemos hoje, em escala global, é um processo cada vez maior de diferenciação entre as diferentes alas do MCI, uma diferenciação que se apoia em, entre outros elementos, um balanço (ainda por fazer) dos últimos 30 anos, isso é, da ação comunista no período contrarrevolucionário. Afinal, analisar essas três décadas transcorridas é buscar responder às seguintes perguntas: qual foi o balanço dos PCs sobre o movimento comunista e o processo de construção do socialismo no século XX e o que deve ser feito para superar a contrarrevolução? Não é permissível aos comunistas, obviamente, fazer juízo de valor ou moralismo barato com sua própria história. Fazer uma avaliação científica exige um olhar desapaixonado, crítico, que busque compreender as causas para além das aparências, que se afaste de personalismos ou de “pecados originais” – exige uma análise marxista-leninista sobre o próprio desenvolvimento do MCI. É só assim que poderemos compreender o porquê de estarmos, ainda, em um período contrarrevolucionário, e não numa nova onda revolucionária.
O avanço da extrema-direita no Brasil e o recuo da Reconstrução Revolucionária do PCB
Voltando os olhos para nosso Partido, é possível ver com clareza o momento em que se inicia a confusão ideológica e o giro à direita em nossa política nacional e internacional. Esse momento, não à toa, coincide com o processo do golpe de 2016.
O Partido, até pelo menos o primeiro semestre de 2015, vinha em um ascenso de formulações e estabelecimentos de linhas importantíssimas. Consolidado o XV Congresso do PCB, em 2014, tinha apresentado uma candidatura própria para as eleições, o que já havia feito em 2010, como resultado do XIV Congresso. Em 2014, teve a capacidade de leitura histórica para declarar, no segundo turno, o voto nulo na disputa entre Dilma e Aécio Neves no segundo turno. Todo o desenvolvimento do segundo governo Dilma, até o impeachment, comprovou o que o PCB dizia:
13. Independentemente do governo de plantão, com o agravamento da crise mundial do capitalismo, o estado burguês reprimirá ainda mais os trabalhadores e as lutas populares, porque precisará tentar retirar ou diminuir direitos sociais e trabalhistas, acirrando a luta de classes. Como em outros países, a sociedade se torna mais conservadora, ampliando a hegemonia do capital no aparelho de estado, na mídia, no parlamento, na justiça.
14. Diante de tudo isso e na certeza de que a vitória de um ou outro candidato no segundo turno não vai representar alteração do quadro atual, o PCB se posiciona em favor do voto nulo. O apoio dos comunistas à candidata do PT seria contribuir para iludir os trabalhadores e desmobilizá-los nas suas cada vez mais duras e necessárias lutas.
[Nem Dilma nem Aécio: PCB seguirá na luta pelo Poder Popular e pelo Socialismo, Comitê Central do PCB, 11 e 12 de outubro de 2014]
A opção pela demarcação em relação à social-democracia e aos governos burgueses atingiu seu auge de clareza e autoconsciência sobre a independência política do proletariado neste momento. O Partido atraía novas forças, novos lutadores, exatamente por causa de sua postura firme frente aos descaminhos da conjuntura brasileira; atraía uma geração de militantes mal-formados e espontaneístas, cuja principal experiência de luta de massas havia sido as Jornadas de Junho de 2013, mas com grande disposição para não se dobrar à massiva hegemonia da social-democracia e para desenvolver-se em uma forma superior de organização e de concepção política. Era uma geração que provou diretamente, como primeira experiência política, a incapacidade da estratégia democrático-popular em apresentar soluções para a classe trabalhadora brasileira; e que, por outro lado, não sofrera diretamente com o impacto ideológico do período da contrarrevolução nos anos 1990, que levou diversos militantes, mesmo entre os comunistas, a um democratismo pequeno-burguês que se chocava diretamente contra a propensão à tomada do poder, com a luta pela ditadura do proletariado, uma necessidade do projeto de emancipação da classe trabalhadora.
Assim, foi como consequência desse momento do Partido que em 2015 a União da Juventude Comunista realizou seu VII Congresso Nacional. Em que pese uma incompreensão ainda presente sobre os movimentos de massa (devido ao tamanho e falta de inserção da UJC), havia uma escolha clara por disputar as entidades de base do Movimento Estudantil, galgando espaços junto à direção do movimento, obviamente de maneira minoritária, mas que preparou a formulação, aprovada no VIII Congresso da UJC (2018), de uma linha de grande amplitude e clareza no que dizia respeito à disputa real pela direção do movimento (principalmente estudantil), com a disputa de DCEs, UEEs, da UNE, da UBES, da ANPG. A consolidação orgânica também foi a marca desse momento: enquanto o VII Congresso foi feito por uma UJC em que ainda havia uma dispersão grande das forças e pouca divisão de tarefas (não havia organismos de base, os “núcleos”, na imensa maioria das localidades), o VIII Congresso foi realizado por uma UJC bem organizada e mais capaz de intervir no movimento de massas. Começa ali o debate sobre profissionalização e especialização das tarefas; avança o debate sobre direção real do movimento; e novamente se dissemina na militância o debate sobre o internacionalismo proletário e a FMJD.
Aqui já podemos começar a observar esse grande descompasso que surgia dentro do PCB. Acuado pelo golpe e pelo avanço da extrema-direita (que o próprio Partido já dizia ser um processo em curso), um setor do Partido começa a propor um forte recuo em sua linha política. Em vez de se definir e se demarcar em relação às demais forças no movimento dos trabalhadores, mesmo nos momentos de necessária unidade de ação, o Partido caminhava para borrar, perante os olhos da classe trabalhadora, as fronteiras com outras organizações da “esquerda socialista”, como era o caso do PSOL, que já iniciava seu giro à direita, consolidado em sua presente participação no governo burguês de Lula e Alckmin. Já nas eleições municipais de 2016 essa movimentação ficou muito clara: tendo mantido sua independência política nos pleitos anteriores, a linha do PCB foi a de apoiar as candidaturas do PSOL (na maioria das vezes, sem sequer ter a vice-candidatura) às prefeituras, o que ocorreu em todas as capitais, com exceção de Belém (PA), em que o candidato do PSOL (Edmilson Rodrigues, hoje prefeito da cidade) foi apoiado apenas no segundo turno.
O mesmo se pôde ver na participação errática do Partido em diversas “frentes” no mesmo período. Primeiro, ao buscar uma participação na Frente Povo Sem Medo (FPSM), composta por partidos, movimentos e entidades que buscavam lutar contra o impeachment sem abrir mão das críticas às medidas de austeridade do segundo governo Dilma, mas que tampouco tinha qualquer programa unitário e socialista. Com o passar dos anos, sobretudo depois das eleições de 2016 e se aproximando das eleições de 2018, a FPSM ficou cada vez menos distinta da governista Frente Brasil Popular (FBP) e cada vez com uma agenda menos independente da FBP. Como consagração desse momento, nas eleições de 2018 novamente tivemos uma subordinação completa do Partido ao movimento eleitoral do PSOL, com a exceção da vez sendo o estado de Goiás, onde houve candidato próprio. A campanha presidencial também usou essa tática, em apoio a Guilherme Boulos. A tática eleitoral era simplesmente acompanhar o PSOL nessas candidaturas, que já demonstravam, em níveis distintos, o giro à direita do próprio partido.
Já a partir de 2019, sem realizar um balanço autocrítico da Frente Povo Sem Medo, mas assumindo na prática suas limitações, o PCB decide passar a apoiar a construção do chamado “Fórum Sindical, Popular e de Juventudes de Luta pelos Direitos e pelas Liberdades Democráticas”. Impulsionado pela presença do Partido, em unidade com outras organizações do PSOL, na direção do ANDES-SN, o Fórum era apresentado como a “tábua de salvação” da política nacional. Seria o espaço que organizaria um “Encontro Nacional da Classe Trabalhadora e dos Movimentos Populares”, que mudaria a correlação de forças na classe trabalhadora brasileira com um programa unitário e independente. Como se podia ver, ilusões colocadas à parte, o Fórum funcionava, em âmbito nacional, como uma forma de centralizar as alianças nas diversas disputas sindicais para que houvesse unidade entre o PCB e correntes do PSOL, em especial a Resistência. No movimento estudantil, em que esse tipo de política colocaria a UJC a reboque não apenas da Resistência, mas de todo o campo social-democrata, para o qual a corrente caminhava a passos tímidos (hoje largos), a política do Fórum não teve qualquer expressão.
Podemos resumir, de certa forma, os eventos narrados como um choque de tendências políticas internas ao PCB. Por um lado, sem o temor incutido por uma ala do Partido, o desenvolvimento da UJC concentrava-se em uma ferrenha disputa do movimento de massas com cada vez mais independência e firmeza estratégica; por outro, em um espírito reboquista, uma subordinação e dissolução da política sindical e eleitoral do PCB em relação ao PSOL (especialmente sua ala à direita, que crescia com a crise do Bloco de Esquerda interno a este partido).
Foi nesse contexto que o Comitê Central anunciou a realização do XVI Congresso Nacional do PCB, em 2019. Depois de 5 anos sem Congresso, o Partido poderia fazer um balanço de suas atividades desde o XV Congresso (mesmo em consideração ao fato de que a própria tática partidária, como apresentado, mostrou-se uma justaposição de táticas desconexas e que caminhavam com cada vez mais vigor a uma indefinição política e a um reboquismo em relação ao PSOL); poderia avaliar cientificamente a justeza de suas medidas internas e de suas construções junto às massas; avaliar a pertinência das formas de aliança e de combate em relação às organizações políticas pequeno-burguesas e burguesas; compreender as debilidades de maneira honesta e, com todo esse acúmulo, propor soluções para as causas dos problemas do Partido. Qual não foi a surpresa quando as Pré-Teses do CC ao XVI Congresso nos traziam propostas como:
1. O atual momento do PCB caracteriza-se pela ultrapassagem da etapa de reconstrução revolucionária, depois de termos superado o momento inicial de defesa da manutenção de nossa organização e de reinserção do Partido no cenário político e social brasileiro (1992-2005). [...]
Ou ainda:
[...] Lutamos pela transformação da ONU e outros organismos multilaterais em instâncias efetivas de promoção do desenvolvimento e da justiça social no plano internacional. [...]
Não havia um balanço da Frente Povo Sem Medo, ou uma caracterização do Fórum; não havia uma avaliação sobre a tática do Partido no momento da mudança conjuntural importante que ocorreu com o golpe em 2016. Diversas resoluções aprovadas no XV Congresso, como a criação do Centro de Formação Astrojildo Pereira, não tiveram qualquer menção no documento.
Esses elementos, é claro, eram sintomas. Sintomas de que cada vez mais setores do Partido não questionavam abertamente os avanços políticos (teóricos, estratégicos, ideológicos) consolidados no curso da Reconstrução Revolucionária e referenciados nas resoluções congressuais, mas simplesmente os deixavam de lado na hora da aplicação prática dessa política. Sob o pretexto da “flexibilidade tática”, o que se operava era efetivamente um recuo estratégico. Em 2019, o PCB chega a assinar uma declaração de PCs da América do Sul que comemorava a vitória eleitoral de Lopez Obrador, presidente do México, uma declaração em que os Partidos se congratulavam (!) pela vitória do “governo progressista” do MORENA.
O desenvolvimento do XVI Congresso Nacional do PCB e a cisão
Com essa série de contradições irrompendo no seio do Partido, contradições que não eram muito distintas das existentes no próprio MCI, o XVI Congresso Nacional tem início no fim de 2019. Desde o princípio, com a abertura da Tribuna de Debates interna, o processo congressual mostrou-se recheado de polêmicas importantes que diziam respeito à aplicação da linha política do XV Congresso e à correção dos aspectos políticos e organizativos incorretos apresentados pelo CC do PCB. Já alguns elementos começavam a soar como “curiosos” ao conjunto do Partido, como a baixa participação dos membros do CC nos debates internos (apenas um membro do CC enviou uma única contribuição antes da suspensão das Tribunas).
Suspenso durante a pandemia, o XVI Congresso teve sua etapa final realizada apenas no final de 2021. A partir do meio de 2021, o CC do PCB decide por “reabrir” a Tribuna de Debates (apenas para delegados, suplentes e membros do próprio CC) e é nessa fase que as principais críticas amadureceram sobre o processo de deriva de nosso Partido, sobretudo com as contribuições do camarada Ivan Pinheiro, que efetivamente romperam a “paz de cemitério” que reinava a partir do silêncio dos membros do CC do PCB na Tribuna (para além de Ivan e o outro membro mencionado, outros dois dirigentes nacionais escreveram, cada um uma contribuição para a Tribuna). Ainda durante essa suspensão, inúmeras manobras burocráticas foram tentadas pelo CC do PCB para influenciar os rumos dos debates: “reuniões individuais” eram feitas com militantes às vésperas do Congresso; denúncias que seriam utilizadas nos velhos e famigerados Processos Disciplinares surgiam no âmbito do Comitê Central e de alguns Comitês Regionais, para perseguir alguns militantes; militantes foram “proibidos” de enviar comunicações críticas ao próprio CC; entre outras aberrações mandonistas. As tensões internas ao Partido – profundamente políticas – eram de tal forma claras que, por um lado, alguns membros do CC comentavam (nos bastidores, sempre, é claro) sobre “a possibilidade de racha”; enquanto, por outro, camaradas como o próprio Ivan já apontavam a necessidade de fazer um XVII Congresso muito em breve. Isso tudo acontecia em um momento em que o CC do Partido deixava-se levar pela confusão absoluta no que dizia respeito a suas táticas e palavras de ordem, apostando na construção da Frente Nacional Fora Bolsonaro, uma frente policlassista completamente tomada por partidos burgueses e reformistas. O PCB, nesse momento, levantava a palavra de ordem do “Fora Bolsonaro-Mourão”, agitava pela “cassação da chapa pelo TSE” e defendia o impeachment de Bolsonaro – tudo isso ao mesmo tempo.
Não é preciso ler nas entrelinhas para compreender quais foram as posições vitoriosas nas Resoluções do XVI Congresso do PCB. Saía a “ONU promotora da justiça social” e entrava a construção do polo revolucionário do MCI; saía a “ultrapassagem da Reconstrução Revolucionária” e entrava o “aprofundamento da Reconstrução Revolucionária”; era abertamente assumida a tarefa de estarmos “na oposição ao futuro governo de conciliação de classes”; a crítica ao mandonismo e ao federalismo internos foi reforçada; foi aprovada a criação de uma “tribuna/boletim interno de debate permanente entre a militância”. O PCB mantém o Marxismo-Leninismo como base de sua formulação teórica e decide que os militantes farão sua contribuição financeira de maneira progressiva, e não linear como era até então.
Apesar disso, seria totalmente irresponsável dizer que essas resoluções foram compreendidas nas suas divergências com as posições da maioria do CC do PCB à época. A verdade é que houve poucos entre os que se opuseram a esses pontos vencedores que tiveram a coragem de se apresentar para o debate na Plenária Final do XVI Congresso. O silêncio dos membros do CC sobre os temas centrais do Congresso na Tribuna foi repetido no púlpito, em grande medida. A Plenária, composta por delegações eleitas havia mais de um ano e meio, tampouco refletia as posições internas ao Partido depois de um grande crescimento nas campanhas contra o governo de Bolsonaro e Mourão e os ataques da burguesia durante a pandemia.
É nesse quadro, já compreendendo que haveria um altíssimo nível de tensões nas eleições do novo Comitê Central, que o Secretário Geral do PCB busca diversos militantes da “ala esquerda”, ou melhor dizendo, opositores pela esquerda da linha proposta pelo CC e defensores dos avanços consolidados no XV Congresso, para propor um acordo: cessariam as perseguições políticas internas se houvesse a defesa da proposta de CC apresentada pela Comissão Eleitoral, em que figurariam elementos destacados dessa “ala esquerda”, representados minoritariamente no novo CC. Longe de ser um acordo defendido conscientemente pela maioria dos delegados, foi um acordo feito fora do púlpito congressual. Para a “ala direita”, composta pela maioria do CC, era a única forma de não terem sua imagem, já manchada por seus próprios erros políticos e tão discrepante da linha aprovada pelo XV e pelo XVI Congressos, completamente enxovalhada nos destaques à nominata – ainda que um senso de seguidismo amplamente disseminado na Plenária fosse o tampão contra mudanças radicais da composição do CC de qualquer forma; para a “ala esquerda”, era a forma de ganhar tempo para manter o oxigênio renovador do Partido em circulação, em vez de ser expurgada diretamente no pós-Congresso – que era exatamente o rumo para o qual caminhavam os “processos disciplinares” e as perseguições dentro do Partido, sob aval e com participação direta do CC.
Mesmo havendo uma série de indicativos de que o acordo não seria duradouro, o trabalho unitário desenvolvido pela “ala esquerda” teve grande sucesso e conseguiu, senão reverter, pelo menos refrear temporariamente o avanço do giro à direita da maioria do CC do PCB. As táticas do PCB no ano de 2022 tiveram um caráter de maior independência, que se expressou na campanha própria à Presidência e inúmeros candidatos próprios a governos dos estados, com destaques nacionais como as candidaturas dos camaradas Gabriel Colombo (SP) e Jones Manoel (PE) – marcando um retorno à política do Partido anterior a 2016. É preciso notar que, mesmo nesse cenário, a decisão à candidatura própria foi consequência da decisão do próprio PSOL de apoiar, desde o primeiro turno, a candidatura de Lula e Alckmin.
Foi também em 2022 que teve lugar o IX Congresso Nacional da UJC. Colhendo os frutos das políticas que vinham acumulando acertos e correções de linha desde o VII Congresso, o Congresso se desenvolveu durante quase todo o ano. Entre os temas debatidos, destacam-se o impulso da UJC em contribuir para os trabalhos do jornal (uma discussão marcada, nas entrelinhas, pelo amplo descontentamento nas bases com o precário desenvolvimento do jornal O Poder Popular) e, mais do que tudo, uma formulação mais aprimorada sobre as alianças no movimento de massas, criando critérios políticos e programáticos para as unidades que já haviam sido ensaiados no VIII Congresso. A decisão de fazer o trabalho político direcionado ao “movimento secundarista em geral e, vinculado a ele o movimento de estudantes do Ensino Profissional Técnico (EPT); à inserção no movimento de jovens trabalhadores e a inserção nas universidades privadas de massas” também revelava um amadurecimento da organização, que compreendia a necessidade de cumprir com a política do giro operário-popular caminhando para além do movimento estudantil de universidades públicas e indo em direção aos setores proletários da juventude. Com todo o contexto por que passava o PCB, o IX CONUJC também expressou algumas das principais disputas no Partido, como é natural quando os embates ideológicos vão se esclarecendo – houve até a tentativa de um delegado de agitar, no próprio plenário, que o Congresso tentava reencenar “as posições derrotadas” no XVI Congresso do PCB, o que não podia ser mais longe da realidade.
Apesar desse desenvolvimento parecer, à primeira vista, positivo para as posições da “ala esquerda”, vencedoras no XVI Congresso, não havia qualquer disposição da maioria do CC do PCB em aplicar a linha congressual. Isso já fica claro desde a intervenção assinada pela Comissão Política Nacional em novembro de 2022 no 22º EIPCO, em Havana. Renegando a avaliação do próprio CC sobre a guerra na Ucrânia (de fevereiro de 2022), que afirmava o choque dos interesses das burguesias russa e estadunidense no conflito e conclamava pela unidade dos trabalhadores ucranianos e russos contra o capitalismo em seus países, a CPN passa a afirmar que a derrota apenas do polo UE-EUA-OTAN significaria, por si só, um avanço para os trabalhadores do mundo. Também a nota política do CC em novembro de 2022 afronta e rompe diretamente a linha do Congresso: enquanto as Resoluções afirmavam a “oposição ao futuro governo de conciliação de classes”, o CC decide que o PCB apenas “manterá a posição de independência ao governo” – posição que já tinha sido apresentada no mesmo EIPCO, em que a CPN afirmou que a disputa do segundo turno entre Bolsonaro e Lula “representou a luta entre a civilização e a barbárie” e não entre duas formas de gestão do capitalismo.
A gota d’água, no entanto, veio de um salto ainda maior à direita, empreendido às escondidas pelo Secretário Geral e pelo Secretário de Relações Internacionais, com a participação sem aprovação no CC ou na Comissão de Relações Internacionais na chamada “Plataforma Mundial Anti-Imperialista” (PMAI), uma articulação de partidos que tomaram o lado da Rússia na guerra interimperialista (ainda) em curso na Ucrânia, em aberta oposição às visões apresentadas pelo bloco revolucionário do MCI no EIPCO de Havana e às próprias resoluções do Partido. A participação foi feita por texto para o encontro de Belgrado em dezembro de 2022, sem nem sequer tradução e publicação no site do Partido, em que o Secretário de RI defende que o governo de Lula se alie a outros países capitaneados pela social-democracia na América Latina, em vez de apontar a unidade dos trabalhadores desses países para a luta revolucionária. Em março de 2023, foi a vez do Secretário Geral do PCB ir presencialmente ao encontro da PMAI em Caracas, sendo recebido pelo partido-anfitrião, o PSUV, no momento de intensificação da perseguição governamental ao Partido Comunista da Venezuela. Sob as denúncias dessa articulação às escondidas dentro do próprio Comitê Central, foi decidido por unanimidade que o Partido não participaria dos encontros da PMAI até uma melhor análise. Mas a decisão do CC não foi o suficiente para impedir o Secretário de RI de comparecer a mais uma reunião dessa iniciativa, agora em Seul, na Coreia do Sul, o que foi feito em maio de 2023. A declaração apresentada, que não foi aprovada pelo CC ou pela CPN, chega a afirmar que as exportações de capital privado chinês para o Brasil “contribuem para a construção de um campo internacional não-alinhado e de um mundo multipolar”.
Era preciso demonstrar claramente para o conjunto do Partido e da classe trabalhadora brasileira a violação feita à linha política do PCB pela maioria de sua própria direção, sob a pena de deixar como letra morta todo o acúmulo do XVI Congresso. A publicação, pela Revista Opera, do artigo do camarada Ivan Pinheiro, Ainda sobre a chamada Plataforma Mundial Antiimperialista, abalou as estruturas partidárias. Pela primeira vez, a imensa maioria da militância do Partido tomou conhecimento dessas violações da linha congressual e começou a questionar o compromisso do CC do PCB com o XVI Congresso. Em um gesto de coragem, o camarada Jones Manoel foi também a público divulgar a denúncia, o que lhe rendeu como punição a destituição de todas as tarefas de direção ainda em 8 de julho.
Mas é claro que, para desmobilizar a resistência ao giro à direita, a maioria do CC não poderia se restringir a isso: em 30 de julho de 2023, em reunião online, os camaradas Jones Manoel e Ivan Pinheiro, que já não eram membros do CC e não puderam apresentar nem sequer suas defesas; e os camaradas Gabriel Landi e Ana Karen, além deste que vos escreve, fomos expurgados do PCB por defender as resoluções do XVI Congresso Nacional do PCB. A resposta de uma parte muito significativa da militância foi imediata, com dezenas e dezenas de mensagens de solidariedade aos camaradas expurgados pela maioria do CC do PCB.
A maioria do CC do Partido havia decidido por um rumo que ia muito além da expulsão de cinco militantes. Ela decidia, nessa movimentação, que a defesa inabalável das resoluções do XVI Congresso Nacional do PCB, acima de qualquer coisa, era motivo para ser removido do Partido. A violação do Congresso, por sua vez, era sinal de “lealdade partidária”. O que estava em questão era enterrar as principais questões políticas aprovadas no Congresso, sobre política nacional e internacional, e pôr um freio no aprofundamento da Reconstrução Revolucionária.
Defender o legado da Reconstrução Revolucionária do PCB era a única opção para os comunistas. O lançamento do Manifesto em Defesa da Reconstrução Revolucionária do PCB, em 3 de agosto, foi o ponto de virada da crise do Partido, um ponto que permitiu ao conjunto da militância tomar conhecimento da única proposta para uma solução unitária do impasse: a realização de um congresso, o XVII Congresso (Extraordinário), que havia sido proposta pela primeira vez em carta do camarada Ivan Pinheiro ao CC em 4 de julho de 2023.
A adesão inconteste da maioria da UJC ao Manifesto, com declarações de Coordenações Regionais e núcleos inteiros, comprovou o rumo correto em que estava o desenvolvimento da linha política do Partido no seio de sua juventude, reafirmada pela consulta nacional às bases feita pela CNUJC eleita no IX Congresso, boicotada pelos que concordavam com os expurgos. Também diversas células e comitês declararam-se publicamente favoráveis à realização do XVII Congresso. A resposta do CC do PCB foi a intensificação dos expurgos, uma verdadeira “limpa” daqueles que defendiam a linha aprovada no congresso vigente. Cito de cabeça o exemplo do meu estado, São Paulo, em que uma única circular do Comitê Regional expulsou cerca de 700 militantes da UJC.
A realização da I Plenária Nacional do PCB-RR (o nome dado provisoriamente à ala do Partido que decidiu manter a Reconstrução Revolucionária viva), realizada no fim de setembro, deu uma forma superior ao processo de construção do congresso. Na II Plenária Nacional, em novembro, foram lançados os documentos-base e o XVII Congresso teve seu início na prática.
O próprio processo congressual ainda deixa muitos elementos a serem analisados e sintetizados. Tal experiência nos trouxe novos desafios sobre como compreender a unidade de ação e a liberdade de crítica entre nós. Buscando no resgate das concepções leninistas do centralismo democrático as respostas para um processo que envolvia, entrelaçados, ruptura e continuidade, nossa polêmica congressual viu-se obrigada a abrir-se publicamente para envolver os mais distintos matizes de opinião de milhares de comunistas espalhados pelo país no debate sobre a superação da crise partidária. A Tribuna de Debates foi um organizador coletivo com impacto imenso (inclusive internacional), expondo à luz tanto as confusões em nossas fileiras quanto as respostas capazes de soldar uma verdadeira unidade ideológica e de ação. Não nos prender a fórmulas, mas ser intransigente com os princípios, fez das Tribunas um potencializador dos debates congressuais, que se refletiram na própria cena do XVII Congresso (Extraordinário).
As decisões do Congresso reafirmaram o rumo do processo da Reconstrução Revolucionária e as linhas políticas vencedoras no XVI Congresso foram ainda mais aprofundadas, apresentadas em bases mais científicas. Mas esse foi apenas o primeiro passo. A tarefa agora é estudarmos com clareza esses resultados e aplicá-los no dia a dia de nossa intervenção junto ao proletariado na luta de classes. Sem qualquer autoproclamação, podemos estar errados em diversos pontos. Mas tudo indica que damos um passo adiante firme, científico na mirada marxista-leninista, para a construção da revolução socialista no Brasil.
Continuidade e ruptura na consolidação do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário
O panorama traçado por essa tentativa de linha do tempo dos desafios do movimento comunista nos últimos trinta anos é, sem sombra de dúvida, muito incompleto. Não aponta diversos aspectos importantes, como o recrudescimento da política bélica dos EUA no começo do século XXI; os ciclos de lutas internacionais decorrentes da crise já no começo da década de 2010; uma análise mais pormenorizada do desenvolvimento chinês e russo, em particular, dado o papel de destaque que hoje desempenham ou buscam desempenhar na cadeia imperialista; entre outros aspectos. É uma tentativa que busca, no entanto, traçar algumas linhas-mestras para compreendermos o atual momento do MCI, em geral, e do movimento comunista no Brasil, em particular, com o foco dado no desenvolvimento do PCB até 2023 como desenvolvedor, em potencial, da linha política de vanguarda do proletariado brasileiro. Assim, o processo da cisão do velho PCB e consolidação do PCBR demonstra, também, algumas das potencialidades históricas a serem desenvolvidas pelo proletariado em nosso país.
O primeiro aspecto a se recuperar nesse ponto é justamente o debate sobre o novo momento do MCI e como alguns processos semelhantes (autocrítica estratégica, rompimento com a social-democracia, revisão do marxismo-leninismo pós-VII Congresso da IC etc.) retomaram ou buscaram retomar o vigor revolucionário de alguns PCs nos anos 1990 e no começo do século XXI. Usando a “taxonomia” do camarada Gabriel Landi em seu texto A Reconstrução Revolucionária e o XVI Congresso do PCB, a “via da Reconstrução Revolucionária” parece ser a forma vitoriosa de recuperação e reconstrução do legado histórico do MCI por aqueles PCs cujo desenvolvimento interno os levou a elaborar suas autocríticas e a se posicionarem novamente em defesa do marxismo-leninismo ortodoxo e da via revolucionária.
Enganam-se aqueles que crêem, portanto, que esse processo de Reconstrução Revolucionária ocorre “apenas” nos aspectos estratégicos (como muitos no velho PCB pensam), mas que deixam intactos a sua estrutura organizativa, seus métodos de trabalho, suas táticas etc. Recuperar o marxismo-leninismo em seu vigor revolucionário significa, também, recuperar os debates organizativos e táticos do bolchevismo. Significa, no limite, aderir a uma determinada concepção do marxismo que diz respeito à visão de mundo em sua totalidade, indo desde o debate sobre o materialismo e a consciência, até as aplicações mais minuciosas e precisas das táticas eleitorais. Isso significa, portanto, que criar uma nova fusão entre estratégia e organização, entre “o fora” e “o dentro” do Partido, entre o movimento espontâneo e a consciência: significa retomar o Partido de novo tipo, marxista-leninista.
Diferentemente de outras táticas de construção e reconstrução dos PCs que foram empreendidas por diversos militantes nas últimas décadas, entendemos que todo o processo da Reconstrução Revolucionária do PCB aponta para essa ruptura – uma ruptura com o etapismo presente nas formulações estratégicas do Partido por décadas; uma ruptura com o legado da Frente Popular dos anos 1930 e 1940 e do recuo estratégico da “coexistência pacífica” dos anos 1960; uma ruptura com o eurocomunismo, a desilusão, o liquidacionismo dos anos 1980 e 1990. Mas, ao mesmo tempo, uma ruptura que só é possível por causa da urgência histórica da retomada, da afirmação da continuidade da perspectiva comunista, e não de sua negação total. É esse o senso profundamente autocrítico da Reconstrução Revolucionária do PCB que nós nos negamos a abandonar.
Foi preciso, para a maioria do CC do velho PCB, abandonar esse mesmo legado. Com esses princípios levados a ferro e fogo, seria impossível uma reaproximação com os polos oportunistas do MCI, como foi feito nas participações na Plataforma Mundial Anti-Imperialista; seria impossível manter uma posição vacilante em relação ao governo burguês de Lula e Alckmin; seria impossível sustentar um federalismo organizativo em que vigoravam os chefes locais; seria impossível reforçar o burocratismo que podava as críticas, as iniciativas das bases e a correção de linha que é típica do marxismo-leninismo; seria impossível retomar a nostalgia acrítica do “pecebismo”, que se importa acima de tudo e em primeiro lugar com formas organizativas rígidas do Partido, em detrimento da rigidez na linha política. Ao produzir a cisão do PCB, a maioria do CC do velho PCB produziu um rearranjo de forças no movimento comunista brasileiro e resolveu, em patamar superior, uma contradição objetiva, que era o descompasso entre o projeto comunista da Reconstrução Revolucionária e o recuo oportunista e atemorizado com o avanço da extrema-direita defendido pelos pecebistas. O patamar superior é aquele que viemos apresentando desde a cisão: de um lado, ficou a Reconstrução Revolucionária do PCB, como processo histórico vivo; do outro, a cada vez mais carcomida estrutura do próprio PCB.
É por isso que foi relativamente fácil – em uma posição de ampla maioria – a conclusão a que chegou o XVII Congresso (Extraordinário) sobre o tema:
§12 Nós do PCBR reivindicamos o legado do PCB, comemorando suas vitórias históricas e buscando superar seus vícios, dando continuidade (em consonância com diversos PCs do mundo que fizeram a autocrítica de suas estratégias) ao processo de Reconstrução Revolucionária do Partido que se iniciou em 1992 e que foi colocado sob ameaça pelo próprio CC do PCB em sua proposta para o XVI Congresso. A decisão da maioria do CC de cindir o PCB foi uma reação contra o necessário aprofundamento da Reconstrução Revolucionária e a favor do giro à direita em sua política, afastando-se da estratégia socialista.
Não temos qualquer receio de afirmar em alto e bom som: o continuador da Reconstrução Revolucionária do PCB é o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário. Por isso mesmo, reivindicando desde o I até o XVI Congresso do PCB e todo o legado do movimento comunista brasileiro, optamos pela adoção do nome PCBR como forma de superar um estágio determinado desse processo de Reconstrução Revolucionária, e enquanto marchamos rumo ao que será o XVIII Congresso do PCBR, reivindicando também o Congresso cujas Resoluções aqui publicamos pelo que foi, em seu sentido político e histórico máximo: o XVII Congresso (Extraordinário) do Partido Comunista Brasileiro - Reconstrução Revolucionária.
O Partido Comunista bolchevique, através de suas muitas mudanças de nome, sempre referiu-se ao seu I Congresso como o Congresso de 1898 do Partido Operário Social-Democrata Russo. Isso não é a toa: longe de pensar que essa continuidade produz confusões, acreditamos, como os bolcheviques, que ela educa, tanto na apreensão de nossa trajetória, quanto na compreensão do próprio processo contraditório e sinuoso de construção, em conexão com as lutas de classes, de um verdadeiro partido revolucionário do proletariado.
Mas isso, é claro, também nos coloca uma tarefa histórica, que certamente não pode ser soterrada por qualquer ufanismo infantil ou autoproclamação: a tarefa de levar a cabo essa mesma Reconstrução Revolucionária. Não somos, obviamente, um partido “pronto”. Não somos, obviamente, a vanguarda do proletariado brasileiro. Ainda. É o processo de nos tornarmos vanguarda, nos tornarmos o partido do proletariado revolucionário no Brasil, que move o projeto comunista hoje. Esse será um trabalho intenso, complicado, extenuante até.
Mas apenas esse processo poderá render os frutos necessários para a Revolução Brasileira e a construção do socialismo-comunismo. O proletariado precisa de um partido de vanguarda. Nós temos condições de trabalhar para sê-lo. E isso as decisões de nosso Congresso apontam muito claramente.
Avançando para concepções mais científicas: Estratégia, táticas, Programa
Já no impulso autocrítico em relação a como levar, desde nossas discussões do XVII Congresso (Extraordinário), o Partido para concepções mais científicas, mais ortodoxas do ponto de vista marxista-leninista, alguns camaradas do então Comitê Nacional Provisório se puseram a revisar a bibliografia bolchevique sobre uma série de aspectos e fazer o esforço leninista de “consultar-se com” o legado histórico do movimento comunista para compreender, sem dogmatismo, mas aprendendo com o passado, como construir aspectos tão centrais para o Partido quanto o Programa.
No velho PCB, o Programa partidário era formulado de maneira completamente displicente. Se analisamos mesmo o XVI Congresso, no “Programa de Lutas”, não vemos senão uma série infindável de bandeiras a serem defendidas, muitas vezes misturadas com a forma do movimento que as deve defender, sem encadeamento lógico ou predominância de algum aspecto sobre o outro. Era um “self-service”, um “buffet” de bandeiras que poderiam ser escolhidas conforme o momento, a luta, a campanha – e mesmo nesses momentos, poderiam ser flexibilizadas, como na campanha ao governo do estado do RJ em 2022, em que o candidato do Partido entendia como “sem mediação” as defesas do Passe Livre e da estatização do transporte coletivo. Também não passou incólume a isso a UJC, que repetiu erro semelhante no IX Congresso Nacional: o Programa da UJC era nada menos do que 22 páginas de bandeiras, com alguns parágrafos explicativos. Para quê serviam esses programas? Para pouco, a bem da verdade. A cada luta concreta, milhares de novas bandeiras se impunham, pelo movimento espontâneo da luta de classes, e nos faziam ter que compreender quais seriam aquelas que nós buscaríamos utilizar e quais, inclusive, seriam novas, mas estariam corretas para aquela determinada luta.
Estudando a fundo o desenvolvimento do Programa dos bolcheviques, além de outros vários programas de PCs do polo marxista-leninista do MCI atual, pudemos ver alguns contrastes importantes. O primeiro, mais demarcado, é que o Programa para os bolcheviques não era pensado no sentido de um programa eleitoral, ou seja, de uma série de pautas a serem agitadas puramente para a inserção no parlamento; nem como um programa de lutas, isso é, de meras bandeiras a serem agitadas no curso das nossas intervenções no movimento de massas. O programa bolchevique era pensado, em primeiro lugar, como o documento pelo qual o conjunto da classe trabalhadora poderia vir a conhecer o Partido; ele apresentava, assim, minimamente uma análise da sociedade em que existia, em diferenciação com visões das demais correntes do movimento revolucionário (devemos sempre lembrar das polêmicas de Lênin contra os populistas russos), e qual era o projeto dos bolcheviques para sua revolução. Mas, em segundo lugar, o programa apresentava as medidas correspondentes aos interesses objetivos das classes em luta para aquela estratégia, medidas que deveriam ser arrancadas das mãos da burguesia com o sangue e luta dos trabalhadores e aplicadas concretamente na administração revolucionária com a tomada do poder.
O esforço de consolidação do Programa do PCBR conseguiu sintetizar esse mesmo fundamento para um novo tempo histórico. Afinal, quando montaram seu primeiro Programa, os bolcheviques (assim como toda a “esquerda” russa) compreendiam corretamente que viviam o momento ainda da estratégia democrática, de derrubada da autocracia czarista. Nós vivemos hoje o momento da estratégia socialista, em que não há mais interesses a conciliar nem sequer com a república burguesa em sua faceta mais democrática. Tampouco pode um Programa apresentar pautas “irrealizáveis”, contando com que, ao se colocar em luta para conquistá-las, o proletariado compreenda que não podem ser realizadas no capitalismo e, só assim, possa lutar contra o próprio capitalismo. Esse é um pensamento infantil, já combatido pelo próprio Marx nas polêmicas do movimento revolucionário alemão e francês. Os comunistas apresentam, sim, um programa plenamente realizável para o proletariado, inclusive demonstrando quais tarefas são realizáveis no terreno do capitalismo e quais não são – não por sua dificuldade, ou pela correlação de forças, mas pelas características estruturais do capitalismo, pelo império da propriedade privada dos meios de produção
É nesses termos que se apresenta o nosso Programa, que pode ser lido nas próximas páginas. É um programa que apresenta, de forma sucinta, mas completa, nossa visão sobre o PCBR e sobre o Brasil e sua revolução socialista. Apresenta, também, as medidas pelas quais combateremos ainda no capitalismo, compreendendo um desdobramento que deve ser bem definido: ele combina o programa mínimo do proletariado com o programa máximo das camadas pequeno-burguesas e autônomas exploradas e oprimidas – é sobre essa aliança social, sob hegemonia do proletariado, que baseamos nossa visão estratégica. Ao fim, apresenta também um conjunto de medidas imediatas a serem realizadas pelo proletariado quando da tomada do poder – tanto no sentido de que serão as fundamentais para a reorganização socialista da sociedade, quanto no sentido de que permitirão uma resistência a contento contra um possível processo contrarrevolucionário.
Essa concepção programática, mais científica e menos displicente, baseia-se inteiramente na compreensão da Estratégia Socialista, ou seja, no fato de que o PCBR compreende que não há etapa intermediária entre o capitalismo brasileiro e o socialismo; que não há, portanto, nenhum tipo de unidade a ser feita com os capitalistas por algum amálgama de “interesses comuns” que alegam haver entre ambas classes. Também essa concepção científica sobre a realidade brasileira implica uma outra conclusão: de que são apenas os interesses objetivos do proletariado que poderão levar a Revolução Brasileira à vitória, isso é, ao socialismo – e que, nessa medida, todas as táticas do Partido, inclusive para o trabalho entre camadas não-proletárias, deve ter em vista um Programa que aponte em que medida são possíveis as unidades entre o proletariado e as camadas trabalhadoras não-proletárias.
É a partir dessa concepção que desdobramos o conjunto das táticas apontadas em nossas Resoluções de Estratégia e Táticas. Em vez de inserções gelatinosas e movimentistas, a espinha dorsal da construção do PCBR será, a partir de agora, o trabalho no seio do proletariado, buscando compreender e intervir de forma vigorosa e cada vez mais numerosa no movimento sindical e operário. Esse princípio do trabalho comunista, que não se deixa mistificar simplesmente por uma “atuação entre os pobres”, levou o Partido a definições também mais científicas sobre quais setores da produção são predominantes hoje no capitalismo brasileiro, compreendendo a importância estratégica dos trabalhadores desses setores e ramos no processo revolucionário. Serão nossa prioridade absoluta. Todos os demais trabalhos partidários, nas mais diversas camadas exploradas e oprimidas do país, terão essa finalidade como alvo, do ponto de vista da inserção orgânica: o trabalho nos setores estratégicos do proletariado.
Só assim, compreendemos, poderá o PCBR verdadeiramente criar as conexões no seio do proletariado de que tanto precisamos, num esforço hercúleo de verdadeira reconstrução, em diversos lugares, de um movimento sindical pujante, conectado com as bases, combativo e que possa, nos momentos de grandes lutas políticas, cerrar fileiras ombro a ombro, com o Partido desempenhando papel de sua vanguarda.
O partido marxista-leninista: nosso Estatuto, centralismo democrático, profissionalização
Não estaria completa a discussão de um Partido Comunista se não decorresse de sua visão estratégica e das táticas toda a compreensão sobre sua organização. Compreender a visão marxista-leninista sobre o desenvolvimento capitalista e as tarefas a serem desempenhadas pelo proletariado no sentido de sua emancipação leva necessariamente a conclusões organizativas. Não é à toa que toda a parte inicial de Que fazer?, obra fundamental de Lênin sobre a questão de organização do Partido, centra-se em debater o problema da consciência de classe, da teoria revolucionária e da estratégia do Partido. Qualquer tentativa de fazer o contrário acaba por resultar, por um lado, em dogmatismo e burocratismo, quando as formas partidárias passam a decorrer não de decisões conscientemente desdobradas da linha política, mas da manutenção de formas já aplicadas e consagradas para momentos específicos da luta de classes (o que era bem comum no velho PCB); ou, por outro lado, em liberalismo e liquidacionismo, quando as mudanças necessárias nas formas de organização do Partido começam a servir-se simplesmente das ideias de um ou outro dirigente, de um ou outro militante, sem levar em consideração as necessidades objetivas de determinadas formas políticas.
A essas conclusões chegou o PCBR no XVII Congresso (Extraordinário). O primeiro aspecto, o mais imediato aspecto, apreendido pelo conjunto da militância desde o princípio do processo congressual tinha a ver com a concepção marxista-leninista sobre o centralismo democrático. Esse é um tema bastante polêmico entre os comunistas do mundo todo, como já mencionamos, e a nossa atual concepção do centralismo democrático vem em busca de recuperar o legado leninista e vê-lo não como método estático, atemporal e a-histórico, mas como ferramenta para uma luta: a luta por uma linha verdadeiramente revolucionária. Todo o debate aberto, ainda em 2021, com a publicação de O Centralismo Democrático de Lênin, coletânea de textos e traduções inéditos ou reeditados de Lênin sobre o tema, foi tomando forma concreta no processo de nosso congresso e vai tomar ainda outra forma agora no Partido consolidado. É claro que diversos excessos foram cometidos também nesse sentido: o rompimento de amarras de um PCB que vinha se burocratizando e dogmatizando suas formas de debate (com uma clara finalidade política e ideológica) cria, como se diz, uma necessidade de “curvar a vara”, de experimentar as potencialidades e os limites de um método de trabalho diametralmente oposto. Certamente ainda teremos muitas formulações sobre isso e, por melhor ou pior que seja o balanço, o importante foi que nenhum dogma deixou nosso Partido paralisado. Ao contrário, pudemos ver as expressões mais legítimas e ilegítimas do pensamento marxista-leninista aparecem em nossa Tribuna de Debates congressual – e isso já enriquece nosso Congresso como poucos congressos anteriores a ele.
Se podemos, no entanto, claramente perceber que a questão do centralismo democrático foi a questão mais imediatamente apreendida em termos da nossa política organizativa, também temos que reconhecer que o Congresso aprovou muitos outros temas, inclusive mais centrais, para resgatar e aprofundar a Reconstrução Revolucionária.
O primeiro deles foi avançar muito claramente na concepção de Partido no que diz respeito à legalidade, o que se expressa em nosso Estatuto. Em vez do Estatuto do velho PCB, recheado de ritos burocráticos e atravessado por exigências da legislação eleitoral, pudemos diferenciar claramente as facetas possivelmente legais das outras tarefas de nosso Partido ao elaborar um Estatuto de um Partido militante – um Estatuto que regule no mínimo necessário as relações entre militantes e organismos e que não desperdice seu tempo criando dezenas ou centenas de artigos, parágrafos e incisos sobre direitos e deveres; formas de “processar disciplinarmente” os militantes; ou como deve ser a composição de tal ou qual organismo dirigente. Não é um documento que presta contas ao “juridiquês”, mas ao funcionamento de um Partido de combate, com regras simples e claras. Isso falando apenas do ponto de vista da forma. Mas no conteúdo também nosso Estatuto revela um avanço em relação ao velho PCB – um avanço que já havia sido conquistado no IX Congresso da UJC (!), mesmo tendo sido vetado depois, burocraticamente, pelo CC do PCB – que é sobre os organismos e os militantes. Superando uma concepção basista e autoenganadora sobre o pertencimento de todos os militantes a organismos de base (células), nosso Estatuto agora reconhece o óbvio: cada militante deve cumprir tarefas para o Partido e cumpri-las no organismo em que for mais necessitada sua presença. Novamente, temos aí um verdadeiro combate entre uma forma dogmática e uma forma prática de pensar os militantes e os organismos do Partido. Qualquer semelhança com a proposta de Lênin do 1º Artigo do Estatuto do POSDR não é mera coincidência.
Um segundo tema, totalmente correlacionado à resgatada concepção marxista-leninista de Partido, é o do combate intenso e constante aos métodos artesanais no seio do PCBR. Novamente, qualquer um que pense que esse tema organizativo não se apoia em concepções políticas vai perder o fio da discussão muito rapidamente, na medida em que o combate às formas artesanais, locais, federalistas de trabalho é também o combate por um Partido para toda a classe; não um partido “de cada sindicato, de cada estado, de cada cidade”, mas um partido dirigente do proletariado na luta de classes. E foi nesse sentido que nosso Congresso apontou em diversos temas – indo desde o combate ao federalismo na nova forma de organizar os comitês do Partido em Comitês Locais, até a máxima centralização e coordenação nas finanças. Mas nenhuma dessas formas estaria completa sem a visão da questão central, a do jornal.
O PCBR decidiu, em consonância com a teoria marxista-leninista, pela construção absolutamente prioritária de um jornal político para todo o país. Isso não significa, obviamente, que se trata “apenas” de um jornal em si, mas da consideração da centralização da agitação e da propaganda, da coordenação de uma agitação nas ruas e uma agitação nas redes, de uma propaganda presencial e virtual – todas as formas comunicativas do Partido sendo expressões de um único organizador coletivo, nosso Órgão Central, o jornal O Futuro. É com esse instrumento que buscaremos organizar a luta dos trabalhadores em todos os lugares do Brasil (e também fora do Brasil) de um espírito de classe (em detrimento do caráter particularista e corporativista), um espírito de luta pela hegemonia do proletariado. Será a nossa ferramenta para unir a luta teórica, econômica e política a cada passo que dermos no combate à burguesia e ao oportunismo.
O significado histórico da consolidação do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário
E a primeira pergunta que se põe é esta: como se mantém a disciplina do partido revolucionário do proletariado? Como se comprova? Como se reforça?
[Vladimir Lênin, Esquerdismo, doença infantil do comunismo, 1920]
O XVII Congresso (Extraordinário) cumpriu um papel muito importante no desenvolvimento do movimento comunista brasileiro. Em primeiro lugar, porque resolveu em um patamar superior as contradições internas do velho PCB, separando concepções estratégicas e ideológicas completamente distintas em duas organizações – uma que mantém o registro eleitoral e o nome adotado desde 1960, dando passos atrás na sua autodefinição política acumulada desde 1992 e aplicando na prática um apego puramente simbólico, nostálgico e autoproclamatório a que se convencionou chamar de “pecebismo”; e outra, que dá consequência à Reconstrução Revolucionária, aprofundando-a em seu resgate do marxismo-leninismo e olhando autocriticamente para o conjunto da história do MCI. Apenas por esse único fato, poderíamos dizer que esse Congresso redefiniu as fronteiras políticas internas ao movimento dos trabalhadores no Brasil e que essa definição mais apurada permite sempre um avanço de consciência de determinados setores da vanguarda.
Mas a consolidação do PCBR, síntese final do Congresso, tem um significado histórico mais amplo – ou, melhor dizendo, é parte de um processo histórico mais amplo e toma parte nesse processo de maneira mais autoconsciente. Esse processo histórico é o desenvolvimento concreto das expressões potenciais de vanguarda do proletariado internacional, os Partidos Comunistas, no período contrarrevolucionário em que vivemos, desde a dissolução da União Soviética. As novas expressões do capitalismo-imperialismo no começo da queda da hegemonia dos EUA e no cenário de ampla ascensão de um polo em disputa com eles no sistema imperialista, combinadas com o desenvolvimento de gerações de militantes que não foram vítimas diretas do impacto ideológico do fim da URSS e veem esse processo não como uma tragédia insuperável, mas como uma fonte de análises para construir um novo período de vitórias, têm sido aproveitadas como fatores de uma renovação política no Movimento Comunista Internacional que, diferente de outras tentativas de renová-lo (trotskismo, maoísmo, eurocomunismo etc.), retorna ao pensamento de Lênin com rigor científico e necessidade de conversão da teoria em movimento organizado.
Inserido nesse processo, e como parte importante dele, o PCBR tem hoje esse significado político: um dos elementos dinâmicos no processo de desenvolvimento de um polo marxista-leninista no seio do MCI.
Não devemos, é óbvio, ver isso como o fim de uma trajetória, mas como um ajuste de rumos no nosso caminho – caminho cujo objetivo é o socialismo-comunismo. Isso, mesmo no nosso Partido, ainda não está feito. É uma tarefa a ser feita, a tarefa de aprofundar a Reconstrução Revolucionária, de avançar na formulação marxista-leninista e, principalmente, no trabalho de massas. Para fazer com que esse significado histórico atual, também ele, tome uma forma superior, o PCBR não pode se contentar com o que conquistou em termos teóricos e muito menos com o nível de conexão e trabalho entre as massas. Se o desenvolvimento teórico do marxismo-leninismo for usado como pretexto para o afastamento das massas proletárias, estaremos enterrando a Reconstrução Revolucionária e legando para um futuro absolutamente distante o desenvolvimento do movimento revolucionário do proletariado. Se, ao contrário disso, seguirmos a ferro e fogo nossas resoluções de Estratégia e Táticas, priorizando o trabalho de conexão com os setores estratégicos do proletariado, amplificando ao máximo nossa agitação e nossa propaganda e não tolerando entre nós qualquer sinal de amadorismo e imobilismo, estaremos no caminho certo para desenvolver o partido revolucionário de vanguarda do proletariado brasileiro.
Isso cabe a nós.
Programa do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário
A. Introdução
1. O Partido Comunista foi fundado no Brasil em 1922, como produto das lutas populares e do desenvolvimento ideológico do movimento operário em nosso país, sob o impacto da Revolução Socialista de Outubro de 1917 e da criação da Internacional Comunista, na Rússia. Desde então, aderiu às fileiras internacionais do proletariado revolucionário na luta por emancipação, pelo fim da exploração da maioria dos seres humanos por uma minoria de proprietários dos meios de produção, a burguesia.
2. Ao longo de um século de experiências, os acertos e erros do movimento comunista internacional e do próprio PCB confirmaram repetidamente que a classe trabalhadora só poderá cumprir sua missão histórica se, antes de tudo, assegurar sua independência política em relação às demais classes da sociedade moderna, lutando pela hegemonia do proletariado sobre todas camadas oprimidas da sociedade. Para isso, o proletariado (a classe dos trabalhadores assalariados e desprovidos dos meios de produção) precisa forjar, a partir de suas lutas cotidianas, um partido revolucionário de vanguarda, bem-organizado e armado teoricamente; um Partido Comunista capaz de se fundir com e liderar as mais amplas massas trabalhadoras, contribuindo para ampliar a organização e a consciência da classe operária e para sua constituição em poder político revolucionário – a Ditadura do Proletariado, que, expressando hegemonia do proletariado sobre todas as camadas exploradas e oprimidas do povo, concentra sob o comando dos trabalhadores todos os grandes meios de produção para iniciar a reorganização socialista da sociedade.
3. Adotamos o marxismo-leninismo como teoria revolucionária e encaramos todos os desenvolvimentos históricos a partir de uma perspectiva materialista dialética, promovendo a agitação e a propaganda socialista revolucionária e nos preparando para as tarefas superiores da luta de classes – trabalhando pela construção de um partido proletário revolucionário à altura das tarefas históricas do proletariado. Lutamos contra toda manifestação do reacionarismo burguês: toda forma de elitismo, racismo, machismo, misoginia, LGBTI+fobia, capacitismo, psicofobia, xenofobia e chauvinismo nacionalista, entreguismo, obscurantismo e intolerância (inclusive a religiosa).
4. Fiéis ao princípio do internacionalismo proletário, nos solidarizamos com as lutas do proletariado e demais trabalhadores de todo o mundo, com os povos que lutam por sua libertação nacional e pelo socialismo-comunismo. Trabalhamos pelo fortalecimento, no interior do movimento comunista internacional, de um bloco de partidos e organizações comunistas e proletários revolucionários, em luta contra o reformismo, o etapismo e o reboquismo em nosso movimento.
5. O PCB também enfrentou, em suas próprias fileiras, a luta contra o oportunismo e o liquidacionismo. Hoje, por meio da Reconstrução Revolucionária do PCB, buscamos superar o etapismo estratégico que predominou em grande parte de sua história, erguemos a bandeira da revolução socialista e da ditadura do proletariado, lutando pelo confisco de todos os meios de produção possuídos pela classe dos capitalistas que exploram nosso país – as burguesias estrangeiras e sua sócia menor dependente, a burguesia nacional.
B. O mundo contemporâneo e a posição do Brasil na cadeia imperialista
1. A história do Brasil a partir da colonização é inseparável da história do capitalismo internacional. Imensas quantidades das riquezas dessa terra, que navegaram de nosso solo para os cofres europeus, contribuíram decisivamente para o nascimento do mercado mundial e da industrialização. Povos de todos os continentes do planeta foram dragados por sucessivos estágios do desenvolvimento do capitalismo brasileiro para, nesse país, gestarem uma das classes proletárias nacionais mais etnicamente diversas do mundo.
2. Com a colonização, os povos que viveram por muitos séculos no território brasileiro foram arrastados para a moenda do desenvolvimento moderno. Como a violência colonizadora e as doenças que os europeus traziam dizimavam cada vez mais amplamente a população originária, e como essa população resistia ferozmente à escravização, a alternativa encontrada pelos colonizadores foi se associar a outra ocupação bastante lucrativa: o tráfico marítimo de povos negros escravizados, que ensejou uma nova etapa de resistência e luta de classes. Às custas desse monstruoso empreendimento de exploração, a então colônia Brasil pôde regar de sangue negro e indígena toneladas e mais toneladas de açúcar, tabaco, algodão e, mais tarde, ouro e café, que inundaram os mercados europeus e criaram as bases para o desenvolvimento da burguesia e do capitalismo. Por trás do verde e do amarelo de nossas exportações, desde sempre esteve o vermelho Brasil do sangue vertido pelas classes exploradas, seja sob o chicote do opressor, seja nas lutas de resistência dos oprimidos e explorados.
3. Essa via escravista colonial do desenvolvimento capitalista produziu em nosso país uma classe burguesa dependente – em primeiro lugar, dependente em relação aos excedentes das exportações agrícolas para os mercados internacionais (incapaz, por isso, de travar qualquer luta consequente contra os latifundiários); e, posteriormente, dependente dos capitais estrangeiros (incapaz, por isso, de travar qualquer luta consequente contra o imperialismo). Quanto mais se desenvolveu, mais o capitalismo brasileiro amarrou seu destino ao destino do bloco imperialista estadunidense-europeu.
4. Assim, ao longo de todas as transformações econômicas e políticas ocorridas no Brasil desde o período colonial até a contemporaneidade, cada vez mais a perspectiva de uma revolução nacional-democrática, em prol de um desenvolvimentismo capitalista “autônomo”, demonstrou sua inviabilidade histórica. O golpe de misericórdia sobre essas ilusões ocorreu nos anos 1960, quando a burguesia brasileira (confrontada com o movimento de massas do proletariado, dos camponeses e da pequena burguesia urbana pelas chamadas Reformas de Base) deu carta branca à ditadura empresarial-militar, convocada a salvaguardar a propriedade privada capitalista contra as modestas demandas da democracia pequeno-burguesa manifestas nas Reformas de Base – em especial a reforma agrária parcelar e a proibição da remessa de lucros ao estrangeiro. Daí em diante, qualquer projeto pequeno-burguês de conciliação com a burguesia nacional, em uma oposição ao imperialismo estrangeiro, perdeu qualquer aparência revolucionária, evidenciando seu caráter reformista.
5. A formação social brasileira também é caracterizada por uma grande diversidade de condições de vida e desigualdades regionais, que se acentuaram progressivamente ao longo da história. No entanto, embora tenha profundas implicações para a classe trabalhadora, a hegemonia da burguesia financeirizada do sudeste-sul do país sobre a vida política nacional se consolidou sem nenhuma contradição fundamental com o desenvolvimento da burguesia agrária e industrial que explora o nordeste, o norte e o centro-oeste do país.
6. Apesar dessa sua dependência estrutural e das desigualdades regionais que atravessam seu território, o capitalismo brasileiro atingiu patamares de desenvolvimento superiores à imensa maioria das economias nacionais periféricas, alcançando uma posição intermediária na cadeia imperialista global. Como sócia menor na cadeia global do mais-valor, a burguesia brasileira remete ao estrangeiro imensos volumes da riqueza produzida em território nacional, abrindo as portas à exploração em consórcio com os capitais transnacionais – e, em troca dessa colaboração, participa na exploração do proletariado internacional em diversos países da América, da África e da Ásia, em alguns casos, de maneira extremamente militarista, como no caso da intervenção no Haiti em uma aliança com os países centrais do imperialismo. Por tudo isso, a luta do proletariado brasileiro contra a burguesia instalada em nosso país é uma luta não apenas sua, mas parte da mesma luta de todo o proletariado internacional.
7. Hoje, no entanto, desde que a profunda crise de 2008 acirrou diversas contradições do desenvolvimento desigual do capitalismo internacional, torna-se evidente que, sob a pressão das suas taxas de lucro em queda, os capitais transnacionais cada vez estão dispostos a conceder uma parcela mais restrita do mais-valor global à sua sócia menor brasileira, a burguesia nacional. Ao mesmo tempo, o próprio bloco imperialista hegemônico (que tão firmemente se reunira em torno dos EUA na Guerra Fria para combater a “ameaça vermelha”) convulsiona em contradições, cisões e tensões. A desagregação da União Europeia, a crise da hegemonia global estadunidense, o aumento das tensões entre a OTAN e as potências asiáticas (como no caso da guerra interimperialista na Ucrânia), o genocídio do povo palestino, a intensificação da agitação nacional-chauvinista em todo o mundo, a articulação de blocos subimperialistas como os BRICS – todos esses e muitos outros fatores atestam o fato de que, frente à crise capitalista, cada burguesia nacional recorre a todas as armas à sua disposição para assegurar sua posição privilegiada na partilha do mundo, mesmo que isso signifique colocar o planeta à beira da guerra mundial e do cataclisma climático. Recusamos a ilusão de que, sem uma revolução proletária internacional, essa crise possa espontaneamente desenvolver uma ordem internacional justa: no capitalismo, o “multipolarismo” não pode ser senão a antessala da guerra imperialista generalizada.
8. Todas as promessas que o novo milênio anunciava, sob a bandeira do “fim da história” neoliberal ou sob a agitação do reformismo desenvolvimentista, chegaram às mesmas antigas encruzilhadas: a desigualdade, a crise econômica, a intensificação da exploração dos trabalhadores, as guerras, a crise das democracias burguesas em fascistização, o aprofundamento da crise climática e ambiental produzida pela acumulação capitalista. A cada dia se agravam a pobreza, o desemprego, a crise habitacional, o desequilíbrio climático, a exploração, a proletarização e o empobrecimento das camadas médias, os ataques aos povos tradicionais e o completo desamparo à imensa maioria trabalhadora e pobre do povo brasileiro. E quanto menos empregos há, mais se escuta a agitação da mídia burguesa em apologia ao “empreendedorismo” – o nome hipócrita dado a todo tipo de trabalho privado precário realizado desesperadamente pelos proletários desempregados e pequenos proprietários falidos em busca de sobrevivência.
9. Mas por que a humanidade se afunda cada vez mais na miséria econômica e social, se nunca antes o trabalho social humano foi tão produtivo e socializado? Especialmente nas últimas décadas, a revolução tecnológica gestada no capitalismo trouxe a humanidade mais perto do que nunca da possibilidade do planejamento racional e democrático da divisão social do trabalho à escala internacional. Unidades produtivas espalhadas por todo o planeta estão cada vez mais integradas em um mesmo processo de trabalho social por meio das tecnologias da comunicação e do transporte, e o advento da computação e das tecnologias de inteligência artificial simplesmente não permitem mais levar a sério toda a fraseologia liberal sobre a maior eficiência do “livre-mercado” na alocação racional de recursos. Mas todo esse potencial, trazido à tona pelo desenvolvimento das forças produtivas e pela socialização do trabalho promovidos pelo capitalismo monopolista, precisa ser sacrificado no altar da apropriação privada da riqueza socialmente produzida. Desse modo, em vez de reduzir as jornadas de trabalho individuais, o progresso técnico produz o desemprego massivo; em vez de aumentar o acesso dos produtores diretos à riqueza, aumenta seu desamparo frente à fortuna de uns poucos tão ricos como jamais a humanidade imaginou ser possível; em vez de transformar a produção social em produção ecologicamente sustentável, o desenvolvimento de novas tecnologias amplia a exploração irrefreada da natureza.
10. São essas contradições dramáticas entre a forma cada vez mais social da produção e a já caduca forma privada da apropriação da riqueza socialmente produzida que determinam as tarefas históricas revolucionárias do proletariado, bem como a resistência reacionária da burguesia.
11. Após décadas de predomínio da política neoliberal e do reformismo na esquerda, o Brasil atravessa hoje um período de intensas lutas entre as classes sociais. Desde 2008, quando se instaurou a crise econômica global do capitalismo, a efervescência social e política amadurece a uma velocidade alarmante. Em nosso país, os primeiros estágios desse período de convulsão social deram seus sinais já em 2013, ano em que o número de greves proletárias dobrou e em que as ruas foram tomadas pelas massas populares, em especial pela juventude trabalhadora.
12. No entanto, pondo-se em movimento sem unidade e sem direção revolucionária, a massa podia apenas desestabilizar os velhos pactos da política de colaboração de classes, sem possuir um projeto alternativo de poder ou um programa de transformações radicais. Por isso, não tardou para que a classe dos grandes capitalistas tomasse a dianteira na luta, partindo para a ofensiva contra o proletariado e suas condições de vida, buscando descarregar sobre as costas do povo pobre o peso da crise. A deposição da então presidenta social-liberal; a organização e efetivação de um projeto burguês através da “Ponte para o futuro” de Michel Temer; a eleição presidencial de um candidato de extrema-direita; e a defesa pelo lulismo de uma política econômica neoliberal, aprofundada pelo Teto de Gastos, são apenas três episódios políticos que evidenciam momentos distintos de uma mesma tendência geral das lutas de classes: a ofensiva reacionária da burguesia.
13. É nesse contexto que o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário apresenta seu Programa Socialista para a Revolução Brasileira, confiante de que só a expropriação da burguesia e a reorganização socialista da sociedade poderá resolver as agudas contradições que vitimam nosso povo, e proporcionar os frutos de um desenvolvimento econômico solidário, ecologicamente equilibrado e consciente não só à população trabalhadora brasileira, mas a toda a humanidade!
14. Lutamos pela dominação política e social do proletariado organizado, confiscando da classe dos capitalistas todo o poder político e todos os grandes meios de produção. Não acreditamos que seja necessária, nem mesmo possível, nenhuma “etapa” intermediária entre o atual capitalismo monopolista dependente brasileiro e a reorganização socialista da sociedade: enquanto a classe trabalhadora não se erguer por meios revolucionários, o capitalismo dependente brasileiro seguirá forçando essa mesma classe a uma luta permanente contra a deterioração das suas condições de vida.
15. Assumimos o compromisso de participar ativamente de todas as lutas existentes pelos interesses imediatos da classe trabalhadora: pela sua preservação frente a seu esgotamento físico e psicológico, contra todo tipo de opressão que lhe aflija, pelo desenvolvimento de suas condições de luta por emancipação e, principalmente, pela ampliação do seu grau de organização e consciência de classe. Nesse sentido, em cada uma dessas batalhas pelos seus interesses imediatos, intervimos orientados pela defesa dos objetivos finais revolucionários da classe trabalhadora: a emancipação de toda a humanidade do jugo da sociedade de classes.
C. Intervindo nas lutas proletárias erguendo a bandeira da revolução socialista e da expropriação dos grandes meios de produção burgueses, o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário exige também as seguintes medidas de reorganização das condições de trabalho:
1. Redução da jornada de trabalho para o limite de 30 horas semanais.
2. Descanso semanal obrigatório de pelo menos três dias a cada quatro trabalhados.
3. Unificação de todas as contratações e formas de assalariamento do trabalho no setor privado sob o regime da CLT, inclusive PJs, trabalho intermitente, estágios e bolsas.
4. Fim do banco de horas. Todas as horas extras devem ser pagas com as devidas remunerações adicionais.
5. Proibição da demissão sem justa causa, assegurando a estabilidade no emprego para todos os trabalhadores.
6. Aumento do salário mínimo para um nível capaz de sustentar as necessidades de cada trabalhador e trabalhadora e seus dependentes. Garantir particularmente a elevação imediata da remuneração nas categorias mais precarizadas, ocupadas majoritariamente pelos setores mais oprimidos do proletariado. Reajuste mensal dos salários conforme a inflação.
7. Igualdade salarial em todas as atividades, sem discriminação de gênero, de raça, de orientação sexual ou de qualquer tipo. Fim da terceirização do trabalho e incorporação desses trabalhadores sob regime equiparado aos demais trabalhadores de cada ramo de atividade-fim.
8. Ampliação da licença parental para 395 dias. Sendo divididos da seguinte forma: 30 dias pré-parto para parturiente, mais 180 dias pós-parto ou adoção. Para não parturiente 90 dias não transferíveis, sendo 30 dias no imediato pós–parto e 60 dias a serem usados nos primeiros 12 anos da criança. Assim, os 95 dias restantes podem ser compartilhados por ambos no período de dois anos. No caso de adotantes, o mesmo período total de licença será assegurado desde a adoção.
9. Proibição de todas as formas de exploração privada da intermediação de força de trabalho por meio de “plataformas” (como as que exploram os entregadores e motoristas). Unificação de todos esses serviços em uma plataforma única e pública, sob controle dos próprios trabalhadores.
10. Nomeação de um número suficiente de inspetores laborais eleitos pelos trabalhadores para todos os ramos da economia, inclusive nas empresas públicas e relativamente ao trabalho doméstico assalariado, a fim de fiscalizar e assegurar o cumprimento da legislação trabalhista. Instituição da responsabilidade penal dos empregadores, em caso de violação da legislação de proteção ao trabalho ou do recolhimento previdenciário em caso de violação da legislação de proteção ao trabalho ou do recolhimento previdenciário.
11. A realização de uma reforma da previdência social em favor da maioria trabalhadora do povo: fim do fator previdenciário; diminuição da idade de aposentadoria (60 anos para homens, 55 para mulheres). Os trabalhadores rurais, da saúde e outros profissionais que desempenham funções que apresentam elevada periculosidade e insalubridade, devem ter o direito à aposentadoria antecipada em 5 anos.
12. Unificação das aposentadorias dos trabalhadores do setor privado e dos servidores públicos, expandido os direitos da maioria dos trabalhadores assegurados (aposentados, afastados e desempregados). Garantia de iguais direitos previdenciários para todas as modalidades de contratação dos assalariados rurais independente do tempo de serviço, mesmo nos contratos por prazo determinado, de curta duração e contratos de safra.
13. O mais amplo direito da classe trabalhadora à organização, à greve, à elaboração de suas exigências frente seus patrões e governos e a mais plena liberdade de atuação política. Nenhum acordo coletivo sindical poderá, em nenhum caso, ser objeto de negociação abaixo dos patamares legais e dos patamares estabelecidos em acordos anteriores. Revogação da Lei de Greve.
D. No interesse do proletariado e de todas as camadas oprimidas do povo, inclusive as camadas de pequenos proprietários pobres (que, sob o capitalismo, têm mais em comum com a classe trabalhadora do que com os grandes capitalistas, e que também vivem exploradas e subordinadas a esses); e a fim de debilitar a dominação da burguesia e suas condições de resistência contra os trabalhadores, exigimos também:
1. A expropriação e nacionalização de todas as terras rurais e urbanas, garantindo o direito de usufruto de suas moradias, lavouras etc. a todos os pequenos proprietários, agricultores familiares e comunidades tradicionais.
2. A demarcação e titulação das terras indígenas, quilombolas e de comunidades de terreiro. O pleno direito à autoafirmação mediante ao recíproco reconhecimento e a autodeterminação dos povos indígenas em seus territórios titulados e soberanos, e o direito de todos os povos a sua identidade cultural e linguística, reconhecida inclusive por meio do direito à educação e à saúde diferenciadas.
3. A abolição de todos os impostos indiretos sobre o consumo popular. Instituição de um imposto único fortemente progressivo sobre os rendimentos, cobrando menos dos mais pobres e mais das rendas, lucros, dividendos, remessas ao exterior, grandes heranças, operações financeiras e ganhos de capital dos grandes capitalistas.
4. A estatização das patentes industriais em geral e farmacêuticas em particular, que impede o amplo acesso aos benefícios do desenvolvimento tecnológico.
5. A anistia das dívidas bancárias de todos os trabalhadores e pequenos proprietários. A anistia das dívidas estudantis para acesso ao ensino superior.
6. A supressão da dívida pública.
7. A construção, reabilitação e destinação funcional de edificações que não cumpram sua função social para moradias, creches, equipamentos educacionais e de saúde, esporte, lazer e cultura, refeitórios e lavanderias estatais e demais serviços públicos, com investimentos públicos e capacitação suficientes às necessidades populares, em todos os bairros.
8. O estabelecimento de uma transição agroecológica para a produção rural e florestal. A limitação da aplicação de agrotóxicos e transgênicos na produção, primando pela proteção à força de trabalho, povos tradicionais e ao meio-ambiente em todos os níveis da atividade produtiva. Planos e ações de adaptação e mitigação às mudanças climáticas.
9. A restrição de todos os privilégios dos altos cargos no Estado, a começar pela limitação de seus vencimentos.
10. Estabelecimento de um órgão legislativo unicameral, com a extinção do Senado.
11. O estabelecimento de eleições periódicas e mandatos revogáveis para todos postos de comando em poderes públicos, inclusive em todos os tribunais, onde os juízes serão eleitos pelo povo.
12. A descriminalização e legalização do aborto garantindo o direito ao acolhimento, ao procedimento seguro e ao acompanhamento adequado, de forma gratuita pelo Estado. Capacitação continuada dos trabalhadores da saúde e promoção de uma campanha permanente de educação popular acerca da efetivação dos direitos sexuais e reprodutivos, inclusive nas escolas. Ampliação do acesso aos métodos contraceptivos e distribuição de absorventes íntimos, com fortalecimento das campanhas de distribuição das escolas aos postos de trabalho, bem como abertura de processos administrativos em caso de constatação de tratamento não-humanizado à vítimas de violência sexual dentro e fora do âmbito da saúde pública.
13. Promover o desencarceramento de toda população carcerária. A descriminalização e legalização de todas as drogas e fim da guerra aos pobres e à população preta (“Guerra às Drogas”). A produção e a distribuição de substâncias psicoativas deve estar sob controle público e o uso problemático deve ser tratado como questão de saúde pública.
14. Abertura do espaço prisional para toda a comunidade e familiares de pessoas presas, o direito de visita deve ser pleno e assegurado. Proibição do ingresso de novos detentos em unidades prisionais sem vagas disponíveis.
15. Reestruturação da segurança pública e da política criminal, bem como do sistema de justiça, em uma perspectiva antipunitivista rumo ao abolicionismo penal.
16. Desmilitarização do aparato de segurança pública, o fim da polícia militar e a completa reestruturação de todo o contingente armado sob controle do Estado, assegurando a mais ampla participação popular na segurança pública, com treinamento e armamento organizado de todo o povo, sob controle comunitário e democrático direto.
17. Expulsão de todas as bases militares de países do centro do capitalismo (bloco União Europeia e Estados Unidos) dos territórios brasileiros. Proibição de treinamento de forças militares estrangeiras em zonas estratégicas do território brasileiro.
18. O direito de livre associação e greve para os praças das Forças Armadas.
19. A revogação da Lei Antiterrorismo, da Lei de Atentado ao Estado Democrático de Direito e extinção da GLO e de toda legislação policial reacionária mobilizada contra a classe trabalhadora e o povo pobre em luta.
20. O fim dos tribunais militares, e julgamento por júri popular de todas as agressões armadas a civis, seja por agentes públicos ou não. Desligamento de todos os militares ligados a atos golpistas envolvidos na ditadura empresarial-militar e proibição de qualquer alusão positiva à ditadura. Revogação da anistia concedida aos militares participantes da ditadura empresarial-militar brasileira. Retirada do privilégio de pensão aos filhos e filhas dos militares de alto escalão.
21. A retomada do programa nuclear brasileiro, tanto para fins de transição energética e ambientais quanto para coibir qualquer tipo de agressão à nossa soberania territorial. A retomada do programa espacial brasileiro, com o fim de retomar a pesquisa aeroespacial e como forma de gerar independência político-militar e comunicacional. Estruturação de um órgão nacional de produção de ciência e tecnologia voltado para a soberania nacional e transição ecológica.
22. A separação absoluta entre as comunidades religiosas e o Estado e entre a escola e as instituições religiosas. Fim de toda transferência de recursos públicos e isenção fiscal para instituições religiosas, em particular relativamente às prisões manicomiais chamadas de “Comunidades Terapêuticas”.
23. Fim de todos os manicômios e da lógica manicomial no sistema público de saúde. Pelo fim das internações compulsórias de pessoas com transtornos mentais.
24. A proibição da exploração privada da saúde e da educação. Por um sistema educacional e um sistema de saúde 100% públicos, gratuitos, universais e geridos democraticamente. Fim dos vestibulares.
25. Anulação e reversão de todas as privatizações, concessões e “parcerias” que transferem recursos públicos para a exploração privada. Nacionalização e controle 100% público de todos os recursos estratégicos (bancos, sistema financeiro, mineração, petróleo, produção e transmissão de energia elétrica, malhas de transporte, portos, aeroportos, transporte urbano, saneamento e comunicação).
26. Estatização e instauração da gratuidade em todo o transporte público (Passe Livre).
27. Confisco e socialização de todos os grandes meios de produção audiovisual, teledifusão e radiodifusão. Controle social sobre a imprensa e todos os meios de comunicação e informação e do complexo cultural. Reestruturação dessas empresas sob controle operário.
28. Organização de empresas públicas, sob controle dos trabalhadores, para exercer atividades econômicas agrícolas, incluindo a produção alimentar nas terras nacionalizadas e o circuito de distribuições através de estoques públicos.
29. Punição de todos os capitalistas e seus agentes (públicos e privados) envolvidos em casos de corrupção, com confisco de todos os bens obtidos através de tais práticas. Fim do segredo de justiça para esses casos e julgamento por júri popular.
30. Além dessas medidas, é preciso iniciar um duro enfrentamento, por parte de todos os organismos populares e públicos, a todas as formas de opressão e discriminação. Enquanto não haja igualdade absoluta no acesso à educação e no mundo do trabalho, defendemos a aplicação de cotas sociais, étnico-raciais, de gênero, para pessoas trans, travestis e PCDs. É preciso coibir toda forma de discriminação racial, de gênero e de sexualidade, por meio de medidas tanto coercitivas quanto pedagógicas. É preciso combater toda a intolerância religiosa: seja a intolerância contra a liberdade religiosa, seja a intolerância que se camufla sob a própria bandeira da “liberdade religiosa”. A plena liberdade privada de culto não significa a liberdade de discriminar e coagir na vida pública. Fica assegurada, assim, toda a diversidade da vida humana, em sua dimensão espiritual, afetiva e de identidade pessoal e coletiva.
E. A maior parte dessas medidas é realizável mesmo dentro dos limites da sociedade capitalista. Em seu conjunto, contudo, apontam necessariamente para a transição rumo a uma nova sociedade sob controle dos trabalhadores, uma sociedade socialista. Por isso mesmo, são exigências capazes de conectar as lutas imediatas e cotidianas à luta revolucionária pela reorganização socialista da sociedade. Não esperamos que qualquer poder burguês aprove mesmo a mais tímida dessas medidas, a menos que esteja sob a pressão ameaçadora do movimento de massas. É por isso que, mesmo nas lutas imediatas, o proletariado não pode baixar suas bandeiras revolucionárias, ou deixar de apontar que apenas uma revolução social pode resolver os profundos dramas da humanidade de maneira abrangente.
1. Não acreditamos que seja possível alcançar o socialismo-comunismo por meio de meras reformas, por meio da mera participação nos parlamentos e governos. Nosso programa só poderá ser realizado pela organização da própria classe trabalhadora em um poder político que supere o poder dos capitalistas, buscando reduzir o quanto possível as condições de uma resistência violenta por parte dos capitalistas e de seus mercenários armados contra as medidas de interesse da ampla maioria do povo trabalhador. Sabemos que essa realidade só será possível quando o proletariado revolucionário conquistar, por um lado, o apoio de uma ampla parcela dos soldados pobres que compõem a base das Forças Armadas; e por outro, conseguirem construir formas independentes de autodefesa e enfrentamento em várias frentes de massa. Sob estas duas táticas, deverá ser construída uma sólida organização militar revolucionária, para defender e avançar na construção da dualidade de poderes e da destruição do Estado Burguês, rumo à edificação do Estado Socialista.
2. Entretanto, mesmo assim, a história de todo o último século (ainda mais nos países de capitalismo dependente) ensina que a burguesia está disposta a todo o tipo de violências e atrocidades para preservar sua dominação. Sem qualquer escrúpulo, a classe dominante atira os soldados contra os trabalhadores; atiça as camadas do povo umas contra as outras por meio de preconceitos; contrata todo tipo de mercenários e está disposta inclusive a se aliar aos exércitos das potências estrangeiras para reprimir a revolução brasileira. Por isso mesmo, não hesitamos em afirmar que toda a classe trabalhadora e o povo em luta devem se preparar para a mais encarniçada das lutas, por todos os meios, legais ou revolucionários, sem nunca perder de vista seu objetivo final: uma sociedade sem classes, livre de todo o tipo de opressão.
3. As medidas elencadas a seguir são, portanto, completamente dependentes do avanço da luta revolucionária. São medidas que só podem ser realizadas por um poder revolucionário, o poder organizado da classe trabalhadora e das massas populares: o Poder Popular, que ao emergir da luta de classes, confronte o poder do Estado burguês e o derrote, tornando-se o único poder e estabeleça a Ditadura do Proletariado. Esse poder só poderá se instalar mediante a derrubada do velho poder. Apenas esse poder poderá realizar todas as medidas de uma transição socialista, deixando o terreno do capitalismo, do domínio irrestrito dos mercados e do dinheiro, rumo a uma sociedade onde o trabalho social seja dividido conscientemente conforme as capacidades de cada pessoa, e em que a cada uma seja dado conforme sua real necessidade, com controle racional da utilização de recursos naturais pelos produtores livremente associados – uma sociedade comunista.
3.1. O Poder Popular é a democracia direta construída na luta pela classe trabalhadora e todas as camadas que constituem a maioria explorada e oprimida do povo, que busca sua libertação na realização de uma nova sociedade, a sociedade comunista. Ultrapassando uma situação de dualidade de poderes, esse contrapoder é o fundamento do Estado Proletário que se estabelecerá. Posto nas mãos das massas, deverá suprimir a propriedade privada dos meios de produção e toda a velha maquinaria burocrática do Estado burguês. A experiência histórica das Revoluções mostram que a forma que toma a dualidade de poderes não pode ser prevista de antemão, mas em geral, mostram que deveremos disputar o programa que orienta o Poder Popular a despeito de horizontes inicialmente mais limitados ou reformistas que possam ter.
3.2. Confisco e nacionalização de todas as instituições financeiras e grandes meios de produção, sob controle dos trabalhadores e sob uma planificação comum. A partir da base estatal, estruturar uma nova política industrial e tecnológica com o objetivo de modernizar e ampliar o parque industrial brasileiro e reorganizar a produção para uma transição energética, dando atenção também à reorganização da malha logística nacional.
3.3. Monopólio estatal do comércio exterior e controle cambial.
3.4. A garantia do direito e do dever ao trabalho para todos os adultos até a idade de aposentadoria.
3.5. Oferecimento de condições econômicas favoráveis aos pequenos proprietários (camponeses, pequenos comerciantes, trabalhadores autônomos etc.) para que transitem gradualmente para formas associadas de participação na divisão social do trabalho.
3.6. A garantia do direito à educação omnilateral e politécnica à criança, jovens e àqueles adultos que não tiveram acesso à educação formal, garantindo o direito ao ensino de todas as línguas oficiais reconhecidas no Brasil.
4. Nos nossos esforços para atingir nossos objetivos, apoiamos todos os movimentos proletários e populares em oposição à grande burguesia e à ordem política e social vigente no Brasil e, ao mesmo tempo, rejeitamos resolutamente, em nome dos objetivos imediatos da luta, qualquer renúncia à agitação e propaganda permanente da revolução proletária, de um programa comunista.
5. Nas lutas parciais, o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário intervém sustentando um programa comunista que expressa a independência política do proletariado e os objetivos revolucionários socialistas que dela decorrem. Cada luta por uma desapropriação urbana ou rural é um embrião da luta pela nacionalização de todas as terras brasileiras; cada luta contra a exploração mercantil de um ramo da atividade humana em particular é um embrião da luta pela completa reorganização socialista das relações de produção e trabalho.
6. Da nossa parte, estamos firmemente convencidos de que a realização completa, consistente e duradoura das transformações políticas e sociais mencionadas acima é atingível somente através da revolução socialista; da consolidação da Ditadura do Proletariado.
Resoluções de Estratégia e Táticas
Sobre o imperialismo contemporâneo
§1 A acumulação capitalista em sua fase imperialista mantém ainda hoje os elementos centrais observados no final do século XIX, porém em uma dinâmica mais acelerada e destrutiva, com a predominância do capital financeiro (fusão entre o capital industrial e o capital bancário) e do seu caráter parasitário. Lênin observou nesse período que as crises econômicas, produzindo uma crescente centralização e concentração de capitais, lançaram as bases para uma transição do capitalismo de um estágio da "livre concorrência" nacional para um estágio de concorrência monopolista internacional.
§2 Nos períodos de crise, se acirra na sociedade burguesa o militarismo, seja porque a indústria bélica se torna uma tábua de salvação, seja para destruir capitais e aniquilar a superpopulação relativa em massa. O imperialismo eleva ao máximo essa tendência. A busca de alternativas lucrativas para esses capitais nacionais acumulados conduz ao seu deslocamento para outros países com possibilidades de investimento. Esses movimentos estiveram e estão ligados a disputas por áreas de influência para valorização do capital. Dessa forma, a transição da fase concorrencial para a fase monopolista do capitalismo possui uma conexão direta com a tendência ao acirramento das disputas territoriais bélicas entre as principais potências econômicas do globo, que já levou a duas grandes guerras mundiais e a diversos massacres em locais de disputa por influência, e hoje cria condições para o desenvolvimento de uma terceira guerra mundial.
§3 Desde a Segunda Guerra Mundial, em oposição ao bloco dos países socialistas, toda a cadeia imperialista global conformou-se em uma pirâmide relativamente estável, com os EUA no topo, seguidos pelas potências europeias e pelos seus sócios menores subimperialistas, e por fim por uma série de países dependentes e semicoloniais na base dessa pirâmide. Apesar disso, a liberalização e a desregulamentação financeira, que passaram a predominar a partir da década de 70, aprofundaram as contradições capitalistas. A extrema mobilidade dos fluxos de capitais de aplicação e a imensa flexibilidade nas operações de investimento no capital produtivo, aliados ao vigoroso avanço nas tecnologias da informação e comunicação e transporte, integraram, difundiram e intensificaram a exploração da classe proletária em nível planetário.
§4 Contudo, diferente daquilo que um conjunto de ideólogos burgueses propagam, o predomínio do capital financeiro não prescinde do trabalho assalariado e explorado para sua valorização. Defrontado com seus limites históricos, o modo de produção capitalista atravessou a partir de 2008 uma profunda crise cujas consequências até hoje se fazem sentir em todo o mundo. Por isso, a partir dessa crise, em uma ofensiva das burguesias para salvaguardar seus interesses, avança em todo o planeta uma agenda de desmantelamento dos direitos trabalhistas e previdenciários, de privatização dos patrimônios e serviços públicos e de militarização e fascistização da política burguesa. Também é por isso que se acirram cada vez mais as contradições entre as potências imperialistas, como podemos verificar desde o episódio do chamado “Brexit” (a saída da Inglaterra da União Europeia) até a guerra interimperialista na Ucrânia, passando pelo chauvinismo estadunidense à moda de Donald Trump – uma expressão e uma resposta ideológicas à progressiva crise da hegemonia estadunidense. Assim, as disputas interimperialistas entre blocos capitalistas continuam exercendo sua força destruidora.
§5 Por isso mesmo, em nossa época, são tão raros os casos das lutas de libertação nacional que possam atingir seus objetivos sem se colocarem tarefas revolucionárias socialistas. O caso da luta do povo palestino contra o apartheid colonial e o genocídio perpetrados por Israel é bastante instrutivo nesse aspecto: enquanto a Autoridade Palestina, apoiada pela burguesia árabe, busca a reconciliação com o imperialismo sionista por meio da chamada “solução de dois Estados”; é apenas o proletariado palestino que, unido à maioria pobre e oprimida do povo trabalhador, está disposto a lutar até o fim pela derrubada do imperialismo e por uma Palestina livre do rio ao mar – e conseguirá ir tão mais longe em seus objetivos quanto mais consiga aliar-se à classe trabalhadora de todos os territórios vizinhos, em uma luta pela expropriação da burguesia monopolista israelense e árabe de toda a região. Inclusive a exportação de tecnologias militares e de vigilância pelo Estado de Israel colabora para a subjugação do proletariado internacional.
§6 Outro povo que luta pela sua libertação nacional é a República Árabe Saaraui Democrática (RASD), no Saara Ocidental, que ao longo do século XX esteve sob domínio espanhol, marroquino e em um curto período de tempo sob ocupação da Mauritânia. As ações do reino de Marrocos são expressões claras de uma dominação imperialista.
§7 Faz-se necessário retomar a rigorosa compreensão leninista do que significa o estágio imperialista do modo de produção capitalista, sob o risco de incorrermos nas concepções predominantes na "esquerda" – concepções carregadas de positivismo e liberalismo, que se baseiam não em análises classistas, mas em visões nacionalistas e progressistas abstratas. Um exemplo disso é a visão que considera como "anti-imperialistas" as alianças capitalistas entre países imperialistas e subimperialistas, como os BRICS, cujo fundamento é tão somente a coalizão de burguesias e Estados a fim de, em conjunto, obterem melhores condições de disputa no mercado mundial. É um grave erro acreditar que apenas o bloco da OTAN deva ser caracterizado como imperialista (resultado de uma errônea compreensão do imperialismo como um fenômeno puramente político-militar, ignorando sua dimensão econômica à escala planetária) e desconsiderar as grandes mudanças que se deram na correlação de forças econômicas e militares mundiais, com a intensificação das contradições ao longo da cadeia imperialista, a desagregação da influência estadunidense, vertiginoso avanço do capitalismo na China e o papel econômico-militar que a burguesia russa tem cumprido regionalmente.
§8 O surgimento e a recente ampliação dos BRICS é parte do processo de acumulação capitalista nesses países e decorre da necessidade de exportação de capitais excedentes, a fim de extraírem massas de mais-valor em outras partes do mundo. Esse bloco foi criado para potencializar o papel econômico e geopolítico no nível global das suas classes dominantes, não para promover um “desenvolvimento mais equitativo”, como apontam seus documentos. A exportação de capitais feita à margem da dominação estadunidense não oferece nenhuma solução para os problemas da classe trabalhadora em nenhum dos países do BRICS, apenas possibilita que o fluxo de mais-valor saia para outro polo da cadeia imperialista global.
§9 O declínio da hegemonia imperialista estadunidense, uma das maiores e mais mortíferas máquinas econômicas, militares e intervencionistas das últimas décadas, é visível nas derrotas de suas intervenções na Síria, Afeganistão, Geórgia e, ao que tudo indica, na Ucrânia. Economicamente, a China tem ampliado suas áreas de influência direta, bem como sua intervenção financeira global. A proposta de substituir o dólar como moeda de câmbio entre os países dos BRICS, se for efetivada, será outra grande derrota para a burguesia estadunidense. Contudo, isso não significa necessariamente ganhos para a classe trabalhadora dos países considerados “emergentes”, nem mesmo qualquer enfraquecimento da dominação mundial das burguesias monopolistas. A tendência principal que decorre disso é apenas esta, já perceptível, do aumento das disputas pela apropriação do mais-valor produzido ao longo da cadeia imperialista global e a intensificação da concorrência intercapitalista. As burguesias dos diversos países não terão nada a oferecer além de maior exploração, repressão, militarismo, chauvinismo e obscurantismo e o fortalecimento das alianças com a aristocracia operária, a fim de espoliar outros povos, dividir com preconceitos de todos os tipos o proletariado internacional e frear a ascensão de um polo revolucionário.
§10 O “multipolarismo” defendido por setores sociais-democratas e sociais-liberais como horizonte estratégico atualiza e recupera, em nível internacional, a reformista estratégia nacional-democrática defendida pelo Partido Comunista Brasileiro até 2005. A aliança para alcançar “o desenvolvimento econômico” deixa de restringir-se à burguesia nacional brasileira (cujo suposto caráter progressista, nacionalista e anti-imperialista não se confirmou em absolutamente nenhum momento de nossa história moderna) e expande-se para a burguesia internacional dos BRICS. Com isso, a independência da classe operária se dissipa no apoio a um dos blocos capitalistas rivais e some do horizonte a revolução socialista.
§11 Da mesma forma que no século passado a concorrência internacional dos capitais monopolistas teve como culminância a Primeira Guerra Mundial, hoje essa disputa potencializa os conflitos interimperialistas do futuro. Assim, acreditamos que a Guerra da Ucrânia indica uma tendência de acirramento das tensões entre o bloco EUA-UE-Japão e o bloco Rússia-China, que pode tornar-se um futuro conflito militar de proporções mais significativas. Diante da possibilidade de uma futura guerra mundial interimperialista, o Partido não pode vacilar: erguemos a bandeira da transformação da guerra capitalista entre os povos em guerra civil revolucionária do proletariado de cada país contra sua própria burguesia, no rumo de uma revolução proletária internacional que possa, enterrando o modo de produção capitalista em seu estágio imperialista, realizar um mundo de paz e solidariedade entre os trabalhadores e as trabalhadoras de todo o mundo.
Sobre a América Latina
§12 A América Latina é uma das regiões em que mais claramente podemos ver o funcionamento orgânico da cadeia imperialista global, no sentido de que os países do continente possuem um desenvolvimento histórico de colonialismo e dependência que produziram uma burguesia dependente e subordinada às potências imperialistas.
§13 Na América Latina, há diferentes formas de organização do capitalismo. Temos desde formações sociais absolutamente dependentes econômica e politicamente das potências imperialistas, como o Panamá (que não possui nem sequer moeda própria) e Porto Rico (um território-colônia dos EUA), até países de posições intermediárias na cadeia imperialista, como o Brasil e o México. Além disso, temos a presença de Cuba, único país socialista do continente, mas que sofre com reformas de mercado, como tentativa de se adequar minimamente à hegemonia global para respirar economicamente.
§14 O declínio da hegemonia dos Estados Unidos no mundo é um fato comprovado por várias análises. Contudo, esse declínio não pode ser visto como uniforme globalmente, considerando que o imperialismo estadunidense vem se fortalecendo na América Latina e os Estados Unidos continua sendo a superpotência da cadeia imperialista global, contado com mais de 700 bases militares no mundo, controle da OTAN, maior aparelho de espionagem do mundo (CIA, NSA etc.), um aparato ideológico de alcance global, controle da moeda hegemônica, domínio de órgãos como FMI, Banco Mundial, Bird etc. Não podemos subestimar o papel dos Estados Unidos no mundo e sua função de ponta de lança da contrarrevolução no plano internacional.
§15 A América Latina desde o final do século XX tem, na maioria dos países, ciclos de alternância de forças abertamente burguesas e forças de conciliação de classes em seus governos. Essa dinâmica, amparada pela histórica ingerência militar e política do imperialismo na região, foi a base para a disseminação de ilusões sobre o desenvolvimento de uma política burguesa independente do imperialismo que pudesse supostamente “desenvolver o capitalismo” na região. Diversos Partidos Comunistas sofreram por causa de sua colaboração com as forças gestoras do capitalismo (à direita ou à esquerda) e auxiliaram no desarme ideológico do proletariado na região. Outros, que sustentaram com duros esforços a independência política do proletariado, como o Partido Comunista da Venezuela, estão passando por um processo de perseguição operado pelo mesmo governo que outros PCs chamam de “progressista”, mas que hoje, além de reprimir o movimento dos trabalhadores, busca a reconciliação com a burguesia nacional e internacional.
Sobre nossa posição no Movimento Comunista Internacional
§15 O Partido buscará a participação no Encontro Internacional de Partidos Comunistas e Operários (EIPCO), com foco na construção e no fortalecimento de um bloco revolucionário marxista-leninista em seu interior. Isso implica uma coordenação de ações e diálogos bilaterais e multilaterais, mesmo fora das instâncias do EIPCO, com os demais Partidos Comunistas e Operários revolucionários, como o Partido Comunista da Grécia (KKE), o Partido Comunista da Turquia (TKP), o Partido Comunista do México (PCM), o Partido Comunista dos Trabalhadores da Espanha (PCTE), o Partido Comunista da Venezuela (PCV), o Partido Comunista Argentino (PCA) e demais integrantes da Ação Comunista Europeia (ACE), entre outros.
§16 Teremos como uma prioridade no próximo período estreitar relações com o movimento comunista na América Latina e África, buscando aprofundar o estudo da realidade desses continentes e suas organizações políticas comunistas, visando fortalecer o campo revolucionário e marxista-leninista nessas regiões periféricas.
§17 O Partido buscará a participação na Revista Comunista Internacional (RCI), tanto contribuindo com materiais quanto em seu Conselho Editorial. Também publicará as edições da RCI em português, impressas, em ebook e audiobook.
§18 O Partido buscará a organização de um fórum permanente de organizações e partidos revolucionários de todo o continente americano. Esse fórum deverá organizar não apenas discussões, mas a articulação da luta revolucionária do proletariado em nosso continente.
§19 O Partido entende como legítima, necessária e produtiva a discussão internacional organizada a fim de avançar na unidade e no desenvolvimento ideológicos das organizações revolucionárias marxistas-leninistas e de superar os desvios economicistas, etapistas, oportunistas, revisionistas, reboquistas e reformistas que ainda existem no Movimento Comunista Internacional (MCI), assim como qualquer manifestação de nacional-chauvinismo, racismo, machismo, misoginia, LGBTI+fobia e capacitismo.
§20 Mesmo com tais posições, entendemos os limites das organizações atuais de articulação internacional no MCI e declaramos abertamente que devemos avançar para a organização de uma nova Internacional Comunista com a ala esquerda do MCI, buscando entender os limites atuais de uma iniciativa de tal tamanho e sem buscar construir uma cópia da IC do início do século passado. Tal trabalho deverá ser iniciado por meio da articulação e ação conjunta com os partidos e organizações comunistas da ala esquerda no continente americano.
§21 O PCBR, através de sua juventude, a UJC, deverá participar da FMJD buscando construir pontes com as juventudes comunistas, buscando criar um alinhamento com as juventudes do Bloco Revolucionário do MCI. Tendo em vista o caráter democrático e anti-imperialista da FMJD, sendo portanto uma organização ampla com juventudes comunistas, reformistas e social-democratas, cabe à UJC cumprir o papel de criar em torno de si um bloco com as juventudes comunistas que tenham uma política revolucionária.
Sobre a China
§22 A República Popular da China é um Estado que se desenvolveu por meio da luta anticolonial e revolucionária, estabelecendo um Estado operário e camponês a partir da Revolução Chinesa de 1949. Essa revolução foi uma grande vitória do proletariado e do campesinato mundiais, marcada pelas contradições do caráter predominante do movimento camponês em relação ao movimento proletário no país.
§23 O caráter socialista da economia chinesa passa a sofrer um recuo a partir da década de 1970 com a implementação de reformas pró-mercado que permitiram o surgimento de novos monopólios privados no país. Essas reformas caminharam na contramão da necessidade histórica de maior socialização e planificação da economia chinesa. As consequências disso são hoje uma classe burguesa desenvolvida na China, com interesses monopolistas e de exportação de capitais para América Latina, Ásia e África, além da integração destes capitais chineses com os capitais de outras nações imperialistas, como os EUA.
§24 É nesse sentido que, apesar do caráter incompleto da restauração capitalista no país e da coexistência desse modo de produção com formas produtivas públicas e estatais, a China hoje ocupa indubitavelmente um lugar destacado na cadeia imperialista global, em disputa contra o bloco EUA-UE, que passou a ser hegemônico no final do século XX e começo do XXI. Se mesmo antes dos anos 70 a República Popular da China deixava muito a desejar em termos de seu internacionalismo proletário, hoje seus interesses estatais internacionais são os da burguesia chinesa, de disputa contra as demais potências imperialistas por matérias-primas, força de trabalho e investimentos em outros países.
§25 Por isso, não temos qualquer ilusão de que a China possa ser vista, em nossa época, como o ponto de apoio para o movimento comunista internacional que a URSS foi um dia. Por outro lado, sem deixar margem a ambiguidades, declaramos que não temos qualquer simpatia pelos movimentos liberais separatistas financiados no país pela burguesia estrangeira, como os de Taiwan, Tibet, Xinjiang e Hong Kong. Não pretendemos ter as respostas para os dilemas que o proletariado chinês tem diante de si. Mas sabemos que nossa luta também é uma luta contra os monopólios capitalistas chineses que exploram o proletariado em uma série de ramos da economia brasileira e mundial.
Sobre Cuba
§26 O PCBR se posiciona em oposição aos embargos impostos pela nação imperialista estadunidense. O Partido se posiciona a favor da luta do povo cubano por sua soberania. Expressamos nossa solidariedade ao povo cubano em relação às dificuldades às quais é submetido e nos posicionamos em defesa de seu processo revolucionário enquanto lutamos pela implementação do socialismo no Brasil.
Sobre a Estratégia Socialista
§27 O caráter socialista da estratégia da Revolução Brasileira passou a ser adotado pelo PCB a partir de 2005, no seu XIII Congresso, momento no qual avançou a discussão do caráter social-liberal do governo Lula e rompeu-se com as ilusões acerca de uma pretensa aliança com a “burguesia nacional”. Nos anos subsequentes, o PCB foi buscando formas de expressar a autocrítica à estratégia democrática e nacional, que foi assumida pelo Partido durante a maior parte de sua história. Também assim, é importante notar que nos últimos anos, no interior do Partido, e a partir dessas ponderações, houve a tentativa de se estabelecer um viés crítico à estratégia democrático-popular que cresceu não só na América Latina, e que constitui em uma grande política de conciliação de classes perniciosa à classe trabalhadora, com muita expressão nos governos do PT no Brasil e na ascensão de movimentos reformistas. No entanto, as críticas a essa estratégia, assim como a autocrítica quanto a estratégia anterior, não se baseavam em uma retomada do marxismo-leninismo, com um estudo das principais formulações que já havia em nível internacional entre os PCs; ao contrário, suas expressões mais disseminadas partiam de visões acadêmicas sobre o processo de elaboração da linha estratégica partidária. Essa origem acadêmica, com os caráteres de classe que ela traz, ajudam a explicar por que a linha política sofreu várias vacilações, com reproduções da estratégia democrático-popular tanto nas mediações táticas, expressa no reboquismo eleitoral e sindical, por exemplo, como nas alianças nacionais e internacionais. Assim, a “estratégia socialista” vinha tornando-se uma declaração de intenções e o partido era carregado por um taticismo pragmático e pelas urgências conjunturais.
§28 A estratégia socialista parte da análise da condição do capitalismo no Brasil e internacionalmente e das relações sociais forjadas em um país colonizado, estruturado por um processo de escravização dos povos africanos e dizimação dos povos originários. A burguesia brasileira em um país com predomínio do padrão agrário-exportador, no qual as antigas oligarquias rurais e comerciais estavam totalmente interligadas às burguesias internacionais. Apesar da burguesia ter apresentado algumas divergências com as antigas oligarquias durante a consolidação do capitalismo em nível nacional, o que predominou foi um compromisso e complementaridade entre os interesses econômicos burgueses e das antigas classes dominantes, selado com base nos recursos advindos da agricultura de exportação direcionados ao desenvolvimento industrial brasileiro. A ditadura do Estado Novo expressou a consolidação da burguesia no poder, sua posição subalterna internacionalmente e a renúncia dessa classe a qualquer alternativa revolucionária.
§29 Apesar do processo tardio da industrialização brasileira em relação aos principais países da cadeia imperialista, seu processo de monopolização a partir da segunda metade do século XX e principalmente a partir da ditadura empresarial-militar, levou o país a integrar o conjunto de países imperialistas, mesmo numa condição secundária, entre as nações hegemônicas mundialmente. Esse caráter intermediário dentro da cadeia imperialista expressa a transnacionalização de empresas com origem brasileira, que passaram a explorar e expropriar o proletariado internacional desde a década de 1970, principalmente em países da América Latina, África e Ásia, bem como as relações estatais em nível nacional e internacional, a fim de favorecer esse setor monopolista. Os vultosos investimentos do BNDES nessas empresas, a criação de acordos comerciais expansionistas como a UNASUL e os BRICS e a utilização de pesquisas públicas para subsidiar e dar suporte às multinacionais são exemplos do papel do Estado brasileiro como parte essencial dessa posição subimperialista.
§30 Com o avanço industrial e tecnológico, o campo também foi mecanizado durante a dita “revolução verde” (a partir das décadas de 1960 e 1970) aprofundando a dependência tecnológica brasileira em relação à cadeia de negócio de países imperialistas. A aliança entre burguesia e latifundiários manteve a antiga posse de terras sem grandes mudanças. Uma reforma agrária, com uma real distribuição de terras, nunca foi realizada nacionalmente. As antigas oligarquias tornaram-se a atual burguesia agrária, com todos seus traços autocráticos e reacionários.
Sobre a Frente Anticapitalista e Anti-Imperialista e a tática de alianças do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário
§31 Em seu XIV Congresso, o Partido Comunista Brasileiro definiu como tarefa estratégica a “construção da Frente Anticapitalista e Antiimperialista”, entendida como um “polo político socialista de massas”, “no campo da esquerda orientada ao socialismo, com a ruptura do capitalismo e não com reformas”. (A estratégia e a tática da revolução socialista no Brasil, parágrafo 92.) Em seu XVI Congresso, o PCB aponta “para a necessidade de constituição de uma frente política de caráter permanente, organizada em torno de um programa capaz de dar unidade às lutas anticapitalistas e de oposição às manifestações do imperialismo no Brasil e no mundo”, e frisa que tal Frente “não pode ser confundida com uma frente eleitoral”. (Programa de Lutas para implementação da estratégia socialista no Brasil, parágrafos 95 e 96.)
§32 No entanto, as resoluções do PCB nunca definiram precisamente a postura do Partido frente às diversas organizações autoproclamadas socialistas existentes em nosso país, consideradas à luz de suas concepções e práticas e em seu desenvolvimento histórico. Ao mesmo tempo, temendo incorrer na autoproclamação sectária, as resoluções se omitem a definir com exatidão o papel hegemônico do Partido Comunista na conformação desta Frente. O resultado disso foi uma interpretação casuística e reboquista da Frente Anticapitalista e Anti-Imperialista.
§33 Após o impeachment de 2016, com o fim da frente de oposição de esquerda na qual o PCB acreditava ver o embrião dessa Frente Anticapitalista e Anti-Imperialista, o Partido secundariza cada vez mais esse seu objetivo estratégico. Não contestamos a necessidade da tática da Frente Única Proletária pelas bases para as lutas defensivas do período entre 2016 e 2022. Mas é evidente que o PCB não soube concatenar seu recuo tático com a necessidade de diferenciar e demarcar a política do proletariado revolucionário em relação ao democratismo abstrato da pequena burguesia reformista.
§34 Concorreram para isso fatores externos: por um lado, a deriva de uma série de “aliados socialistas” cada vez mais em direção ao reformismo; por outro lado o receio em incorrer em desvios esquerdistas, como aqueles cometidos pelo PSTU no processo do impeachment. Nesse quadro, florescem uma série dos desvios de direita em matéria de alianças políticas.
§35 Aliando-se eleitoralmente ao PSOL a partir de 2016 em nome da suposta construção dessa Frente Anticapitalista e Anti-Imperialista, o PCB furtou-se a um balanço rigoroso do desenvolvimento histórico desta organização e à delimitação do caráter de classe pequeno-burguês de sua política. A existência de tendências proletárias e revolucionárias em um partido reformista de massas não impediu o gradual fortalecimento da ala direita partidária e a crescente reconciliação do PSOL com o social-liberalismo petista. Conforme a ala reformista do PSOL se reconfigurou e fortaleceu, o PCB optou pela aliança prioritária com essa ala em detrimento das correntes à esquerda no PSOL. Assim, distanciou-se ainda mais de sua estratégia anticapitalista e anti-imperialista. As cisões à esquerda que ocorrem nesse partido (como no caso da antiga Esquerda Marxista, hoje Organização Comunista Internacionalista, e da Corrente Socialista dos Trabalhadores) indicam que resta cada vez menos ilusão sobre as potencialidades do PSOL como parte de um “campo da esquerda orientada ao socialismo, com a ruptura do capitalismo e não com reformas”.
§36 Quanto às demais organizações proletárias e revolucionárias de fora do PSOL, o PCB manteve uma política de distanciamento tanto em relação a todas as organizações não-legalizadas quanto em relação ao PCR/UP e ao PSTU. No entanto, o Partido nunca sustentou abertamente quais as profundas divergências que justificassem esse distanciamento. É evidente que elas existem, ou então sequer existiria a divisão entre todos esses partidos. Também deve ser evidente que, quando falamos em uma Frente, estamos tratando do esforço de construção da unidade de ação entre distintas organizações partidárias, naquilo que as une, a despeito de toda a profundidade de suas divergências ideológicas.
§37 Quando nos referimos ao papel hegemônico que devemos desempenhar na conformação dessa Frente, não se trata de uma afirmação arrogante de superioridade, mas da afirmação de nossa disposição para, na luta, constituirmos o setor mais disposto e mais preocupado com a construção dessa unidade de ação das forças socialistas revolucionárias do proletariado brasileiro. Essa disposição, evidentemente, não se reflete apenas em nossas tentativas de articulação com outras organizações, mas na nossa própria prática independente. Devemos tomar em nossas mãos a defesa da hegemonia política do proletariado e o combate ideológico ao “antifascismo” etapista, expresso nas políticas de Frente Popular, que dissolvem os interesses econômicos particulares no proletariado no interior da política democrática da pequena burguesia.
§38 No entanto, não concebemos a Frente Anticapitalista e Anti-Imperialista apenas como uma frente de partidos e organizações políticas: é preciso unificar na luta socialista revolucionária todos os movimentos operários e populares que se chocam contra o Estado capitalista e a dominação burguesa no campo e na cidade.
§39 Ao mesmo tempo em que priorizamos a unidade de ação com as forças anticapitalistas do proletariado, não descartamos em absoluto a possibilidade de compromissos pontuais com forças políticas reformistas proletárias ou pequeno-burguesas, em especial nas lutas econômicas e de resistência, conquanto esses compromissos não limitem nossa liberdade de crítica nem nossa independência política. Qualquer aliança deve ser formulada pelo organismo partidário que a proponha à luz de sua coerência, como manobra tática, com nossa perspectiva estratégica. Para superarmos o “frentismo errático” federalista que caracterizava o PCB, precisamos compreender e justificar não só para os membros da nossa organização, mas para toda a classe trabalhadora, de modo sistemático e integral nossas alianças e nossa inserção em frentes de unidade de ação.
§40 É preciso também compreender a desigualdade da luta de classes em todo o território nacional, em especial à luz da distinção entre o campo e a cidade. Nas grandes cidades, é preciso buscar a mais nítida demarcação entre a política revolucionária do proletariado e as políticas reformistas que o confundem. Nas regiões onde prevalecem dinâmicas agrárias baseadas na pequena produção, contudo, é permissível o apoio do proletariado revolucionário às frações mais avançadas do movimento camponês e possíveis unidades táticas com os partidos nos quais elas se expressem a despeito dos limites políticos dessas frações – sem deixar de lado, aqui também, nossa crítica a tais limites.
§41 É tarefa do Comitê Central, no próximo período, organizar o desenvolvimento de um estudo científico detalhado sobre as principais organizações políticas e movimentos populares brasileiros, seus programas, suas estratégias e táticas. Essa análise deve ser a base para uma atuação tática ainda mais consequente e precisa do Partido frente às movimentações da conjuntura, mas principalmente uma visão estratégica das organizações no sentido da composição da Frente Anticapitalista e Anti-imperialista.
Sobre o Poder Popular
§42 Compreendemos o Poder Popular como a materialização da hegemonia do proletariado em seu processo de luta rumo à sua constituição como classe dominante. É, portanto, o pilar fundamental da construção da ditadura do proletariado, surgido do seio das lutas dos explorados e oprimidos em confrontação com o poder burguês. A sua constituição, assentada nos instrumentos de luta da classe trabalhadora organizada, é a expressão da dualidade de poderes e se apoia diretamente na ofensiva revolucionária pela construção do socialismo-comunismo.
§43 O Poder Popular não pode ser entendido como qualquer expressão das lutas entre as classes, nem como qualquer forma de participação popular na estrutura do Estado burguês. É a forma de poder das massas para exercer a coerção necessária à ruptura revolucionária e instaurar a ditadura do proletariado. Ele surge no momento em que a classe trabalhadora, tendo construído formas superiores de organização da classe, pode exercer o seu próprio poder por seus próprios meios, deliberando e executando sua política conforme o seu interesse, em inafastável oposição ao poder político burguês.
§44 A construção do Poder Popular, assim, é nada mais do que a construção de um poder paralelo e em oposição ao poder do Estado burguês. Os traços fundamentais desse tipo de poder são: 1. a fonte do poder está na iniciativa direta das massas populares partindo de baixo, e não em leis previamente discutidas e aprovadas por um parlamento; 2. a substituição da polícia e das forças armadas, como instituições separadas do povo e opostas ao povo, pelo armamento direto de todo o povo, de modo que a ordem pública seja mantida pelos próprios trabalhadores; 3. o funcionalismo e a burocracia estatal, são substituídos pelo poder imediato do próprio povo, e transformam-se em pessoas elegíveis e exoneráveis à primeira exigência do povo, reduzindo-se à situação de simples representantes; transformam-se, de camada privilegiada, com remuneração elevada, em operários cuja remuneração não exceda o salário médio de um operário qualificado.
Sobre a atitude frente aos governos burgueses de conciliação de classes
§45 A posição do PCBR frente aos governos burgueses de conciliação de classes (que se escamoteiam sob discursos progressistas e fomentam em meio à classe trabalhadora a crença na democracia burguesa e ilusão na possibilidade da realização por meio exclusivamente dela das lutas pela elevação de suas condições de vida) é uma oposição por princípio político estratégico. Os comunistas não devem apoiar nenhuma expressão da gestão do capitalismo em seus países, porque nossa tarefa é a organização da classe trabalhadora para a derrubada da burguesia e do seu Estado e a instauração da ditadura do proletariado.
§46 A construção de uma oposição de esquerda só pode se dar com a firme ação dos comunistas, visando à criação das condições de unidade de ação, junto a forças políticas anticapitalistas e anti-imperialistas, para a disputa das massas do movimento proletário e popular e a formulação de uma frente nacional de lutas de enfrentamento à extrema-direita e às políticas que atentem diretamente contra a classe trabalhadora advindas de governos de conciliação de classes. Evidentemente, isso significa também levarmos em conta a necessidade de, na eventualidade de uma aventura golpista da extrema-direita, nos dispormos a uma política defensiva de Frente Única Proletária, com a condição de não diluirmos a política independente e socialista do proletariado e suas reivindicações econômicas particulares no interior do democratismo frenteamplista da pequena burguesia.
§47 A apresentação do nosso Programa Socialista para a Revolução Brasileira deve ser feita de forma planejada e com clareza de objetivos no movimento de massas enquanto se desmascaram, na prática cotidiana e entre os diversos setores da classe trabalhadora que se forjam nas lutas, as lideranças sindicais e populares que, em nome da governabilidade burguesa, esvaziam os instrumentos de luta classista e de conquista de independência política da classe trabalhadora.
Sobre a extrema direita e golpismo militar
§48 Nos momentos de crise do capitalismo, a burguesia ajusta suas táticas de luta contra o proletariado, ora reforçando suas medidas coercitivas, momento em que se consolidam as expressões políticas mais reacionárias da burguesia como a formação de grupos paramilitares, com a função de ser a “tropa de choque” de novos ataques à classe trabalhadora, do ponto de vista econômico, político e ideológico; ora por coesão, estimulando a eleição, apoiando e pressionando governos de conciliação de classes ainda mais rebaixados.
§49 A extrema-direita ligou-se, no mundo, de maneira geral, e particularmente na América Latina, às forças militares e policiais, com a finalidade de usar da violência de Estado para dar consequência a suas necessidades políticas e econômicas. No Brasil, em especial, os militares desempenharam historicamente a função de reserva de forças da oligarquia e da burguesia nacional e internacional para interferir na situação política sempre que estivessem minimamente ameaçados os interesses das classes dominantes. Essas movimentações foram sempre acompanhadas e estimuladas, em nosso país, por intervenção direta e indireta dos EUA, como parte de sua política externa interventora.
§50 O principal exemplo da função desempenhada pelos militares no Brasil foi o golpe de 1964. A partir da ditadura brasileira, a presença de militares desempenhando postos de grande relevância nos governos, incentivando e garantindo interesses corporativos e de classe, foi marca de todos os governos, mesmo a partir da “redemocratização” nos anos 1980. A ameaça golpista segue sendo a arma ideológica e política para garantir freios às reivindicações econômicas e políticas da classe trabalhadora em luta.
§51 O governo Bolsonaro-Mourão, por sua associação direta ao “Partido Fardado” e à agenda de fascistização da política burguesa, deve ser explorado para nossa agitação de denúncia e desmoralização das forças repressivas burguesas. Devemos denunciar que a política genocida desse governo diante da pandemia do coronavírus e da crise humanitária do povo yanomami atendia aos interesses não apenas de Bolsonaro, mas da burguesia e de seus serviçais militares. Devemos também demonstrar a conexão existente entre os interesses do generalato e os da burguesia (seja por formação ideológica, seja por meio da corrupção, seja porque diversos comandantes militares são eles próprios empresários).
§52 O Partido compreende que os interesses burgueses expressos pela ação dos militares na história brasileira não podem ser combatidos puramente através de demandas democráticas e constitucionalistas. Diferentemente da crença reformista e liberal de que é preciso remover os militares dos postos-chave do Estado e tratá-los como uma força apolítica, compreendemos que o combate ao “Partido Fardado” só é possível com o fortalecimento de uma política operária, que coloque em questionamento a própria existência das forças militares como uma força política “moderadora” dos interesses do capitalismo no país.
§53 Dessa maneira, torna-se indispensável o trabalho político revolucionário também entre as forças militares, seja das Forças Armadas ou das Polícias, especialmente em suas camadas mais proletárias, os praças. Uma agitação contra a repressão aos trabalhadores, contra os interesses do alto oficialato, contra as restrições à organização independente (sindical e política) e contra os abusos e desmandos dentro dos quartéis deve ser combinada com uma forte propaganda sobre o caráter do Estado, contrastando a denúncia e combate aos policiais e militares alinhados à ordem burguesa com o papel que podem e devem desempenhar os militares em um processo revolucionário, rompendo com estas instituições e cerrando fileiras ao lado do proletariado. Em todos os momentos, o Partido deve reafirmar a necessidade de dissolver toda a estrutura policial-militar existente e de se criar uma nova estrutura de segurança pública sob controle dos trabalhadores.
Sobre o giro operário-popular
§54 A formulação sobre o giro operário-popular previa um planejamento e direcionamento de esforços partidários para a inserção organizada dos comunistas em setores e categorias estratégicas para o processo de produção e circulação de mercadorias do capitalismo brasileiro. Tendo surgido da constatação de uma ainda precária inserção do PCB e dos coletivos partidários no movimento de massas e nos setores estratégicos da classe trabalhadora, ainda muito concentrado em alguns setores sindicais do funcionalismo público, nas categorias da educação e na inserção do movimento de juventude nas universidades públicas, a formulação, a partir de 2017, passou a circular em nossas fileiras, tendo maior destaque no VIII Congresso Nacional da UJC.
§55 A tática de realização de tal giro passaria pela priorização da inserção nas escolas e institutos de formação técnico-profissional, a ser realizada com base no Projeto Piloto de inserção no Ensino Profissional e Técnico (EPT), e do avanço do trabalho entre bairros populares com grande concentração do proletariado ainda não organizado. Assim, deveriam ser elaboradas táticas de aproximação e recrutamento de militantes entre setores da classe trabalhadora que experimentam de forma mais acirrada em seu cotidiano as contradições fundamentais decorrentes do conflito capital-trabalho no Brasil.
§56 A completa ausência de articulação entre os trabalhos da Unidade Classista e da União da Juventude Comunista, que deveria ser operada a partir das instâncias de direção partidária, colocou um empecilho concreto para a construção prática da inserção dos comunistas no EPT. Mesmo em Estados onde havia se dado um processo inicial de avanço em tal setor da educação, principalmente a partir do trabalho entre o movimento de juventude, tal perspectiva ficou travada por debilidades organizativas do Partido e acabou por fazer retroceder outros avanços, ainda que fossem bastante iniciais, também no movimento estudantil secundarista.
§57 Tal giro foi incipiente dentro dos coletivos partidários, a exemplo da falta de diálogo entre a Unidade Classista e o Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro, que em nível nacional tentaram unir esforços com campanhas de sindicalização de trabalhadoras e formações de ações conjuntas pensando a unidade de ação, mas na prática encontraram inúmeros desgastes, sem nenhum aprofundamento dessa tática, causando um afastamento dos trabalhos políticos e dificultando a inserção do Partido em categorias estratégicas para o processo de produção e circulação de mercadorias do capitalismo brasileiro.
§58 Dentre o trabalho no movimento de juventude podemos afirmar que, desde o início do debate sobre o giro operário-popular, vem sendo consolidado um processo relevante de abertura de trabalho político nos bairros dos grandes centros urbanos e em algumas de suas periferias. A despeito de ser incontestável a entrada em um grande número de territórios e bairros populares realizada nos últimos anos, tal expansão vinha se dando à revelia de planejamentos nacionais e estaduais do Partido e da UJC, seja por falta de articulação dos trabalhos ou de formulações de mediações para que se concretizasse. Na maior parte das vezes a expansão de trabalho vinha se dando forma espontânea pelo fluxo de recrutamento advindos das atuações em rede sociais, o que gerava, mesmo onde os processos eram acompanhados por direções intermediárias, atuações sem planejamento para a construção de aparelhos e de um horizonte de atuação numa perspectiva revolucionária.
§59 O aprofundamento do giro operário-popular, com realização de balanços e incorporação de seu debate político-organizativo em planejamentos de médio e longo prazo, deve ser realizado vislumbrando avanços na integração dos trabalhos do Partido no movimento sindical e no movimento popular de maneira centralizada em todo o país.
Sobre o perfil da classe trabalhadora e seus setores estratégicos
§60 Com o advento da colonização, foi imposto, através da violência contra os povos originários deste território e de África, um modo de produção com o tráfico de negros e a exploração dos territórios e recursos indígenas sob um sistema latifundiário-escravista. O comércio de negros escravizados e as plantations foram por séculos a principal forma de acúmulo de capital e fortalecimento do que viria ser a burguesia brasileira, além de dar o status de país com a maior quantidade de negros fora do continente africano, com 56% da sua população se declarando negra.
§61 A composição étnico-racial da classe trabalhadora brasileira é extremamente complexa e heterogênea, resultado de um processo de formação histórico-social que conjugou de forma simultânea e com variedades regionais. Os últimos dados recolhidos sobre a autodeclaração racial brasileira, vemos uma crescente exploração da mão de obra indígena e negra, bem como das categorias de sujeitos sociais “híbridos” (caiçara, caipira etc.) derivados do legado da miscigenação violenta empregada pela dominação colonial. Considerando ainda os últimos dados recolhidos sobre a autodeclaração racial brasileira, vemos um crescente número de pessoas que se autodeclararam como pardas, se tornando o maior número no país.
§62 Esse modo de produção do período colonial, baseado na exploração da mão de obra de negros sob a condição de escravizados, gerou impactos nas relações de trabalho e na formação do proletariado brasileiro. Tal herança se reflete na maioria negra, principalmente de mulheres negras, nas camadas mais exploradas da classe trabalhadora, ocupando os setores precarizados/terceirizados, com menores salários, sem acesso às terras e engrossando o exército industrial de reserva.
§63 A exploração também se impõe de maneira acentuada sobre as proletárias, em função da milenar divisão sexual do trabalho sobre a qual se assenta a sociedade de classes, que faz recair sobre os ombros das mulheres a maior parte das atividades de reprodução e manutenção da vida – inclusive, na maioria das vezes, sem qualquer remuneração, o que também deverá ser superado pela revolução proletária.
§64 Dessa forma, vemos que a herança colonial e patriarcal define a posição que trabalhadores e trabalhadoras brasileiros ocupam no interior da divisão social do trabalho, onde as desigualdades territoriais, raciais e de gênero concorrem na determinação das condições de vida do proletariado, se expressando tanto na dupla ou tripla jornada de trabalho quanto na informalidade e na marginalização, resultando em uma massiva criminalização, encarceramento e genocídio. Para a organização do proletariado brasileiro e a construção da revolução socialista, devemos trabalhar levando em conta que são trabalhadores/as negros os principais afetados pelas condições do capitalismo brasileiro.
§65 Quando afirmamos a existência de “setores estratégicos do proletariado”, nos referimos a outro aspecto dessa desigualdade de inserção econômica: à desigualdade existente entre as condições de organização e influência político-econômica que cada fração distinta do proletariado possui em função de seu próprio posicionamento em setores dinâmicos ou nevrálgicos da economia capitalista, sendo capazes de afetar com suas mobilizações a produção e reprodução capitalista de maneira mais ou menos profunda. Devemos concentrar nossos esforços especialmente na inserção em determinados setores apenas por um motivo: porque na guerra de posições preparatória à ofensiva revolucionária do proletariado, faz-se necessário infiltrar as “fortalezas produtivas” em cujo interior a ação proletária possa influenciar da forma mais decisiva o curso dos eventos. Nesse sentido, elencamos (sem estabelecer nessa lista uma ordem hierárquica):
§66 O setor de transporte (incluído, aqui, o setor rodoviário e ferroviário, o setor portuário e aeroportuário); o setor energético (abrangendo petróleo, gás e derivados); o setor da Tecnologia da Informação, telecomunicações, telemarketing; o setor de saneamento, limpeza, serviços de asseio; a Construção Civil; a saúde; a mineração; os setores dinâmicos da indústria de transformação (papel e celulose, alimentos e bebidas, metalúrgica e química) e o ramo bancário. No campo, devemos centrar nossos maiores esforços na organização do proletariado rural que, em aliança com os pequenos produtores privados do campo (os camponeses pobres), terá a colossal tarefa de expropriar o latifúndio e o agronegócio capitalista brasileiro.
§67 A caracterização de um setor como estratégico não pode se dar pela análise do grau de exploração de uma determinada categoria de trabalhadores. Ele é estabelecido ao verificarmos que nossas atenções devem se voltar a uma camada de trabalhadores por razões estruturais de longo prazo. Isso não nos impede de, eventualmente, em decorrência de razões conjunturais e explosões espontâneas, concentrar esforços na atuação em meio a uma categoria não considerada estratégica.
§68 Assim, definir esses setores como estratégicos significa que nossos planejamentos serão voltados prioritariamente para essas categorias e o trabalho executado compreendendo a necessidade de inserção nelas. Certamente, por meio desse trabalho, outros setores, secundários do ponto de vista estratégico, buscarão o Partido e abrir mão da contribuição à luta e organização desses setores seria uma renúncia às nossas tarefas.
§69 O mesmo vale para o trabalho entre pessoas desempregadas e as classes não-proletárias de trabalhadores (pequenos proprietários pobres rurais e urbanos, autônomos etc.), que no capitalismo contemporâneo se conectam ao proletariado por diversos laços, seja pelos locais comuns de moradia ou pela constante flutuação ocupacional. Da mesma forma, não podemos nos abster de um trabalho clandestino de infiltração em meio às bases mais empobrecidas dos soldados.
Sobre o movimento sindical
§70 O movimento sindical é a principal forma de organização da luta econômica da classe trabalhadora. Os sindicatos são resultado do desenvolvimento do capitalismo e da proletarização do trabalho. Desde a contrarrevolução da URSS e o surgimento do neoliberalismo no início dos anos 1990, o capital desfere uma ofensiva sobre as históricas conquistas políticas da classe trabalhadora. Por outro lado, o processo de desindustrialização da economia avança nos países dependentes. Esse processo político-econômico do imperialismo contemporâneo produz uma degradação nas condições da luta sindical.
§71 O movimento sindical, como forma mais imediata da luta econômica do proletariado, tende à estreiteza corporativa, à burocratização e ao apoliticismo. Em um cenário de capitulação político-organizativa da luta proletária, o movimento tende a divisões sistemáticas, como é o exemplo do esfacelamento da CUT no início dos anos 2000 em outras centrais menores e o crescimento de centrais reacionárias. O atual Fórum das Centrais é o exemplo máximo dessa tendência burocrática e reacionária do movimento sindical no Brasil. Buscam resolver a pulverização da classe trabalhadora através de uma cúpula burocrática, sem uma política clara de unidade da classe trabalhadora. Funcionam como correia de transmissão dos interesses burgueses no seio do proletariado, atuando para impedir que as greves proletárias vão além das demandas profissionais e para limitar as demandas do proletariado aos estreitos quadros econômicos e jurídicos da sociedade burguesa.
§72 A ação dos comunistas no movimento sindical deve ser de construir a política revolucionária e classista, denunciando o oportunismo típico dos chefes sindicais. Os comunistas não podem abandonar a luta sindical: devemos atuar sistematicamente para dirigir politicamente a classe trabalhadora organizada nos diversos sindicatos. Os sindicatos são uma trincheira recuada da luta de classes, funcionam como a primeira escola massiva de luta proletária contra a exploração capitalista. Nesse sentido, o movimento sindical é essencial na articulação entre a vanguarda e a massa trabalhadora.
§73 A tendência de virar as costas ao movimento sindical devido ao predomínio da tendência economicista, reformista e burocrática, buscando substituir os sindicatos unificados por “novas organizações” puras e politizadas, é um desvio esquerdista que afasta os comunistas do trabalho de massas. Obviamente, em períodos de ascensão revolucionária, novas formas surgem no interior do movimento operário e ultrapassam os sindicatos, como comitês de fábricas, comissões, conselhos etc. Isso significa que os comunistas devem atuar de acordo com o estado de ânimo e organização concretos das massas, e de acordo com a real influência nas massas trabalhadoras, nunca se isolando delas.
§74 A tarefa que está posta hoje é a de reorganização do movimento sindical sob uma perspectiva classista e independente, com um programa claro capaz de unir as lutas operárias no Brasil. Esse processo não se dará por cima, a partir das cúpulas e burocracias sindicais. É preciso isolar os chefes sindicais, demonstrando através de um robusto trabalho político de oposição seu caráter contraditório aos interesses da massa trabalhadora e atrair os mais amplos setores do povo trabalhador para a luta de classes.
§75 Precisamos agir conforme o movimento real, tal qual ele se encontra, ou não seremos capazes de criar um trabalho entre as massas. É necessário aliar a luta econômica, própria dos sindicatos, com os métodos revolucionários da luta de massas. Desenvolver o espírito combativo, para que cada demanda por condições salariais e de trabalho, cada arbitrariedade dos patrões, cada injustiça cometida pelo poder estatal burguês se converta em greves, piquetes, protestos etc. Sem a experiência da luta imediata, a classe operária não poderá aprender a construir a sua luta pela emancipação. Devemos sempre unir as necessidades imediatas da classe ao entrave do modo de produção capitalista e a necessidade de superá-lo através da nossa agitação e propaganda.
§76 Recentemente o PCB adotou a tática do Fórum Sindical, Popular e de Juventudes pelos Direitos e Liberdades Democráticas como forma de aglutinar os setores combativos do movimento sindical, popular e de juventude. Essa tática mostrou-se duplamente equivocada: em primeiro lugar, porque colocou a política proletária do Partido a reboque da política sindical; em segundo lugar, porque a tentativa de garantir a amplitude "democrática" desse Fórum atou as mãos do Partido a forças políticas vacilantes e reconciliadoras com o reformismo. Essa tática, inclusive, baseava-se na esperança de crescer no sindicalismo em aliança com forças reformistas, por um lado; e por outro lado, nas necessidades imediatas do ANDES-SN (tomado pelo PCB como estratégico). A tática do Fórum acabou por subordinar a luta política à luta econômica e rebaixar o papel dos comunistas apenas ao horizonte sindical e corporativo.
§77 Anteriormente, o PCB defendeu a construção de um Encontro Nacional da Classe Trabalhadora e dos Movimentos Populares, tática forjada tendo usado como referência o processo de formação da CUT. O frentismo errático do PCB impediu que essa tática fosse implementada, com o Partido frequentemente cultivando a ilusão de que um Encontro como esse poderia ocorrer através de um acordo com os chefes sindicais reformistas ou semi-reformistas, desprezando também os elementos regionais necessários para a construção de uma proposta dessa magnitude. Mais ainda, a indefinição sobre os objetivos do ENCLAT — se era a construção de uma frente política, de uma nova central sindical ou apenas a formação da “unidade possível nas lutas” — desprovia de qualquer seriedade essa proposta frente às bases trabalhadoras.
§78 Não há sindicalismo revolucionário: há comunistas e revolucionários que atuam no movimento sindical. Portanto, a política comunista é sempre a política partidária no seio dos sindicatos. Contudo, o papel dos comunistas no movimento sindical não deve ser a de forçar resoluções favoráveis ao Partido, mas dirigir a luta de forma educativa e combativa. Lutar apresentando sempre as posições revolucionárias, mas respeitando a democracia operária de base e ampliando-a sempre que possível.
§79 Precisamos ter uma intervenção independente, organizada e diretamente ligada ao trabalho partidário, que deve ter na organização por local de trabalho um palco privilegiado. Sabendo que mesmo em situações mais democráticas, os patrões seguem sendo ditadores dos locais de trabalho, devemos planejar rigorosamente a forma de apresentação nestes locais, combinando a apresentação pública de quadros comunistas com o trabalho clandestino de camaradas que, sem identificar-se abertamente como comunistas, vão defender nossas posições partidárias, criando sempre que possível comitês amplos para unificar os diversos setores da classe em determinado sindicato ou local de trabalho. Se necessário, fundar novos sindicatos em setores ainda não organizados ou, ao contrário, atuar pela unificação de sindicatos de categorias historicamente fragmentadas em benefício da exploração capitalista.
§80 Devemos instituir, dentro da luta sindical, um caráter anti-opressões, considerando a inserção e a luta por direitos trabalhistas das mulheres cis e trans, bem como de toda a comunidade LGBTI+ e pessoas racializadas. Os comunistas devem combater as violências de sexualidade e gênero nas estruturas sindicais, implementando medidas de acolhimento para pessoas LGBTI+ e promovendo campanhas específicas de sindicalização em diversos segmentos do trabalho.
§81 Devemos estar sempre dispostos a aplicar, nas lutas sindicais, uma política de frente única proletária, de unidade de ação pelas bases em torno das reivindicações proletárias até mesmo com simpatizantes da política reformista sem que isso signifique rebaixar ou abdicar da posição comunista.
Sobre o movimento de moradia e a questão urbana
§82 Compreendendo moradia para além da propriedade da unidade habitacional, defendemos a luta por moradia adequada, na perspectiva de sua articulação com acesso adequado à saúde, educação, saneamento básico, cultura, lazer e mobilidade urbana, considerando que a moradia adequada deve ser múltipla e relacionada às especificidades culturais de comunidades quilombolas, indígenas, pessoas com deficiência e mobilidade reduzida.
§83 A concentração fundiária no Brasil tem por reflexo o aprofundamento da segregação socioespacial em nosso território e o aumento dramático da população em situação de rua. Nesse sentido, há historicamente um processo que busca inviabilizar o acesso da classe trabalhadora à terra urbanizada, tendo como produto a construção de moradias cada vez mais distantes da malha urbana e, consequentemente, de aparelhos públicos de saúde, educação, lazer, cultura, esporte, etc. A política habitacional do Governo Lula, “Minha Casa, Minha Vida”, instituída em 2009 e retomada no atual governo, configura mais um ciclo de acumulação e circulação de capital via especulação da terra urbana, tendo por fim privilegiar o fundo privado ao reafirmar a moradia enquanto mercadoria. Longe de dirimir o déficit habitacional, conta com a conciliação da financeirização com a especulação imobiliária, sendo a lucratividade um marco para direcionar a atuação do programa.
§84 Da mesma forma, o "Programa Casa Verde e Amarela", do governo liberal-fascista de Bolsonaro, fortaleceu nos últimos anos esse cenário de utilização de um suposto programa habitacional como parte do seu projeto de financeirização da economia brasileira. Pior, aprofundou o cenário de endividamento da classe trabalhadora, oferecendo unidades habitacionais ainda mais precarizadas que o "Minha Casa, Minha Vida".
§85 Devemos articular a luta nos territórios com a atuação em diversas frentes, como cultura, educação, saúde, assistência social e mobilidade urbana, incentivando a organização e mobilização das comunidades e a solidariedade de classe. A luta por moradia também deve incluir o acesso das comunidades marginalizadas ao lazer e à cultura, promovendo atividades nas áreas afastadas e lutando por estratégias que garantam o acesso aos centros urbanos, já que os programas culturais frequentemente se concentram nas áreas centrais, excluindo aqueles que dependem de transporte público e vivem em regiões periféricas.
§86 É preciso reconhecer o protagonismo de mulheres negras, mães e trabalhadoras nas ocupações urbanas e demais frentes de movimentos de luta por moradia. Quanto mais buscarmos compreender a articulação dessas camadas da população nas lutas urbanas, e as implicações das opressões na articulação das formas organizativas da classe trabalhadora, mais qualificada será a nossa possibilidade de intervenção nessa frente de atuação.
§87 É necessário retomar criticamente o legado dos comunistas na luta por moradia e vida digna. O processo de radicalização do movimento por moradia deve perpassar um balanço crítico da atuação do Campo Democrático-Popular tomando enquanto estratégia de ação a luta institucionalizada, o fomento de ações paliativas que não atuam na construção de uma perspectiva revolucionária na luta por moradia e no combate ao privilégio do proprietário privado em contraposição à moradia como direito social.
§88 A luta por moradia deve passar pelo desenvolvimento de estratégias de enfrentamento ao empreendedorismo urbano e, consequentemente, à lógica dos megaeventos que atuam com a implementação de empreendimentos via parceria público-privada e concessões. O legado dos megaeventos se apresenta nas desapropriações e remoções forçadas de inúmeras famílias.
§89 O PCBR tem como tarefa imediata elevar o nível de organização e coordenação de sua intervenção na luta fundiária urbana, em especial nos maiores centros urbanos do país e no aproveitamento geral e nacional das experiências de cada localidade. Nossa agitação e propaganda deve se basear nas bandeiras gerais da luta por moradia, contidas em nosso programa, a fim de fortalecer nossa inserção dentro do movimento comunitário, sabendo que a estruturação do Partido nessa frente é fundamental para garantir a vitória do proletariado sobre o capital que se apropria das terras urbanas.
§90 A inserção na classe trabalhadora a partir das lutas por moradia é extremamente grande, não só por aqueles que compõem a ocupação ou por trabalhadores que acessamos via luta por moradia em seus setores de trabalho. A questão é que não conseguimos aglutinar esses trabalhadores em uma ferramenta que dê possibilidade dessa massa trabalhadora continuar se mobilizando, organizadamente, debatendo e aprofundando suas pautas, em torno de um projeto de sociedade. Desta forma, precisamos criar um espaço de acúmulo e socialização nacional que culmine na construção ou não de um movimento que supra essa demanda, envolvendo a questão do teto, terra e trabalho e entendendo a intersecção dessas questões, e a importância tática de organização da classe trabalhadora, numa ferramenta de massa, enfrentamento, bem como a conquista de territórios para avançar na construção do socialismo também no campo geográfico.
Sobre o movimento cultural
§91 Entendemos que a cultura perpassa as diversas manifestações artísticas, os costumes, as crenças, e até o conjunto de valores comuns de um povo, entre eles a organização e a disciplina. O trabalho dos comunistas, nesse momento, é fornecer os instrumentos para fortalecer a produção cultural independente dos interesses do capital para que possamos aprender com suas dinâmicas, e sermos capazes de instrumentalizar a cultura sem ter que ditar uma produção cultural de cima para baixo, como foi feito em outros momentos da história dos comunistas no Brasil. A inserção na cultura não é uma tarefa simples ou bem delimitada, e representa desafio de grandes proporções para a militância no próximo período.
§92 Precisamos fortalecer a luta dos trabalhadores da cultura; lutar pela profissionalização formal dos artistas, garantindo direitos trabalhistas e remuneração condizente às necessidades de manutenção e reprodução da vida; e construir espaços populares onde a cultura possa ser produzida e reproduzida sem influência do capital. Em decorrência disso, devemos voltar nossos olhares para os artistas militantes que temos em nossas fileiras, a fim de articular a produção artística e inserção em possíveis movimentos relacionados a essa produção, com a formulação e formação política desses militantes, criando as possibilidades de termos quadros políticos e possíveis figuras públicas, difusoras da linha política revolucionária.
Sobre o perfil da juventude e seus movimentos
§93 É difícil precisar, historicamente, uma unidade na análise movimento de juventude considerado como tal. Apesar de termos critérios etários relativamente bem estabelecidos hoje, a própria noção de juventude está ligada ao desenvolvimento do capitalismo e das lutas do proletariado para retardar a inclusão de seus filhos na produção, garantindo-lhes um mínimo da educação formal que já era conferida às classes dominantes e à pequena-burguesia. Ainda no início do século XX, os operários ingressavam no mundo do trabalho muito antes de completarem 18 anos.
§94 A reestruturação produtiva do capitalismo a partir dos anos 1990 multiplicou as experiências de movimentos juvenis para espaços como a intervenção cultural e dinâmicas de jovens trabalhadores de categorias com alta precarização, baixa complexidade e alta rotatividade. Hoje, a maioria dos jovens enfrenta um mercado de trabalho extremamente precário, com baixos salários, falta de garantias trabalhistas, o que desarticula sua possibilidade de atual sindical e a luta econômica direta. Essa dualidade da militância juvenil entre o movimento estudantil e a sua realidade no mundo no trabalho se torna evidente, dado que a maioria dos estudantes brasileiros também são trabalhadores.
§95 Além disso, vemos surgir movimentos bastante recentes de jovens trabalhadores, sobretudo entre os trabalhadores de setores mais precarizados e explorados. Esses setores, como entregadores de aplicativo, trabalhadores do telemarketing, trabalhadores de redes de fast food, corretores de imóveis, vendedores de loja etc., não possuem um histórico consolidado de organização sindical e de lutas econômicas – sobretudo por serem setores novos da produção e circulação de mercadorias. Esses jovens trabalhadores, pela falta de referência nas lutas sindicais, acabam organizando sua militância em torno de lutas territoriais, com vínculos e conexões profundas com seus locais de moradia, e desenvolvendo trabalhos culturais que organizam a juventude em torno do desenvolvimento de uma cultura popular não diretamente vinculada ao mercado cultural e que suprem parcialmente as demandas por entretenimento e vivência comunitária.
§96 Ambos setores têm desempenhado papeis muito importantes na conjuntura brasileira há algumas décadas, mas sobretudo no ciclo que se abre com as Jornadas de Junho de 2013. Não é raro que estudantes e jovens trabalhadores sejam a massa em manifestações de rua, paralisações e bloqueios de vias. Durante a pandemia, por exemplo, foram os setores ligados às torcidas organizadas, em conjunto com movimentos de favelas e movimentos negros, que ajudaram a dar volume às manifestações pela vacinação, contra o genocídio da população negra e contra o governo Bolsonaro-Mourão.
§97 A juventude negra enfrenta não só a precarização do trabalho, mas também o genocídio promovido pelo Estado Burguês disfarçado como "Guerra às Drogas". Esse projeto inclui chacinas, tortura e encarceramento em massa, fortalecido pela privatização dos sistemas carcerários financiada pelo governo federal. A violência policial se manifesta na repressão de espaços culturais, como bailes funks e batalhas de rima, desmobilizando a juventude trabalhadora, reflexo da política higienista e racista do Estado burguês brasileiro.
§98 Com o histórico de desmobilização por parte dos sindicatos e o avanço da precarização nos postos de trabalho majoritariamente ocupados pela juventude, muitos agora se engajam principalmente nas redes sociais. No entanto, eles também se concentram em movimentos culturais locais, como batalhas de rima e bailes funk. Essa cultura alternativa reflete as contradições vivenciadas pela juventude e pode servir como uma importante plataforma para elevação de consciência e para a organização de jovens trabalhadores.
§99 Assim sendo, o PCBR não pode menosprezar a importância do trabalho entre a juventude no geral, e em especial em meio às suas camadas proletarizadas; ou menosprezar a importância das lutas estudantis. Neste momento da vida, em que os jovens trabalhadores estão mais submetidos ao desemprego, ao trabalho informal e atomizado, e à violência policial, é nosso papel agitar e propagandear nosso programa pautando a urgência da Revolução Brasileira. Isso é tão mais importante na medida em que nos colocamos a tarefa de reorganização da classe trabalhadora, tarefa que poderá encontrar entre as camadas mais jovens do proletariado seus defensores mais ardorosos, dispostos a romper com a apatia e o burocratismo conciliadores dos velhos dirigentes sindicais.
Sobre o movimento estudantil secundarista e a educação básica e técnica
§100 A função primordial da escola para a classe trabalhadora no capitalismo é formar mão-de-obra para o mercado e socializar o estudante segundo a ideologia burguesa, uma realidade que varia conforme a divisão do trabalho e o grau de organização política das categorias educacionais. Essa influência se reflete na conjuntura atual da educação básica brasileira, profundamente impactada pela crise estrutural e global do capitalismo. Diante desse cenário, a proposta comunista reafirma a luta pela universalização da educação e defende o modelo de educação socialista, baseado nos princípios da omnilateralidade e da politecnia.
§101 O movimento estudantil secundarista, abrangendo escolas do ensino básico, técnico e pré-vestibulares, é parte fundamental do movimento de juventude, pois abrange todos os jovens proletários e da classe trabalhadora em determinado momento de sua vida, representando um espaço significativo de mobilização política. Desempenhou um papel central na história da juventude trabalhadora brasileira, enfrentando a ditadura empresarial-militar, liderando manifestações como as jornadas de junho de 2013 e protagonizando ocupações de escolas, entre diversas outras lutas históricas do país. Além disso, a atuação nas escolas envolve não apenas os estudantes, mas também os profissionais da educação, os estudantes de licenciatura, a comunidade local, especialmente quando a escola está conectada ao seu território, e os vínculos empregatícios com empresas, especialmente em escolas técnicas.
§102 Nos últimos anos, a política de conciliação de classes e privatização da educação pública, promovida pelos governos petistas, cooptou movimentos estudantis, como o secundarista, para servir aos interesses burgueses. Entidades como a UBES, hoje dirigida pela juventude do PCdoB, a UJS, foram assimiladas, resultando na desorganização e despolitização do Movimento Estudantil Secundarista. Espaços de luta foram hegemonizados por juventudes sociais democratas, que utilizam essas entidades como instrumentos para promover os interesses partidários, em detrimento da organização dos estudantes e da promoção de jornadas de luta contra retrocessos na educação, como o Novo Ensino Médio.
§103 Uma das tarefas imediatas do PCBR e da UJC é a reestruturação do movimento estudantil secundarista a partir das bases, fortalecendo a presença nas escolas por meio da fundação e fortalecimento de grêmios estudantis, além de participar ativamente das disputas em entidades estaduais e nacionais. Essa compreensão reconhece tanto o potencial organizativo das entidades existentes, como a UBES, quanto as fragilidades inerentes à dinâmica atual do movimento, muitas vezes dominado por organizações do campo democrático popular. Além disso, faz-se necessário que os comunistas não apenas se integrem, mas também permaneçam no movimento estudantil secundarista, contribuindo para a construção de grêmios, associações estudantis e para elevar a consciência dos estudantes e profissionais da educação em direção à construção da escola popular.
Sobre o movimento estudantil universitário
§104 A história das instituições de ensino reflete os sentidos e contradições do modo de produção e das lutas de classes de seu tempo. As universidades brasileiras foram e são instrumentalizadas pela burguesia como um aparelho ideológico de formação dos quadros de gestão da sociedade de classes e produção técnico-científica para o avanço das forças produtivas na sociedade capitalista.
§105 O movimento estudantil universitário como reflexo dos últimos governos de conciliação de classes, também foram tomados por um reboquismo oportunista das juventudes do PT e do PCdoB, que tomaram as grandes entidades estudantis e aproveitaram da massificação do ensino privado de forma oportunista, se encarregando de promover o ProUni e o FIES como soluções para o ensino da classe trabalhadora.
§106 A UJC manterá as disputas na UNE e ANPG ocupando espaços em sua diretoria, realizando maior agitação política contra a vacilação de outras organizações e mais relatórios públicos sobre as disputas no interior da UNE. A disputa pela hegemonia dentro e fora da UNE passa diretamente pela construção, disputa e direção das entidades de bases e entidades gerais, organizando um movimento que tenha como bandeira o programa por uma universidade popular, lutando pela organização do ME desde as bases. Também devemos fomentar a atuação em todos os demais espaços que possam ser utilizados para a inserção em setores considerados estratégicos pelo Partido (meios estes como projetos de extensão, programas de iniciação à docência, cursinhos populares, etc).
§107 Os comunistas defendem uma Universidade Popular, na medida em que se trata de uma proposta de educação subordinada à estratégia socialista, culminando na superação da mercantilização da educação. O Movimento por uma Universidade Popular, ao se consolidar como um projeto revolucionário de luta pelo socialismo-comunismo, popularizou-se e cresceu, estabelecendo mediações táticas e bandeiras de luta coerentes com as demandas da classe trabalhadora, ao mesmo tempo que apresenta uma alternativa além dos limites da ordem burguesa e de seu modelo próprio de educação.
Sobre o movimento negro
§108 O Movimento Negro Brasileiro é caracterizado como o conjunto de movimentos sociais, políticos e culturais protagonizado pela população negra. Sua gênese é parte indissociável da luta de classes no Brasil, já que as bases das organizações da classe trabalhadora brasileira foram as primeiras organizações negras, criadas em torno do enfrentamento à condição de escravizados e visando à reformulação das relações sociais e embate contra o modo de produção escravista colonial. A partir dos quilombos, terreiros, associações de trabalhados negros e irmandades, os negros e negras no Brasil sempre se organizaram coletivamente buscando a alteração de sua realidade, conseguindo não só infligir grandes danos ao modo de produção escravista colonial como capitaneando as primeiras greves durante a formação do proletariado brasileiro.
§109 Da mesma forma, o Partido deve desenvolver estudos, análises e planos de ação acerca dos Povos de Terreiro e de Tradições de Matriz Africana e Indígena no Brasil, levando em consideração o seu grau de inserção e organização enquanto setor da classe trabalhadora, constantemente disputado pelos setores mais à direita do liberalismo progressista.
§110 Como fruto de relações de trabalho e econômicas baseadas na divisão racial do trabalho, o Movimento Negro se articula ao longo da história na forma de diversas organizações, desde organizações pluriclassistas até organizações proletárias. Durante o século XX, foram marcantes as experiências de organização do Teatro Experimental do Negro, e, especialmente, do Movimento Negro Unificado, organização fundada ainda durante a ditadura empresarial-militar que perseguiu, reprimiu e assassinou de forma voraz a população negra.
§111 Tais organizações, assim como o conjunto da população negra brasileira, foram responsáveis pelo combate ao mito da democracia racial, escancarando por meio de sua agitação o perfil negro da maioria da população deste território; pelo resgate da memória cultural e de luta dos negros e negras; por influir na legislação e políticas públicas de combate ao racismo e na preservação das contribuições religiosas e artísticas negras no Brasil.
§112 Assim, na pluralidade do que hoje é o movimento negro, um partido comunista no Brasil e seus militantes devem se atentar para o potencial revolucionário de sua organização, não havendo distinção entre os perfis de nossa militância com os do dito movimento, a emancipação do proletariado dependerá se um partido de vanguarda for capaz de integrar de fato os acúmulos da luta racial em sua estratégia. Assim, teremos uma perspectiva de superação de nossa herança escravagista. Devemos apresentar alternativas palpáveis e claras para a rendição ideológica do antirracismo liberal, apontando para a construção do socialismo-comunismo como uma única saída para as mazelas do racismo estrutural.
§113 Foi nos governos do campo democrático-popular que foi sancionada a Legislação de Drogas, o ampliamento da malha prisional e o aumento massivo da população carcerária. É tarefa do PCBR a construção de iniciativas nacionais anti-encarceramento, independente das iniciativas burguesas. O principal trabalho da frente deve se dar na propaganda, agitação e organização de esforços para a redução do poder punitivo do Estado burguês, o desencarceramento, bem como em estimular experimentos de auto-organização e resolução de conflitos para além das instâncias formais da justiça burguesa, além da criação de brigadas e GTs para a inserção dos espaços mais afetados pelo encarceramento.
Sobre o movimento feminista
§114 O movimento feminista não é homogêneo e possui no seu interior distintas vertentes, as quais se opõem diametralmente. Quando passamos a elaborar sobre o feminismo classista, buscamos nos diferenciar dos feminismos liberal, radical e pós-estruturalista (também chamado identitário), uma vez que considera o problema da opressão como uma questão subjetiva e de reconhecimento, mais do que uma questão material, relativa à posição das camadas oprimidas da sociedade relativamente ao poder econômico e político). Nesse sentido, apontamos que nossa tática não se baseia na separação e oposição entre os interesses das mulheres proletárias e dos homens proletários: buscamos unir a classe trabalhadora para uma luta comum contra o modo de produção capitalista e contra todas as formas de opressões utilizadas, inauguradas e aprofundadas pelo capitalismo (entre elas o machismo) a fim de manter um maior nível de dominação e exploração da classe trabalhadora. Nosso objetivo não consiste em alcançar uma mera igualdade formal entre mulheres e homens dentro dos limites da sociedade burguesa. Acreditamos que a emancipação das mulheres, LGBTI+, pessoas negras e todos os povos oprimidos só pode ser realizada com a superação da sociedade de classes, através de uma revolução socialista.
§115 As teóricas feministas marxistas utilizam a luta de classes como centralidade da análise e o materialismo histórico e dialético, como método de compreensão e leitura da realidade. Dessa maneira, aglutinamos a classe trabalhadora na luta pela superação da estrutura central capitalista que utiliza as demais opressões como ferramentas de exploração dos trabalhadores, por compreendermos que as desigualdades de gênero, raça e sexualidade possuem uma origem econômica estando intrinsecamente ligadas ao modo de produção capitalista. No caso das mulheres, o trabalho reprodutivo constitui um dos eixos centrais dessa exploração.
§116 Na sociedade capitalista patriarcal, as mulheres trabalhadoras, além de exploradas pela burguesia, são também subjugadas à figura do homem. Essas opressões se manifestam: a) Pela separação do trabalho produtivo do trabalho reprodutivo. Hoje, a maioria das mulheres também fazem parte da cadeia de trabalho produtivo, mas recebem menores salários, os piores cargos e são minoria nos espaços de organização da classe trabalhadora. Ao mesmo tempo, elas são as principais responsáveis pelo trabalho reprodutivo dentro de casa, um trabalho separado do produtivo e que tende a isolá-las política e socialmente e reduzir seu potencial de mobilização na esfera pública; b) Pela configuração da família como espaço de reprodução dos padrões de gênero, da tripla jornada de trabalho e da violência contra a mulher. No caso das famílias com presença do pai, pelo domínio do patriarca sobre a mulher e os filhos, inclusive economicamente. No caso das famílias de mãe solteira, pela obrigação do cuidado depositada apenas sobre a mulher; c) Pela reprodução de estereótipos e do reforço de padrões de gênero opressivos, que condicionam o comportamento feminino à docilidade, à obediência, que desumanizam a mulher, buscam controlar sua sexualidade e subordiná-la aos interesses reprodutivos da classe dominante, que dificultam seu acesso a qualquer espaço de poder ou ferramenta que amplifique seu potencial revolucionário e que contam com todo aparato ideológico da burguesia para sua difusão.
§117 O PCBR compreende que nossa linha política e organizativa para o movimento feminista e para luta das mulheres trabalhadoras perpassam pelos seguintes pontos: a) consideramos que o feminismo marxista é a vertente que explica cientificamente a questão do gênero e a opressão das mulheres na sociedade capitalista; b) a auto-organização deve ser superada de fato e todo o Partido deve se apropriar teoricamente do feminismo marxista; c) as lutas contra as diversas formas de opressões individuais e estatais devem ser parte fundamental da nossa formação de quadros e luta política, visando à vida interna e à inserção nas massas; d) as opressões machistas, racistas, LGBTI+fóbicas e capacitistas são desvios que devem ser combatidos e superados coletivamente pelos comunistas; e) os espaços da militância devem garantir as condições estruturais para as condições específicas do proletariado, ao exemplo de creches para crianças e outras formas de acolher essa demanda; e f) o PCBR terá como umas das prioridades a formação de propagadistas e agitadoras proletárias revolucionárias, especialmente mulheres negras, indígenas, trans e travestis.
Sobre a luta dos povos indígenas e seus movimentos
§118 Nos últimos anos, a luta dos povos indígenas no Brasil atingiu um patamar novo de organização e visibilidade que ainda se reflete de modo insuficiente na atenção que os comunistas dedicam a esse tema. A articulação e organização dos povos indígenas para resistência de seus territórios e modos de vida é uma experiência com a qual podemos aprender e contribuir.
§119 As populações indígenas não se curvaram passivamente à política do campo democrático-popular de fortalecimento do agronegócio, turismo, especulação imobiliária e mineração e sempre travaram a luta pela sua soberania e independência. Não podendo ser desconsideradas as contradições do movimento indígena em suas relações com o campo democrático-popular e outros setores, devemos disputar a compreensão do potencial revolucionário das organizações indígenas, respeitando sua autonomia e entendendo que o movimento não é uniforme.
§120 A inserção na luta indígena virá por meio da criação de comissões destinadas a compreender as questões indígenas por meio da comunicação direta, seja presencial ou virtual, da produção de materiais (audiovisuais, literários, e etc.) realizados em cooperação com os povos originários e por propostas táticas para resolução de problemas imediatos e a longo prazo estrategicamente atrelada ao nosso programa socialialista com táticas elaboradas em colaboração. A unidade deve se formar por meio da luta prática.
Sobre a questão agrária, a luta pela terra, a crise climática e a questão ambiental
§121 Consideramos o Brasil um país de capitalismo dependente, sendo a estrutura fundiária, as relações de trabalho no campo e a dinâmica de exploração de recursos naturais definidas pela transferência desigual de valor e pela superexploração da força-de-trabalho no campo. O agronegócio é a expressão concreta do avanço e consolidação do capitalismo no campo, e o latifúndio é um dos pilares do poder político no Brasil, cuja formação histórica se dá pela exploração da força de trabalho escravizada. Dessa forma, o agronegócio e o latifúndio são mecanismos de aprofundamento da dependência econômica e da miséria no campo.
§122 Consideramos que o projeto de Reforma Agrária burguês, que limita a distribuição de terras aos latifúndios improdutivos e, em última instância, consiste em cobrar a burguesia pelo cumprimento da função social da terra, é insuficiente e mantém a luta pela terra amarrada aos parâmetros da propriedade privada dos meios de produção. Essa foi a teoria que embasou a questão agrária no campo democrático-popular no último período. Para superá-la, devemos ter clareza da necessidade de superação do latifúndio, do agronegócio e da monocultura como formas de propriedade e relações sociais de produção agroalimentares.
§123 A questão agrária e ecológica só será resolvida no sentido dos interesses do proletariado com a nacionalização de todas as terras, com usufruto dos pequenos agricultores e condições de incorporá-los gradativamente à produção socializada e controlada socialmente. O controle social de toda a terra é o que possibilita uma planificação econômica que construa as bases para uma reorganização produtiva não predatória, em que o proletariado possa liderar as demais classes e setores ligados ao campo no controle racional da interação metabólica do ser humano com a natureza.
§124 O aprofundamento da crise climática é, também, uma expressão do rompimento sociometabólico provocado pela dinâmica do capitalismo em sua fase imperialista; esse aprofundamento pode ser visto por meio de grandes mudanças abruptas na amplitude térmica, no regime de chuvas, na seca de rios, aumento do nível dos mares e extinção de espécies, causados pelo avanço do capital privado no campo, através de grileiros, agronegócio, mineradoras, barragens e etc, para além das violências, perseguições e extermínio de comunidades. Por meio da exploração desenfreada promovida pelo capital, são minadas as possibilidades de vida no planeta. Quem sofre, primeiro, com a degradação ambiental promovida pelo capitalismo são as populações ribeirinhas, indígenas, quilombolas, pequenos agricultores e trabalhadores do campo, das florestas, dos litorais e das periferias urbanas.
§125 Para avançarmos na luta pela terra e pelo meio ambiente, devemos compreender as organizações camponesas, indígenas, quilombolas, ribeirinhas e de povos tradicionais no geral em suas estratégias e táticas de organização. Devemos estar inseridos na construção das ações de tais organizações, trabalhando política, organizativa e ideologicamente pela elevação de sua unidade e consciência, bem como fortalecer uma política de segurança e autodefesa.
§126 A luta por moradia deve também considerar os impactos da crise climática, que tendem a afetar de maneira desproporcional as populações das periferias, muitas vezes ignoradas pelo governo burguês em suas intervenções, resultando até mesmo em mortes. É fundamental garantir o acesso a moradias seguras, em áreas livres de riscos de desastres ambientais e exposição a rejeitos tóxicos, além do acesso ao saneamento básico.
Sobre o movimento anticapacitista
§127 As Pessoas com Deficiência (PCD) trabalhadoras no Brasil encontram dificuldades para se encaixar num sistema que julga e preza pela máxima capacidade possível de produção e exploração de seu trabalho.
§128 Atualmente, a luta anticapacitista encontra-se vacilante no que diz respeito a uma solução revolucionária; os PcDs encontram-se pressionados por soluções meramente assistencialistas e individualizantes, muito embasadas por sentimentos paternalistas e despolitizados. Esta visão, dominante no atual estágio capitalista, desconsidera soluções coletivas para a verdadeira inclusão dos PcDs na vida social, como por exemplo a cobertura no SUS e a coletivização em seus cuidados de saúde e vida cotidiana, que, hoje, é muitas vezes encampada pelos familiares dos PcDs, em sua maioria as mulheres, como mães e irmãs.
§129 Dentro dos partidos de esquerda, a invisibilização de PCDs se faz presente em quase todo o campo. As formações e capacitações da militância para incluir essa parcela da população na luta são quase inexistentes, há pouca adaptação dos materiais de estudo e leitura, tampouco há o mínimo de conhecimento em libras para receber pessoas com deficiência auditiva ou acessibilidade nos espaços físicos. A luta contra o capacitismo é deixada de lado, o reflexo disto é a reprodução da lógica sistêmica de afastar e isolar estas pessoas.
§130 É dever nosso agitar e propagandear a politização dessa luta, mostrando como o capitalismo é, também, capacitista, pois impede o investimento em reformas e modernizações nos espaços e serviços públicos. O baixo potencial de lucro com esse tipo de investimento também limita essas reformas em espaços privados e significa a segregação da comunidade PCD e seu impedimento em acessar serviços básicos.
Sobre a política eleitoral
§131 Como marxistas-leninistas, compreendemos que a transformação socialista que desejamos só poderá ser realizada por meio de uma revolução proletária e da expropriação de todos os meios de produção burgueses. É impossível a mudança radical do regime político e do modo de produção através das vias eleitorais burguesas. Isso não significa que renunciamos a utilizar toda e qualquer forma legal de luta em favor da classe trabalhadora, seja para a realização de qualquer demanda imediata, seja para a luta política e ideológica por meio da participação em eleições e parlamentos, como meio de elevar o grau de organização e consciência do proletariado. O Partido buscará formas de utilizar o momento e os processos eleitorais burgueses para agitar seu Programa, evitando o reboquismo em relação a partidos de maior projeção eleitoral, não ocorrendo assim erros do passado próximo. Dessa forma, a participação nas eleições burguesas sempre tem um sentido tático e não estratégico.
§132 O Comitê Central deverá apresentar um plano de legalização do Partido a ser referendado pela maioria dos organismos a ele submetidos.
Sobre o movimento LGBTI+
§133 O surgimento e a consolidação das identidades LGBTI+ estão vinculados à ascensão do modo de produção capitalista. Com a disseminação da mão de obra assalariada, houve uma transformação dos desejos e comportamentos homossexuais em identidades distintas. Nas sociedades pré-capitalistas, a família funcionava como uma unidade essencial na produção social. A sobrevivência estava intrinsecamente ligada à integração em um núcleo familiar que garantisse a reprodução social de seus membros. No entanto, com o advento do capitalismo, surgiu a possibilidade de subsistir fora desses laços familiares. O trabalho assalariado, aliado à urbanização e suas oportunidades ampliadas de interações sociais e sexuais, permitiu a evolução de comportamentos antes rotulados como "sodomitas" para identidades e estilos de vida distintos. Paralelamente, o processo de violência contra a classe trabalhadora solidificou-se nos âmbitos médico, legal e religioso, estabele- cendo a "norma" da heterossexualidade e categorizando a homossexualidade como desvio.
§134 O primeiro movimento organizado em defesa dos direitos das pessoas LGBTI+ no Brasil, aconteceu em 1970 com a criação do grupo SOMOS. O grupo lutava contra a perseguição de homossexuais no contexto da ditadura empresarial-militar. Entretanto, com a redemocratização, este grupo e o movimento LGBTI+ brasileiro – como um todo – passaram por um processo de institucionalização e perda do seu caráter revolucionário, em paralelo com a ascensão do projeto político liderado pelo Partido dos Trabalhadores (PT).
§135 As LGBTI+s trabalhadoras brasileiras enfrentam hoje um cenário de recrudescimento dos ataques contra sua existência. A direita e a extrema-direita percebem os problemas sociais, porém, recusando-se a atribuí-los às contradições do sistema capitalista, valem-se de espantalhos e pautas morais, culpabilizando por isso especialmente pessoas LGBTI+, em especial a população trans que tem sido utilizada como bode expiatório no processo de avanço do fascismo no país. Para isso, se utilizam de mandatos no Estado, de igrejas, do apagamento dessas pessoas das estatísticas oficiais sobre a população brasileira, entre outros artifícios violentos. Desde o movimento que levou à eleição de Jair Bolsonaro até hoje, se acumulam projetos de lei antiLGBTI+ e iniciativas de desmonte de políticas públicas voltadas ao atendimento dessa população. O crescimento na representação dentro do Estado de pessoas LGBTI+, inclusive com a recente fundação da Secretaria de Defesa dos Direitos LGBTI+ pelo governo Lula, não tem se traduzido em avanços nas demandas concretas para a vida das pessoas que tem sua identidade atravessada pela violência LGBTI+fóbica.
§136 Em 2023, ocorreu um aumento de 177,5% de projetos de lei anti-trans referente ao período de 2019-2022. Esses PLs são aliados a outros acessórios, todos protagonizados pela extrema-direita, buscando criar as bases para um verdadeiro genocídio da população trans e travesti. Para tal, buscam a segregação do acesso dessa população aos espaços públicos e privados, impedem a veiculação pública de sua imagem, restringem e criminalizam seu acesso à saúde especializada e criam todo um arcabouço penal para encarcerar essa população, seja por viver plenamente em sociedade, seja em decorrência do aumento da punitividade às pessoas mais marginalizadas, inclusive buscam criar espaços prisionais segregados apenas para essa população. O Governo Lula, inclusive, ao manter o projeto bolsonarista de identificação obrigatória de “sexo” via nova Carteira de Identidade Nacional (CNI), aprova o primeiro passo, pois resulta na identificação de qualquer pessoa que desvie dos padrões de gênero.
§137 Nesse contexto, o movimento LGBTI+ se encontra desorganizado e com pouca capacidade de mobilização social. Um dos principais motivos para isso é a tática do advocacy, adotada pelo movimento desde a intensificação das mobilizações contra o aprofundamento da epidemia de HIV-Aids no Brasil na década de 1980. O advocacy é uma prática com o objetivo de trazer conquistas institucionais imediatas a partir de negociações entre o Estado, o setor privado e a “sociedade civil”. A utilização dessa tática aparece para muitas pessoas LGBTI+ como um dado positivo, pois seria capaz de trazer avanços em direitos e políticas públicas para essa população. Contudo, o movimento acabou se desorganizando, centralizando sua ação em ONGs e na fé em mudanças advindas do Estado burguês, se distanciando da participação popular e conquistando pouco em termos de melhorias estruturais para as LGBTI+s.
§138 Neste contexto, os comunistas devem combater a centralidade da tática do advocacy e demais tipos de lobby no movimento LGBTI+. Precisamos apresentar os malefícios que essas práticas vêm trazendo ao movimento. São táticas como essas, por exemplo, que alimentam a um só tempo a privatização dos serviços públicos e a mobilização dos atores políticos em uma relação clientelista e refém do Estado e de grupos empresariais, desmobilizando as bases do movimento.
§139 Os comunistas devem denunciar o oportunismo de Estados, empresas e grupos políticos que, a partir de um apoio simbólico à população LGBTI+, acobertam suas políticas liberais e discriminatórias, contribuindo, ao final, para a maior exploração destas pessoas. É importante, ainda, denunciar o ataque sistemático que as LGBTI+s têm sofrido pelas vias institucionais, capitaneado pela direita organizada no parlamento e fora dele. É necessário organizar a população LGBTI+ para combater, inclusive pelas vias físicas, a violência LGBTI+fóbica funcional ao modo de produção capitalista.
§140 Por fim, os comunistas devem ser propositivos na formulação, junto ao seio das LGBTI+s trabalhadoras e da classe como um todo, de estratégias e táticas que visam a alcançar vitórias concretas nas bandeiras do movimento LGBTI+. Os comunistas precisam reconhecer que um salto de qualidade radical na realidade das LGBTI+s trabalhadoras, como o fim da LGBTI+fobia, apenas será alcançado com o fim do próprio capitalismo em uma revolução socialista. Mesmo assim, as demandas do movimento LGBTI+ correspondem às necessidades de sobrevivência de pessoas LGBTI+ e devem ter o início de sua superação no presente, não podendo ser ignoradas por nenhuma pessoa revolucionária.
Resoluções de Organização
A Reconstrução Revolucionária do Partido Comunista no Brasil
§1 Fundado em 1922 a partir dos mais avançados elementos do movimento operário brasileiro, o Partido Comunista Brasileiro chegou aos anos 90 em um quadro de profunda deterioração ideológica, produto último de uma estratégia etapista (democrático-nacional) que há muito havia caducado historicamente. A corrupção oportunista da direção partidária não se explica apenas pela cooptação burguesa: devemos buscar as causas da penetração e triunfo da ideologia liberal nas fileiras do PCB no refluxo internacional do movimento revolucionário da classe trabalhadora e nas debilidades políticas e ideológicas do Partido, que o incapacitaram para resistir a esse refluxo.
§2 A opção anticomunista da maioria da direção e da organização, em 1992, pela liquidação do próprio Partido e a política reformista que o PCB conduziu nas décadas precedentes, e lançou as bases para essa degeneração final, têm como denominador comum a ilusão reboquista incrustada no Partido a respeito da existência de uma fração burguesa progressista a ser apoiada pelo proletariado brasileiro. Por isso mesmo, o significado da Reconstrução Revolucionária vai muito além da luta pela manutenção do registro jurídico do PCB a partir de 1992. De fato, é apenas a partir do XIII Congresso, de 2005, que o Partido passa à oposição ao governo social-liberal de Lula, elaborando a autocrítica de seu etapismo estratégico e definindo o caráter da revolução brasileira como socialista.
§3 De 2013 em diante, o PCB cresceu significativamente, deixando de ser uma organização de umas poucas centenas de pessoas para se tornar uma organização dirigente de milhares de pessoas em todo o território nacional. Embora a influência e o enraizamento do Partido em meio ao proletariado ainda tenha permanecido muito aquém das tarefas históricas dos comunistas, esse crescimento (especialmente entre camadas da juventude trabalhadora e pequeno-burguesa) foi suficiente para fazer emergir uma série de contradições e o acirramento da luta interna partidária.
§4 Na preparação do XVI Congresso, o Comitê Central apresentou a Tese segundo a qual o Partido já vivia a "ultrapassagem da Reconstrução Revolucionária". Essa e muitas outras teses centristas da direção (em matéria de tática nacional e internacional, bem como em matéria de organização) foram derrotadas no Congresso, sagrando-se vitoriosa a política da ala esquerda do Partido e a afirmações de que se fazia necessário continuar o aprofundamento da Reconstrução Revolucionária.
§5 Dada a situação de acirramento da disputa, a ala à direita do Partido, sob argumentos de “manutenção da unidade”, propõe um acordo com a ala à esquerda no qual os primeiros encerrariam a perseguição aos segundos, contanto que eles não destacassem os primeiros para retirá-los do Comitê Central. Passível de críticas, o acordo aceito pela ala esquerda afastou das bases partidárias o entendimento das divergências naquele momento e blindou de críticas as direções pecebistas. Por outro lado, adiou o processo de cisão, garantindo maior organização política para a disputa interna.
§6 Isso não impediu, contudo, o contínuo acirramento da luta interna partidária, culminando em violações gritantes das Resoluções do XVI Congresso e em perseguições e expulsões contra camaradas que denunciavam estas violações, utilizando por vezes opressão reacionária nessas perseguições. Recusando-se a convocar o XVII Congresso (Extraordinário) e adiando a conferência política a fim de solucionar de modo democrático e unitário as divergências que se avolumavam, o Comitê Central do PCB optou pela cisão, promovendo expurgos sem sequer cumprir quaisquer ritos disciplinares.
§7 O Manifesto em Defesa da Reconstrução Revolucionária do PCB sintetiza os principais episódios dessa luta interna até o início da cisão. Coube à militância comunista a tarefa de, convocando pelas bases o XVII Congresso (Extraordinário), levar adiante a Reconstrução Revolucionária do Partido Comunista no Brasil.
§8 Na raiz dessas divergências encontrava-se não só o combate entre o reboquismo da ala direita do Partido e a defesa pela ala esquerda da demarcação da independência política do proletariado revolucionário – uma defesa amparada na afirmação Congressual da necessidade de o Partido Comunista se posicionar como oposição ao governo social-liberal. Além dessa e de outras polêmicas táticas e estratégicas, também polarizavam no Partido princípios inconciliáveis, expressos em concepções distintas sobre o centralismo democrático leninista, a luta econômica, política e ideológica de hegemonia, o imperialismo, entre outras. A postura antileninista do Comitê Central do PCB se expressou: a) na política internacional: rompendo com as resoluções congressuais por se afastar dos Partidos Comunistas Revolucionários e se aproximar de uma Plataforma que se diz anti-imperialista, mas que está alinhada com os interesses da burguesia russa; b) na política nacional: marcada pela prioridade das palavras de ordem pequeno-burguesas, vacilando em se posicionar como oposição ao governo Lula, indo à reboque da social-democracia e do social-liberalismo em quase todas as frentes de luta e a hesitação na formulação de táticas e da linha política frente aos ataques do governo Lula e da burguesia; e c) na organização interna: ao aplicar o centralismo democrático e o estatuto partidário de maneira seletiva, buscando punir somente quem divergia de determinadas posições de membros dirigentes, na legitimação do espontaneísmo, economicismo e do federalismo em nossas fileiras; na priorização de acordos e conchavos para a eleição dos organismos dirigentes em detrimento do debate político; na proteção de militantes assediadores e acusados das mais diversas práticas opressivas; no amadorismo na direção do trabalho ideológico e prático; entre outros.
§9 Ao longo da Reconstrução Revolucionária do PCB, pretendeu-se superar o monolitismo teórico que caracterizou, de maneira antileninista, inúmeros partidos organizados em torno da III Internacional. Mas o Partido não soube tirar dessa intenção suas consequências organizativas: a necessidade da organização da polêmica e da liberdade de crítica por meio da imprensa partidária. A ausência do centralismo teórico implicava a necessidade de forjar dialeticamente, por meio de uma “literatura” comum, a unidade ideológica partidária. Isso significava elevar a liberdade de crítica a seu patamar organizativo prático na vida partidária. É também no campo das polêmicas de princípio sobre nossa forma organizativa que se expressou no PCB a luta de classes contra a hegemonia pequeno-burguesa sobre o proletariado.
§10 Após a cisão de 2023 e a convocação, à revelia do Comitê Central, pelas bases, do XVII Congresso (Extraordinário) do PCB, adentramos um novo estágio da Reconstrução Revolucionária do Partido Comunista no Brasil. Nesse estágio, entre muitas tarefas, temos o dever de recobrar o senso de autocrítica radical perdido pelo PCB, reconhecendo sem hesitar e abertamente nossas debilidades e insuficiências, como meio de nos livrarmos delas o mais rapidamente possível. Encaramos a autocrítica como um princípio da política leninista e o único método científico de condução de nossos trabalhos.
§11 Isso significa reconhecer, portanto, sem qualquer autoproclamação sectária, que estamos longe de ser o partido revolucionário de vanguarda do proletariado que desejamos construir em nosso país. Apenas assim poderemos conduzir nosso trabalho de organização e educação revolucionária das massas trabalhadoras na direção da criação de uma ferramenta organizativa que, armada teoricamente com a teoria marxista-leninista, esteja à altura das colossais potencialidades e missões históricas do proletariado brasileiro.
§12 Nós do PCBR reivindicamos o legado do PCB, comemorando suas vitórias históricas e buscando superar seus vícios, dando continuidade (em consonância com diversos PCs do mundo que fizeram a autocrítica de suas estratégias) ao processo de Reconstrução Revolucionária do Partido que se iniciou em 1992 e que foi colocado sob ameaça pelo próprio CC do PCB em sua proposta para o XVI Congresso. A decisão da maioria do CC de cindir o PCB foi uma reação contra o necessário aprofundamento da Reconstrução Revolucionária e a favor do giro à direita em sua política, afastando-se da estratégia socialista.
Sobre o Centralismo Democrático e a disciplina revolucionária
§13 O centralismo democrático é o princípio basilar de organização de um partido comunista, marxista-leninista, para construir a revolução socialista. A mais ampla liberdade de crítica (inclusive por meio de polêmica pública, principalmente organizada através de nossa imprensa oficial) e a unidade de ação não são antagônicos, mas são pilares fundamentais do centralismo democrático.
§14 Sem a mais ampla liberdade de crítica, todos os desvios e concepções atrasadas em nossa organização não poderão ser efetivamente superados em seus métodos e teoria, bem como não há o convencimento político necessário para a unidade de ação. A unidade de ação, por sua vez, evita a fragmentação desordenada da práxis e organiza nossa atuação em torno do Programa.
§15 A autocrítica também desempenha um papel fundamental em nossa organização. É por meio dela que avaliamos nosso trabalho e buscamos corrigir nossos desvios individuais e coletivos. Mais do que uma crítica individual, a crítica e a autocrítica devem ser tomadas como um método de trabalho.
§16 O centralismo democrático não se pauta simplesmente pela formalidade ao seu Estatuto e decisões de suas instâncias, mas é um processo dialético que se efetiva por meio de uma atividade revolucionária orgânica. A crítica livre não é a crítica desorganizada e a unidade de ação não é um ceder acrítico e sem princípios à regras estatutárias; o Estatuto e as Resoluções devem ser a formalização daquilo que nos une ideológica e politicamente e devem, também, guiar nossa práxis, não simplesmente submetê-la. O centralismo democrático exige uma disciplina revolucionária consciente.
§17 Nas votações, o indivíduo se subordina ao grupo, a minoria se subordina à maioria, os órgãos inferiores se subordinam aos órgãos superiores, todos os órgãos se subordinam ao Comitê Central, e o Comitê Central se subordina ao Congresso. A liberdade de crítica é garantida nas reuniões e na imprensa do Partido, exceto quando contrariar uma ação política já decidida e ainda vigente. A agitação antipartido e a conclamação a boicotes não serão toleradas em nossa organização. Esses são métodos de luta sem princípios que não devem ser tolerados.
§18 A disciplina revolucionária não deve ser compreendida pelos comunistas como uma questão moral. Tampouco pode ser tomada como uma mera expressão individual, isolada das condições materiais. Compreendemos a necessidade de construir em nossas fileiras e incitar em todos os locais de inserção uma disciplina consciente que só pode ser alcançada por meio do convencimento político e a constante formação dos militantes, com o Partido fazendo as devidas intervenções para garantir as condições materiais para a militância. Se é o dever histórico de um Partido Comunista organizar e dirigir sua classe para a revolução, devemos garantir que a militância faça sentido e apenas dessa forma conseguiremos massificar nossa atuação. A disciplina é, primeiro, uma manifestação da consciência e da adesão voluntária de cada militante.
§19 A disciplina revolucionária não é, a priori, uma disciplina militar no sentido burguês, que se baseia na coerção externa das massas por uma minoria privilegiada, e não na submissão voluntária aos interesses coletivos; o não questionamento de tarefas definidas por instâncias superiores não é um sinal de disciplina; da mesma forma, se eximir de crítica e autocrítica pública também não é um sinal de disciplina. A disciplina é a organicidade da atuação comunista em torno do Programa revolucionário do Partido para avanço do trabalho prático e ideológico entre o proletariado. Nesse sentido, devemos ter clareza que, assim como há diversas táticas de organização das lutas em diferentes territórios e contextos, a disciplina (e a falta dela) também irá se manifestar de formas diferentes.
Sobre o Partido e seus organismos
§20 Os organismos do Partido têm como elemento essencial de coesão o trabalho que se propõem a executar, seja de âmbito interno ou externo, decorrendo disso o constante processo de aprimoramento da especialização do trabalho e de sua divisão revolucionária. O formato organizativo a ser adotado deve se orientar pela máxima flexibilidade, garantido o estabelecimento de uma comunicação efetiva entre organismos diretamente vinculados, assim como a um planejamento de trabalho comum. Esse entendimento busca garantir que consigamos aproveitar ao máximo a energia de cada militante, não desperdiçando tempo e ímpeto em aspectos secundários. Levando em consideração o trabalho a ser realizado, deve-se evitar a presença em mais de um organismo. Militantes que estão em organismos de direção devem, assim que possível, garantir sua dedicação exclusiva a essa tarefa.
§21 Em cada localidade onde o Partido desenvolva seus trabalhos, o centro de gravidade do trabalho prático de nossa organização serão os Comitês Locais (CL). Essas localidades podem abranger um ou mais municípios, contanto que exista entre eles uma conexão orgânica em termos econômicos, sociais e/ou políticos. O Comitê Local especializará a divisão do seu trabalho por meio da constituição de uma rede de células, às quais o Comitê Local prestará assistência direta.
§22 Esses Comitês Locais receberão assistência direta do Comitê Central, exceto onde se avalie a necessidade da constituição de uma União de Comitês Locais que, nesse caso, prestará assistência aos CL, sendo ela assistida pelo CC. O caráter intermediário dessa instância se reflete no fato de que ela, como articuladora das necessidades dos Comitês Locais, terá todas suas deliberações submetidas à ratificação pelo Comitê Central.
§23 As células do Partido serão organizadas prioritariamente por local de trabalho, ou seja, por fábrica ou empresa, mas podem se conformar também tendo em vista as necessidades de desenvolvimento da inserção nas lutas nos territórios ou desenvolvendo tarefas específicas. A expansão articulada do trabalho partidário se dá no desdobramento prático dos planejamentos dos comitês locais com a construção planejada de células nos locais de trabalho, moradia e estudo e para tarefas específicas, principalmente tendo em vista a entrada em espaços de atuação e a criação de aparelhos partidários definidos como prioritários.
§24 Onde já houver um Comitê Local, todas as novas células que precisem ser organizadas exclusivamente a partir de novos militantes passarão pelo processo de constituição de um núcleo. O núcleo não é ainda uma célula do Partido, mas um grupo de pessoas interessadas em ingressar no Partido, acompanhado integralmente por um membro do Comitê (assistente). Os núcleos serão a forma pela qual o Comitê, através do assistente, organizará os novos interessados e distribuirá tarefas para a inserção em um determinado espaço de luta, dando particular atenção à distribuição do jornal. O assistente deverá subsidiar o debate no Comitê para a decisão de quais membros do núcleo efetivamente recrutar para a organização de uma célula ou novo Comitê Local. Onde não for possível a formação imediata de um núcleo, ainda assim é preciso que haja um trabalho de assistência aos agentes que individualmente procuram o Partido em cada localidade onde ainda não iniciamos um trabalho organizado.
§25 As células ligadas a trabalhos estritamente juvenis (particularmente o movimento estudantil) serão células da União da Juventude Comunista, integradas organicamente como células partidárias para todos os efeitos. Os Comitês organizarão Comissões de Juventude.
§26 O Partido organizará, nos níveis nacional e regional, Frações referentes a frentes de atuação específicas (setores da produção, setores oprimidos etc.), a serem deliberadas pelo Comitê Central ou pelas Uniões de Comitês Locais de acordo com seus Planos de Ação. As Frações serão convocadas pelos Comitês respectivos para desenvolvimento de acúmulos e deliberação de linhas para as frentes de ação específicas, a serem referendadas pelo Comitê respectivo e então aplicadas a todas os organismos na jurisdição. É permissível que essas Frações adotem denominações públicas, com a condição de que essa denominação não camufle o fato de que se trata de uma forma partidária de organização e intervenção naquela respectiva frente de atuação.
§27 As Frações são organizações subordinadas a um organismo partidário que abarque toda a circunscrição da organização não-partidária ou movimento e tem como seu principal objetivo dirigir o trabalho cotidiano na organização ou movimento pela qual é responsável. Os organismos partidários podem organizar Frações para organizar o trabalho em organizações não-partidárias, como entidades, associações, sindicatos, frentes, o parlamento, entre outras.
§28 Os coletivos partidários foram uma forma de organização que num dado momento histórico respondeu à necessidade de atuação junto a movimentos da nossa classe como frentes de massa com objetivos de disputa e inserções políticas. Produziram, em nossas fileiras, importantes formulações a respeito da classe trabalhadora, mas apresentaram limites, inclusive na relação com o próprio Partido, gerando duplas jornadas de militância e dificuldade na unidade de ação, como também o aprofundamento da divisão sexual e racial do trabalho. A partir desse entendimento, não teremos nenhum coletivo nos moldes adotados anteriormente pelo Partido ou trabalho especializado em uma célula.
§29 Havendo a emigração de militantes do Partido, o Comitê Central avaliará as possibilidades de atuação junto a outros partidos do bloco revolucionário a partir de contato direto com essas organizações. Outra necessidade é a composição de células próprias do Partido no exterior.
A comunicação no Partido
§30 A atividade essencial do partido leninista deve consistir em um trabalho que seja possível e necessário tanto nos períodos de explosões mais violentas como nos de calma absoluta, isto é, deve consistir em um trabalho de agitação e propaganda política unificada para todo o país. A organização de uma rede de agentes em torno do trabalho partidário de comunicação com as massas sempre foi condição indispensável não apenas para a conformação da unidade ideológica do PCBR e para a elevação da consciência de classe do proletariado, mas para a própria preparação logística da organização revolucionária.
§31 O advento e a massificação de novas formas de comunicação, conduziu a uma aceleração do ritmo das informações e, com isso, da vida política nacional. Junto a isso, as novas possibilidades de difusão de nossas ideias impõem grandes desafios às organizações comunistas. Por um lado, é preciso organizarmo-nos à altura das potencialidades que essas formas de comunicação abrem, em termos de agitação, propaganda e organização. O centro ideológico partidário precisa coordenar de modo integrado nosso trabalho comunicacional nas mais diversas frentes de produção (textos, materiais gráficos, vídeos, podcasts etc.) e nas mais diversas redes. É preciso assegurar a mais ampla liberdade de formulação e crítica da militância, sem reproduzir um dualismo sectário que separe nossa agitação e propaganda das nossas discussões e controvérsias teóricas: também isso compõe parte essencial do trabalho de educação política das massas trabalhadoras.
§32 Aos militantes que já têm destaque político individual dentro das redes sociais, esses devem ter seus conteúdos submetidos ao Partido, de modo a intensificar e centralizar nossas ações. Além disso, deve-se centralizar e sistematizar os acúmulos já existentes de ocupação do espaço virtual para o fomento de novos comunicadores e propagandistas virtuais orgânicos do Partido.
§33 Por outro lado, é preciso confrontar as tendências espontâneas à displicência, à arrogância e ao individualismo que surgem nesses meios: a militância comunista precisa combater a inconsequência e o liberalismo recorrentes no uso de tais formas de comunicação de massas. Na utilização de qualquer forma de comunicação, a militância comunista não pode estabelecer separações ilusórias entre suas manifestações públicas e seu estado de espírito privado. Os dirigentes nacionais e locais, além de demais figuras públicas, devem prestar a mais firme atenção a isto, constituindo-se exemplos para a base da militância. A liberdade de crítica da militância deve combinar-se à permanente crítica e autocrítica em torno da forma como nos manifestamos publicamente – nosso esforço deve consistir em dar um caráter cada vez mais organizado à nossa polêmica, entre nós e com os outros, e uma caráter cada vez mais preciso às nossas palavras de ordem.
§34 Ainda mais: não podemos subestimar os riscos de segurança que decorrem da exposição de informações nesses meios, controlados pelos grandes capitalistas. A comunicação do PCBR não pode ser exclusivamente dependente de meios que estão sob poder das classes proprietárias, nossas adversárias. É também por isso que o centro de nosso trabalho comunicacional público, bem como de nossa comunicação interna, não pode se apoiar exclusivamente nos meios digitais.
§35 Ao mesmo tempo, as formas virtuais de difusão e arregimentação não eliminam a importância fundamental do jornal impresso como meio de organização da nossa intervenção entre as massas. Uma panfletagem pode atingir menos pessoas do que uma postagem virtual, mas oferece oportunidade para uma abordagem mais qualificada e detida, bem como contribui para a organização e ativação das nossas próprias forças. Além disso, a preparação, organização e efetivação do jornal impresso promove uma rede organizativa e logística entre nossa militância, oferecendo assim uma oportunidade para outras ações que necessitam de uma articulação regional. Portanto, devemos priorizar as nossas energias à consolidação de uma publicação jornalística periódica impressa e de distribuição nacional.
§36 Também no plano de nossa comunicação interna (circulação de orientações, atas, relatórios, cadastramentos etc.), devemos trabalhar para superar nossa excessiva dependência em relação a meios virtuais pouco seguros, com os quais dificilmente poderemos contar em uma futura situação de acirramento da repressão política. É também nesse sentido que deve ser aprimorado o trabalho de assistência, concebido como a forma de comunicação política (e, em tempos de clandestinidade, a única forma segura de contato pessoal) entre os organismos de base e os organismos dirigentes.
§37 É dever de todo organismo produzir, periodicamente, relatórios detalhados de seus trabalhos, a fim de permitir ao conjunto da direção a visão do todo mais precisa possível. Esses relatórios, suprimidas suas informações sensíveis, também devem compor nossa literatura partidária geral, sendo socializados por meios de boletins internos ou por meio de sínteses públicas.
§38 No mesmo sentido, é dever dos organismos diretivos periodicamente produzirem relatórios detalhados de seus trabalhos, a fim de permitir que a base tenha uma visão das opiniões de seus dirigentes tanto no nível dos comitês locais quanto no nível do Comitê Central.
Agitação e propaganda
§31 A agitação e propaganda revolucionária são o centro da atividade política de um partido comunista. Nossas palavras de ordem, reivindicações, campanhas e manifestações não podem ser conduzidas sem um exame do caráter revolucionário dessa agitação e propaganda, os fins desejados e os meios para alcançá-los. Sobretudo, é indispensável que todo trabalho de agitação e propaganda, mesmo aquele conduzido em torno das reivindicações mais imediatas e locais, seja considerado à luz do programa do Partido.
§32 Através da combinação de diferentes formas de agitação e de propaganda, os comunistas criam as condições para se apresentar como força social capaz de transformar radicalmente a sociedade burguesa. A profissionalização da comunicação com as massas trabalhadoras e a inserção orgânica no proletariado são indispensáveis para que as ideias comunistas e revolucionárias ganhem adesão dentro da classe trabalhadora e da sociedade como um todo.
§33 Por exemplo, a existência de uma produtora de conteúdos audiovisuais e jornalísticos de alcance nacional é fundamental para atingir setores amplos da classe trabalhadora, mas esse alcance é infrutífero do ponto de vista revolucionário se não estiver associado a contatos em nível pessoal e à organização de células comunistas.
§34 É uma prioridade a formação de um exército de agitadores em todo o país. O agitador é o militante que domina o programa revolucionário, e é capaz de fundi-lo com os sentimentos mais íntimos do proletariado e do povo trabalhador. O agitador deve ser capaz de fazer discursos incendiários e arrastar multidões em assembleias, comícios e greves, mas também de conversar com sua classe no cotidiano, entender sua realidade concreta e contribuir para que o Partido entenda as formas concretas de dominação e exploração a qual os trabalhadores estão submetidos em cada caso particular.
§35 A agitação deve estar combinada com as lutas espontâneas e movimentos da classe trabalhadora. Nossa missão nesses casos deve ser salvaguardar os interesses dos trabalhadores em luta contra os capitalistas, participar ativamente das lutas e oferecer todos esforços possíveis para solucionar os problemas pequenos e pontuais do movimento. Somente assim o PCBR merecerá seu nome de Partido Comunista, e se diferenciará dos partidos “socialistas” de gabinete, que apenas fazem propaganda e recrutamento para fins eleitorais.
§36 A propaganda deve acompanhar sempre o agitador. Onde houver um foco de luta, devemos proporcionar as condições para que os trabalhadores possam elevar sua consciência com um domínio científico sobre tudo aquilo que afeta sua luta, e as alternativas possíveis colocadas para a prática política coletiva.
§37 Existe uma propaganda local, que deve ser realizada pelas células do Partido. Mas pelo próprio caráter dessa ação, deverá ser criado um grupo de propagandistas por regiões maiores ou mesmo nacionalmente que possam circular e nivelar o entendimento dos camaradas acerca do marxismo-leninismo e da realidade brasileira e que chegue principalmente em localidades onde o Partido não tenha atuação ou onde tenha poucos militantes.
§38 O propagandista, assim como o agitador, deve ter uma formação rigorosa para não lançar confusões no seio da classe trabalhadora. O aspecto mais complexo da formação de propagandistas é a dificuldade em criar ambientes próprios de produção de conhecimento científico com independência de classe, o que produz, de um lado, uma insuficiência de formação, e de outro, uma alta especialização teórica marxista orientada não para o Partido, mas para carreiras universitárias, com suas demandas próprias.
§39 É dever de todo organismo produzir constantemente para distribuição em conjunto com o jornal e outros materiais nacionais, documentos, análises, textos e outros materiais que visem a aproximação dos organismos com os locais de inserção ou com planejamento para tal.
Imprensa partidária
§40 A imprensa partidária é um setor especializado da direção, controlado por ela, com a tarefa de coordenar e operar todo trabalho publicístico, como o jornal, editoras e revistas, além do trabalho de inserção nas mídias digitais.
§41 O jornal partidário é o trabalho publicístico mais importante no atual período. Sobretudo, ele é indispensável para a profissionalização da agitação e propaganda. Entre outros motivos, porque ele supera a artesanalidade dos panfletos e pequenos jornais locais, quase sempre realizados com poucos camaradas e com resultados limitados, em direção a uma produção nacional, regular, centralizada pela direção do Partido, e que atue como dirigente ideológico de toda a militância, com uma rede de distribuição própria e financeiramente sustentável.
§42 Ele tem como objetivo o diálogo com o povo trabalhador. A linguagem utilizada, a escolha das matérias, a diagramação, enfim, todos os aspectos devem ser definidos com esse objetivo em vista. Devemos lançar todos nossos esforços em criar um jornal que seja visto pelos trabalhadores como algo seu, como sua tribuna para denunciar as mazelas do capitalismo, e sua referência para elaborar coletivamente uma nova forma de sociabilidade.
§43 A visão de totalidade da luta de classes só é possível através de um instrumento que compartilhe os acúmulos, as formas de luta forjadas nos mais variados locais, e seja capaz de sintetizar isso em táticas e estratégias cada vez mais bem definidas. Devemos fazer do jornal, nas suas mais variadas facetas, esse instrumento.
§44 Todo comunista é um correspondente do nosso jornal. É tarefa de toda comitê ou célula escrever para o jornal, discuti-lo e distribuí-lo em seus locais de atuação. Os estados ou regiões onde estamos organizados devem ter camaradas destacados para operar o diálogo com o órgão central, e toda célula pode se corresponder diretamente com a diretoria do órgão central.
§45 O contato do jornal com a classe não pode se dar apenas no momento de venda. É preciso que nossos militantes, no processo de produção de conteúdo para o jornal, busquem estabelecer relações diretas e pessoais com os trabalhadores que pretendem representar. Uma matéria cobrindo um desastre ambiental, por exemplo, deve almejar enviar militantes para conversar diretamente com os afetados.
§46 Distribuir o jornal impresso e criar momentos de diálogo mais aprofundados com as massas em um dado local é insubstituível. Podemos dizer que essa é uma das formas mais efetivas de propaganda, em nível pessoal. Por sua vez, sem uma atuação planejada e coordenada nas mídias digitais, ainda não estaremos no nível de profissionalização necessário para o jornal cumprir de fato seu papel de dirigente ideológico. Existem experiências bem sucedidas de inserção de grupos comunistas e de trabalhadores conscientes nas mídias digitais. Devemos nos apropriar dessas experiências e planejar uma inserção própria que nos dê credibilidade nesse meio. Há a possibilidade de boletins locais para trabalhar suas pautas imediatas submetidos à linha editorial do órgão central.
§47 O nome do jornal do Partido será “O Futuro”.
§48 O jornal e toda a produção de comunicação e agitação e propaganda do Partido (incluindo circulares e boletins internos) devem ser acompanhadas de adaptações que auxiliem o consumo do complexo partidário e do proletariado através de tradução para libras, formato de áudio, vídeo, com versões resumidas e estendidas, a depender da análise de necessidade do organismo.
Sobre as finanças
§49 As finanças se definem enquanto um braço estrutural do nosso trabalho político, estando relacionadas ao trabalho político e tendo conexões com todas as demais áreas. Os recursos da organização devem ser utilizados a partir de uma perspectiva centralizada, visando à garantia do nosso trabalho. A centralização das finanças é também uma arma contra o federalismo e o localismo em nossas fileiras: quanto mais centralizadas elas forem, mais elas refletirão (na arrecadação, mas sobretudo na aplicação dos recursos) as prioridades de nosso planejamento político em nível nacional.
§50 O Comitê Central formulará uma política financeira que será o desdobramento financeiro de nossos objetivos políticos, tendo dentre seus eixos a garantia das condições materiais para profissionalizar a nossa inserção no movimento de massas e a estruturação de nosso complexo de agitação e propaganda. Esse complexo será constituído por redes logísticas e produtivas, garantindo desde a criação de materiais (físicos e digitais) até sua distribuição à escala nacional.
§51 O Partido deve planejar, viabilizar e executar o planejamento para a criação de empresas rentáveis para atividades financeiras e logísticas, no sentido de arrecadar dinheiro, superar a mera contribuição da militância, custear integralmente as tarefas desempenhadas pelos militantes, liberar e profissionalizar militantes, avançar na nossa independência financeira e política e buscar superar o trabalho alienado e as formas burguesas de gestão e produção. O planejamento dessa estruturação deve buscar estar atrelado especialmente à estrutura de agitação e propaganda, com a criação de produtoras culturais, produtoras audiovisuais, gráficas, editoras etc.
§52 O Partido deverá se preparar financeiramente para liberar quadros dirigentes ou de alta operatividade da nossa organização, com remuneração suficiente para que o militante possa ter dedicação exclusiva às suas tarefas e não precise dividir seu tempo com o mundo do trabalho, tendo direito a tempo de descanso assegurado pelo Partido.
§53 A cotização constitui uma contribuição financeira da militância para auxílio na viabilização das atividades da organização. A cotização também é compreendida enquanto uma prática de disciplina militante. O montante da cotização de cada militante será calculado de forma progressiva, de acordo com uma taxa variável proporcional aos rendimentos líquidos de cada militante, e deverá levar em conta a realidade concreta de cada um, não devendo se basear no salário mínimo. A impossibilidade de cotização deverá ser informada à secretaria de finanças.
§54 A participação em editais, sejam da cultura, educação etc., deve ser uma forma de financiamento de nossas atividades, para além de prover trabalho remunerado aos nossos militantes e pessoas próximas ao Partido.
§55 Os Comitês Locais devem encaminhar um repasse mensal base de 50%, sujeito à flexibilizações (para menos ou mais), de acordo com o planejamento financeiro do Comitê Central, que levará em consideração as especificidades locais em conjunto com um planejamento nacional que direcione custos e investimentos às mais diversas regiões, não apontando uma taxa única para todas as localidades.
§56 O Partido empregará esforços na padronização e no aprimoramento de nosso controle fiscal, nos valendo de conhecimentos técnicos das áreas relacionadas e por meio de associações legais sob controle direto dos organismos dirigentes.
Sobre a profissionalização da militância
§57 É de maior importância e prioridade a profissionalização de quadros comunistas para que dediquem além de seu tempo livre, toda sua vida à construção do socialismo. Só assim, poderemos ter um trabalho consistente, que não seja permeado de "quebras" provenientes do empobrecimento de nossa classe, e desenvolver quadros intelectuais decisivos para a teoria revolucionária.
Sobre os recrutamentos
§58 A formulação da política de recrutamentos não se restringe a definir regras básicas e mecânicas a serem aplicadas de forma manualesca a todo e qualquer militante que solicite o recrutamento ou que se aproxime de nossas fileiras, mas deve adaptar-se às necessidades da luta política e mesmo às condições concretas de apreensão imediata dos acúmulos da organização pelo recrutando já inserido nas lutas da classe trabalhadora. Ainda assim, é importante que haja exigência de algumas atitudes do recrutando quanto ao organismo, como: leitura das resoluções, presença em reuniões ordinárias e auxílio na execução de tarefas, guardadas as particularidades de cada recrutando. Também é importante que haja tempo mínimo para que o recrutando se torne orgânico, a fim de que o organismo possa integrar e conhecer o novo militante da melhor maneira possível. O direcionamento da política de recrutamentos, que visa à consolidação da influência do Partido entre a classe trabalhadora, não pode jamais estar descolado das prioridades de inserção nos setores estratégicos, no movimento de massas e no impulsionamento da luta revolucionária.
§59 O cerne da questão do recrutamento está na tarefa de todos os militantes do Partido em buscar ativamente os melhores quadros que despontam nas lutas espontâneas do proletariado e aproximá-los da teoria e da forma de organização revolucionárias do proletariado. Esse recrutamento ativo deverá ser a primeira forma de recrutamento para o Partido. É preciso, obviamente, recrutar os militantes que “batem à nossa porta”, mas o Partido realizará tanto melhor seus recrutamentos quanto mais eles forem uma consequência de nossa inserção nas diversas categorias de trabalhadores.
§60 No PCBR a política de recrutamentos está em estreita relação com uma estrutura permanente que garanta formação política para iniciação partidária a todos os recrutandos que, estando de acordo com o Programa e o estatuto do Partido, demonstram disposição em construir as lutas da classe trabalhadora. Essa política de recrutamento deve estar também vinculada a um direcionamento planejado da agitação e da propaganda, impulsionando assim a entrada da política revolucionária nos setores elencados como estratégicos para o avanço da luta revolucionária. Os recrutadores devem fazer o acompanhamento continuado dos recém ingressos, visando a integração dos mesmos na militância.
§61 A política de recrutamentos não pode funcionar como um filtro social, que impede militantes com menor disponibilidade de tempo ou de meios materiais para realizar leituras extensas já no processo de aproximação da organização. A política deve ser flexível e dinâmica baseada nas características profissionais e de vivência do futuro militante. Deve ser missão do recrutador, alinhado com sua comissão, escolher o melhor método de integrar aquele(s) militante(s), bem como o tempo de recrutamento. A disciplina militante e a formação de quadros devem ser forjadas pela estrutura da organização na luta política. A adaptação dos materiais-base dos recrutamentos a variados tipos de mídia também é fundamental para que superemos barreiras capacitistas para a entrada de revolucionários em nossas fileiras.
§62 O processo de formação da toda a militância enquanto agitadores e recrutadores do Partido é fundamental para que saibam identificar possíveis militantes destacados em suas bases de atuação, aproximá-los de nossa linha e, com os mesmos tendo já demonstrado interesse em compor nossas fileiras, repassar tarefas que possibilitem a avaliação do nível de disciplina prática do militante até que seja recrutado. Mais do que medir o nível de apreensão de leitura de variados textos, o papel do recrutador é saber avaliar com qualidade a disposição e a disciplina militante já demonstradas pelo recrutando nas conversas e tarefas repassadas antes que seja integrado a um organismo do Partido.
Sobre a formação de quadros
§63 Quando nos referimos ao papel do PCBR na formação política e teórica de uma vanguarda proletária revolucionária, não podemos compreender essa tarefa dissociada da própria experiência prática da luta de massas e de nossa tarefa de agitação e propaganda. É preciso que nossa propaganda, em especial, seja concebida como o primeiro passo no processo de formação dos quadros comunistas que recrutamos e desenvolvemos coletivamente.
§64 Isso também significa não limitar a nossa propaganda teórica às formas de comunicação de massas digitais: é preciso que os organismos locais e suas células promovam entre as massas trabalhadoras círculos de estudos e organizem frequentemente palestras e debates, partindo de nosso planejamento comum de formação política, a ser formulado pelo Comitê Central. É preciso não apenas estimular o autodidatismo em nossas fileiras, mas organizar continuamente nosso processo coletivo de estudo.
§65 A partir da compreensão de que as extensas jornadas de trabalho, estudo, tarefas domésticas, cuidados familiares etc., dificultam ainda mais conciliar o tempo livre com as tarefas militantes, é imprescindível que a organização não se exima da responsabilidade em criar as condições para que os militantes desenvolvam autonomia em seus estudos sobre o marxismo-leninismo. Tal compreensão busca justamente reconhecer a responsabilidade coletiva que temos de formar nossa militância, sem que deixemos de lado mulheres, pessoas não-brancas, LGBTI+s e PcDs, tendo em vista as condições de vida que as perpassam. A autonomia da formação política, sobretudo em seu caráter teórico, é um desafio necessário de ser encarado para que possamos sanar as disparidades formativas que existem entre a militância e que contribuem também na reprodução de opressões em nossas fileiras.
§66 O Comitê Central deve organizar um Sistema Nacional de Formação Política, que organize em nível nacional a formação prática e teórica dos militantes, com vistas à construção de uma Escola Nacional de Formação de Quadros. No escopo desse sistema, será dever do Comitê Central e dos demais organismos dirigentes viabilizar aparelhos nos territórios para contribuir com a formação dos quadros. Manuais sobre os mais diversos aspectos da atividade prática e materiais de explicação teórica minuciosa de nossas resoluções congressuais também devem ser produzidos pelo Comitê Central, com a condição de não serem tomados de maneira formalista e dogmática.
§67 Devemos também criar condições materiais que garantam que as mulheres, pessoas não-brancas, LGBTI+s e PCDs possam seguir militando na nossa organização e se desenvolverem enquanto quadros, isto é, uma rede apoio capaz de dar apoio e assistência em vários aspectos da vida e militância: assistência profissional e jurídica (educação, emprego, saúde), espaços de acolhimento, intérpretes e tradutores, por exemplo. Devem existir comissões nacionais capazes de auxiliar na execução dessas medidas. Também precisamos de espaços físicos acessíveis, que disponham de espaço-criança e creches, estimulando o acolhimento de crianças pelo conjunto da militância.
§68 A formação política deve se estruturar também em um eixo produtivo da ciência revolucionária, não responsável por fornecer formação política, mas por elaborar produção científica para o Partido. Este eixo estará vinculado ao trabalho do Órgão Central.
Estatuto do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário
Art. 1º O Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) reivindica criticamente todo o legado do movimento comunista nacional e internacional e entende a si mesmo como um partido marxista-leninista, instrumento da luta pela hegemonia do proletariado no rumo da revolução socialista.
Art. 2º O símbolo que nos representa é a foice (simbolizando os trabalhadores rurais) e o martelo (simbolizando o proletariado urbano).
Art. 3º É considerado militante do PCBR todo aquele que aceita o programa e o estatuto do Partido, participa diretamente das tarefas de pelo menos um organismo do Partido e contribui regularmente (cotiza) com as finanças do Partido, dentro das condições materiais do militante.
§1º Todo militante tem o direito de encaminhar correspondência aos organismos superiores e de receber respostas a essas correspondências.
§2º Todo novo militante deverá ter seu recrutamento aprovado por um organismo do Partido.
Art. 4º O Congresso do Partido é seu fórum máximo de deliberação. Será convocado preferencialmente de três em três anos, em caráter ordinário, ou a qualquer momento, em caráter extraordinário, pelo Comitê Central. O Congresso do Partido tem como funções: (a) aprovar o balanço das atividades do Partido desde o Congresso anterior; (b) aprovar as Resoluções do Partido para o período até o próximo Congresso; e (c) eleger o Comitê Central.
§1º O Comitê Central deverá convocar um Congresso extraordinário se for solicitado formalmente por Comitês cujas jurisdições representem mais da metade dos militantes do Partido.
§2º Se o Comitê Central se recusar a convocar um Congresso extraordinário nas condições do §1º, os Comitês que o solicitarem deverão eleger uma Comissão Organizadora Nacional com poderes para convocar um Congresso Extraordinário. O Comitê Central será imediatamente dissolvido pela Comissão Organizadora Nacional. O mesmo modelo se aplica às esferas regionais e locais do Partido.
Art. 5º O Comitê Central é o organismo que tem como atribuições: (a) dirigir o Partido entre Congressos, baseando-se rigorosamente nas decisões do Congresso que o elegeu, construindo um Plano de Ação Nacional para organizar empreendimentos de importância geral do Partido e dirigindo as atividades dos Comitês Locais e Uniões de Comitês; (b) representar o Partido nacional e internacionalmente, em contatos bilaterais e declarações públicas; (c) eleger e dirigir ideologicamente os trabalhos do Conselho Editorial do Órgão Central.
Parágrafo único. O Comitê Central pode cooptar membros para sua composição por maioria qualificada de ⅔.
Art. 6º Nas regiões onde o Comitê Central ou a maioria dos Comitês Locais julgar necessário, será formado como organismo intermediário entre ambos uma União de Comitês Locais, abrangendo um estado ou região e tendo como atribuições: (a) distribuir as forças e fundos do Partido, desenvolvendo Comitês Locais conforme as necessidades políticas do Partido em determinada região; (b) desdobrar o Plano de Ação Nacional por meio de um Plano de Ação Regional, com medidas a serem desenvolvidas nas regiões pelos Comitês Locais e as células que estes dirigem. Suas deliberações deverão ser ratificadas pelo Comitê Central.
§1º A União dos Comitês Locais de uma determinada região pode cooptar membros para sua composição por maioria qualificada de ⅔.
§2º A composição da União dos Comitês Locais será indicada pelo Comitê Central e considerada aprovada caso seja ratificada pela maioria dos Comitês Locais em suas respectivas reuniões; ou por meio de Conferência Regional, extraordinariamente.
§3º As Conferências Regionais serão convocadas por decisão da maioria simples da União dos Comitês Locais ou por solicitação formal do Comitê Central ou dos Comitês Locais que representem mais da metade dos militantes da região. Em caso de recusa da União dos Comitês Locais de convocação da Conferência Regional, o Comitê Central deverá apontar uma Comissão Organizadora Regional com poderes para organizar a Conferência Regional. Em caso de recusa do Comitê Central, os Comitês Locais que solicitaram a Conferência Regional deverão eleger uma Comissão Organizadora Regional com poderes para convocar uma Conferência Regional.
Art. 7º Os Comitês Locais são os organismos que têm como atribuições: (a) distribuir as forças e fundos do Partido, desenvolvendo células conforme as necessidades políticas do Partido em determinada região; (b) desdobrar o Plano de Ação Nacional (ou Regional, onde haja) por meio de um Plano de Ação Local, com medidas a serem desenvolvidas nas regiões pelas células.
§1º O Comitê Local pode cooptar membros para sua composição por maioria qualificada de ⅔.
§2º Os Comitês Locais são eleitos nas etapas de Congresso, ordinariamente, ou por meio de Conferência Local, extraordinariamente.
§3º As Conferências Locais serão convocadas por decisão da maioria simples do Comitê Local ou por solicitação formal do Comitê Central ou das células que representem mais da metade dos militantes da localidade. Em caso de recusa do Comitê Local de convocação da Conferência Local, o Comitê Central deverá apontar uma Comissão Organizadora Local com poderes para organizar a Conferência Local. Em caso de recusa do Comitê Central, as células que solicitaram a Conferência Local deverão eleger uma Comissão Organizadora Local com poderes para convocar uma Conferência Local.
Art. 8º As Células são os organismos de base do Partido e se dividem conforme as necessidades de desenvolvimento da inserção nas lutas nos territórios, locais de trabalho e de estudo ou de desenvolvimento de tarefas específicas. Têm como atribuição o encaminhamento prático das medidas desdobradas pelos Comitês Locais.
Art. 9º O limite da circunscrição de cada organismo é definido pelo organismo superior; cada organismo goza regularmente de plena autonomia para dirigir o trabalho em sua circunscrição, o que abrange suas questões organizativas internas, mas deve implementar as decisões dos organismos superiores.
Art. 10 O Comitê Central elabora, entre congressos, a normativa editorial das Tribunas de Debates.
Art. 11 O método de trabalho e deliberação de todos os organismos do Partido é o centralismo democrático. O princípio do centralismo democrático e da autonomia de todos os organismos implica uma liberdade universal e plena de crítica, desde que isso não perturbe a unidade de uma ação definida; exclui todas as críticas que perturbem ou dificultem a unidade de uma ação em curso decidida pelo Partido.
Art. 12 A expulsão de um militante do Partido é uma medida excepcional, a ser aplicada quando já forem exauridas todas as tentativas de correção de desvios do militante em relação à unidade de ação do Partido.
§1º A expulsão de um militante do Partido necessita de 2/3 dos votos do organismo de que o militante faz parte ou ⅔ dos votos de um organismo superior. O militante fica suspenso do trabalho partidário até a confirmação da expulsão. O processo de apuração será feito de acordo com uma normativa escrita pelo Comitê Central.
§2º Em caso de recebimento de informações contundentes relativas a violência psicológica ou física praticadas por militante da organização, o mesmo será afastado preventivamente das tarefas que toque, respeitando-se o direito à defesa junto a comissão responsável pela análise do caso, para garantia de segurança da possível vítima que nos trouxe o relato.
§3º O militante pode recorrer ao organismo superior ao que confirmou sua expulsão, sucessivamente até o Congresso.