Resistência palestina inicia contra-ofensiva histórica sobre a ocupação israelense
Para além do já conhecido silêncio e apatia da chamada comunidade internacional, a ocupação foi intensificada ano após ano, e a escalada de crimes e violência alcançou patamares bárbaros, culminando no direito legítimo de resistência do povo palestino através das armas.
Editorial — Um dia após os 50 anos do início da guerra do Yom Kippur, na manhã do último 7 de outubro, forças militares palestinas, em especial o Hamas, abriram uma nova página na história de sua resistência ao Estado de Israel. Centenas de mísseis foram lançados sobre assentamentos ilegais da ocupação sionista em Gaza, marcando o início da “Operação Tempestade Al-Aqsa”. Os ataques por terra, ar e mar surpreenderam as forças militares israelenses e chocaram a imprensa local pela flagrante ausência de informações prévias de inteligência sobre uma operação militar tão complexa — um feito sem precedentes, noticiado na maioria das manchetes de jornais como um “atentado terrorista à Israel”.
A contra-ofensiva é uma resposta às agressões israelenses aos territórios e ao povo palestino nas últimas décadas, que marcam o recrudescimento do estado de apartheid. O nome da operação é uma referência direta à mesquita Al-Aqsa, invadida nos últimos dias diversas vezes por colonos israelenses sob escolta da polícia.
Em comunicado no mesmo dia, Mohammed Deif, membro do Hamas e comandante-chefe das Brigadas al-Qassam, informou que por diversas vezes foram feitos apelos a Israel e aos líderes globais para cessarem as agressões contra o povo palestino e prisioneiros políticos, além da violação a suas terras e locais sagrados, pressionando minimamente pelo cumprimento das leis e resoluções internacionais. Para além do já conhecido silêncio e apatia da chamada comunidade internacional, a ocupação foi intensificada ano após ano, e a escalada de crimes e violência alcançou patamares bárbaros, culminando no direito legítimo de resistência do povo palestino através das armas.
Organizações como o Hezbollah, a Frente Popular pela Libertação da Palestina e a Frente Democrática para a Libertação da Palestina também aderiram aos esforços da operação contra a ocupação sionista.
Horas depois de iniciada a contra-ofensiva palestina, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, fez um chamado de mobilização às forças armadas sionistas para “devolver o fogo em uma magnitude não conhecida pelo inimigo”.
Desde então, Israel deixa a população de Gaza rumo a sua quarta noite de terror e escuridão, privados de fornecimento de energia elétrica e água. Mais de 200 alvos em Gaza foram bombardeados pelas forças israelenses, até o momento com 1.537 palestinos mortos, sendo cerca de 500 crianças, e pelo menos outros 6.612 feridos. Ainda não foi assegurado um corredor seguro para o acesso de ajuda médica aos hospitais palestinos. A Federação Internacional das Sociedades da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho comunicou que cinco de seus paramédicos foram assassinados enquanto cumpriam seu papel humanitário de socorro médico. Não há, até o momento, perspectiva breve de cessar os ataques à população civil palestina.
Assim como em 1948, Israel pretente dar seguimento a uma nova Nakba, expulsando e matando a população palestina – como defendido por inúmeros chefes do estado sionista.
A grande mídia brasileira, em coro com a totalidade da “imprensa ocidental”, insiste em noticiar a questão como um conflito meramente étnico-religioso, entre palestinos e judeus, onde se pressupõe a igualdade bélica e militar entre dois estados, além de alçar uma cortina de fumaça sobre as reais razões que levaram a operação de continuada expulsão e massacre palestino: motivações de cunho político-econômico que residem no seio do sistema imperialista e suas disputas.
Em sua história pós-Primeira Guerra Mundial, a Palestina encontra-se ocupada pelo sionismo (em forma do Estado de Israel) desde 1948, inicialmente contando com financiamento do Império Britânico e, posteriormente, estadunidense. Os Estados Unidos são aliados notórios de Israel, operacionalizando a partir do estado sionista seu controle militar sobre parte estratégica de territórios no Oriente Médio. O presidente Joe Biden declarou em pronunciamento do dia 7 de outubro que “Os EUA darão toda a ajuda a Israel”, e reafirmou seu apoio “sólido e inabalável”, reiterando o compromisso inegociável com o sionismo e com a tragédia do povo palestino. Tal aliança foi o que, precisamente, consolidou Israel como uma potência no quesito de produção de armamento e treinamento militar, utilizando-se de Gaza como um verdadeiro laboratório de testes.
Entretanto, é necessário levar em consideração nas análises que qualquer tipo de nacionalismo burguês não representa os interesses históricos verdadeiros da classe trabalhadora, seja qual for sua origem, etnia, ou religião. O Hamas, fundado em Gaza em 1987 como desdobramento da Irmandade Muçulmana, representa o Movimento de Resistência Islâmica e tem um projeto próprio de poder que se opõe a Israel, mas que não é oposição real aos interesses burgueses e suas políticas na região. É possível dizer também, que de certa forma o Hamas é uma criação de Israel, diante de seu histórico de cooperação com o Sheik Ahmad Yassin, fundador do movimento do qual surgiu o Hamas. Marx em sua época, acompanhando com particular interesse a luta de libertação do povo irlandês em face do colonialismo britânico, manifestou apoio aos esforços do movimento feniano, mesmo reconhecendo que não tinha em suas pretensões ou em seu horizonte prático imediato conduzir o proletariado irlandês e inglês à revolução socialista proletária. A posição consequente de solidariedade às lutas anticoloniais — no tempo de Marx e na atualidade — nos exige o compromisso de ir além das palavras. A solidariedade internacional com a causa palestina deve ser nosso norte, e é nesse sentido que assinalamos a ofensiva histórica do povo palestino contra a ocupação israelense.
Por essa razão, não reiteramos as tentativas de parte dos veículos midiáticos ao traçar qualquer paralelo destes acontecimentos recentes com a guerra na Ucrânia. A luta palestina é uma luta contra um Estado colonial executor de uma terrível política de apartheid que mata, segrega, oprime e desumaniza diariamente todo um povo. Diferente disso é a guerra interimperialista em curso na Ucrânia, disputa bélica entre frações do imperialismo por suas funções no capitalismo monopolista global.
De mesma forma, indo contra o expresso em inúmeros veículos da mídia burguesa, não podemos acenar erroneamente para uma solução baseada na separação territorial de dois Estados, algo que apenas fortalece a lógica atual de opressão do povo palestino, uma vez que ignora as condições materiais atuais, econômicas, militares e geográficas das terras sob controle da Autoridade Palestina. A chamada “solução de dois Estados” é uma proposta israelense muito confortável com a política expansionista nos territórios palestinos, e que busca legitimar — como se isso fosse uma “negociação de paz” — os assentamentos de Israel como critério definidor do que é a Palestina e do que não é. Em termos concretos, fica evidente a impossibilidade de demarcar dois Estados de forma satisfatória quando se coloca em exame territórios como os arredores de Gaza, a Cisjordânia e a cidade de Jerusalém. Nesse sentido, a “solução” de dois Estados se torna mais um problema para que se alcance a paz entre os povos na região.
Não é necessário atravessarmos o oceano para fazer um debate honesto, que demonstre diretamente a brutalidade da ocupação sionista. Há muitos paralelos cruéis entre a vida de nossos povos, os mais notórios sendo o racismo, a crescente militarização dos territórios e o encarceramento em massa, que se tornaram cotidiano de palestinos e brasileiros moradores das periferias.
A Palestina foi instrumentalizada pelo colonialismo como laboratório onde Israel desenvolve técnicas de massacre, genocídio e armamentos para exportação, inclusive para o Brasil. Em dezembro de 2021, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Decreto Legislativo 228/2021, autorizando o convênio militar entre Brasil e Israel. Dois países caracterizados pela prática de instrumentalizar a força militar e policial para responder aos interesses burgueses, se aproximaram ainda mais e formalmente por meio de um acordo de massacre que vitimiza jovens palestinos e jovens pobres e negros no Brasil. Os dois Estados, visando o fortalecimento do capital internacional e da indústria bélica, cooperam entre si por meio de acordos militares e comerciais e por meio de suas políticas genocidas.
É preciso orientar o debate público, em especial entre os trabalhadores, para a compreensão de que apenas a libertação total da Palestina, ou seja, a determinação de um Estado Socialista único permitirá a liberdade ao povo, (independente de sua origem étnica ou sua religião), varrendo os interesses monopolistas e, aí, sim, colocando verdadeiramente a vida e a paz como prioridades.