'Representatividade, uma resposta para Enrico (não apenas)' (Basalto)

Camaradas, a crise abordada nessas contribuições não é de cunho “estético”, mas sim uma crise de representatividade. A palavra “estética” oferece uma série de conflitos e ambiguidades, desde seu uso como definição de matéria filosófica até seu uso como analogia ao ramo cosmético.

'Representatividade, uma resposta para Enrico (não apenas)' (Basalto)

Por Basalto para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Compreendida entre tribunas de les camaradas Antônio e Fernanda, Estética Realmente Importa?, de Enrico, faz parte de uma discussão um tanto mais extensa que ocorreu a nível de Núcleo. Por eu ter escrito uma tribuna em adição à discussão, especificamente motivado por pontos de divergência com Enrico, creio que seja necessária também a postagem integral e — ainda que eu tivesse vontade de alterar aspectos que tornassem a exposição mais eficiente — inalterada desta no EDDC. Sendo, como já disse, fruto de uma discussão a nível de núcleo, espero a compreensão de les camaradas citades em minha exposição, que segue.


Basalto, tribuna n°2 - Representatividade.

Salve, camaradas! Neste texto, que inicio no dia 10 de Maio, dialogo com as últimas tribunas que tangenciam a questão de representatividade em nossa organização, a partir de “Sobre o Perfil Elitista do PCB-RR e UJC em São Paulo”, até a contribuição da camarada Fernanda sobre o tema.

I

Desde há um tempo, toda vez que me atenho a uma palavra ou a algum quesito expositivo para começar a discutir algo, ecoa na minha cabeça aquele “tem fundo político, camarada?”. Por essa questão ser fonte de uma discussão mais longa — que não cabe aqui —, desde já digo que a nitidez do que se expõe, sendo essencial para a compreensão e avanço dos debates, é fundamento político.

A partir disso, temos que retificar algo que se iniciou no primeiro parágrafo da primeira tribuna do camarada Antônio; causou incisividade na tribuna da camarada Renata; e terminou compondo o título da tribuna do camarada Enrico. Camaradas, a crise abordada nessas contribuições não é de cunho “estético”, mas sim uma crise de representatividade. A palavra “estética” oferece uma série de conflitos e ambiguidades, desde seu uso como definição de matéria filosófica até seu uso como analogia ao ramo cosmético. Em suma, estética é um termo abrangente demais para que nos seja útil agora. E digo “agora” porque com certeza les camaradas da Frente de Cultura terão (teremos) que pautar, em algum momento, algo que possa ser propriamente denominado estética (que, sim, importa); mas isso é outra coisa, que fica pra outra hora, porque há prioridades. Em outras palavras, camaradas, creio que o pensamento acerca deste assunto, fundamentado em termo mais concreto — “representatividade”, ao contrário do abstrato “estética” — suscite mais eficiência no desenvolvimento da solução política à crise.

Creio que quem mais acertadamente nomeou o tópico foi camarada Fábio. Ainda assim, não acho que o termo perfil compreenda os fatos, afinal não somos uma empresa ou agência de modelos que filtra candidatos segundo um perfil, atributos ou um currículo. Somos um partido marxista-leninista (que se propõe) de vanguarda, e nossos interesses são, no fim, políticos. Em resumo, estética é um objeto que, em nosso contexto de organização marxista-leninista, creio, virá a ser útil num campo (futuro) da agitação e propaganda; a discussão sobre a racialização politizada de nossas fileiras, camaradas, não pode ser apenas um apetrecho, um acessório, porque é fundamental para a nossa existência eficaz como organização marxista-leninista brasileira.

II

É simplesmente impossível ignorar o fato de que nossas fileiras são compostas majoritariamente por um extrato social que não é maioria no Brasil, nem em São Paulo. Creio que seja ajustado dizer que, sim, isso se dá por impedimentos ao acesso e à assimilação de informação política — por exemplo, no caso do Brasil, pela demonização coordenada à falaciosa separação entre política e vida social, que torna a discussão política uma chatice para considerável parte da classe trabalhadora; como outro exemplo, temos o completo esgotamento de tempo que pudesse ser direcionado ao estudo e discussão de política, etc. Mas esses e outros impedimentos não são acidentes: o Brasil é um país fundamentalmente racista; e é impossível realizar a revolução brasileira sem pensar a questão racial, e, se vamos realizar a revolução brasileira, devemos começar a realizar apropriadamente ações que combatam o racismo que impregna nossas fileiras (é difícil escapar ao ambiente social: os problemas do Brasil como fato social vão, inevitavelmente, atingir-nos também em uma certa proporção, cabe a nós combater isso). Tudo isso é óbvio dizer; considerações mais concretas quanto a isso vêm mais tarde no texto.

Quanto à crise de representatividade e seu diagnóstico, não há variação, todas as tribunas às quais fiz referência em meu primeiro parágrafo acertadamente percebem este fato. Antonio de maneira mais apaixonada; Renata de maneira aprofundada e tanto mais cética — com claro e preocupante cansaço; e Fábio com uma análise também minuciosa. Ainda que a análise de Fábio procure vias de aprofundamento — e não sei se por pura perturbação minha —, não compreendi alguns pontos que se me configuraram como contradições. Comecemos por aqui.

Camarada Fábio considera uma falha de análise compreender a classe trabalhadora num grupo maior ou menor do que aquele que “vive do trabalho, sendo este em estágios mais precarizados ou não”, mas ainda assim separa camaradas (que não estão no grupo que entendemos por burguesia, portanto são classe trabalhadora) em um grupo útil e outro fútil, baseando-se em suas diferentes dinâmicas sociais — assim, fragmentando também a concepção de classe trabalhadora. Ademais, há menos entendimento ainda quando percebemos que o camarada atribui a este grupo futilizado e, segundo ele, menos essencial a até então sobrevivência do partido.

Não é necessário tomar o Brasil como um todo para notar que nosso contexto é altamente fragmentado: se compreendermos apenas nosso contexto de município isso já se mostra nitidamente. Assim, não acho justo pensar a classe trabalhadora daqui, seja de nosso contexto nacional, seja de nosso contexto de Zona Leste como um monolito homogêneo. É óbvio também que o contexto social de les camaradas (em qualquer instância de sua variação) muda em algum nível os rumos da militância; a militância é pautada, discutida e realizada por indivíduos sob um regime de centralismo democrático. E nem tudo é dedutível, algumas coisas tu só sabe vivendo. Mesmo tendo isso em mente, e tendo uma certa convicção de que o camarada Fábio venha a concordar comigo, não vejo como separar os camaradas em grupos mais ou menos “úteis” seja frutífero para nosso desenvolvimento sobre o tema. Creio que desenvolverei esta linha de raciocínio mais à frente, pensando propostas.

III

Este é um ponto importantíssimo. Assim como disse camarada Renata em sua última tribuna, Resposta aos camaradas Fábio e Antônio, é de percepção geral que um movimento comunista brasileiro que represente o seu povo e seja efetivo em suas ações deva ser preto e proletarizado. Muita atenção aqui, camaradas: tendo isso como fato: o que então nos leva a negligenciar tantas tentativas de pauta dessa crise que, não de hoje, se nos mostra? Três ou quatro anos, camaradas, não são três ou quatro dias. Se uma camarada tão dedicada quanto camarada Renata é sumariamente ignorada durante tanto tempo acerca dessa questão, o que será dos camaradas racializados menos ativos ou mais recentes no núcleo e na organização? Todos eles terão que ter a incisividade (que, se mal manejada, facilmente acarreta em erros e mal entendidos) da primeira tribuna de camarada Antônio para se fazer ouvir? Eis então este parágrafo, um pito, que não poderia se deixar passar em branco. Apesar de com alguns equívocos, o camarada Antônio, como bem disse camara Fernanda, “em uma postura marxista-leninista, levou o debate para o espaço de coletivização”. Não podemos ignorar mais esta contribuição. Muita coisa aconteceu com a UJC nos últimos anos, entendo que discussões possam ser colocadas em segundo plano. Mas, se fazemos justiça ao Reconstrução Revolucionária que enfatizamos tanto ao nomear nossa organização neste período de transição, temos que ter questões que, como essa, são fundamentos do lastro histórico da sociedade brasileira como prioridade máxima, fazendo com que todas as nossas Frentes despendam seu tempo acerca dessa crise brasileira que se mostra também em nossa organização. Esse é o tamanho do que se apresenta, é isso que deixamos passar quando fazemos que não ouvimos camaradas como Renata e tantes outres. Sua proposição para a Comissão de Formação será levada em conta em exposições futuras deste documento.

IV

Em sua segunda tribuna dentro do recorte a que me refiro, camarada Antônio faz algumas propostas concretas — que dialogam com apontamentos prévios de camarada Renata — quanto à crise presente. Analiso aqui os dois primeiros parágrafos da terceira página do documento referido, onde camarada Antônio apresenta suas propostas de intervenção.

O camarada aborda a Agitação e Propaganda e um “‘boca a boca’ [...] para abordar as contradições capitalistas com seus semelhantes no seu dia a dia”, e coloca aquela como pressuposto deste (“Porém, para que isso dê certo[...]).

Para que as conversas cotidianas consigam abordar com efeito as contradições capitalistas não é fundamental a Agitação e Propaganda, mas sim a formação dos camaradas que se proponham a ter essas discussões em seus cotidianos; e — mesmo que um ímpeto inicial de se radicalizar politicamente tenha feito com que les camaradas procurassem algum respaldo teórico, por quaisquer meios, sejam mais recentes, como os influenciadores radicalizados, sejam mais formais, como obras fundamentais, científicas etc. —, quando num contexto de organização democraticamente centralizada, também deve ser centralizada, ao menos num nível básico, a formação de nossos militantes. Há meios para tal, devemos nos esforçar para tal.

Isso não é dizer, obviamente, que não seja importante a Agitação e Propaganda. Esse “boca a boca” certamente pode acontecer, por exemplo, durante uma tarefa de colagem de lambes, caso alguém nos faça uma pergunta acerca do motivo daquela atividade; muito mais certamente esse “boca a boca” vai acontecer numa panfletagem, ao explicar o conteúdo político daquilo. Ainda assim, o fundamento da efetividade desse diálogo é a formação e a capacidade de comunicar politicamente de maneira nítida.

V

Já tendo tomado muito tempo de vocês, camaradas, quero fazer desta a última fração deste texto, amarrando as pontas soltas que fui deixando ao longo disto.

Antes que eu me esqueça, e para ter um ponto de início deste último raciocínio, tenho bastante esperança nos últimos esforços da Frente de Cultura quanto procurar a inserção em espaços competentes à essa Frente, nas batalhas, nos slams, e futuramente, espero, tantos outros espaços em que a juventude de nossa classe se encontre com intuito cultural. Caso sejamos competentes nessas atividades — cautelosos e pacientes —, vejo com certo otimismo o cenário à frente, crescerá o interesse, e mais importante, a confiança da juventude periférica nesta organização.

Inicio propriamente esta conclusão voltando naquilo que me parece uma contradição lógica de camarada Fábio, quando diz sobre a sobrevivência do partido e da maior ou menor importância de algunes ou outres camaradas. Ora, camarada, se “nosso partido sobrevive por aqueles que têm tempo de militar”, não me parece cabível um “abandono” desses camaradas — sinceramente, não sei nem o que isso significaria. Claro, devemos fazer com que “nossa forma de pensar política não se baseie sobre eles e seus espontaneísmos”. Mas nos baseamos, realmente nisso? Este abandono — e, por favor, me corrija em caso de mal entendido — me soa como um “dar menos ouvidos”, menos peso de convencimento; mas, de que utilidade isto seria, se as bases teóricas que pautam nosso debate forem as mesmas? De que adiantaria começar a ignorar camaradas que teriam mantido o partido vivo, e não começar a ter como base pensadores de um Brasil racializado tal como ele se apresenta perante nós? Vejam, camaradas, mesmo que — como eu já disse — as pautas sejam discutidas e realizadas por indivíduos, elas não deixam de ser — como eu também já citei — passíveis de centralização.

Me parece exposto agora, como disse camarada Renata em sua última tribuna acerca disto, que cabe sim algo à Comissão de Formação: ao meu ver, cabe, não apenas despender toda uma parcela de seu direcionamento à utilização, apresentação e estudo de textos de filósofes pretes do contexto brasileiro, mas priorizá-les: Joel Rufino dos Santos, Lélia Gonzáles, Jones Manoel, Clóvis Moura, etc. Somades a les citades, com menor ênfase, dado o nosso contexto, filosofes pretes de outros contextos que não o brasileiro: Frantz Fanon, Angela Davis, dentre outres.

Somos um partido marxista-leninista, é claro que vamos ler Marx, Engels, Lênin, e muitos autores homens, brancos e europeus fundamentalíssimos para o pensamento comunista, isso também, claro, cabe à Comissão de formação apresentar e analisar. Mas — e atenção agora —, a paridade de interesse teórico entre autores europeus da segunda metade do século XIX (e preâmbulos do século XX) e pessoas que pensam e pensaram o nosso contexto histórico enquanto Brasil singular e altamente racializado não será solução. Foi justamente essa paridade de interesse ou, em mais casos, a predominância da procura pelo pensamento branco (em grande parte ignorante de questões raciais) europeu que nos trouxe até crises como a que se discutiu nessas tribunas. Em suma, não devemos “abandonar” camaradas, e sim o viralatismo teórico.

A nota de rodapé em I, §2 se refere também a isto. A “representatividade”, para Malcom X, provoca mudanças num nível individual: da pessoa que exemplifica e das pessoas que, por se inspirarem naquela primeira, alçam maiores voos; no entanto, não modifica estruturas. Apartir disso, pode-se concluir que, mesmo que seja um avanço a racialização de nossas fileiras, caso essa racialização não se dê também na linha política do partido, tudo será em vão. Camaradas virão e irão, podendo se sentir representades no que (aqui sim) seria um âmbito que poderia ser chamado de estético, mas negligenciados quanto às bases teóricas do partido. Ademais, em síntese, tenhamos como objetivo tornar mesmo o termo “representatividade” obsoleto em nossas fileiras. Não quero um partido que tenha apenas “representatividade”, como se pessoas racializadas fossem utensílios para dizer que não somos embranquecidos e reprodutores do racismo brasileiro, quero um partido de caráter racializado, que — sem ignorar as outras nuances de opressão — tenha isso em seu núcleo, assim como o desenvolvimento histórico deste país tem.

Uma pontuação sobre o levantamento de características (demográficas, acho) da Zona Leste. São importantes tais levantamentos, porém, acho que numa outra proporção. Vejo como mais eficiente fazer levantamentos de recortes mais especificados — de espaços em que planejamos agir, como estamos fazendo na Frente de Cultura — do que da Zona Leste inteira. Me atendo ao exemplo da Frente de Cultura, levantamos primeiro os locais de interesse, depois, indo até esses locais levantamos, ou levantaremos as características específicas daquele espaço. Isso pode se dar em diversos âmbitos de nossa militância: saber os locais; descobrir as necessidades; deliberar ações efetivas; e realizá-las.

Vale ressaltar que, com o número reduzido de militantes de que dispomos atualmente, as ações também ficam complicadas; o que nos exigirá muita paciência a mais; nada que não possamos fazer: a reconstrução vem (melhor: vamos trazê-la), e eu tenho convicção disso.


Se me permitem, camaradas, a quem ainda não viu, deixo a recomendação da entrevista do camarada Jones Manoel no Desce A Letra Show, apresentado por Cauê Moura e pelo cria de Guaianases, Load. Muito do que trato neste documento também é tratado lá, por Jones Manoel, com bastante mais propriedade.

Termino a redação deste documento no dia 12 de Maio, esperando ter sido de alguma utilidade para este fundamental debate. Não apenas estou aberto às tréplicas des camaradas, como as incentivo.

Depois de tempos sem escrever, e sempre retomando aos poucos