Rentismo e exploração: por que o Brasil tem a maior taxa de juros do mundo?
A taxa de lucro dos títulos da dívida pública superou a de setores como indústria, comércio e agricultura, transformando o rentismo em uma prática disseminada em todos os ramos do capital.
Por Redação
A 265ª reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) resultou, como esperado, em um novo aumento da taxa Selic, agora fixada em 10,75%. O Brasil mantém, há mais de 30 anos, uma das maiores taxas de juros do mundo, e a mídia burguesa não cansa de justificar essa política do Banco Central como essencial para o controle da inflação. Alguns veículos chegam a afirmar que tal medida beneficia os mais pobres, alardeando que eles seriam as maiores vítimas da alta dos preços. Contudo, a realidade é outra: com cada aumento de 1% na Selic, o governo brasileiro transfere, em média, R$ 70 bilhões adicionais para rentistas que possuem títulos da dívida pública.
A narrativa da mídia burguesa e dos bancos, quando falam sobre “corte de gastos”, “equilíbrio das contas públicas” e “redução de despesas”, nunca inclui os juros da dívida pública. O Estado burguês separa as despesas em duas categorias: o gasto primário e o gasto financeiro. O gasto primário é direcionado a áreas fundamentais para a população, como saúde, educação, previdência, ciência e tecnologia, cultura, salários do funcionalismo público e proteção ao meio ambiente. Já o gasto financeiro está centrado no pagamento dos juros da dívida pública, dinheiro que vai diretamente para os bolsos da burguesia rentista. E enquanto fazem terrorismo fiscal com o gasto primário, nada se fala sobre cortar, por exemplo, os R$ 400 bilhões destinados ao agronegócio no Plano Safra.
Além disso, o gasto financeiro do Estado está livre de qualquer teto ou controle fiscal. Tanto o Teto de Gastos imposto por Temer quanto o Novo Teto de Gastos do Governo Lula-Alckmin mantêm intacto o privilégio dos rentistas. Nos últimos 12 meses, o Tesouro Nacional transferiu R$ 748 bilhões aos detentores de títulos da dívida pública. E é justamente esse fluxo constante de dinheiro público para o grande capital que alimenta o poder da classe dominante.
Alguns setores da esquerda brasileira acreditam que a solução para esse problema está em uma auditoria da dívida pública, como a realizada por países como Grécia e Equador. No entanto, esses países, ao contrário do Brasil, não possuem soberania monetária, ou seja, não emitem sua própria moeda. Enquanto a Grécia utiliza o euro e o Equador, o dólar, o Brasil emite o real, e nossa dívida é interna. O verdadeiro problema, aqui, não está em corrupção ou contratos secretos, mas sim na política deliberada de transferência de riqueza pública para os monopólios capitalistas, facilitada pelo próprio Estado.
Com o avanço do neoliberalismo, a financeirização da economia tornou-se crucial para o capital monopolista. No Brasil, a taxa Selic, que chegou a 30% durante o Plano Real, foi usada como um mecanismo para atrair dólares e equilibrar a balança de pagamentos, mas isso ocorreu à custa de desindustrialização e do sacrifício de toda a economia real. A taxa de lucro dos títulos da dívida pública superou a de setores como indústria, comércio e agricultura, transformando o rentismo em uma prática disseminada em todos os ramos do capital.
A política econômica foi capturada pelos interesses dos grandes capitalistas. A crença de que o aumento da Selic combate a inflação tornou-se uma arma ideológica. Quando a inflação resulta de fatores como crises globais ou alta nos preços administrados, a resposta do Banco Central é elevar ainda mais os juros, alimentando o ciclo de especulação financeira. O Boletim Focus, criado no governo FHC, é o instrumento pelo qual o grande capital “prevê” suas próprias decisões econômicas. Bancos e monopólios são consultados sobre suas expectativas, e o Copom ajusta suas decisões para atender a essas demandas, garantindo os lucros dos rentistas.
Em 2021, a privatização do Banco Central, chamada cinicamente de "autonomia", durante o governo Bolsonaro, consolidou ainda mais esse controle. O presidente da República pode até indicar o presidente do Banco Central, mas as decisões continuam alinhadas aos interesses da elite financeira. Recentemente, Lula indicou Gabriel Galípolo para o cargo, mas sua atuação seguirá a mesma lógica dos mandatos anteriores: proteger o capital financeiro e garantir que os bilhões continuem a fluir para as mãos dos bilionários.
O problema não está em uma auditoria da dívida, mas na própria estrutura política e econômica do Estado burguês. A solução passa pelo enfrentamento direto ao rentismo e ao capitalismo. A luta de classes deve se intensificar, com o controle da classe trabalhadora sobre o Banco Central e o fim de mecanismos como o Boletim Focus. É preciso destruir as bases do neoliberalismo, ajustar a taxa de juros conforme os interesses do povo e acabar com o parasitismo financeiro que suga as riquezas da nação. O enfrentamento ao rentismo é, em última instância, a luta contra o capitalismo e pela emancipação da classe trabalhadora.