'Renascer, reorganizar, reconstruir' (Paulo Pinheiro)
Não há possibilidade de crescimento e resolução de conflitos, se não houver espaço para críticas e debates. Estes devem ser recebidos e encaminhados em todas as instâncias, de qualquer militante.
Por Paulo Pinheiro para Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
Não faço parte do PCB há pouco mais de 20 anos, quando atuava em célula e diretório municipal em Curitiba e na direção estadual do Paraná. Mas tenho acompanhado a recente agitação, e mais atentamente, as recentes disputas, pois venho pensando muito seriamente em voltar à militância.
Dois fatores principais, interligados, que me fizeram decidir pela saída no passado, parecem presentes ainda, mas de forma muito mais profunda. A primeira, uma forte pressão de personalidades “pecebistas” em instâncias dirigentes, com seus projetos não confessados, agindo dissimuladamente (muitas vezes nem tanto) contra militantes de base, especialmente os desprovidos de condições materiais. A segunda, o deslumbre eleitoral, e a dormência revolucionária aliada a uma existência puramente formal entre eleições.
E a linha invisível que une tudo isso era (e atualmente parece se repetir) uma postura política internacional conciliadora e, para ser mais exato, entreguista. As finanças eram aparentemente amadoras, mas na verdade, cuidadosamente planejadas. Ou seja, por fora da estrutura partidária (doações pessoais para casos extraordinários) para que não fossem passíveis de destinação dada após discussão coletiva, e mais, fossem seletivamente usadas, levando companheiros à exaustão emocional e financeira.
Se o federalismo no país era uma realidade, mesmo dentro do estado podíamos pensar em feudos.
Pessoalmente, a luta interna ao lado de alguns poucos camaradas para organizar o Partido em células e manter um boletim interno, e tarefas do secretariado estadual de organização custeados com recursos próprios levou a mim e tantos outros a uma situação insustentável, pois isolados e esgotados, saímos um por um.
Reorganização Revolucionária
Diante disso tudo, atualmente, o que mais me chama à reflexão são os seguintes pontos, quando penso na retomada do caminho revolucionário:
Internacional
Estamos ainda vivendo a ofensiva do capital ocorrida com a queda do leste europeu. Uma violenta derrota para o proletariado mundial. É preciso ter isso em conta sempre. O duro golpe que desorganizou mundialmente o proletariado pode-se ver na prática com todos os retrocessos nas legislações trabalhistas e nas condições concretas de vida. E uma dura luta ideológica, e não por acaso, a hegemonia social-liberal nas esquerdas, e um recuo quase total nos movimentos revolucionários. Um rolo compressor que não para seu ataque contra nós, há décadas.
Mas as experiências socialistas não se restringem ao leste europeu. Existem as experiências asiáticas, alvo de controvérsias, e Cuba, sob um ataque sem precedentes. Somando-se as populações de Cuba, Vietnã, Coreia Popular, China e Laos, temos quase 20% da população mundial vivendo experiências de poder popular, e arrisco aqui dizer, de socialismo real e concreto, do socialismo possível contemporaneamente. Somem-se a isso, outras experiências, como povos em luta em zonas liberadas como no México, Filipinas e Índia, por exemplo.
Mesmo entre revolucionários, há quem afirme que o socialismo acabou, mas temos essas experiências resistindo, por vezes avançando, por vezes recuando. E são experiências mais importantes ainda por enfrentarem problemas de transição tão complexos como foram os das repúblicas que compunham a URSS. As empresas privadas, o trabalho informal, o crime organizado em todas as formas possíveis de acumulação primitiva de capital, tudo isso são problemas reais que devem ser compreendidos e combatidos e com os quais devemos nos solidarizar, pois para além da solidariedade, no futuro seremos nós a enfrentar esses problemas, e não podemos ignorar essas experiências presentes.
É preciso compreender melhor cada uma dessas experiências, através de sua imprensa, de seus partidos, de seus governos, de suas massas trabalhadoras, digerir, nos informarmos e repassar esse conhecimento. Essa é uma tarefa gigantesca, que pode e deve ser compartilhada com organizações de todo o mundo de forma centralizada.
Imprensa revolucionária
O jornal tem sido o cerne para organização dos partidos revolucionários por sua diversidade de tarefas, abrangência territorial e alcance das massas trabalhadoras. Atualmente temos, além do jornal impresso, outros meios de influência, algumas vezes mais imediatos, porém mais difusos e difíceis de medir, como as redes sociais e aplicativos de mensagem com seus grupos de distribuição. Não devemos nos restringir a um ou outro meio.
Devemos construir uma máquina de informações que alimente e seja alimentada por nossa imprensa e nossa rede de disputa ideológica.
Ela deve servir a propósitos de agitação, propaganda, organização e circulação interna de informações. Todos os organismos do Partido devem ter como uma de suas tarefas captar, classificar, organizar, redigir e enviar para os órgãos superiores informações importantes e sínteses que formulem a partir delas.
Com essa máquina de informações é possível ter uma visão geral do país, das lutas particulares, e a cada nível mais geral, informações para sínteses de lutas regionais até o nível nacional. E localmente, uma visão de outros locais, de outras experiências.
Cada mídia, seja jornal impresso, panfleto, rede social, palavra de ordem, texto em site, podcasts, declaração em vídeo, textos ou áudios ou vídeos em aplicativos de mensagens, entre tantas outras possibilidades, devem estar em um fluxo guiado por essa máquina (no jargão burguês diz-se “pipeline”), cada qual com redatoria própria especializada para adaptar o conteúdo a essa forma, de acordo com o objetivo estabelecido pelo grupo editor.
Não esqueçamos que os meios eletrônicos de comunicação estão sujeitos à espionagem e sabotagem paraestatal. É necessário que tenhamos quadros preparados para montar nossa estrutura de informações e comunicações, capaz de suportar ataques e ser reconstruída rapidamente sem perda ou vazamento de dados e funcionalidades.
Finanças
Primeiro ponto, sermos disciplinados na contribuição individual ao organismo em que estivermos vinculados. A contribuição individual é sinônimo e demonstração de compromisso com o coletivo partidário.
As atividades partidárias devem ser planejadas e financiadas pelo Partido, e não dependerem das condições financeiras de quem esteja responsável por realizá-las. Isso evita o desgaste individual e o privilégio das pessoas com melhores condições financeiras.
Além da contribuição financeira dos militantes, deve-se estabelecer camadas de contribuição com amigos simpatizantes e contribuintes das mídias de imprensa partidárias. Eventuais campanhas e festas, mas com o objetivo central político e não apenas de arrecadação, devem complementar essa arrecadação.
Para maior aporte, mas de forma contínua e segura, deve-se começar a constituir pequenas empresas para uma dupla função: uma forma de profissionalização para militantes atuarem ainda com emprego formal, e garantia de recursos para o Partido.
Interno
Sobre processos disciplinares, é um recurso extremo e mais extremo ainda é a expulsão. Mas nada deve ser jogado para baixo do tapete, jamais. Com transparência, tempo e possibilidade de defesa, pode-se encaminhar esses procedimentos sem problemas.
Cabe ressaltar que eles só se tornam definitivos se, apresentado apelo em Congresso, órgão máximo do Partido, forem ratificados, ou revertidos.
Não há possibilidade de crescimento e resolução de conflitos, se não houver espaço para críticas e debates. Estes devem ser recebidos e encaminhados em todas as instâncias, de qualquer militante.