Relatório de Trabalho da Comissão LGBT do TKP

O trabalho dos Comunistas LGBTs deve travar uma dura luta ideológica, não só para abalar a hegemonia da ideologia liberal que domina o movimento, mas também para mostrar que um trabalho LGBT baseado em classes é possível e pode ser bem-sucedido.

Relatório de Trabalho da Comissão LGBT do TKP
"A bandeira do arco-íris, da qual destacamos o vermelho e a coroamos com o martelo e a engrenagem, simboliza o vínculo inquebrável que estabelecemos entre a libertação LGBT e a luta pelo socialismo. Estamos conscientes de que nos propusemos a criar um exemplo raro tanto no MCI como no movimento LGBT mundial. Tiramos a nossa coragem da produção política eficaz e criativa da linha comunista que o Partido representa desde 1993, que vai além, e é historicamente justificada em todas as questões críticas. Como criadores desta linha política no campo LGBT, estamos cientes das tarefas que nos aguardam, tanto a nível teórico como prático."

Traduzido por Juliana Ferreira e Çağdaş Çorbacıoğlu


1. PREFÁCIO 

Os membros LGBTs do Partido Comunista da Turquia, que passavam por uma crise organizacional em meados de 2014, publicaram uma declaração para anunciar que participariam do Congresso do Progresso (Atılım Kongresi) enquanto coletivo.

O texto da convocatória publicado no boletim do Congresso do Progresso foi o seguinte:

Chamado dos Comunistas LGBT ao Congresso do Progresso

Caros camaradas,

Como comunistas LGBT, temos plena confiança de que o Partido Comunista da Turquia tem um quadro que levará a sua linha política ao poder Socialista, assim como a Resistência de Junho tem potencial revolucionário para nos levar a novos Outubros. Acreditamos que, com o processo congressual que estamos para iniciar, nosso pensamento coletivo e o funcionamento organizacional serão reconstruídos sobre bases sólidas, e a identidade comunista que nos une sob a égide do Partido será fortalecida.

Com esta confiança e crença, declaramos que somos os organizadores do Congresso do Progresso que se realizará no dia 13 de Julho de 2014 e convidamos todos os nossos camaradas a fazerem parte do processo do congresso.

Uma das decisões tomadas no Congresso do Progresso foi em relação à questão LGBT:

As pessoas LGBTs, que há tanto tempo atuam pela exigência de uma vida digna, aumentaram a  legitimidade de sua luta como um dos movimentos sociais mais proeminentes da Resistência de Junho, fortalecendo a solidariedade e os elementos ideológicos igualitários da resistência. A exigência por direitos iguais, que é um dos temas de maior importância na luta das pessoas LGBT, está em desacordo com a Segunda República turca, antes de mais nada, por suas práticas que ignoram direitos à cidadania. Nas condições reacionárias alimentadas pelo governo do AKP (Adalet ve Kalkınma Partisi – Partido da Justiça e Desenvolvimento), o direito deste grupo à vida não é reconhecido para além de sua exigência por “igualdade”.

A luta LGBT na Turquia, que se encontrava em grande parte confinada a um quadro liberal, especialmente antes de Junho, mostra sinais de abandono deste quadro, em certa medida, devido ao novo ambiente político e ideológico criado pelo governo do AKP. O TKP criará canais que permitirão que esta dinâmica, cuja importância não pode ser ignorada em nosso país, especialmente nas metrópoles, se alinhe ao socialismo.

O Partido Comunista (KP), que foi criado após o Congresso do Progresso, iniciou um novo trabalho orientado para o exterior sob o nome de Comunista LGBTs, a fim de implementar esta decisão. Essa ação representa o primeiro grupo LGBT comunista entre as organizações comunistas na Turquia e na nossa região. Nosso símbolo, que reúne a bandeira do arco-íris, simbolizando a luta de libertação LGBT, e a foice e o martelo, símbolo do movimento comunista internacional, na mesma bandeira, tem significado e missão histórica.

Os Comunistas LGBTs (Komünist LGBTler) são a comissão para  intervenção e organização do Partido Comunista da Turquia nesta área. A ênfase principal é que as pessoas LGBT só podem ser iguais e livres no socialismo, e que uma sociedade sem gênero pode ser alcançada através da eliminação de classes. Os Comunistas LGBTs são candidatos a uma obra ousada e permanente, com sólidas bases de classe.

Este relatório, elaborado pela Comissão de Trabalho LGBT após uma fase de preparação que não pode ser considerada curta, visa traçar um quadro geral para o campo LGBT, tanto para informar os nossos camaradas como para permitir ao Partido ver o futuro neste campo.

2. INTRODUÇÃO

A existência de um elo entre o movimento LGBT – cuja prioridade é defender as identidades e os direitos das pessoas LGBT – e o movimento comunista que luta para destruir a ordem burguesa e estabelecer o poder da classe trabalhadora – não pode ser vista como um problema que precisa ser resolvido. Esse elo não está relacionado apenas ao movimento LGBT. Também não se deve pensar que isso é entre nós e o movimento LGBT. Além dos movimentos identitários, existe e deve haver um elo entre o movimento estudantil/juventude, a luta sindical e até entre o movimento comunista e outros partidos socialistas. Portanto, tomamos este ponto como verdade quando iniciamos.

Não se deve ignorar que questões de identidade dividem a sociedade e surgem num contexto propício à criação da ilusão de “interesse comum”, baseado no fato de pessoas de todas as classes pertencerem a uma identidade. Para os comunistas, a unidade da sociedade com interesses históricos comuns é a classe, não a identidade. Dividir pessoas da mesma classe por pautas identitárias ou colocá-las umas contra as outras é um dos instrumentos utilizados pela burguesia para se perpetuar no poder. Portanto, é necessário travar uma luta ideológica contra a percepção de que pessoas pertencentes a classes distintas, mas com a mesma identidade têm interesses comuns, e contra a divisão de trabalhadores pertencentes à mesma classe mas com identidades diferentes.

Os “novos movimentos sociais”, que acusam os comunistas de serem procrastinadores, retratam o socialismo como um futuro distante e, deste ponto de vista, voltam sua busca para dentro da ordem. A recente campanha “orientação sexual e identidade de gênero na constituição” demonstrou o exemplo mais concreto disso. Ao passo que a esfera política e social estivesse rapidamente se tornando religiosa, esperava-se que o reconhecimento e a igualdade de cidadania diminuíssem para as pessoas LGBT. No entanto, sabemos que todas as regulamentações jurídicas são moldadas de acordo com o poder e o impacto da luta de classes naquele país. A tese dos comunistas de que “os LGBTs não se enquadram na constituição do AKP” não foi uma profecia, mas sim o resultado inevitável e preciso de abordar os fatos a partir de uma perspectiva de classes, e não de uma identidade específica.

Os Comunistas LGBTs estabeleceram uma linha política que não se limita a alcançar ganhos graduais na ordem burguesa, uma forte compreensão do vínculo histórico entre o poder da classe trabalhadora e a libertação LGBTs,  com a consciência de que as condições que criarão O Novo Humano amadurecerá graças à luta que é travada hoje. Não estamos começando do zero, temos o conhecimento e as conquistas das práticas do Vermelho do Arco-Íris (Gökkuşağının Kızılı) que se estende por anos. Agora, ao mesmo tempo que evoluímos este conhecimento para um trabalho mais institucional, estamos determinados a levar os nossos ganhos adiante.

O fato do nosso trabalho ser dirigido ao mundo exterior com a assinatura “Comunistas LGBTs” é resultado de uma escolha política. Em consonância com o fato de as universidades, escolas secundárias e organizações de mulheres terem adotado um estilo que enfatiza a identidade comunista durante o processo de reconstrução do nosso partido, partimos sob o nome de Comunistas LGBTs. Da mesma forma, o uso da abreviatura LGBT é uma escolha puramente política. Não temos de presumir que a política de identidade pós-moderna muda conceitos de acordo com as suas próprias prioridades (LGBT, LGBTT, LGBTQ, LGBTI, LGBTQI, etc.). “LGBT”, o uso mais comum e duradouro na sociedade, na academia e na imprensa, abrange todas as identidades sexuais oprimidas. A sua inclusão não está no número de letras, mas na sua resposta social e política. Por todas estas razões, preferimos usar LGBT como abreviatura.

A bandeira do arco-íris, da qual destacamos o vermelho e a coroamos com o martelo e a engrenagem, simboliza o vínculo inquebrável que estabelecemos entre a libertação LGBT e a luta pelo socialismo. Estamos conscientes de que nos propusemos a criar um exemplo raro tanto no MCI como no movimento LGBT mundial. Tiramos a nossa coragem da produção política eficaz e criativa da linha comunista que o Partido representa desde 1993, que vai além, e é historicamente justificada em todas as questões críticas. Como criadores desta linha política no campo LGBT, estamos cientes das tarefas que nos aguardam, tanto a nível teórico como prático.

O aumento simultâneo da visibilidade/organização LGBT e da discriminação/reacionismo coloca pressão sobre as organizações LGBT liberais que não têm uma formação política que abrace a ideia de iluminismo. Já as organizações liberais pró-governo abstém-se de tomar uma posição aberta contra o fundamentalismo religioso em nome do “multiculturalismo” e se empenham para uma aceitação geral de interpretação da religião que seja compatível com a homossexualidade, moldando assim a vida e a percepção social. Não se pode esperar que essas organizações forneçam respostas aos problemas das pessoas LGBT progressistas. O secularismo é vital para as pessoas LGBT; os liberais, por outro lado, nem sequer percebem que estão cortando o galho de que estão em cima.

O nosso trabalho pretende ser o foco daqueles que querem continuar a luta pela igualdade de direitos civis das pessoas LGBT num contexto anti-establishment. A falta de uma organização popular corrói grande parte da sociedade e significa um duplo cerco para as pessoas LGBT, muitas das quais estão condenadas a viver escondendo as suas identidades. Temos que produzir uma resposta à busca política das pessoas LGBT que rejeitam este cerco e optam pelo “sair do armário” enquanto ação política, ou seja, declarar a sua identidade sexual e viver as suas vidas com a cabeça erguida. Caso contrário, não será possível eliminar a deformação causada pelo liberalismo no movimento LGBT e incluir pessoas LGBT progressistas que estão presas entre o recurso do segredo e o ativismo LGBT dominante. 

Não é possível que o sistema do capital, que obriga as mulheres, os jovens, os curdos e até os alevitas a levarem um estilo de vida baseado em referências religiosas, opere o mesmo mecanismo para as pessoas LGBT. Quando se trata de pessoas LGBT, a solução encontrada pelo sistema consiste no conservadorismo e no confinamento ao sigilo. Portanto, as pessoas LGBT constituem um segmento social que o sistema não consegue abranger ou assimilar de forma alguma, trazendo assim um potencial para crises. Uma das dinâmicas que pode rasgar a camisa de força que está sendo colocada no país é a difusão da visibilidade e da organização LGBT. O fortalecimento saudável da dinâmica LGBT depende das intervenções eficazes e permanentes dos comunistas. As organizações LGBT, cuja visibilidade atingiu o pico com a Resistência de Junho e depois mergulhou numa visível estagnação apolítica, deveriam sentir a influência comunistas sobre elas.

O ativismo LGBT dominante, que faz referência à identidade sexual, que tem uma estrutura dinâmica, de forma a ofuscar a identidade de classe, e vê a “coragem de ser visível” como mais valiosa do que a própria posição política, é essencialmente identitário. As organizações liberais pró-governo, que determinam sua distância dos atores políticos observando até que ponto as questões LGBT estão incluídas no programa e discurso de cada ator, e reduzem a posição dos socialistas a um apoio incondicional, são, em certo sentido, colaboradoras da classe dominante. Nosso trabalho sempre levará esse fato em consideração ao fornecer informações sobre o movimento LGBT.

Os comunistas avançam em todos os campos, preenchendo a lacuna que criaram. O campo LGBT não é exceção nesse sentido. Estamos fortalecendo a frente ideológica que abrimos com o Vermelho do Arco-Íris no movimento LGBT com o trabalho dos Comunistas LGBTs. Cabe a nós tornarmos mais difundida e mais forte a única organização LGBT socialista do país. Está em nossas mãos garantir que a bandeira do arco-íris com engrenagem e martelo passe de mão em mão e que a busca por uma vida honrada encontre a consciência de classe. Está nas nossas mãos preparar o caminho para a luta pela criação do Novo Humano na  sociedade socialista e acumular hoje forças para a construção de uma sociedade sem classes e sem gênero. Porque se não fizermos isto, outros não o farão.

3. DETECTANDO PROBLEMAS E SOLUÇÕES

3.1. É possível uma perspectiva de classe?

A luta LGBT começa com a emergência de identidades sexuais oprimidas no cenário político e a sua construção como uma identidade política moderna. A existência de pessoas LGBT ao longo da história da humanidade não significa a existência da identidade LGBT moderna ou do movimento LGBT. As pegadas do processo de formação da identidade LGBT nos remetem ao final do século XIX, ou seja, logo após a Revolução Industrial. A Revolução Industrial e o desenvolvimento do capitalismo permitiram que identidades sexuais ignoradas encontrassem a sua expressão moderna. Uma das razões mais importantes para isto é que, com a Revolução Industrial, os indivíduos revelaram o seu potencial para viver fora da família. Fatores como a substituição da família grande tradicional por outras formas de organização  familiar, a migração das zonas rurais para as urbanas e a proletarização criaram condições onde as práticas sexuais não-heterossexuais pudessem ser experimentadas. Com o feudalismo, a família tradicional também se dissolveu, mas esta situação não mudou automaticamente a visão sobre a homossexualidade de uma forma positiva. A formação da identidade trans moderna remonta ao final do século XX. Em resumo, não é coincidência que a identidade LGBT moderna tenha surgido com a ruptura com o feudalismo, ou seja, com o capitalismo; é o resultado da urbanização e do surgimento das classes modernas.

A afirmação de que as pessoas LGBT podem ser cidadãos iguais e livres sob o capitalismo, e o exemplo dos direitos em alguns países capitalistas desenvolvidos, é tão hipócrita quanto a compreensão da igualdade pela sociedade burguesa. O capitalismo é inerentemente heteronormativo; A família nuclear baseada na reprodução e na propriedade é um dos pilares da ordem. A família é de importância crítica para a criação de novas gerações de trabalhadores e para a continuação da produção e do consumo. No núcleo familiar moderno, a força de trabalho doméstica das mulheres é gasta na realização do trabalho necessário para que os trabalhadores e candidatos a trabalhadores da família se reproduzam.

Após a Revolução Industrial, ao mesmo tempo que se criavam as condições para a formação de uma identidade homossexual, a supressão da homossexualidade e a sua punição por “sodomia” ganharam destaque. A sexualidade não reprodutiva é rotulada como hedonismo, gays são rotulados como pervertidos porque vão além das normas masculinas, lésbicas são rotuladas como desviantes porque vão além das normas de feminilidade, e pessoas trans são rotuladas como desviantes porque vão além de ambas. O fato de gays e mulheres trans serem vistos como seres “anormais” pela sociedade, enquanto o lesbianismo não atrai tanta reação, demonstra a dominação masculina frente ao sistema.

Outro indicador da atitude hipócrita do capitalismo é o sistema denominado “pink money” que surgiu em países relativamente desenvolvidos. Com o pink money, isto é, padrões de consumo que apelam às pessoas LGBT, o mercado empurra as pessoas LGBT para as periferias enquanto cria a ilusão de liberdade através do consumo. O pink money retrata as pessoas LGBT como uma comunidade que não tem filhos, que gosta de diversão e de gastar dinheiro, sendo resultado natural da economia mercantil. Esta situação também significa que as diferenças de classe entre as pessoas LGBT estão se tornando mais profundas.

Neste contexto, não é possível que as pessoas LGBT sejam aceitas como cidadãos livres e iguais fora da determinação da economia de mercado dentro do sistema capitalista. Um dos princípios básicos do sistema alternativo, isto é, do modelo de sociedade socialista, é realizar transformações materiais e culturais que garantam a liberdade sexual das pessoas. O socialismo deve ser um sistema no qual as pessoas possam satisfazer livremente as suas necessidades sexuais, excluindo todos os tipos de abuso, baseado no consentimento e seja compatível com a dignidade humana. Um dos pré-requisitos para isso é lutar para eliminar os preconceitos sexuais entre os trabalhadores.

A população LGBT, como outras  populações, inclui diferentes classes sociais. Embora existam pessoas LGBT de todas as profissões e classes, não é exagero dizer que a maioria das pessoas LGBT pertence à classe trabalhadora, considerando que a esmagadora maioria da população não tem outro meio de vida além da força de trabalho. Quer sejam trabalhadores em cargos de gerência/administração ou operários, trabalhem em tempo integral ou parcial, ou mesmo estejam desempregados, a maioria das pessoas LGBT faz parte da classe trabalhadora. Isto significa que os trabalhadores LGBT têm interesses de classe comuns com outros trabalhadores.

3.2. É possível um movimento LGBT que transcenda as classes?

A abordagem dos comunistas em relação à questão de classes das mulheres, partindo do feminismo, e a sua posição na luta LGBT situam-se quase no mesmo terreno. Seria útil concretizar a questão através de algumas perguntas. Quais são os problemas comuns de uma proprietária/chefe e de uma trabalhadora numa fábrica têxtil? Poderia o fato de ambas serem mulheres ser suficiente para ignorar as contradições de classe? Ambas vivenciam as mesmas dificuldades por serem mulheres? É possível diversificar essas questões e adaptá-las ao movimento LGBT. Por exemplo, um chefe gay e uma trabalhadora lésbica que trabalha como operária numa fábrica ou uma trabalhadora com cargos gerenciais/administrativos, podem ter interesses comuns? Pode-se afirmar que essas pessoas têm interesses históricos comuns? Os eventos e fatos podem ser vistos através de uma identidade que transcende as classes?

Pela sua natureza, os movimentos identitários liberais ignoram a luta da classe trabalhadora ou tratam a identidade de classe no mesmo plano que outras identidades. Para os comunistas, as identidades não são agrupamentos sociais livres de pertencimento e interesses classe. Em todas as circunstâncias, existe uma contradição de classe inconciliável entre o trabalhador que trabalha sob a exploração do trabalho assalariado numa fábrica e o seu patrão. Os interesses de um empresário secretamente gay que retorna à sua vila no seu Jeep ​​no final do horário de trabalho e da operária de vestuário que ele despediu da sua fábrica depois de ouvir que ela é lésbica não são comuns, mas opostos. Portanto, o argumento de que trabalhadores e patrões têm interesses comuns simplesmente porque têm uma identidade comum é conciliação de classe. Neste contexto, qualquer abordagem que nem sequer permeie as questões de identidade a partir de uma perspectiva de classe e que não relacione a libertação dos oprimidos ao poder do proletariado, permanece dentro dos limites do sistema e não tem saída.

A proposição de que o movimento LGBT está “acima da política, livre de todos os tipos de política” e que os interesses de todas as pessoas LGBT são comuns expressa uma escolha política clara. Embora a abordagem liberal explique os problemas vividos pelas pessoas LGBT e ofereça soluções, ela tenta impedir a conscientização das diferenças de classe entre as pessoas LGBT e, portanto, questionar o sistema capitalista que produz desigualdades. Na verdade, não há surpresa nisso; Cada elemento luta para que sua própria visão de mundo domine o movimento como um todo. Os liberais tentam esconder isto sob o pretexto de “suprapolítica”, enquanto os comunistas partem do fato de que o movimento LGBT consiste em diferentes divisões ideológicas e de classes, e não hesitam em expressar isso em voz alta.

O fato da luta anti-discriminação ser constituída por elementos com diferentes ideologias e organizações não indica que o movimento esteja “acima da política”, mas que tem certos princípios políticos que mantêm os seus componentes unidos. Para os comunistas, a solidariedade com outros segmentos oprimidos e explorados complementa a exigência de liberdade e igualdade. Ao contrário do que se afirma, ser LGBT por si só não é unificador; a tese de que todas as pessoas LGBT têm interesses comuns está fadada a ser questionada.

4. PRÁTICAS DO SOCIALISMO REAL

4.1. O mito da homofobia marxista e a URSS

Os liberais, que mantêm a política de classe e a luta LGBT separadas e pensam que deveriam proceder de maneiras diferentes, dizem que os marxistas são insensíveis à opressão das pessoas LGBT ou que adiaram a libertação sexual mesmo após governos socialistas. Este discurso continua popular hoje.

Os movimentos LGBT, que se fortaleceram a partir da década de 1960, e as feministas e os movimentos políticos de orientação liberal desenvolveram um contato mais próximo, fazendo com que a liberdade individual passasse a ocupar o primeiro plano, em vez da liberdade social e das políticas de identidade ganharem peso nos movimentos LGBT. Até hoje, o movimento LGBT não conseguiu escapar à influência do liberalismo e definiu os conceitos de democracia e liberdade como eixos principais de sua luta. Contudo, no sistema capitalista, a democracia é a democracia dos patrões e a liberdade é a liberdade dos patrões e da classe rica. Embora o CEO da Apple, Tim Cook, possa declarar publicamente que é gay, um trabalhador não pode sequer admitir para si mesmo que é gay por medo de perder o emprego ou, na melhor das hipóteses, de ser pressionado ou excluído do seu círculo de amigos.

Então, para quem é a liberdade trazida pelo capitalismo? Enquanto os liberais saudaram a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo em todos os estados dos EUA e declararam os EUA um país de democracia e liberdade, os mesmos EUA criaram o Estado Islâmico do Iraque e da Síria (ISIS), que executa homossexuais.

Aqueles que afirmam que o marxismo ignora as lutas pelos direitos das pessoas LGBT porque prioriza a classe, mantêm o seu silêncio contra o sistema capital que sujeita os trabalhadores, independentemente de serem LGBT, curdos ou mulheres à exploração no trabalho assalariado. Ignoram que a verdadeira luta é atingir o sistema que cria os problemas. A menos que a luta seja dirigida para a origem do problema e sejam tomadas medidas para destruir o capitalismo, o sistema continuará provocando assassinatos de mulheres e de pessoas trans, suicídios, desemprego e a mercantilização da educação e da saúde. A eliminação de todos esses problemas é possível secando a fonte. As abordagens “solidárias” das organizações liberais LGBT estão longe de visar a eliminação dos problemas.

Para manter o poder da classe dominante no capitalismo, é necessário impedir que os trabalhadores se revoltem e se organizem. Todos os tipos de discriminação que dividem os trabalhadores entre si, como o sexismo, a homofobia, o racismo, o nacionalismo que alimentam a discriminação, servem ao capital. Portanto, para eliminar permanentemente a discriminação, o capitalismo deve ser destruído e a propriedade privada abolida. A Revolução de Outubro, que incorporou o sonho de erradicar a exploração e derrubar a ordem capital, foi um passo gigantesco para a humanidade e realizou práticas inspiradoras como a revolução sexual e a criação do Novo Humano. A Revolução de Outubro, na qual a classe trabalhadora tomou o poder, fez a humanidade dar um salto em frente e libertou as pessoas. Era impensável que a revolução socialista que libertou as mulheres não libertasse as pessoas LGBT.

À medida que os bolcheviques tomaram o poder, baniram o poder patriarcal na vida familiar. Foram implementados artigos que retiravam a posição dominante dos homens e davam às mulheres o direito de determinar o seu próprio destino sexual. Todas as leis contra a homossexualidade foram abolidas. Foram fornecidas condições para os homossexuais viverem livremente as suas vidas e os tribunais soviéticos aprovaram os casamentos entre homossexuais. Todos estes desenvolvimentos e a grande revolução social ocorreram 3 anos antes dos EUA, a “terra dos livres”, conceder às mulheres o direito de voto em 1920.

Georgiy Chicherin, que serviu como Comissário do Povo para as Relações Exteriores entre 1918 e 1923 na União Soviética, acusada de totalitarismo, era abertamente homossexual. Inesse Armand, uma gerente conhecida por seus discursos sobre a liberdade homossexual no Partido Comunista. Homens trans também foram nomeados para alguns cargos no Exército Vermelho.

Na década de 1920, foram registradas cirurgias relacionadas à transição de gênero. Com a regulamentação feita em 1922, a prostituição deixou de ser crime, tornou-se um problema de saúde pública e foi criada uma comissão de saúde para doenças sexualmente transmissíveis. Com a regulamentação feita em áreas como políticas de assistência social, emprego e vida, foram oferecidas alternativas ao tráfico sexual a mulheres e homens. A brochura Revolução Sexual na Rússia, escrita pelo Diretor do Instituto de Saneamento de Moscou, Dr. Grigoriy Batkis, e publicada em 1923, é a melhor resposta às distorções e mentiras. Parte do folheto diz:

“As atuais leis sexuais na União Soviética são o resultado da Revolução de Outubro. Esta revolução é importante não apenas como um fenômeno político, mas como um fenômeno que mantém o domínio político da classe trabalhadora. Também para todas as revoluções que atingem todas as áreas da vida e dela surgem. (...) As leis sociais da revolução comunista russa não pretendem ser o produto de um conhecimento puramente teórico, mas antes representam o resultado da experiência. Após a revolução bem sucedida, após a vitória da prática sobre a teoria, as pessoas procuraram primeiro novas regulamentações ao longo de linhas econômicas. No entanto, foram criados modelos que regulam a vida familiar e as relações sexuais para responder às necessidades e exigências naturais das pessoas. As leis soviéticas estão a avançar num caminho novo e nunca antes traçado, a fim de cumprir os novos objetivos e tarefas da revolução social. A lei soviética, tendo em conta todos os aspectos do período de transição, baseia-se no seguinte princípio: Declara que o Estado e a sociedade não interferirão estritamente em questões sexuais, desde que ninguém seja insultado e os interesses de ninguém sejam violados.”

Embora a revolução sexual tenha sido implementada em toda a sua glória nos sovietes, o estabelecimento desta cultura e a internalização e desenvolvimento da revolução exigiram uma luta em grande escala e a longo prazo. As condições de guerra que se impuseram na década de 1940 iniciaram uma grande destruição nos Sovietes, e eles tiveram que lidar com muitos problemas como a fome, a pobreza e o declínio das atividades industriais. Durante este período, as pessoas LGBT também sofreram a sua parte nos efeitos da guerra e da destruição. As condições de guerra e o estado da economia soviética, que causaram um aumento na necessidade de mão-de-obra, também causaram um aumento na necessidade de um núcleo familiar, e foram tomadas medidas para incentivar o crescimento populacional. A revolução sexual, que retirou a sexualidade dos limites da sexualidade reprodutiva, não poderia durar muito devido à influência das condições objetivas. A trágica proibição da homossexualidade e a continuação desta proibição até à dissolução da URSS é, sem dúvida, um dos fracassos práticos do socialismo real.

A prática soviética, apesar dos seus erros, é um passo em frente para a humanidade, com os seus méritos e pecados. Precisa ser abraçado como um todo e os erros devem ser lições a serem aprendidas. Cuba, outra prática do socialismo, segue um caminho muito diferente neste campo. A Cuba socialista, que nunca abandonou a sua missão de fazer felizes os seus trabalhadores, mulheres e crianças e de estabelecer um socialismo mais perfeito, tem lançado as bases de uma nova política LGBT há algum tempo.

4.2. A luta pelos direitos LGBT na Cuba socialista

Quando se trata dos direitos LGBT na Cuba socialista, a primeira instituição que vem à mente é o Centro Nacional de Educación Sexual (Centro Nacional de Educação Sexual) ou CENESEX. Num país onde o machismo e a homofobia são amplamente prevalentes, a mudança que o CENESEX trouxe à perspectiva do público e do governo sobre a diversidade sexual é notável. Nos últimos anos, Havana e outras cidades cubanas realizaram manifestações anti-homofobia e festivais de cinema gay. Cirurgias de redesignação sexual tornaram-se parte dos cuidados de saúde. O parlamento do país está até considerando alterar o Código Nacional da Família para proteger e fortalecer os direitos da comunidade LGBT.

Neste contexto, duas declarações de Fidel Castro são bastante marcantes. “Os líderes de Cuba jamais acreditarão que um homossexual possa incorporar as condições e exigências de comportamento que poderiam torná-lo um verdadeiro revolucionário”, disse Castro em 1965. Vinte e sete anos depois, Fidel mudou de posição: “Sou absolutamente contra qualquer forma de opressão, desprezo, humilhação ou discriminação contra homossexuais”. Estas citações ilustram claramente a mudança de opinião sobre a diversidade sexual em Cuba.

A história da homofobia em Cuba

Antes de examinar o desenvolvimento do CENESEX, é necessário primeiro compreender um pouco sobre a história inicial da homofobia em Cuba, e seu papel na definição da criação e posterior missão do CENESEX. Existem duas razões principais para a atitude negativa em relação à diversidade sexual, especialmente entre os homens, durante a revolução. Em Cuba, como em todas as antigas colônias espanholas, o “machismo” consolidou-se. É importante distinguirmos dois termos, pois são frequentemente confundidos: O patriarcado descreve uma forma de estratificação social que exalta a supremacia masculina ou o privilégio social dos homens dentro de uma sociedade e inclui vários níveis de exploração e exclusão das mulheres. Já o machismo, pelo contrário, é uma versão mais complexa desta estratificação social, contendo elementos significativos da história colonial da América Latina e do Caribe. Na verdade, o machismo em Cuba é o resultado de quase quatro séculos de domínio colonial espanhol, sustentado por um sistema de valores católicos profundamente enraizado. Descreve o homem idealizado como extremamente masculino, corajoso, forte, paternal, agressivo, sexualmente dominante e infiel. O termo abrange também a rejeição da diversidade sexual, bem como o culto à virgindade feminina.

O segundo factor principal que criou atitudes negativas em relação aos homossexuais na Cuba socialista foi a associação da homossexualidade com a decadência capitalista. Especialmente na década de 1950, as drogas, o jogo e a prostituição estavam amplamente disponíveis em Havana e eram largamente controlados por elementos da burguesia cubana e de organizações criminosas dos EUA. Os homens gays ganharam maiores oportunidades de emprego na indústria do turismo, uma vez que são frequentemente utilizados para satisfazer as “necessidades” de prostituição dos militares e turistas dos EUA. A homossexualidade foi assim vista pelo governo revolucionário como uma extensão dos males pré-revolucionários e uma tendência que precisava ser erradicada.

A homofobia continuou com toda a sua intensidade ao longo da década de 1960. O governo procurou expurgar o país de qualquer coisa considerada corrupta ou moralmente corrupta, incluindo a homossexualidade. O aumento das tensões nacionais e internacionais agravou a atmosfera de suspeita em relação aos homossexuais, e a homossexualidade foi citada como “evidência” de atividades contra-revolucionárias. A posição dogmática do governo contra a diversidade sexual manifestou-se no relatório oficial do Ministério da Saúde Pública datado de 1965, que afirmava não haver causa biológica conhecida para a homossexualidade. A ortodoxia da ciência ocidental da época também confirmou que a homossexualidade era uma doença mental e aprovou a possibilidade de uma “cura” para a homossexualidade.

Papel do movimento de mulheres cubanas

No final da década de 1960 e início da década de 1970, pequenas mudanças começaram a ocorrer. Alguns pesquisadores sugerem que estas mudanças se basearam na legalização das relações entre pessoas adultas do mesmo sexo pela Alemanha Oriental em 1968 e no seu subsequente impacto em Cuba. Outra análise recente sugere que foi a mudança provocada pelo movimento das mulheres cubanas e pelas práticas educativas que causou maior impacto na libertação de atitudes em relação ao gênero e à sexualidade. Um forte movimento de mulheres estava amadurecendo em Cuba, sob a liderança de Vilma Espín e da Federação das Mulheres Cubanas (uma iniciativa que influenciaria muito Mariela Castro Espín e o CENESEX).

Um dos sucessos da revolução foi a luta para apoiar e desenvolver a igualdade de gênero, liderada pela Federação das Mulheres Cubanas (FMC), fundada em 1960. A FMC permitiu principalmente a mobilização das mulheres para o mercado de trabalho, mas rapidamente evoluiu para uma organização focada na promoção da igualdade de gênero. Como explicou Vilma Espín em 1971, “todas as atividades da FMC visam mobilizar as mulheres, organizá-las e melhorar suas condições”.

A FMC teve sucesso em muitos aspectos na melhoria das condições das mulheres. Tanto a educação sexual como a saúde sexual tornaram-se elementos integrantes das exigências de igualdade. Para dar um exemplo do Primeiro Congresso da FMC em 1962, foi enfatizada a necessidade de institucionalizar procedimentos de aborto seguro na regulamentação do serviço nacional de saúde. Como resultado de mudanças significativas no papel das mulheres em Cuba, o Código da Família foi aprovado em 1975, desenvolvido em grande parte pela FMC. O Código da Família introduziu a participação igualitária de ambos os sexos nos cuidados infantis e nas responsabilidades domésticas. A promulgação do Código da Família foi extremamente importante para mudar a compreensão dos papéis de gênero, uma vez que enfatizou o valor da igualdade de gênero e legalizou oficialmente a importância das mulheres no lar e no local de trabalho. Além de ser a primeira declaração estatal a mudar a compreensão dos papéis de gênero, o Código da Família foi historicamente importante para a comunidade LGBT. Porém, ao mesmo tempo, reduziu a unidade familiar a uma família heterossexual formada por um homem e uma mulher.

O nascimento e desenvolvimento do CENESEX

A educação sexual na Cuba socialista foi formalmente institucionalizada em 1977 com a criação do Grupo Nacional de Estudos de Educação Sexual (GNTES), mais tarde denominado CENESEX. O objetivo da instituição era pesquisar os conhecimentos e teorias mais recentes sobre sexualidade, bem como organizar e supervisionar o Programa Nacional de Educação Sexual, uma abrangente iniciativa nacional de educação sexual. Por exemplo, em 1979, foi publicada uma tradução para o espanhol de Man and Woman in Sexual Intercourse, do sexólogo da Alemanha Oriental Siegfried Schnabl. O livro examinou o comportamento sexual, a psicologia e a educação sexual, e seu capítulo final, “Homossexualidade em Homens e Mulheres”, foi particularmente polêmico. A ampla distribuição deste livro sobre saúde sexual foi um indicador importante do desenvolvimento da educação sexual em Cuba.

O ano de 1979 também foi importante para os cidadãos transsexuais cubanos. Atendendo a solicitações da FMC e a diversas iniciativas do GNTES, o Ministério da Saúde Pública aprovou a criação de uma equipe especializada para prestar assistência às pessoas transexuais. Essa ajuda veio inicialmente na forma de terapia hormonal, diagnósticos e outros apoios à saúde. À medida que a investigação e a compreensão do tema progrediram, o programa rapidamente evoluiu para um modelo que incluía apoio psicológico e assistência de ajustamento social. Os Ministérios da Justiça, da Saúde Pública e da Administração Interna aderiram ao novo modelo complementar. A primeira cirurgia de redesignação sexual foi realizada em 1988.

O GNTES foi restabelecido em 1989 como Centro Nacional de Educação Sexual (CENESEX). Trabalhando com o Ministério da Educação, o Centro implementou um modelo abrangente de educação sexual desenvolvido para todos os níveis do sistema educativo. O novo sistema centrou-se nas questões de gênero, bem como na saúde sexual. A diretora do CENESEX, Mariela Castro, enfatizou a importância da educação sexual com as seguintes palavras: “Insistimos que é necessário trabalhar em conjunto com faculdades e universidades formadoras de professores. “Se os professores forem homofóbicos, espalharão a sua homofobia; se forem misóginos, espalharão a sua abordagem discriminatória contra as mulheres”. Embora inicialmente seja apenas uma das catorze áreas de estudo identificadas pelo CENESEX, o campo da orientação sexual e identidade de gênero expandiu-se significativamente e, ao longo do tempo,  tornou-se uma das principais áreas do centro.

Ações e conquistas do CENESEX

O CENESEX realizou vários eventos para criar mudanças permanentes contra a discriminação de identidade sexual. Exemplos incluem a campanha Diversidade é Natural e a Campanha Nacional de Educação para o Respeito à Livre Orientação Sexual e Identidade de Gênero, bem como o Festival de Cinema Gay, que começou em 2005, e o Dia Internacional Contra a Homofobia e Transfobia, que começou em 2007. Todas  essas iniciativas estão em curso hoje e são cada vez mais apoiadas pelo povo cubano.

Outra conquista foi alcançada na área de serviços para cidadãos trans. Em 2005, o CENESEX criou a Comissão Nacional de Atenção Complementar às Pessoas Transexuais. Outro marco importante neste campo foi a assinatura da Proposta 126 pelo Ministro da Saúde Pública, José Ramón Balaguer, em 2008. A resolução aprovou a criação de um centro responsável por prestar serviços de saúde à população transexual, incluindo cirurgias e tratamentos gratuitos de redesignação de sexo. Além disso, o CENESEX e a FMC foram responsáveis ​​pela proposta de alteração do Direito da Família submetida ao Congresso Nacional do Poder Popular, com foco na legalização de casais do mesmo sexo. O CENESEX trabalhou para alterar leis que regulavam a homofobia, como o Código da Família. Isto incluía o artigo 490 do Código Penal, que prevê uma pena de prisão até seis meses para alguém que “habitualmente tenha relações homossexuais” ou “se gabe” da sua homossexualidade em público.

Embora o quadro jurídico para o reconhecimento da diversidade sexual não tenha mudado drasticamente, foram dados passos mais ousados ​​na esfera política. Em 2010, o ex-presidente Fidel Castro assumiu a responsabilidade pelas práticas discriminatórias do seu governo, como os campos de treino para homossexuais em meados da década de 1960. As brigadas da Associação Militar de Assistência à Produção (UMAP), inauguradas em 1965, não eram destinadas apenas a homossexuais, e abrigavam aproximadamente 60 mil detidos. Os campos foram concebidos para proporcionar educação ideológica e “masculinizar” homens que eram “antissociais” aos olhos do governo. Os que estavam no campo tinham que trabalhar por um salário mínimo e em condições precárias; Não lhes foi possível sair do acampamento sem estarem acompanhados por um inspetor militar. Embora as brigadas da UMAP continuem a ser um símbolo da homofobia cubana, foram encerradas em 1968 após revelações de maus-tratos a homossexuais.

Um ano depois da autocrítica de Castro, foram feitas mudanças significativas no documento denominado Fundamentos del Partido (Princípios Fundamentais do Partido) no Congresso Nacional do Partido Comunista. O Artigo 54 é particularmente digno de nota, explicando que a discriminação baseada na nacionalidade, religião ou orientação sexual não será perdoada aos membros do Partido que trabalhem na esfera pública, participem em organizações políticas ou trabalhem para a proteção da Revolução. No Artigo 65, observou-se que todas as organizações de comunicação social deveriam refletir a diversidade de Cuba, incluindo diferentes gêneros, cores de pele, crenças religiosas e orientações sexuais. Este desenvolvimento representou tanto o reconhecimento oficial dos direitos da comunidade LGBT como a deslegitimação de todas as atitudes homofóbicas. A atitude revolucionária sob este título foi assim radicalmente reinterpretada.

Situação atual da luta LGBT

A mudança em curso na visão de Cuba sobre a diversidade sexual tornou-se evidente em Novembro de 2012, quando uma mulher trans se tornou a primeira mulher trans eleita para o governo municipal. A mulher trans teria sofrido vários níveis de preconceito e discriminação ao longo da sua vida, incluindo prisões; Ela viu a sua vitória eleitoral como um sinal do crescente respeito de Cuba pela diversidade sexual.

Outro indicador de mudança dramática é que os eventos do Dia Internacional Contra a Homofobia e a Transfobia continuam a aumentar significativamente. Embora os eventos do Dia Internacional contra a Homofobia e a Transfobia, o primeiro dos quais foi iniciado pelo CENESEX em 2007, se limitem a desfiles na maioria dos países, o principal objetivo em Cuba é aumentar a conscientização sobre os efeitos negativos da homofobia e da discriminação e aumentar a conscientização pública. Pensava-se que os desfiles realizados noutros países não seriam eficazes por si só em Cuba, onde o machismo e a homofobia são fortes. Em Havana, o centro organizou uma palestra e um fórum público liderado por especialistas em direitos LGBT, bem como uma exibição de filme (Boys Don't Cry). Devido ao sucesso dos eventos realizados em 2007, o Centro continuou a procurar métodos alternativos para enriquecer os eventos do Dia Internacional contra a Homofobia e a Transfobia, ao mesmo tempo que aumentava o número de eventos todos os anos. A abrangência dos eventos continuou a aumentar, com um aumento no número de pessoas presentes nos eventos entre 2008 e 2014. Nunca houve uma Parada do Orgulho como em outros países; No entanto, em vez disso, foram organizados protestos com a participação de cubanos que lutam contra a homofobia e pelos direitos LGBT. As ações foram lideradas por Mariela Castro Espín e a equipe do CENESEX, que participaram com diversas faixas e a bandeira cubana, além da bandeira arco-íris representando a diversidade sexual.

Com o aumento do número de eventos, o número de especialistas nacionais e internacionais participantes também aumentou sensivelmente. Enquanto em 2007 apenas participaram dos eventos especialistas do CENESEX, a partir de 2014 equipes de filmagem, poetas e escritores de diversos ministérios e grupos, Membros do Centro Memorial Martin Luther King Jr. (CMMLK) e do Instituto Nacional de Esportes, Educação Física e Recreação de Cuba (INDER) também participaram dos eventos. Além disso, participaram também especialistas do México, Uruguai, Chile e Índia; A Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexuais da América Latina e do Caribe (ILGALAC) também esteve presente nos painéis e discussões.

Debatendo a igualdade no casamento em Cuba

A apresentação à Assembleia Nacional, em Outubro de 2012, de um Código da Família renovado que abrange e garante a diversidade de identidades sexuais, foi de suma importância para o desenvolvimento dos direitos LGBT em Cuba. A difusão dos eventos do Dia Internacional contra a Homofobia e a Transfobia tornou mais visível a necessidade de um Código da Família renovado. Foram elaborados projetos de lei que não eram heteronormativos, ou seja, não se baseavam apenas em relações entre pessoas do sexo oposto, mas também incluíam relações homoafetivas, permitindo também que casais do mesmo sexo adotassem crianças. Comentários negativos sobre a igualdade no casamento e os direitos dos casais do mesmo sexo à adoção levaram, ao longo do tempo, ao declínio da emenda de adoção e à alteração do termo “casamento” para “união civilizada”.

A nova Lei da Família foi apresentada à Assembleia Nacional em Outubro de 2012 por Yamila González Ferrer, uma importante ativista. Como se sabe, é detalhado o processo de decisão e aprovação de mudanças em Cuba; Baseia-se num longo processo de discussão e aprovação. A partir de 2017, o projeto ainda está sendo avaliado e discutido. Em particular, o CENESEX continua a apoiar todas as alterações legais que apoiam o reconhecimento da diversidade sexual, bem como a criar opinião pública para que o Código da Família seja alterado neste sentido. 

A luta continua

A existência do CENESEX, que se tornou uma das principais organizações de direitos LGBT do mundo, com um desempenho marcante em sua jornada sob o nome de Grupo Nacional de Estudos de Educação Sexual em 1977, é significativa diante da homofobia profundamente enraizada encontrada em toda a América Latina. Desde a sua fundação, o CENESEX apoiou muitas iniciativas, incluindo o desenvolvimento de um Programa Nacional de Saúde Sexual detalhado, a redefinição da homossexualidade como identidade sexual, a organização de marchas contra a homofobia e a transfobia, cuidados de saúde abrangentes para cidadãos transexuais e o reconhecimento oficial da diversidade sexual dentro dos Princípios Fundamentais do Partido. Alcançou um sucesso significativo. Sem dúvida, alguns desafios permanecem. O novo Código da Família ainda aguarda implementação, a igualdade do casamento e a adoção  ainda não foram legalizadas e a sociedade ainda não está completamente livre de discriminação. A evolução do CENESEX refutou a visão de que Cuba Socialista era uma estrutura resistente à  mudanças em termos de diversidade sexual. O CENESEX realizou o seu trabalho sem esperar instruções “de cima” e, como resultado, a política LGBT de Cuba não foi estabelecida de cima a baixo, mas foi construída pelo CENESEX desenvolvendo novas ideias e transmitindo-as à sociedade.

5. O MOVIMENTO LGBT NA TURQUIA

5.1. Passado e presente do movimento LGBT

Em 1987, acontece a tentativa de criação do Partido Verde Democrata Radical (Radikal Demokrat Yeşil Parti), sob a liderança do antigo membro do Partido dos Trabalhadores da Turquia, İbrahim Eren, como uma iniciativa destinada a reunir LGBTs, ambientalistas  e antimilitaristas.

No mesmo ano, 37 ativistas LGBT iniciaram greve de fome para protestar contra a repressão policial. 

Quando o primeiro evento LGBT internacional planejado para ser realizado na Turquia em 1993 foi bloqueado pelo governo de Istambul, um grupo de ativistas reuniu-se sob o nome de Lambdaistanbul.

Em 1994, a Kaos GL (Associação de Solidariedade e Pesquisa Cultural de Gays e Lésbicas Kaos) começou a ser publicada em Ancara na forma de um fanzine fotocopiado. A Kaos GL entrou em campo com sua própria bandeira pela primeira vez em 1º de maio de 2001. Lambdaistanbul veio em 2002.

Após uma pausa de 10 anos, a Marcha do Orgulho de Istambul foi realizada pela primeira vez em 2003 com a participação de 30 pessoas. 

A Kaos GL apresentou um pedido oficial para se tornar uma associação em 2005. O Governo de Ancara recorreu ao Ministério Público alegando que o estatuto e o nome da associação são imorais, com base na disposição “Nenhuma associação pode ser estabelecida contrariamente à lei e à moralidade” no Artigo 56 do Código Civil Turco. Como o Ministério Público não considerou necessário abrir uma ação judicial, a Kaos GL tornou-se a primeira associação LGBT a ganhar personalidade jurídica na Turquia. Lambdaistanbul passou por um processo semelhante em 2006.

O primeiro Encontro Internacional Contra a Homofobia e a Transfobia foi realizado pela Kaos GL em 2006.

A Izmir Black Pink Triangle Association organizou a primeira “Semana Baki Koşar Contra Crimes de Ódio” em 2009 para manter vivo o nome do escritor Baki Koşar, que foi morto em 2006.

Segundo estimativas, a Marcha do Orgulho de Istambul, que atingiu 5 mil pessoas em 2010, ultrapassou 10 mil pessoas em 2011, 20 mil pessoas em 2012 e 50 mil pessoas nos anos seguintes, tornando-se uma das marchas LGBT mais massivas do mundo. As marchas de 2015, 2016 e 2017 testemunharam novamente ataques policiais após 22 anos.

Organizações LGBTs na Turquia 

Ahura LGBT (Türkiye)

AhTamara LGBT (Van)

Afyon LGBT İnisiyatifi

BİZ Cinsel Yönelim ve Cinsiyet Kimliği Araştırmaları Topluluğu (Antalya)

Edirne LGBT Çalışmaları Grubu

Eğitim-Sen İstanbul 3 ve 6 No.lu Şube LGBT Komisyonları

Engelli Eşcinseller (Türkiye)

Gökkuşağı Giresun

Gökkuşağının Kızılı (Türkiye)

Genç LGBT – LGBT Gençlik Çalışmaları ve Dayanışma Derneği (İzmir)

Hebûn (Diyarbakır)

Hêvî – Hak, Eşitlik, Varoluş için LGBT Derneği (İstanbul)

İnterseksüel ŞaLaLa (Türkiye)

İstanbul LGBT Dayanışma Derneği

Kaos GL Kültürel Araştırmalar ve Dayanışma Derneği (Ankara)

Kars Homofobi ve Transfobi Karşıtı Platform

Kaws Kuzah (Antakya)

KeSKeSoR (Diyarbakır)

Kırmızı Şemsiye Cinsel Sağlık ve İnsan Hakları Derneği (Ankara)

Komünist LGBTler (Türkiye)

LADEG – LGBT Aile ve Yakınları Destek Grubu (Türkiye)

Lambdaistanbul LGBT Dayanışma Derneği

LezBiFem – Lezbiyen Biseksüel Feministler (İstanbul)

LİSTAG – LGBT Aileleri ve Yakınları İstanbul Grubu

Malatya Homofobi ve Transfobi Karşıtı Gençlik İnisiyatifi

Mersin LGBT 7 Renk Eğitim ve Araştırma Derneği

Mor Balık (Trabzon)

MorEl (Eskişehir)

Özgür Renkler Derneği (Bursa)

Pembe Caretta (Antalya)

Pembe Hayat LGBT Dayanışma Derneği (Ankara)

Roştîya Asmê (Dersim)

Queer Adana

Siyah Pembe Üçgen Cinsel Yönelim ve Cinsiyet Kimliği Ayrımcılığa Karşı Dayanışma Derneği (İzmir)

SPoD – Sosyal Politikalar, Cinsiyet Kimliği ve Cinsel Yönelim Çalışmaları Derneği (İstanbul)

T-Der – Trans Danışma Merkezi Derneği (Ankara)

T-Kulüp – Trans Erkek Kültür Üretim Platformu (Türkiye)

Voltrans Trans Erkek İnisiyatifi (Türkiye)

ZeugMADİ (Gaziantep)

Organizações estudantis LGBTs 

Ankara Homofobi, Bifobi ve Transfobi Karşıtı Öğrenci Ağı

Ankara Üniversitesi – DTCF Toplumsal Cinsiyet Topluluğu

Bahçeşehir Üniversitesi – Bahçeşehir Gri

Balıkesir Homofobi ve Transfobi Karşıtı Öğrenciler

Bilgi Üniversitesi – Bilgi Gökkuşağı Homofobi, Bifobi, Transfobi ve Heteroseksizm Karşıtı Öğrenci Kulübü

Bilkent Üniversitesi – BiRD Bilkent Renkli Düşün Topluluğu

Boğaziçi Üniversitesi – LuBUnya LGBT Çalışmaları Kulübü

Çukurova Üniversitesi – Gökkuşağı Kulübü

Dokuz Eylül Üniversitesi – Eşit Şerit Toplumsal Cinsiyet Araştırmaları Topluluğu

Ege Üniversitesi – LeGeBiT Cinsel Yönelim ve Cinsiyet Kimliği Araştırmaları Topluluğu

Galatasaray Üniversitesi – Lion Queer

Hacettepe Üniversitesi – Homofobi ve Transfobi Karşıtı Öğrenci Topluluğu

İstanbul Teknik Üniversitesi – Cins Arı (Cinsiyet Kimliği ve Cinsel Yönelim Çalışmaları Kulübü)

İstanbul Üniversitesi – Radar Homofobi ve Transfobi Karşıtı Öğrenci Topluluğu

İÜ İstanbul Tıp Fakültesi – Arcus LGBT Çalışmaları Topluluğu

Kadir Has Üniversitesi – LGBTlere Özgürlük Cephesi

Koç Üniversitesi – Koç Kuir LGBT Topluluğu

Liseli LGBT Oluşumu (Türkiye)

Marmara Üniversitesi – MadiMar Homofobi, (Bifobi ve Transfobi Karşıtı Öğrenci Topluluğu)

Mimar Sinan Güzel Sanatlar Üniversitesi – Flu Baykuş

ODTÜ LGBT Dayanışması

Özyeğin Üniversitesi – Prizma LGBTİ

Sabancı Üniversitesi – Cins Kulüp (Toplumsal Cinsiyet Çalışmaları Kulübü)

Uludağ Üniversitesi – Özgür Renkler

Yeditepe Üniversitesi – 7tepe 7renk LGBT Dayanışma Topluluğu

Yıldız Teknik Üniversitesi – YTÜ ODA (Oğlancılar, Dönmeler ve Ablacılar Topluluğu)

5.2. Percepção LGBT da esquerda turca

É possível resumir, a grosso modo, a atitude do movimento socialista turco, que não muda há muitos anos, em relação ao movimento LGBT, que tem ganhado cada vez mais força, em duas características: solidariedade impessoal ou indiferença, podendo levar à homofobia em alguns casos.

Podemos dizer que os círculos que adotaram a primeira postura eram constituídos pelo corpo principal da esquerda liberal/libertária. Segundo estes círculos, o dever da esquerda não é aconselhar o movimento LGBT. A esquerda é obrigada a apoiar as organizações nas questões da agenda LGBT e a aprender com elas.

Para quem adota a segunda atitude, a esquerda não tem uma agenda LGBT; É quase um luxo reservar tempo para isso em meio a tantos assuntos. Enquanto algumas organizações LGBT lutam sua própria luta, nós lutamos pelo socialismo. Se eles se moverem para a esquerda por conta própria, nossos caminhos podem até se cruzar...

Nem a solidariedade nem a indiferença podem ser a escolha certa para os comunistas.

Desde que o movimento LGBT entrou no palco da história do nosso país, tem estado em contato direto ou indireto com a esquerda. Embora este contato tenha sido estabelecido através das bases das organizações, por vezes foi conseguido através de relações de igualdade institucional já estabelecidas com os centros das organizações. No entanto, apesar de todos estes contatos, não havia nada em comum nas abordagens da esquerda turca ao movimento e à identidade LGBT.

Pode-se dizer que existem aproximadamente duas razões para a frieza entre o movimento LGBT e a esquerda socialista. Setores não liberais da esquerda há muito ignoravam o movimento LGBT. Portanto, o movimento LGBT não tem conseguido estabelecer uma parceria saudável com a esquerda a qual não mantém contato. Além disso, o movimento LGBT manteve-se afastado da agenda comum da esquerda socialista durante muito tempo e também empreendeu projetos conjuntos com diversas instituições do establishment. Esta situação reforçou a antipatia da esquerda, revelando um círculo vicioso. Este círculo  só pode ser quebrado pela esquerda, oferecendo uma solução para os problemas de identidade a partir de uma perspectiva de classe e criando um caminho revolucionário de luta. Se a esquerda não intervir, nunca será possível que os movimentos identitários se aproximem espontaneamente de políticas contra-hegemônicas.

Uma parte significativa das organizações LGBT na Turquia são organizações liberais. Desde os primeiros dias do movimento, adotou-se as abordagens e métodos da esquerda europeia (financiamento, lobbying, organização horizontal, etc.). Essa atitude é uma das principais razões pelas quais o movimento é covarde e inconsistente. Por exemplo, esta covardia manifestou-se mais claramente durante a fase de preparação da Semana do Orgulho de 2013, cujo tema foi “Resistência” e teve lugar após a Resistência de Junho. A comissão da Semana do Orgulho, que frequentemente enfatiza temas como o antimilitarismo, o anti-imperialismo e o anti-capitalismo no seu comunicado de imprensa, recebeu uma grande quantidade de financiamento dos Países Baixos, um dos apoiadores e fornecedores de armas da guerra, enquanto a guerra com a Síria estava na agenda. Para os setores liberais da esquerda, nada disto constitui um obstáculo à solidariedade com os setores liberais do movimento LGBT.

Para a esquerda, a homofobia se baseia em dois argumentos fundamentais que se complementam. A primeira delas define a homossexualidade como um fenômeno que surgiu como resultado das contradições das conciliações de classe ​​que chegaram ao extremo depois das antigas sociedades dominadas pelo sistema escravista ou de servidão e continua a existir nas sociedades capitalistas de hoje. A segunda pode ser resumida da seguinte forma: “A homossexualidade é uma perversão e uma doença sexual. O capitalismo reduziu a sexualidade e o amor a apenas um sentimento de prazer e, ao encorajar isto, torna a perversão enraizada e generalizada”. Este problema é um dos produtos da alienação das pessoas pelo capitalismo em relação a si mesmas, à natureza e aos seus valores. Isto não é algo a ser aplaudido ou legitimado; “Deve ser tratada, mas mais importante ainda, as condições que abrem o caminho para a homossexualidade e perversões semelhantes devem ser eliminadas através da mudança das condições econômicas, sociais e culturais”.

Para a esquerda, é um beco sem saída  investigar as origens da homossexualidade e procurar respostas para esta questão. É claro que algumas pessoas farão essas perguntas e, na esperança de encontrar respostas, recorrerão a áreas da ciência como a antropologia, a arqueologia, a biologia, a psicologia e até a mitologia. Qualquer que seja o resultado, o livro não estará fechado para nós.

O que realmente preocupa a esquerda é a discriminação de identidade sexual e a exigência de igualdade levantada pelas pessoas LGBT. É dever da esquerda defender os direitos das pessoas LGBT para abraçar as suas exigências por igualdade e lutar contra todos os tipos de discriminação por orientação sexual, já que suas identidades sexuais são constantemente humilhadas, declaradas doentes ou pervertidas, excluídas da vida social e dos processos de produção, chegando a serem submetidas a ataques que resultam até em mortes. Somente se a esquerda entender a questão LGBT desta forma e colocá-la na sua agenda, as discussões poderão chegar ao caminho principal, o socialismo, que é a bandeira da libertação de todos os oprimidos.

5.3. Resistência de Junho: auge, limiar ou ponto de ruptura?

O movimento LGBT na Turquia tem hasteado a bandeira do arco-íris, que muitas pessoas talvez tenham visto pela primeira vez durante a Resistência de Junho, há mais de 20 anos. A luta pela visibilidade e organização, que remonta ao final da década de 1980, enfrentou novas possibilidades com a Resistência de Junho.

Como se pôde ver na introdução, o movimento LGBT na Turquia não começou com a Resistência de Junho. Contudo, em termos de todas as dinâmicas sociais, Junho não pretende banalizar os processos anteriores, mas apresentar-se diante de nós como um fator a ser levado em consideração para o futuro. O resultado disto para o movimento LGBT é que uma era chegou ao fim e alguns hábitos adquiridos durante este período devem ser abandonados. Numa época em que a consciência e o respeito da sociedade pela diversidade da identidade sexual estavam em níveis marginais e não havia muitos aliados por perto, o  identitarismo era talvez a única forma de resistir. Sempre foi legítimo por aqueles que eram ignorados e queriam ser destruídos, no momento em que se tornassem visíveis, se retirassem dizendo: “Acostume-se com isso, nós não vamos embora”.

Graças aos esforços enviados e ao preço pago antecipadamente, pode-se facilmente dizer que uma era terminou em Junho. Esta nova era, em que a visibilidade LGBT se generaliza, o movimento cresce, o número de ativistas aumenta e as organizações se tornam geograficamente cada vez mais difundidas, anuncia os dias em que a revolução do arco-íris floresce na Turquia. As pessoas LGBT são agora vistas como um dos componentes essenciais da oposição social por aqueles que inicialmente as desprezavam, graças à sua visibilidade com identidades próprias em diferentes áreas da vida e da luta, a sua insistência em trazer os seus problemas e reivindicações para a agenda e sua construção de organizações de solidariedade.

Em resumo, é possível dividir a história do movimento LGBT, que começou há vinte anos, em três períodos: saída do armário e do establishment (1993-2002), saída às ruas e formação de opinião pública (2003-2012), massificação e organização generalizada (junho de 2013). Estes períodos de dez anos, em que é possível encontrar vestígios do período anterior no início de cada novo período, não alteram o fato de que o movimento ultrapassou um limiar. A Resistência de Junho trouxe consigo uma nova era em que o movimento LGBT ampliou sua rede de contato e transitou com uma sociabilidade que ia muito além dos grupos com os quais dialogava há muito tempo (liberais, anarquistas, feministas, oposição curda, etc.).

Talvez pela primeira vez, um vasto leque de pessoas, desde republicanos à torcidas de futebol, desde estudantes secundaristas a trabalhadores de cargos de gerência/administração, tiveram a oportunidade de estabelecer uma relação tão próxima e transformadora com símbolos que refletem a existência LGBT. A visibilidade e a legitimidade alcançadas durante a Resistência de Junho são também um prenúncio do salto alcançado na ascensão no início da década de 2010. É um indicador da transformação que o movimento LGBT experimenta à medida que cresce.

A “massificação e organização generalizada” que dizemos ter começado com a Resistência de Junho coincide com o período em que os componentes da oposição (partidos socialistas, sindicatos, organizações democráticas de massas, etc.) fizeram progressos visíveis com relação à discriminação da identidade sexual, diminuindo a distância entre eles e o movimento LGBT. A distância em questão foi, em grande parte, produto da tensão identidade política X perspectiva de classe, a nível ideológico, e da abordagem “cada um pelo seu próprio caminho” na prática. Junho encurtou rápida e radicalmente essa distância. 

Um movimento LGBT, cuja interação com o seu entorno se expandiu grandemente  desde Junho, e que mobilizou dezenas de milhares de pessoas ao mesmo tempo que apela a milhões, não têm qualquer hipótese de continuar a sua ascensão sem furar a bolha. Existem limites objetivos à forma como a política de identidade abrange este potencial. Portanto, o movimento LGBT deve preparar o caminho para que as suas tendências anti-sistema se expressem mais livremente.

Situação após a Resistência de Junho

A resistência de Junho não só provocou diversas mudanças na política de todo o país, mas também levou a algumas mudanças na política seguida pelo movimento LGBT. Essas mudanças não ocorreram apenas na política interna do movimento LGBT, mas causaram diferenças a nível nacional na abordagem da esquerda às pessoas LGBT. Embora o movimento LGBT tenha alcançado amplamente o seu objetivo de visibilidade e estabelecido novos objetivos para si mesmo, a esquerda turca começou a ver o movimento LGBT como um movimento dinâmico.

À medida que as pessoas LGBT superaram o problema de visibilidade de forma organizada, se expressando e se apresentando publicamente, a Parada do Orgulho LGBT de 2013, com grande participação da esquerda, tornou-se mais concorrida e política do que nunca. Na medida que essa massividade aumentou a autoconfiança do movimento LGBT, a esquerda também “necessariamente” começou a falar abertamente sobre a questão LGBT. Um reflexo importante desta visibilidade foi observado na forma de organização das pessoas LGBT fora das grandes cidades, além de organizações já existentes se tornarem mais ativas.

Com o engajamento que receberam da Resistência de Junho, as pessoas LGBT começaram a mostrar vontade de se organizarem dentro de partidos políticos sem esconder suas identidades. Após longas discussões, foi traçado o rumo do movimento na política atual e pessoas LGBT de diversas origens políticas, com suas identidades públicas, tornaram-se candidatas a prefeito e a vereadores nas eleições locais de 2014. Nas mesmas eleições, o Protocolo de Municípios Amigos de LGBT preparado pelo SpoD também foi aberto para assinatura e aproximadamente 30 políticos, incluindo os candidatos a prefeito do TKP, assinaram este protocolo. Após as eleições, pessoas publicamente identificadas como LGBT, ocuparam cargos importantes nos municípios de Beşiktaş, Şişli e Mersin-Akdeniz.

Esta atitude do movimento LGBT, que transferiu o engajamento que recebeu da Resistência de Junho apenas para o campo da representação política e do lobby ao invés da organização, fez com que a Marcha do Orgulho de 2014 fosse politicamente fraca. As pessoas LGBT, que esperam liberdade nas urnas, demonstraram uma atitude identitária e populista nas eleições presidenciais, bem como nas eleições locais, e apoiaram Selahattin Demirtaş (HDP) com uma declaração assinada por muitas organizações. O movimento LGBT, que limitou a sua política ao lobby e ao parlamentarismo, não poderia tomar qualquer atitude que pudesse causar impacto até às eleições gerais de 2015. A falta de organização fez com que as ações realizadas durante o ano fossem enfadonhas e muito pequenas de uma forma geral. O movimento LGBT, que persistentemente não se desviou da sua rota política orientada para as eleições, apoiou principalmente o HDP (Halkların Demokratik Partisi – Partido Democrático dos Povos) e o CHP (Cumhuriyet Halk Partisi – Partido Republicano do Povo) nas eleições gerais de 2015. Embora a intervenção policial nas Marchas do Orgulho planejadas para 2015, 2016 e 2017 tenha feito com que o movimento se tornasse algo politizado, o movimento LGBT, que não conseguia romper com a sua tradição liberal, começou a transformar o engajamento político novamente em Lobby de política interna e externa.

Mito: a homossexualidade é uma doença

Durante muitos anos, a homossexualidade foi definida negativamente por vários grupos, incluindo a comunidade científica, como um distúrbio de identidade sexual, doença e perversão. Em 1973, a Associação Americana de Psiquiatria, com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais IV (DSM-IV), e mais tarde em 1992, a Organização Mundial da Saúde, com a Classificação Internacional de Doenças (CID), decidiram que a homossexualidade não pode ser caracterizada como transtorno mental e retiraram esse conceito de suas classificações de doenças.

Nenhuma pesquisa sobre a causa da homossexualidade, heterossexualidade ou bissexualidade tem uma explicação. As ciências positivas atuam com a “teoria das causas múltiplas” para os fenômenos que não conseguem explicar. Em outras palavras, a causa da homossexualidade, da bissexualidade, da heterossexualidade pode ser genética, ambiental, psicológica ou nenhuma delas.

A orientação sexual é o produto de diferentes combinações de fatores biológicos e ambientais para cada pessoa. Portanto, uma explicação geral não pode ser feita.

Mito: Orientações sexuais não heterossexuais são uma questão de escolha

Escolha é a opção que uma pessoa considera lógica com seu livre arbítrio em um ambiente de pluralidade de opção, onde ela tem liberdade de decisão. Na questão da homossexualidade, as opções são a heterossexualidade e outras orientações sexuais, e a escolha é a homossexualidade. Criou-se a percepção de que a qualquer momento da adolescência ou da maturidade o indivíduo pensa e decide se deve sentir atração por pessoas do mesmo gênero ou de gênero diferente.

Considerando que as preferências podem mudar facilmente ao longo do tempo, devemos aceitar que um indivíduo terá por vezes relações heterossexuais, por vezes bissexuais e por vezes homossexuais. Assim, a heterossexualidade poderia ser considerada uma escolha, e os heterossexuais poderiam preferir outras orientações sexuais de vez em quando. Além disso, quando se pergunta aos heterossexuais quando escolheram a heterossexualidade pela primeira vez, eles não conseguem dar uma resposta consistente. Os indivíduos não conseguem lembrar quando preferiram a heterossexualidade e, mesmo que tentem, não podem estar interessados ​​em orientações sexuais não heterossexuais, porque a heterossexualidade não é uma escolha de fato. A mesma lógica se aplica a outras orientações sexuais.

A orientação sexual surge em muitas pessoas nos primeiros estágios da adolescência, quando ainda não vivenciaram a sexualidade. Algumas pessoas afirmaram que durante muito tempo tentaram converter a sua homossexualidade em heterossexualidade, mas falharam. Por estas razões, os psicólogos acreditam que a orientação sexual não é uma escolha consciente que as pessoas podem mudar quando quiserem. Você não pode escolher sobre orientação sexual. Você só pode escolher se quer ou não viver uma vida que esteja em paz com sua identidade sexual.

Mito: Aqueles que não são heterossexuais são imorais

Segundo a Associação da Língua Turca, entende-se por moralidade: A soma das regras de comportamento moral, leis e princípios que foram adotados por determinadas comunidades humanas num determinado período e que regulam as relações dos indivíduos entre si. O campo dos valores morais, cujo âmbito e conteúdo variam nas diversas sociedades e épocas. A soma das regras de ação adotadas por uma pessoa ou grupo de pessoas.

Se é imoral não cumprir os valores e tradições adotados pela sociedade na Turquia, é legítimo perguntar: serão os valores sociais e os tabus na Turquia tão libertários e morais que os comportamentos que não cumprem os tabus são imorais? A acusação de perversão é dirigida às pessoas LGBT pelos governantes, assim como é dirigida a qualquer pessoa que tente mudar a ordem, ou que não cumpra com as normas “religiosas e nacionais” estabelecidas, ou rejeite os papéis de gênero.

A verdade é que o entendimento moral prevalecente em cada país foi moldado de acordo com a perspectiva da classe dominante e foi adotado pela sociedade. As normas que restringem a vida das mulheres e dos jovens estão entre as principais características que caracterizam a moralidade burguesa na Turquia. As restrições à sexualidade também incluem atitudes negativas em relação à homossexualidade. Por outro lado, a mesma moralidade burguesa permanece silenciosa sobre questões como a violação doméstica, o abuso infantil e a dominação sobre o corpo feminino. Na verdade, a verdadeira imoralidade é a moralidade burguesa. A “Nova Moralidade” que será moldada na luta para remover todos os obstáculos ao livre desenvolvimento do homem só pode ser obra nossa.

Mito: As pessoas se tornam transgênero apenas para se prostituir

Não é possível afirmar que as mulheres trans que são excluídas dos processos de educação e de emprego preferem trabalhar no setor da prostituição quando têm outras oportunidades de emprego. A verdade é que elas foram empurradas para isso e não tiveram outra opção. A maioria das pessoas trans que não podem frequentar instituições de ensino ou não são aceitas em nenhuma profissão devido à sua identidade sexual estão apenas  tentando sobreviver. Ninguém quer trabalhar no setor da prostituição, que é privado de todos os direitos básicos, especialmente segurança, caso não se obtenha lucros. Sendo assim, não há lógica em dizer que as pessoas mudam de gênero apenas por esse motivo.

De acordo com o Mapa Europeu dos Direitos Trans de 2015, a Turquia, que apresenta grandes deficiências no reconhecimento dos direitos trans, é o nono país do mundo com o maior número de assassinatos de pessoas trans.

Mito: As pessoas LGBT estão automaticamente abertas à esquerda porque são oprimidas

Na Turquia, a comunidade LGBT não se limita às pessoas que participam das  Marchas do Orgulho, ou de organizações LGBT, ou que têm identidades públicas e participam da luta. Embora as pessoas LGBT não sejam uma “minoria natural” com uma proporção fixa na população, não seria uma interpretação forçada expressar o seu número em milhões num país grande como este. Sendo esse o caso, onde elas estão?

As pessoas LGBT não vivem numa sociedade diferente das outras e não crescem influenciadas por dinâmicas diferentes. Portanto, o perfil político dos LGBTs se sobrepõe em grande parte ao do público. É impensável que as pessoas LGBT, a maioria das quais votam em partidos de direita e em partidos nacionalistas e religiosos, tenham uma identidade aberta. Portanto, não é difícil adivinhar que a maioria das pessoas LGBT que vivem no nosso país são reservadas e escondem as suas identidades sexuais daqueles com quem convivem. Então, por que uma pessoa LGBT se torna uma pessoa de direita?

No nosso país, onde as questões sobre as identidades sexuais são vistas como uma questão “privada” e não pública, e onde a sexualidade é considerada um tabu, as escolhas políticas são em grande parte feitas através de diferentes aspectos da ideologia dominante (nacionalismo, islamismo, liberalismo, social-democracia, etc.). Como resultado, as pessoas LGBT adotam principalmente ideologias de direita e apoiam partidos de direita.

Não é difícil adivinhar que as pessoas LGBT que se envolvem na política com as suas identidades abertas e são visíveis na esfera pública são, em sua maioria, de tendência esquerdista. No entanto, isto não significa que todas as pessoas LGBT estejam automaticamente inclinadas para a esquerda. Tal como os comunistas são obrigados a levar a política e a consciência a todos as frações de oprimidos e explorados, também enfrentam a tarefa de esclarecer às pessoas LGBT sobre a opressão sexual e o reacionarismo, e aproximá-las das fileiras do Partido.

6. Teses: Partido e LGBTs; LGBTs do Partido

6.1. História

A atitude política e prática do nosso movimento, que luta ininterruptamente desde 1993, em relação à dinâmica LGBT, começou a tomar forma, em grande parte, nos últimos anos. 

Podemos entender que, tanto a determinação liberal na composição ideológica do movimento LGBT, quanto os preconceitos pelas orientações sexuais que se espalharam pelo movimento socialista, estão entre os motivos do silêncio que durou aproximadamente 20 anos.

O Partido manteve-se distante das questões LGBT durante muito tempo e não produziu nenhuma política, mesmo que crítica, contra a hegemonia liberal neste campo. Não declarou a sua posição de princípio sobre a discriminação por orientação sexual. Durante este período, os membros LGBT do Partido preferiram em grande parte o sigilo, e as poucas tentativas de se assumirem perante o Partido foram sufocadas por mecanismos organizacionais indefinidos ou iniciativas pessoais.

Os erros observados na vida interna do Partido neste período, combinados com seu silêncio exterior, resultaram, entre o público da esquerda, na percepção de que o Partido era homofóbico, ganhando terreno ao longo do tempo. Contudo, pode-se dizer que o pano de fundo subjacente a esta percepção é a atitude do Partido de abraçar práticas do socialismo real. A verdade é que, embora o Partido veja os acertos e erros das práticas do socialismo real como seu próprio legado, ele não tentou legitimar os erros cometidos sob o título de orientações sexuais e também não deu crédito a retórica da “reminiscência da sociedade burguesa”. 

A primeira tentativa de aproximação entre a dinâmica LGBT e o Partido foi a apresentação intitulada “Movimento LGBT em Cuba” e a exibição do filme “Fresa y Chocolate” organizada pela Seção de Ancara da Associação Cubana de Amizade José Martí em março de 2011. O evento, que também contou com participantes do Kaos GL e de clubes estudantis LGBT, é significativo por ser a primeira tentativa de superar a falta de interação entre o Partido e o movimento LGBT. No mesmo período, o artigo intitulado Movimento Gay em Cuba publicado no portal de notícias soL (esquerda) do TKP, serviu para quebrar o gelo. Como exemplo de práticas do socialismo real que mais tarde fizeram as pazes com o tema das orientações sexuais, a prática cubana inspirou o Partido a superar a sua hesitação neste tema.

O interesse despertado após a divulgação do evento da Associação Cubana de Amizade José Martí no Portal de Notícias soL do TKP e na Kaos GL (Associação Cultural e de Solidariedade Kaos Gay e Lésbica), reuniu um número limitado de membros do Partido que eram membros do Partido há um muito tempo, mas escondiam suas identidades. O grupo do Facebook, que foi criado para garantir a comunicação entre camaradas em diferentes localidades, lançou as bases do Gökkuşağının Kızılı (O Vermelho do Arco-Íris), que mais tarde evoluiria para uma organização socialista LGBT. A necessidade de preencher a lacuna da política socialista no campo LGBT, de produzir política neste campo e de levar a política às ruas impôs-se rapidamente e, em Maio de 2011, um punhado de membros do Partido participou da “Marcha Contra a Homofobia e a Transfobia” realizado em Ancara sob o mesmo nome: Gökkuşağının Kızılı. Esta marcha, na qual participamos com bandeiras destacando o vermelho na bandeira do arco-íris, símbolo universal da luta LGBT, foi a primeira na nossa história, e os comunistas puderam participar de  uma marcha LGBT com identidades políticas próprias.

À medida que Gökkuşağının Kızılı começou a produzir política e a se tornar visível, ele começou a atrair a atenção tanto na base do Partido, quanto no movimento LGBT. E por outro lado, encorajou os camaradas LGBT a se assumirem, mostrando que não estavam sozinhos nas suas localidades e revelou a existência de um potencial LGBT no Partido. Em junho de 2012, participamos pela primeira vez da Marcha do Orgulho de Istambul atrás da faixa escrita “A igualdade de direitos está no socialismo!” Testemunhar as tentativas das organizações LGBT liberais de interferir na nossa bandeira, mostrou que apenas os comunistas podem quebrar a hegemonia liberal no movimento LGBT. A Gökkuşağının Kızılı, que se tornou uma organização LGBT eficaz com a participação de membros do partido e simpatizantes, participou de marchas em muitas localidades, organizou painéis, exibições de filmes e reuniões de leitura. Com estes trabalhos, Gökkuşağının Kızılı enfraqueceu o círculo de homofobia do Partido e inspirou confiança de que poderia ser realizado um trabalho de base com este tema. 

O conhecimento prático e político criado pelo Gökkuşağının Kızılı foi levado ao Congresso do Progresso. Este congresso frustrou a tentativa de liquidação do TKP no verão de 2014. Gökkuşağının Kızılı participou do Congresso pelo KP* (Partido Comunista) que assinou o texto “Chamado dos Comunista LGBTs ao Congresso do Progresso”. A escolha do partido de enfatizar a identidade comunista durante este período de restabelecimento e a necessidade de transformar o conhecimento criado pelo Gökkuşağının Kızılı em um trabalho definido se cruzaram, iniciando assim o trabalho da Comissão Comunistas LGBTs, que abriu novos caminhos no movimento comunista turco. 

(*NT: Em 15/07/2014, após um período de conflitos internos entre duas frações do TKP, chegou-se ao consenso de congelar as atividades do partido. Nenhuma delas poderia usar o nome e/ou emblema do TKP. A ala liderada por Erkan Baş e Metin Çulhaoğlu adotou o nome de Partido Comunista Popular da Turquia e a ala  liderada por Kemal Okuyan e Aydemir Güler fundou o Partido Comunista (KP). Em janeiro de 2017, um congresso abraçado por comunistas independentes e também pelo KP anunciou a retomada dos direitos do nome TKP, declarando assim seu retorno à cena política.)

6.2. Problemas

Senso comum e influência liberal

Dentre as desvantagens que um estudo LGBT com ênfase nas classes enfrentará, podemos listar a tensão entre as dificuldades impostas pela imprensa  atual decorrentes do nosso objetivo pelo poder socialista, e o fato de ainda haver um nível considerável de discordância de pensamento entre camaradas neste campo.

O trabalho dos LGBTs comunistas não pode progredir sem chegar a um consenso sobre a política e o estilo de ação criado pelo movimento LGBT liberal/hegemônico, que tem uma história de luta de aproximadamente 25 anos, e sua “tradição”, que é um reflexo da estrutura ideológica do movimento. Esta tarefa não pode ser realizada adotando o discurso e as práticas das organizações LGBT liberais de esquerda ou radicalizando-as. Os lemas das organizações LGBT liberais devem ser abandonados, sabendo que destes não se pode derivar uma interpretação socialista. Os conjuntos de conceitos que formam os contornos da luta pelo socialismo devem ser aglutinados com a originalidade da luta LGBT, seu estilo criativo e autoconfiança.

Palavras de ordem como “Somos bichas, somos travestis, somos putas”, que surgiram como resultado da atitude das formações liberais LGBT de “Tire tudo o que o establishment te rotula e abrace-o”, não podem ser o estilo que nosso trabalho deve aderir. Os elementos que destacaremos ao abordar as pessoas LGBT, cujas identidades são negadas e cuja existência é sujeita à humilhação, são a igualdade contra a discriminação e o esclarecimento contra o reacionismo. Hoje, o único endereço para a luta pela igualdade e pelo secularismo é o socialismo.

As organizações liberais LGBT apresentam muitos temas como a prostituição, a pornografia e o consumo de drogas como escolhas individuais e avaliam-nos no âmbito da liberdade. Rejeitamos esta abordagem, que separa o indivíduo da sua historicidade e classe e estabelece a contradição fundamental entre a sociedade civil e o Estado. Não podemos continuar utilizando os discursos, palavras de ordem e análises derivados desta abordagem. Enquanto o movimento comunista LGBT cria a sua própria linha política independente, devemos estar em paz com as conquistas do movimento no mundo e em nosso país, face à pressão liberal. A organização e a consciência histórica continuam a ser as nossas maiores armas contra os liberais neste aspecto.

O nosso trabalho deve olhar para o campo LGBT a partir da “janela do socialismo” e ver a relação entre a homofobia e a produção de mercadorias, a economia política da discriminação, a composição de classe dos LGBTs, a prática da Cuba Socialista e muito mais. As preocupações de que isto nos tornará menos eficazes ou de que dificultará a nossa organização entre as pessoas LGBT são infundadas. Nosso trabalho só pode progredir criando e preenchendo suas próprias  lacunas. É impensável que uma cópia das organizações liberais LGBT de esquerda já existentes, encontre um lugar no movimento e se torne permanente.

Abordagem aos problemas das pessoas trans

Outro tema problemático é como os comunistas deveriam abordar a questão da prostituição, na qual especialmente as mulheres trans são empurradas, e em qual eixo os Comunistas LGBTs deveriam abordar deste tema.

No capitalismo, não só o trabalho ou o intelecto, mas também os corpos e alguns direitos sobre os corpos tornaram-se mercantilizados, tornaram-se sujeitos do mercado. Quando uma pessoa aluga o direito de uso de seu corpo para satisfazer as necessidades sexuais de alguém, isso é, na maioria dos casos, o resultado da inexistência de quaisquer outros meios de subsistência que não este. É errado partir numa “caça às bruxas” em vez de lutar para eliminar as condições que obrigam as pessoas a fazê-lo.

Pode-se dizer que os comunistas às vezes têm dificuldade em estabelecer uma ligação entre a abordagem que deveriam desenvolver em relação a sua estratégia Socialista e os problemas das pessoas trans no capitalismo. Pretender acabar com a prostituição sob o capitalismo e colocá-la num quadro compatível no socialismo têm em comum o fato de separarem o fenômeno das condições históricas e amaldiçoá-lo ou abençoá-lo, absolutizando-o.

Segundo alguns círculos, a “limpeza” não deveria ser adiada para depois da revolução, e essa “sujeira” da ordem deveria ser expulsa de onde quer que fosse vista, começando pela vizinhança. Os círculos de “esquerda” que caçam mulheres trans e lhes aplicam força sob o nome de “violência revolucionária” estão em decadência.

Por outro lado, rotular a afirmação de que as mulheres trans são forçadas a envolver-se na prostituição sob o capitalismo como “moralista”, serve apenas para encobrir a ordem. A exclusão das mulheres trans dos processos de educação e emprego, as políticas neoliberais implementadas e o aumento do trabalho informal e precário mostram que existem razões muito objetivas pelas quais a prostituição não é uma escolha, mas uma necessidade. A abordagem liberal que separa o fenômeno do seu contexto histórico e não consegue ver a dimensão da economia política da questão, não tem o poder de determinar a perspectiva que os comunistas devem desenvolver sobre este tema.

Definir o socialismo como uma ordem na qual qualquer pessoa pode escolher envolver-se na prostituição, mas com a consciência de que as condições históricas que dão origem à prostituição devem ser eliminadas, pois o moralismo faz com que a prostituição seja absolutizada e é, portanto, idealismo. A abordagem liberal, que historicamente não visa eliminar a indústria da prostituição ou santificá-la, não pode ter qualquer legitimidade face à luta pela eliminação de classes e da exploração. Todas as abordagens que tentam limitar esta missão da classe trabalhadora, cujo interesse histórico reside na abolição das classes, são essencialmente reacionárias.

A defesa da melhoria das atuais condições de trabalho das mulheres trans forçadas à prostituição e a eliminação das condições que historicamente levaram à prostituição, não podem ser incluídas no mesmo programa. A forma pela qual os LGBT comunistas podem exercer pressão política sobre este tema será opor-se à exclusão das mulheres trans dos processos de educação e emprego e aumentar a exigência de igualdade e emprego seguro. Assim, sem deixar que os debates em torno do conceito de “trabalho sexual” nos determinem, podemos nos diferenciar politicamente das organizações LGBT liberais neste tema e criar a nossa própria linha política independente.

Abordagem ao tema da moralidade

Outro tema que deve assumir uma postura alternativa na construção por uma conduta independente contra a hegemonia liberal no movimento LGBT é a moralidade. A abordagem das formações liberais LGBT, que olha para o conceito de moralidade para além da história e das classes e que rejeita todos os tipos de moralidade, enfatizando a “imoralidade”, deve ser levada em conta. A moralidade burguesa é uma ferramenta para oprimir tanto os homossexuais como as mulheres, para manter o regime de gênero heterossexista e sexista e, por outro lado, para mascarar a decadência social, a violação, o abuso infantil e a mercantilização da sexualidade. Neste contexto, os Comunistas LGBTs devem expor a verdadeira face do moralismo burguês e defender uma nova moralidade, não a “imoralidade” em oposição a  moralidade burguesa.

É fato que, no passado, a esquerda reproduziu a moralidade burguesa, os estereótipos de gênero existentes e os papéis sociais baseados no gênero sob o nome de moralidade “revolucionária”. A esquerda escolheu o caminho mais fácil neste tema, preferindo integrar-se na moralidade burguesa ao invés de construir uma nova compreensão da moralidade. Os estudos comunistas LGBT deveriam ser ousados ​​neste tema e produzir uma política diferenciada, levando em conta a estrutura holística e multidimensional do processo de construção do Novo Humano.

Homofobia “revolucionária”

Outro perigo que pode perturbar a correta compreensão e assimilação do trabalho comunista LGBT na base do Partido é a homofobia “revolucionária”. A mentalidade que tenta desacreditar qualquer produção política relativa ao campo LGBT, rotulando-a de liberalismo, na verdade só reforça a hegemonia liberal ao deixar o campo LGBT a seu monopólio. Um trabalho LGBT baseado em classes é possível e necessário; A visão de que trabalhos no campo LGBT produzirão automaticamente o identitarismo é essencialista e a-histórica.

A homofobia que existia entre os camaradas antes da presença LGBT se tornar consciente no Partido, foi drasticamente reduzida como resultado da luta que se estendia ao trabalho dos Comunistas LGBTs, mas isso não altera o fato de que ainda pode-se encontrar práticas homofóbicas na base do Partido. A forma de lutar contra a homofobia não é brigando com nossos camaradas. O que precisa ser feito para “redefinir” a homofobia no Partido é transmitir os argumentos políticos e as teses do trabalho Comunistas LGBTs a todos os nossos camaradas e garantir que eles os assimilem.

A experiência da Gökkuşağının Kızılı e o futuro do trabalho 

Outro tema problemático é como o Gökkuşağının Kızılı continuará seu caminho. O trabalho LGBT realizado por Gökkuşağının Kızılı fora dos canais definidos pelo Partido, nunca se desviou da sua base de classe e resistiu à pressão interna e externa se mantendo na mesma direção. No entanto, embora a falta de um trabalho definido não tenha feito com que o Gökkuşağının Kızılı fosse um elemento incompatível com a estrutura leninista do Partido, isso dificultou a apropriação das políticas e conhecimentos por eles produzidos. Neste momento, o trabalho LGBT já não necessita deste tipo de autonomia e não há espaço para isso no processo de reconstrução do Partido. A futura função do Gökkuşağının Kızılı deve ser objeto de um planejamento central que abrirá caminhos para os Comunistas LGBTs, nosso trabalho definido.

Transferir o conhecimento criado pelo Gökkuşağının Kızılı, que há anos produz política neste campo sem mostrar o menor desvio da base de classe, para um trabalho definido do Partido continua a ser uma tarefa que ainda aguarda conclusão. Os Comunistas LGBTs precisam de pessoas que pensem neste campo, desejem fazer pesquisas e produzam trabalhos escritos originais.

6.3. Em vez de Resultados: Formas de intervenção e sugestões

Classe ou identidade?

Não deveria haver uma questão como “classe ou identidade” no trabalho dos Comunistas LGBTs. As pessoas LGBT, a maioria das quais trabalham em empregos inseguros em tempo integral/parcial ou lutam contra o desemprego, fazem parte da nossa classe trabalhadora. O trabalho dos Comunistas LGBTs é responsável por colocar efetivamente este fato na agenda do movimento LGBT, criando uma divisão ideológica.

Devido ao fato da exploração do trabalho assalariado ser invisibilizada no processo de produção e a hostilidade e ataques contra as pessoas LGBT estarem aumentando, a consciência da identidade sexual das pessoas LGBT que estão desorganizadas, como outras frações sociais, está em grande parte além da consciência de classe. Nosso trabalho deve interpretar corretamente o despertar em relação às identidades sexuais e criar os meios para unir esta dinâmica à consciência de classe. O caráter da homofobia que perturba a unidade da classe e divide os trabalhadores, como o racismo e o reacionarismo, deve ser enfatizado, e a economia política da homofobia deve ser revelada, indo além da abordagem das organizações liberais LGBT que reduzem a homofobia a uma atitude individual.

Neste contexto, os Comunistas LGBTs devem carregar as seguintes bandeiras nos protestos e marchas em que participam, a fim de aumentar a consciência de classe nas pessoas LGBT:

Homossexuais também são trabalhadores!

Trabalhadores homossexuais, unam-se à luta organizada!

A homofobia divide, o socialismo une!

Ênfase no iluminismo e igualdade

A Resistência de Junho foi uma reação às políticas do governo destinadas a regular a vida cotidiana de acordo com dogmas religiosos e a reprimir a sociedade restringindo as relações humanas. Num movimento militante popular e de massas, foi abraçada pelo movimento LGBT desde o primeiro dia, e a visibilidade LGBT tornou-se um dos elementos dominantes da resistência. A Resistência de Junho mostrou que apenas uma nova onda de esclarecimento pode eliminar as restrições às identidades sexuais e libertar as pessoas LGBT.

O nosso trabalho deve abordar as buscas iluministas e igualitárias que desempenham um papel importante na fusão da dinâmica LGBT com a revolta popular, e enfatizar o antirreacionarismo e os direitos igualitários em oposição ao estilo identitário das organizações liberais. Neste contexto, é nosso dever dizer às pessoas LGBTs que o verdadeiro secularismo e igualdade só são possíveis sob o socialismo.

Para evitar ficar preso entre a procrastinação e o ativismo

O mito liberal de que os comunistas são insensíveis às questões de identidade, procrastinadores e desinteressados ​​de outras questões que não os direitos dos trabalhadores não é verdadeiro. O que é verdade é que mesmo as mudanças reformistas que podem ser realizadas sem alterar o caráter de classe do governo depende da força e do impacto da luta de classes neste país. Na Turquia, que atravessa um período de profundo reacionarismo, a forma das diferentes camadas sociais defenderem até os seus direitos mais básicos é através da luta pelo socialismo. A única garantia de que o socialismo irá libertar as pessoas LGBT depende de as pessoas LGBT fazerem parte da luta pelo socialismo hoje.

Como em toda luta baseada na identidade, não podemos permitir que agendas “urgentes”, que também estão presentes no tema LGBT, nos pressionem e façam retroceder a nossa política. A cultura do “ativismo” que domina o movimento LGBT e banaliza a política reproduzindo o hábito de “unir-se incondicionalmente em agendas urgentes”, está entre as doenças da esquerda. Não podemos nos reconciliar com a concepção que reduz o ativismo a uma espécie de protesto, esvaziando-o de seu conteúdo ao isolá-lo da política, e por outro lado, transformando-o  gradualmente numa carreira. Um cartão de visita de “ativistas LGBTs” não pode substituir a nossa identidade comunista, e “agendas urgentes” não podem substituir a estratégia pelo socialismo.

Devemos recusar o ativismo LGBT dominante, pois este absolutiza a estrutura dinâmica da identidade sexual na medida em que ofusca a identidade de classe. Substitui a coragem de ser visível por uma posição política. Eles determinam seu distanciamento dos programas de diferentes classes observando até que ponto as demandas LGBT estão incluídas e reduzem a posição dos socialistas ao apoio incondicional ao movimento LGBT.

Aperfeiçoando a luta ideológica

O trabalho dos Comunistas LGBTs deve travar uma dura luta ideológica, não só para abalar a hegemonia da ideologia liberal que domina o movimento, mas também para mostrar que um trabalho LGBT baseado em classes é possível e pode ser bem-sucedido. Temos de criar uma tradição comunista dentro do movimento LGBT, preencher a lacuna que nós próprios criámos e ser tão pacientes quanto possível neste tema.

Só podemos superar a imposição da “não política”, que frequentemente encontramos no movimento LGBT, com uma forte luta ideológica. É impensável que as organizações liberais que não podem tomar uma posição aberta contra o reacionarismo, ou oferecer uma alternativa à economia de mercado que empurra as pessoas LGBT para uma situação sem futuro, e cujas relações com os estados imperialistas estão ligadas através do mecanismo de financiamento, possam derrotar os comunistas face a uma política de classe eficaz.


Glossário

LGBT: 
Abreviação de lésbicas, gays, bissexuais, trans, intersexuais e todas as formas de diversidade sexual.

Orientação sexual:
Refere-se à atração emocional, romântica ou sexual contínua por um indivíduo de um determinado gênero. Depende do gênero da atração sexual. Sentir-se atraído por alguém do mesmo sexo é homossexualidade, sentir-se atraído por alguém do sexo oposto é heterossexualidade e sentir-se atraído por ambos os sexos é bissexualidade. Como os bissexuais se sentem atraídos por ambos os sexos, são acusados ​​de indecisão e insaciabilidade (bifobia) tanto por homossexuais como por heterossexuais. Isto não tem ligação com a realidade; É causado por desinformação e preconceito.

Gênero:
Refere-se ao conjunto de papéis e responsabilidades socialmente atribuídos a mulheres e homens em diferentes culturas, territórios e diferentes tempos históricos. Gênero é o sexo atribuído a um indivíduo pela sociedade em que vive, independentemente de suas características físicas. O ponto a notar aqui é que não é o sexo que o indivíduo se define, mas o sexo que a sociedade define o indivíduo. Está intimamente relacionado aos papéis sexuais. O que a sociedade entende dos termos homens e mulheres, as expectativas que tem em relação aos homens e às mulheres, como os homens e as mulheres devem comportar-se tradicionalmente, a forma de falar, as roupas que devem ser usadas, etc., também enquadram-se na definição de gênero.

Homofobia/Transfobia:
Geralmente é definido como sentimentos, atitudes e comportamentos negativos em relação aos homossexuais. Longe de ser um medo pessoal e uma crença irracional, a homofobia refere-se a um processo intergrupal que ocorre num campo político e que precisa de ser abordado em relação à cultura e aos sistemas de significado, às instituições e às tradições sociais. A homofobia pode ser vista como uma ideologia das relações intergrupais, que também é afetada por processos mais individuais (personalidade, autopercepção, estruturas cognitivas, etc.), resultantes da conceituação de homossexuais e bissexuais como um grupo externo, e acompanhada de certos estereótipos. A ideologia homofóbica não ocorre espontaneamente como característica pessoal, mas dentro de um contexto sociocultural específico. Apesar das suas raízes em condições e processos culturais e individuais, muitos psicólogos sociais pensam que a homofobia pode estar conectada com o racismo e o sexismo. Neste sentido, a homofobia é uma extensão importante do sexismo. A violência contra pessoas com orientações sexuais diferentes da heterossexualidade torna-se um mecanismo para a “proteção e controle da humanidade” através do uso, num certo sentido, sexista da masculinidade. A transfobia descreve o preconceito e o ódio contra pessoas trans. É uma espécie de expressão de ansiedade e medo para com aqueles que mudam de gênero pela contradição dos papéis sexuais e sociais que se espera devido ao seu sexo biológico.

Heterossexismo:
Nas sociedades heterossexistas, estabelece-se uma cadeia causal entre reprodução, sexo, gênero e orientação sexual: algumas diferenças anatômicas básicas entre mulheres e homens relacionadas com a função reprodutiva são categorizadas como sexo, na forma de uma oposição binária e excludente. Os parceiros de ambos os lados deste eixo de oposição excludente são suprimidos. Ao dividir todas as diferenças entre estas duas categorias, que são fluídas e na verdade formam um espectro, obtém-se uma estrutura de dois sexos que é puramente natural, mas detalhadamente elaborada. Engels, em seu livro A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, diz: “A primeira divisão do trabalho é a divisão do trabalho entre homens e mulheres em termos de procriação”, e acrescenta: “O primeiro conflito de classes que se manifestou na história foi com o desenvolvimento da oposição inconciliável entre homens e mulheres dentro do casamento conjugal e a primeira opressão de classe coincide com a opressão do sexo feminino pelo sexo masculino.”

Heteronormatividade:
A heterossexualidade é vista como a orientação sexual normal e única, e os valores sociais, regras e estilos de vida são aceitos como se todos fossem heterossexuais. A divisão das pessoas em homens e mulheres é um conjunto de crenças, pensamentos e normas que afirmam que as relações sexuais/casamentos só podem ser entre pessoas de sexos opostos e que cada sexo tem os seus próprios papéis.