'Reestruturação do recrutamento - Uma defesa do teatro como arte marcial' (RPM)

É preciso que nós deixemos de espectar e copiar as manobras do passado e passemos, cada militante, a ser atores em coletiva prontidão. Defendo assim, os conhecimentos do teatro e da ciência militar aliados às práticas do partido.

'Reestruturação do recrutamento - Uma defesa do teatro como arte marcial' (RPM)

Por RPM para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Nesta pequena tribuna gostaria de traçar reflexões e colaborar com a base do tripé estruturante da atual estratégica e tática de crescimento e profissionalização do partido: O recrutamento, o planejamento tático e a formação continuada. Pois no horizonte revolucionário é na tática qualificada que se prova uma resistência. Do contrário, ficaremos eternamente a debater a conjuntura e, nas ruas, dificilmente saberão nos diferenciar de qualquer outro partido social-democrata. É preciso que nós deixemos de espectar e copiar as manobras do passado e passemos, cada militante, a ser atores em coletiva prontidão. Defendo assim, os conhecimentos do teatro e da ciência militar aliados às práticas do partido. Por uma ação revolucionária e um teatro como arte marcial, deixem de chamar os trabalhadores da arte APENAS quando “vai rolar uma cultural”. Estamos querendo formar um Poder, ou um grupo de militantes de carreira? “Fora do Poder tudo é ilusão”. 

Introdução 

Na União Soviética, o teatro foi uma arma fundamental para efervescer os ânimos revolucionários. A primeira experiência do teatro como arte marcial na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) aconteceu em 2022, onde fizemos uma peça que se transformou em uma oficina de teatro jornal, resultando em um ato de agitação com uma série de denúncias às condições de insegurança alimentar vivida pelos estudantes da universidade. 

Desta forma, a compreensão de “teatro” no recrutamento e formação como o clássico “lugar de onde se vê” já não corresponde ao trabalho necessário. É preciso refletir sobre nosso papel de ator. Nem tampouco cabe a nós ficar esperando coisa alguma, que não nos corresponda. Esperar das direções uma orientação geral de como devemos fazer nosso recrutamento compete aos cansados e de pouca visão. Aos que ignoram as heranças deste processo. Estes nunca poderão ver uma sistematização dos processos educacionais 

Há de ampliar este espectro para algo mais amplo, conectando-o aos atores e cenários das nossas incursões, a ficção e a realidade de uma ação revolucionária, o corpo e os corpos em movimento. Seja uma barricada, ou uma assembleia, tudo deve ser visto teatralmente, pois o teatro é onde se juntam as artes cênicas, plásticas e sonoras. O teatro como ficção e a simbiose com a ciência militar como fricção. 

Desta forma, o teatro pode ser também uma forma de analisar a ação direta. Trago isso do teatro do oprimido de Augusto Boal, onde uma de suas ramificações é justamente usar ferramentas teatrais para repensar as estruturas que constituem assembléias, reuniões, manifestações e outras formas organizativas. 

O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) é um exemplo da importância do teatro enquanto arma. Ao iniciar uma assembleia, ou alguma outra atividade do gênero, é comum o uso das místicas. Estas podem ser tanto a apresentação de uma peça, recitar um poema, uma música, palavras de ordem, etc. Esta ação performática não é uma mera decoração, é peça chave de um alinhamento do grupo com seus objetivos. Se assemelha ao que Boal vai descrever como aquecimento ideológico. Os discursos inflamados não podem ser nossa única arma. É preciso trabalho de consciência performativa, verbal e não verbal junto aos militantes organizados. Inserir estas ações coletivas também combatem o personalismo tão sintomático em nossas fileiras. 

Esta formação aliada aos métodos laboratoriais do teatro podem gerar exercícios interessantes, como a construção coletiva de um discurso (palavras + corpos). Um exemplo foi a última ocupação do Restaurante Universitário, onde precisávamos manter a posição e acalmar os ânimos que balançavam entre uma debandada (saída do local em desordem) e o recuo (saída estratégica do local). Alguns discursos foram proferidos, mas se esgotaram ao passar de uma hora cercados pela PM. O canto da música de João Bosco “Ronco da Cuíca” auxiliou a manter a militância engajada e tranquila no transcurso da ação. Nunca subestimem o poder da música em manter o ritmo de uma ação. Afinal, em uma manifestação a bateria cumpre papel fundamental na unidade do ato. 

A criação de artes plásticas como lambes, pixos e faixas devem romper com o estado de normalidade das instituições. Um espaço vazio de interferências, é um espaço ocupado pela normalidade burguesa do Estado. Não tratemos esta arte como uma mera forma de divulgação do discurso, mas sim de agitação constante e tática dinâmica. 

Sobre o recrutamento 

Está em nossas pré-teses “conquistar o apoio político consistente da ampla maioria dos soldados pobres que compõem as bases das forças armadas com seus desligamentos das instituições burguesas a fim de construírem um exército popular revolucionário”. Delegando assim a responsabilidade de resistência a algo que não está sob nosso controle atualmente. Os soldados pobres estão sob fortes pressões ideológicas e hierárquicas. Não é prudente esperá-los para iniciar a construção deste poder. Tampouco um grupo de comunistas armados dão conta de ilustrar o recrutamento que o nosso partido necessita. 

No mausoléu de Che Guevara está escrito "Para ser um médico revolucionário, o primeiro que há de ter é revolução”. Camaradas, é urgente reestruturar nosso recrutamento, que atualmente se assemelha a um grupo de leitura. Os corpos estão apartados dele. Os critérios de recrutamento holísticos estão desenhados para englobar os quadros mais “avançados”. Descartamos os que não se destacam e sobrecarregamos aqueles com maior desenvoltura política. Devemos estar mais atentos aos que se desenvolvem politicamente conosco e como fazemos isso. O saldo atual é uma base inconsistente, pois estamos nublando o horizonte de uma luta armada ao amarre textual de uma prática academicista. 

Façamos treinamentos que simulem situações, que resultem em soluções criativas. É preciso mesclar as tarefas de recrutamento com nossas outras tarefas imediatas, como por exemplo, produção e difusão de panfletos de denúncia. Afinal, somos dirigentes da revolução, não seus inventores. Este é o motivo das pessoas comporem nossas fileiras. O recrutamento deve ser um local de aproximação e formação, incorporando aqueles, agora sim, que se destacam politicamente. Para pensar isso através do teatro como arte marcial, devemos aproximá-lo ao treinamento de guerrilha. Produção de textos coletivos, ações performáticas, criação de palavras de ordem, organização de processos criativos e leituras coletivas são algumas das possibilidades de profissionalização desta etapa inicial de todo militante, já que estas são metodologias para incentivar a mudança do expectador dos movimentos sociais em um ator político. 

Uma forma de exercício pertinente é perguntar aos militantes em recrutamento “Caso lhe fosse dada a tarefa de organizar uma reunião, como você faria?”. É comum imaginar as formas organizativas como uma herança intocável. Aprender através da observação faz toda e qualquer reunião organizada ter de apresentar a seguinte forma:

informes, pauta e encaminhamento. Uma reunião não é uma receita de bolo. No estudo reside a compreensão do que são estas etapas, na ignorância reside a possibilidade do novo. 

Proponho que nossos recrutamentos aconteçam em uma série de fins de semana de forma imersiva: trilhas, acampamentos, vivências nos movimentos de rua, aldeias, quilombos, ocupações, encontro com os coletivos partidários… as possibilidades são infinitas. É preciso unir o corpo, a mente e o espírito revolucionário para recrutarmos com qualidade, desenvolvendo os conhecimentos necessários para a atuação e a camaradagem. Deixar de delegar isso aos núcleos de forma isolada, e aplicá-lo por região, podendo, assim, juntar recrutamentos dos movimentos sindicais, estudantis, entre outros. 

Sobre o planejamento 

John Keegan “a guerra abarca muito mais do que a política, que é sempre uma expressão de cultura, com frequência um determinante de formas culturais e, em algumas sociedades, é a própria cultura”. 

Atualmente vivemos em um sistema militar herdado pelos acertos e erros do PCB em tentar servir e proteger um modo de militância particular, pós ditadura civil militar. A cultura interna do partido ao dar destaque aos valores revolucionários estrangeiros, ao ligar esses valores à preservação de uma imagem de uma cultura revolucionária do século XX e limitar a criatividade em suas fileiras, nega a si mesma uma forma de se reinventar e adaptar-se às circunstâncias. 

Camaradas, nossas reuniões de planejamento são tão infantis quanto trabalho de escola em grupo, e quando muito fazemos o FOFA (Forças, Oportunidades, Fraquezas e Ameaças). É preciso aprofundar nossas discussões táticas e estratégicas. 

No movimento estudantil, por exemplo, se sabemos que o reitor está angariando votos para a próxima eleição temos de explorar a guerra psicológica através da opinião pública. Se o núcleo é pequeno, estudemos a guerrilha. Caso seja preciso uma barricada, estudemos as trincheiras. Caso estejamos em confronto com o choque, estudemos o assalto frontal. Se for possível, apliquemos todas as ações de forma coordenada. 

Para a aplicação de quaisquer uma destas, compartilho aqui um breve resumo das etapas de planejamento. Elas são: 1.Diagnóstico, 2.Objetivos, 3.Estratégia e Tática, 4.Métricas de desempenho, 5.Cronograma, 6.Prática e 7.Análise e Revisão. Para a realização de todas elas, é possível integral, ou parcialmente o uso de jogos teatrais e dinâmicas de grupo. 

1. Diagnóstico: O grupo deve realizar coletivamente, com a participação integral dos membros a análise das Forças, Oportunidades, Fraquezas e Ameaças que competem a esta instância. Todas as respostas a estas perguntas devem se dar de forma objetiva a constatar os Fatores internos e os Fatores Externos a esta. Além de listar nomes e cargos inseridos nesta área de atuação. Além das condições do terreno e dos recursos sociais que desta região delimitada. 

2. Objetivos: Quais são os propósitos imediatos deste grupo? Quais são os intuitos a médio e a longo prazo? Quais são as metas decorrentes destes objetivos? Qual é o prazo de realização das metas? Quem são os responsáveis por estas metas? Quem apoia os responsáveis por estas metas? É importante que nem uma tarefa fique 100% na mão de uma

pessoa, mas que haja sempre um apoiador que auxilie, seja compondo a tarefa, ou perguntando como vai o andamento desta. 

3. Estratégia e tática: Primeiramente é importante distinguir que estratégia política é o que vemos escrito em nossas resoluções. É a condução geral da guerra. Estratégia militar é a condução das operações militares. Tomemos como estratégia aqui algo próximo à estratégia militar: Qual é o método para alcançar estes objetivos? Como e onde alocar os recursos, as pessoas e o tempo disponível? A tática por sua vez é uma técnica ou ação específica para implementar a estratégia. Esta deve ser flexível às condições. 

4. Métricas de desempenho: Como vamos medir o sucesso, ou o fracasso de uma ação? Através delas iremos mensurar a eficácia da ação. Régua para medir o cumprimento de nossos objetivos. 

5. Cronograma: Gráfico de ação contra o tempo realizável. 

6. Prática: colocar o plano em ação. 

7. Análise e revisão: A partir da análise através das métricas podemos decidir se alterarmos a nossa tática, ou as métricas de desempenho. 

Sendo assim, conseguimos listar os agentes envolvidos direta ou indiretamente em nossas ações? Se a polícia é acionada, sabemos qual é o batalhão responsável por atender esta ocorrência? Quem é o seu comandante? Temos recursos para acompanhar o rádio da PM? Até quando ficaremos reféns da boataria que desorganiza nossas fileiras? O diagnóstico identifica os elementos que controlamos e que não controlamos, diretos e indiretos, internos e externos. 

O planejamento estratégico não exime o erro, mas minimiza e nos deixa conscientes de como jogar com ele. Ele também auxilia na divisão das tarefas. 

Considerações finais 

As ideias aqui explanadas vem sendo latentes nos últimos 2 anos de estudo do teatro e da ciência militar. Recomendo então algumas leituras a quem interessar: “A Arte da Guerra” de Sun Tzu, “Da Guerra” de Clausewitz, “Manual do Guerrilheiro Urbano” de Carlos Marighella, “A Propósito dos Métodos de Direção” de Mao Zedong, “O Centralismo Democrático de Lenin” e “O que fazer” de Lenin, “O arco-iris do desejo”, “Teatro legislativo”, “Teatro do oprimido e outras poéticas políticas” e “Exercícios para atores e não atores” de Augusto Boal, “De Re Militari" de Marius Vegetius Renatus, “Uma história da guerra” de John Keegan, “Mujeres y guerra en Guatemala y Chiapas” de Silvia Soriano Hernández, “Sobre a agitação” de J. Martov e A. Kremer, e “O livro dos cinco anéis” de Miyamoto Musashi. 

Recomendo também a busca no Spotify pelo curso para a formação de oficiais superiores da marinha brasileira chamado CEMOS. 

Um ponto importante, que ficou de fora nesta tribuna, é a atenção no tempo de fala de cada militante dentro de uma reunião. É costume da nossa atuação a fala ficar concentrada em um militante mais “avançado”, o que causa desgaste em todo o grupo. Existem métodos de reunião que podem auxiliar na diluição da palavra entre o grupo. Em nosso núcleo diversas vezes os militantes do Teatro foram elogiados por promoverem a dinâmica da fala entre os presentes. Algumas vezes só era necessário fazer uma meditação inicial para concentrar o grupo, outras era preciso perguntar a cada um uma opinião sobre o tema em debate, ou até instauração de jogos teatrais. Para uma atuação assertiva é preciso que de perto vejamos de fora, e de longe olhemos como se estivéssemos perto.

Os pensamentos aqui compartilhados continuam em desenvolvimento, agradeço a todo e qualquer comentário. Somos teatro, pois somos atores e espectadores de nossos corpos.