'Redirecionar o Movimento Estudantil Universitário dentro da Universidade, derrubar os muros e ocupar os campi!' (Nino Araújo)
A simples travessia dos muros imaginários da academia não basta. Temos que derrubar tais muros, explodi-los, deixá-los no chão para, a partir daí, construirmos não uma nova universidade, mas uma nova sociedade, uma nova comunidade
Por Nino Araújo para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
Acredito que já seja de conhecimento geral da toda a militância as resoluções congressuais do último congresso da UJC que definem que nossas prioridades devem ser aprofundadas, daqui para frente, no Movimento Estudantil Secundarista, no Movimento de Jovens Trabalhadores e nas universidades privadas e de massa, para além de estudarmos e avançarmos a nossa inserção no Movimentos de Bairros e Cultura:
“11. As prioridades de inserção no movimento de massas para a UJC no próximo período serão: o movimento secundarista em geral e, vinculado a ele o movimento de estudantes do Ensino Profissional Técnico (EPT); a inserção no movimento de jovens trabalhadores e a inserção nas universidades privadas de massas.”
“165. As Coordenações Regionais elegerão, na medida do possível, uma Secretaria e uma Comissão de Movimentos Populares, Bairros e Cultura, para estudar e organizar a nossa inserção nesse setor.”
Ainda assim, é palpável nossa dificuldade de inserção em todos esses âmbitos, com uma pequena exceção ao M.E. Secundarista, onde ainda temos uma atuação mais orgânica em grêmios estudantis de várias escolas pelo país.
Nesse sentido, é importante começarmos a problematizar os esforços que hoje focamos no Movimento Estudantil Universitário e, sobretudo, na disputa de Entidades Gerais. Não me pretendo a colocar nesta tribuna nenhum argumento que nos faça desistir completamente de disputar DCEs e DAs nas universidades onde temos um trabalho qualificado e responsável, mas gostaria de começar a traçar um debate que acredito que possa ser o caminho mais adequado para que possamos, de uma vez por todas, firmar nossa linha política e olhar para o Movimento Estudantil Universitário com um olhar crítico, não nos furtando da responsabilidade de disputá-lo, mas entendendo como disputá-lo de uma maneira que consigamos avançar o programa da Universidade Popular concretamente.
Reforço, antes de mais nada, que essas contribuições e formulações nascem do seio da conjuntura local do meu núcleo de base e de discussões que, felizmente, temos conseguido começar a arranhar a superfície, ainda que tenha nos trazido muito desconforto e nos colocado, por muito tempo, num espaço de dúvida e desconfiança por parte das direções do partido no estado de Minas Gerais. Porém, consigo perceber agora um espaço amplo para que possamos sair das amarras das tradições e convenções do Movimento Estudantil Universitário que, ao meu ver, muitas vezes se mostram insuficientes na conjuntura atual do nosso país e cada vez mais afastam a juventude trabalhadora dos espaços de formulação política.
Inicio, então, com um chamado extremamente atual que Ruy Mauro Marini traz em seu texto acerca dos Movimentos Estudantis na América Latina:
As experiências variadas que resumimos têm em comum as características já assinaladas a respeito do atual movimento estudantil na América Latina – mobilização massiva e radicalização ideológica –, mas mostram claramente que, assim como estas características não independem da forma de desenvolvimento econômico destes países, o comportamento dos estudantes é uma variável que se inclui no quadro concreto da luta de classes nacional. Em última instância, os problemas do movimento estudantil, que quer se tornar um fator de transformação social, só podem se resolver fora do movimento – ou seja, a partir das condições de organização e de ação que prevalecem no seio do movimento operário. [grifo original]
Nosso ponto de partida se encontra aí, na afirmação de que “os problemas do movimento estudantil, [...], só podem se resolver fora do movimento”. Não pretendo inventar nenhuma roda nesta tribuna, e o fato dessa afirmação já estar presente nos escritos de Marini reforça isso. O que quero trazer é uma tentativa de atualizar e aplicar esse trecho.
No último período, avalio que tivemos uma atuação um tanto quanto mecânica no Movimento Estudantil, que, sem dúvidas, nos trouxe crescimento quantitativo, demonstrado nos numerosos estudantes que se somaram em nossas fileiras. Entretanto, a fórmula “recrutar militantes de curso x, fazer aliança com as forças políticas próximas a nós, disputar o CA do curso x, construir uma gestão pautada em acordos políticos, recuos de linha política, assembleias esvaziadas com falas exclusivamente de militantes organizados, utilização das entidades como moedas de troca e reduzidas à votos nos Conselhos de Entidades de Base” se desgastou e não se sustenta mais. As decisões que dizem respeito às Entidades de Base tomadas exclusivamente em bilaterais se furtam do debate político que deve ser feito pela base, em reuniões abertas e assembleias. E onde fica nossa responsabilidade com nossos colegas independentes que constroem diariamente suas entidades estudantis e, mesmo que não organizados, se colocam como defensores ferrenhos da Universidade Popular?
Essa fórmula foi, de fato, superada por muitas vezes pela nossa militância e garantimos um espaço para uma construção orgânica, honesta e politizada junto da base de estudantes que concordam e levantam as bandeiras que defendemos no ME, mas, na maioria das universidades, ainda estamos restritos a atuação nos CAs, DAs e DCEs. Sem contar que essa segue sendo a lógica hegemônica do Movimento Estudantil como um todo. Cito brevemente aqui ainda, o esvaziamento político que vimos com nossos próprios olhos no 59° Congresso da UNE, onde nem ao menos tivemos a oportunidade de ouvir as teses apresentadas e debatê-las.
Mas, afinal, como o Movimento Estudantil deveria se portar? Como de fato atravessar os muros da universidade? Qual nosso papel enquanto comunistas nisso? Como nos aprofundarmos nos movimentos de massas de jovens trabalhadores, de bairros e cultura, ainda sim tendo como espaço de atuação nossas universidades?
Uma triste realidade é que, cada vez mais, as Entidades de Base têm sido restritas à militância organizada e se afastado des estudantes independentes, sobretudo des estudantes marginalizados, des estudantes LGBTs, des estudantes negres, PCDs, des estudantes com jornadas de trabalho precarizado, estagiáries, etc. Tendo isso em mente, a necessidade de repensarmos as estruturas de assembleias, eleições e de outros espaços do ME tem se tornado gritante.
Para isso, camaradas, a simples travessia dos muros imaginários da academia não basta. Temos que derrubar tais muros, explodi-los, deixá-los no chão para, a partir daí, construirmos não uma nova universidade, mas uma nova sociedade, uma nova comunidade, não uma comunidade universitária, mas uma comunidade que conta não apenas com estudantes, professores, técnicos administrativos e terceirizados, mas também com toda a cidade que circunda a universidade. Transformemos os muros em pontes que transformem nossos campi em espaços de lazer e convivência da cidade, que abriguem centros culturais e, finalmente, se englobem como parte viva e pulsante da comunidade. Retomemos as boas tradições do Movimento Estudantil, reivindiquemos a União Nacional dos Estudantes que fundamos, a UNE que construiu o Centro Popular de Cultura. Devemos, camaradas, criar um solo fértil para a criação de uma cultura popular feita pela e para nossa classe, e isso deve permear também o Movimento Estudantil.
Onde, então, focar nossos esforços? A resposta para essa pergunta ainda precisa ser amadurecida, mas sou um ávido defensor da ideia que tentei sintetizar no título desse texto: redirecionar o Movimento Estudantil Universitário dentro da universidade. Friso, antes de mais nada, que utilizo do termo “Movimento Estudantil Universitário” reduzindo ele às velhas disputas “tradicionais”, as pequenas políticas, as intrigas que pairam entre nossas salas de aula durante os períodos eleitorais, etc. Nessa linha, também questiono: quais elaborações temos, enquanto comunistas, sobre a disputa da linha política dos coletivos negros, indígenas, TTNB, LGBT, feministas e PCDs na universidade? Porque não disputamos a linha política desses espaços com a mesma energia e afinco que disputamos nossos DCEs? Como atingir es estudantes de universidades privadas online, que continuam sendo os mais precarizados e, na maioria das vezes, não contam com nenhuma Entidade para representá-los e para pautar suas demandas?
Pois bem, camaradas, enquanto sugamos até a última gota de suor da nossa militância nas eleições de entidades gerais, muitas vezes esvaziamos esses espaços, onde hoje, a grande maioria da juventude precarizada se encontra e que, por vezes, seguem em uma atuação completamente rasa, fugindo da pauta anticapitalista e sem nenhum contraponto de uma linha radical.
E nosso papel não deve se findar na disputa desses coletivos, mas também na organização de nossos colegas na construção de novos espaços de debate, de elaboração e de aglutinação da potência revolucionária des estudantes. Que o Movimento Estudantil não se paute pelas disputas internas de partidos e forças políticas, mas sim das demandas latentes des estudantes, das cidades e universidades! Urge a necessidade da organização des estudantes que estagiam, em prol da luta pela regularização dos estágios, para além des estudantes extensionistas, que hoje constroem a estrutura basilar que temos de um projeto de universidade que, mesmo que timidamente, começa a olhar por cima dos “muros imaginários”. Se nos propormos a ser vanguarda na luta pela universidade popular, se faz fundamental que avancemos no debate sobre como o Movimento Estudantil deve se transformar e se aproximar, cada vez mais, da nossa classe.
Então, camaradas, OUSEMOS AVANÇAR!