'Recrutar bolsonaristas: provocações' (B. Salvador)
Só nos formaremos combatentes do fascismo de fato, combatendo cotidianamente os conceitos com as pessoas, fazendo, perdendo o medo de conversar política até com os intolerantes (de novo, no limite da sua segurança e capacidade mental).
Por B. Salvador para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
Camaradas, estive pensando e gostaria de compartilhar com vocês algumas provocações para talvez acumularmos algo que pode culminar numa política de recrutamento específica para pessoas que foram/são bolsonaristas. Não quero me referir aqui a todos os bolsonaristas, e nem a este momento imediato, sei que é uma categoria muito ampla e genérica quando tratamos de quase a metade da população votante em 2022. Mas enquanto fenômeno de massas, um segmento das pessoas atraídas ao bolsonarismo o fez devido a um sentimento antipolítica profundo, de descrença em relação às figuras governantes e à mídia burguesa, isso ali no período das eleições de 2018. Algumas dessas pessoas ainda nutrem um sentimento de antipolítica após o que aconteceu ao longo do mandato do genocida, estando agora num espaço de indefinição transitória no espectro político.
Eu me pergunto: e se, quanto às pessoas tomadas por sentimentos antipolíticos, batermos na tecla da antipolítica burguesa e no nosso projeto político para com a nossa classe, afirmando que nosso projeto político enquanto RR é um projeto que quer acabar com a democracia burguesa e criar a democracia popular? Acredito que muitos de nós possuímos pessoas do tipo antipolítico em nosso convívio pessoal, então (dentro dos limites do tolerável e do seguro) sugiro que tentemos conversas para ampliar os pontos de vista e superar o viés que minha amostra limitada de respostas têm, nos fazendo pensar em um leque direcionado de tarefas de agitação e recrutamento no futuro.
Minha experiência tem sido, depois da longa tentativa de me desvencilhar “do petê” genérico, de uma aceitação estranhamente positiva das propostas revolucionárias de tomada de poder pela classe trabalhadora. E refletindo após do 8 de janeiro, penso. O bolsonarismo enquanto movimento de massas apela à radicalidade da ruptura institucional, um discurso inicialmente anticorrupção, de “liberdade”, de “proteção contra o mal”. Pessoas cuja nata mais radicalizada, agora com alguns presos, tentaram invadir as instituições mesmo sendo anunciado que seriam abandonadas depois. Pessoas num número significativamente alto que eram engajadas o bastante para ocupar as ruas múltiplas vezes ao longo de 4 anos.
Acredito que, avaliando bem as pessoas à nossa volta, os padrões da nossa classe que se repetem na nossa realidade concreta, seus discursos políticos, seus porquês, sem uma avaliação moralista e sim, acolhedora, firme em princípios, possamos avançar onde talvez ainda não pensávamos ser possível. Abordando nosso projeto político de forma que exponha as semelhanças (nosso projeto também visa a ruptura da institucionalidade burguesa, que é um grande ponto pros “antipolíticos”) e também, fundamentalmente as diferenças (somos mais radicais do que o bolsonarismo por querermos criar um poder do povo, para o povo, com o povo, fora dos limites burgueses), talvez haja abertura ao marxismo-leninismo enquanto método organizativo e projeto político.
Mencionemos trabalhos por local de moradia e de trabalho. Lembremos a eles que somos muitos e capazes, se ele/a também se unir às lutas da classe trabalhadora. Pintemos os sonhos da solidariedade proletária, pois se eles conseguem entender que seria melhor um mundo no qual todos os trabalhadores se ajudem, descobrindo no processo que não precisam dos patrões e dos políticos burgueses, estamos começando a plantar sementes. Não podemos esquecer que nossa classe é cotidianamente doutrinada a não sonhar com nada, principalmente, não sonhar com sua libertação, então plantar o sonho às vezes pode ser um empurrãozinho para “dorgas mais pesadas” como a tomada do poder e a hegemonia proletária.
Vamos observar todos os segmentos da classe, até os mais improváveis, e de fato acumular sobre quem é a classe trabalhadora que servimos em todas as suas facetas, para que o discurso leninista avance. Considerando o nível praticamente inexistente de teoria política (no sentido formal da coisa, e também no sentido de ter tempo/espaço para as pessoas pensarem política nossa, fora das limitações da democracia burguesa que só distanciam as pessoas da luta concreta) em muitos espaços, nosso trabalho precisa ser profundamente agitativo e propagandista, no sentido mais adaptável que os quadros puderem ser. Aprenderemos com esse método que foi usado na ofensiva bolsonarista contra a nossa classe: a criação em massa de conteúdos com um segmento populacional específico em mente, como eles fizeram com evangélicos, nazis, antipolíticos, liberais, conspiracionistas, conservadores em seus grupos de whatsapp. E para criar material focalizado em um segmento populacional da classe trabalhadora, precisamos arriscar sistematizando com as amostras populacionais que convivemos no nosso cotidiano.
A classe proletária como um todo simplesmente não teve acesso ao marxismo-leninismo e não podemos perder a chance de encontrar aqueles que viram no bolsonarismo a radicalidade que eles não visualizavam na política institucional e nem nos partidos de esquerda radical, famosos por serem da bolha de longos debates acadêmicos e difíceis. Vamos aproveitar dos momentos de fim de ano, de ver umas pessoas que podemos ficar um tempo sem ver (ou não), criar uma polêmica light (ou não), botar a culpa na bebida e apresentar, do nada, o leninismo de uma forma acessível, cotidiana.
Nosso projeto não é apenas bom, ele é o melhor que a nossa classe criou até então, ele só não chegou a ninguém e nossa primeira tarefa enquanto comunistas é nos formar (em diferentes graus) enquanto quadros agitadores, propagandistas, objetivos e claros, sem perder nossos princípios e capazes de falar até para os mais difíceis sem titubear. Só faremos isso arriscando, sistematizando o que a realidade nos mostrou e refletindo sobre o que acumularmos. Talvez seja minha percepção restrita à minha vivência e não haja padrão algum, mas só saberemos enquanto partido se estudarmos nossa classe de perto, em todos os momentos, analisarmos sua receptividade aos mais diferentes níveis do conteúdo do nosso projeto político.
Se for necessário apresentaremos gradualmente o projeto, conceito pequeno por conceito pequeno (e nem tão pequenos assim, mas de toda forma, basilares), para quando os “palavrões” e os “fantasmas” chegarem (socialismo e comunismo), a ideia soe tão natural que não seja um “bicho-papão” tão grande assim. Que os mais “conspiracionistas” se perguntem depois de conversar conosco: “será que não mentiram pra mim esse tempo todo sobre quem são os comunistas e principalmente, sobre quem não são os comunistas?”. Precisamos constantemente plantar sementes de leninismo até nos solos que aparentam ser mais inférteis.
Não deixemos nossos receios com o fascismo nos intimidar perante segmentos da nossa classe. O fascismo foi introjetado entre os da nossa classe - que foi propositalmente desarmada de leninismo pela burguesia. Só nos formaremos combatentes do fascismo de fato, combatendo cotidianamente os conceitos com as pessoas, fazendo, perdendo o medo de conversar política até com os intolerantes (de novo, no limite da sua segurança e capacidade mental).
Façamos porém a política cotidiana de caso pensado, primeiramente apresentando conceitos com o qual a pessoa já simpatiza (não gostar de políticos burgueses, ruptura com a institucionalidade) e correlacionando com nosso projeto político, semelhanças e diferenças, sem distorcer ou dificultar ou empobrecer demais os conceitos. Depois, iremos aos poucos gerando as reflexões quanto às problemáticas liberais e neoliberais, os direitos de simplesmente todo mundo, o famoso “não morder, não xingar, não bater no coleguinha”. Por fim, abordamos de forma política, franca e sem moralismo, as questões problemáticas que o bolsonarista traz consigo, seja da natureza que for, facista, opressão.
Todos da classe são disputáveis até uma rejeição explícita ao nosso programa político DEPOIS DE APRESENTADOS DE FORMA PERSONALIZADA POR UM COMUNISTA AGITADOR. Até que o NÃO tenha sido dito na nossa cara, insistiremos em plantar leninismo por aí, em quem for, mesmo que seja só para a pessoa ter ouvido a “versão” de um comunista sobre leninismo. A familiaridade, mesmo que num nível quase subconsciente do conceito, ajudará a adesão às nossas ideias conforme nosso trabalho partidário for crescendo, e a familiaridade envolve exposição repetida à uma situação, principalmente em contexto cotidiano. Como não sabemos o ritmo do nosso avanço - que, espero pela Classe, será qualitativo e muito rápido - podemos pelo menos jogar a ideia por aí. Vai que brota?
Continuemos com os debates, camaradas. As colocações de vocês me estimulam e me dão (às vezes tiram) a paz antes de dormir.