Recife: Rec n' Play e a ideologia do empreendedorismo

O evento não é mais do que um grande camarote de propaganda ideológica do capitalismo, onde se celebra, sob o discurso da “inovação”, a perpetuação de um sistema que concentra riquezas e explora a classe trabalhadora.

Recife: Rec n' Play e a ideologia do empreendedorismo
Reprodução/Foto: site do Rec n' Play

Por Redação

Entre os dias 06 e 09 de novembro de 2024, aconteceu em Recife-PE o Rec n' Play, um evento que se apresenta como o maior encontro de empreendedorismo, cultura, tecnologia e conhecimento da cidade, mas que, na prática, funciona como um poderoso difusor da ideologia neoliberal. Realizado desde 2018 e agora em sua sexta edição, o evento ocupa a ilha do Marco Zero com atrações que, ao invés de enfrentarem os problemas estruturais da sociedade, reproduzem a lógica de mercado que precariza as condições de vida da classe trabalhadora.

Sob o discurso de "transmissão de conhecimento" e "inspiração para inovações", o Rec n' Play promove, ao longo de quatro dias, palestras e rodas de conversa que orbitam em torno de temas como estruturar dados para negócios, métodos de validação de problemas e captação de recursos. Porém, uma análise mais atenta revela que esses temas têm um objetivo claro: consolidar o empreendedorismo como resposta individualizada para os problemas sociais, afastando qualquer debate sobre mudanças estruturais ou coletivas. O público-alvo é variado, abrangendo desde jovens secundaristas, vindos não apenas de Recife, mas também do interior de Pernambuco, até pessoas acima de 50 anos, todos encorajados a "empreender, fazer crescer o negócio e contribuir para o desenvolvimento nacional e internacional".

Para as microempresas de tecnologia, popularmente chamadas de startups, o Rec n' Play se apresenta como uma oportunidade de visibilidade e captação de recursos. O evento oferece uma plataforma para que divulguem suas soluções, estabeleçam contatos com potenciais investidores e participem de competições que, muitas vezes, garantem financiamentos durante os próprios dias do encontro. No entanto, essa dinâmica reflete um modus operandi típico do empreendedorismo em Tecnologia da Informação (TI): criar uma empresa com o objetivo principal de vendê-la ao grande capital, em vez de desenvolvê-la para impactar de forma estrutural a vida do proletariado.

Esse ciclo, amplamente incentivado pelo Rec n' Play, beneficia poucos. As pessoas fundadoras, ao venderem suas startups, frequentemente embolsam valores consideráveis e assumem papéis de investidores, buscando lucros adicionais com novas empresas, ou se tornam rentistas, perpetuando o sistema que concentra riquezas e marginaliza a classe trabalhadora. Ao mesmo tempo, o evento ignora discussões fundamentais sobre como essas práticas aprofundam desigualdades sociais.

O evento procura desde sempre trazer nomes conhecidos no empreendedorismo e da política para debater os problemas que a sociedade enfrenta, mas muitas vezes com uma abordagem superficial e descolada das experiências cotidianas da maioria da população. Em 2024, por exemplo, o Rec n' Play trouxe a Ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, e o deputado estadual do Paraná, Renato Freitas, para um debate sobre racismo no Brasil. Houve também palestras com Alice Pataxó que debateram a questão dos povos originários no Brasil. No entanto, discussões como essa coexistem com palestras e iniciativas que reforçam a lógica empresarial, tratando problemas sociais como nichos de mercado.

Apoiado por grandes empresas e pelo Governo Federal, Estadual e Municipal, o evento evidencia seu caráter excludente e elitista. Com o Banco do Brasil como maior patrocinador e gigantes como a Microsoft presentes, as atividades refletem interesses que priorizam o capital em detrimento da qualidade de vida da maioria da população.

Mesmo nas iniciativas voltadas para startups, apresentadas como promissoras e inovadoras, o que predomina é a lógica do lucro. Na Arena de Negócios Adepe, dezenas de startups exibiam soluções que, longe de atacarem as causas estruturais dos problemas sociais, se dedicavam a atender necessidades de empresas maiores. Muitas delas operavam no modelo B2B (negócio para negócio), reforçando o ciclo em que pequenas empresas se desenvolvem apenas para serem absorvidas por corporações maiores, enquanto suas fundadoras lucram e migram para o rentismo.

As discussões sobre mobilidade urbana, por exemplo, também refletem esse distanciamento. A palestra “Smart Mobility – conectando pessoas, cidades e tecnologias” apresentou como solução principal um veículo aéreo privado para competir com helicópteros, atendendo exclusivamente a elites econômicas, sem sequer mencionar transporte público ou soluções para a população que enfrenta diariamente um sistema de mobilidade precário. Não se debateu a cidade tampouco o transporte público. Toda a palestra teve um viés mercadológico.

Houve palestras em que o objetivo concreto foi simplesmente para fins político-eleitorais. Um exemplo foi a palestra “O Futuro da Política no Brasil”, na qual estiveram presentes João Campos (PSB), prefeito reeleito de Recife, Silvio Meira e Rosário Pompéia. A palestra foi praticamente mais um palanque para João Campos, e não foi discutido o futuro da política no Brasil de forma concreta.

O Rec n' Play pode até ser vendido como um "celebrador da cultura e do conhecimento", mas é evidente que é um evento voltado para um público específico – uma elite empresarial e acadêmica que pode frequentar palestras em horário comercial, enquanto a maioria da população fica de fora. As discussões e atividades ignoram as raízes dos problemas estruturais de Recife, de Pernambuco e do Brasil, preferindo oferecer soluções tecnológicas que beneficiam o setor privado e perpetuam as desigualdades.

No fim, o evento não é mais do que um grande camarote de propaganda ideológica do capitalismo, onde se celebra, sob o discurso da “inovação”, a perpetuação de um sistema que concentra riquezas e explora a classe trabalhadora.