'Questão Racial na Reconstrução Revolucionária: Uma Crítica Urgente ao PCB-RR' (Célula de Assis - SP)
O povo brasileiro, majoritariamente não branco, merece um compromisso honesto com sua realidade.
Por Célula de Assis - SP para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
As questões aqui postas permearam e permeiam o movimento comunista brasileiro e seguem consolidadas nesse movimento de reconstrução revolucionária. Escrevemos porque nossos camaradas não levam a sério que em uma análise honesta de Brasil para se pensar e construir a revolução brasileira, temos sim de nos aprofundar, assimilar e centralizar a questão racial, não é de hoje que sabemos que sob o que nos guia enquanto comunistas, o materialismo histórico-dialético revelou há muitas e muitas décadas atrás que a categoria raça é fundamental para compreender e transformar as estruturas econômicas, sociais e políticas do país.
A ausência de discussões sobre a questão racial nas formulações pessoais, tribunas e tese congressual nos incomoda profundamente e é sintoma de algo muito problemático. Existe uma lacuna, um abismo muito grande do que realmente é o Brasil e a "revolução" que alguns se propõem a construir.
Esta lacuna que citamos está dolorosamente evidente no documento de sistematização da etapa regional do Estado, em que o debate sobre a questão racial foi praticamente omitido, ele aparece mas muito distante do que deveria ser nosso entendimento sério sobre tal. Está lá no documento uma inclusão superficial de uma formulação histórica rasa sobre o movimento negro, tratada muito mais como um adereço do que como uma parte integral do que precisamos para construir uma revolucão no Brasil, o que nos leva a um sincero questionamento: que revolução estamos construindo e para quem?
Não temos mais tempo para “branquices” que expulsam nossos irmãos e irmãs da luta pela revolução brasileira, é um desafio significativo dentro de nossas fileiras a prevalência de egos inflados, particularmente entre indivíduos brancos que, frequentemente, presumem que suas perspectivas são universalmente corretas. Esta postura não apenas revela uma falta de disposição para ouvir, mas também uma escassez de maturidade política para entender a cerne dos ensinamentos do movimento negro, que muito contribuiu na luta comunista: “nossos passos vem de longe”, não podemos mais nos furtar de fazer os debates que devem ser feitos, não podemos mais cometer os mesmos erros.
Não temos tempo, nosso povo tem pressa! Que estejamos dispostos a ouvir, aprender e aplicar em nossos locais de luta experiências vividas por aqueles em diferentes realidades raciais e sociais. Essa disputa de egos que muitas vezes prioriza o reconhecimento pessoal em detrimento do progresso coletivo, que foca mais em serem vistos como "os revolucionários" do que realmente empenhar-se na construção de uma revolução (debate sobre identidade versus práxis leninista). Tragicamente, esse comportamento sustenta uma dinâmica em que mudanças significativas são obstruídas, porque tais indivíduos não estão dispostos a renunciar seus próprios protagonismos e privilégios para realmente alterar a realidade dos mais oprimidos. Historicamente, essa mesma crítica se estendia ao antigo PCB, em que a questão racial era frequentemente negligenciada em nossas discussões sobre classe.
Na etapa estadual, ficou claro que essa abordagem ainda prevalece entre aqueles que pretendem construir a revolução brasileira. A predominância da ideologia branca, ainda intacta, revela uma recusa em reconhecer a centralidade da questão racial no Brasil para a construção de uma verdadeira revolução. E vocês não estão nem um pouco interessados em sequer se formarem sobre isso, uma contradição escancarada e naturalizada por vocês.
O povo brasileiro, majoritariamente não branco, merece um compromisso honesto com sua realidade. No entanto, observamos uma contínua terceirização das discussões sobre gênero, raça e sexualidade, relegadas a nós negros, e uma apropriação utilitarista da questão racial como um token de progressismo. Isso sem falar na postura complacente de muitos militantes, que ainda tratam a questão racial como uma mera pauta identitária. E que sequer entendem a própria dimensão identitária de ser branco.
Os negros não devem resolver os problemas de racismo da sociedade e do Partido, as LGBT+ não devem resolver os problemas de homofobia e transfobia da sociedade e do Partido. Convidamos todos os revolucionários a pensar as questões que são centrais para a revolução brasileira e não terceirizar mais essas questões a nós. Somos militantes que pensam muito mais do que a pauta das opressões, mas entendemos que essa pauta não pode mais ser renegada, não pode mais ser escanteada e que nossa prática tem que ser o critério da verdade, ou seja, as ações falam mais do que meras palavras de ordem batidas que saem das bocas brancas.
Ao analisar o perfil dos militantes em São Paulo, a partir da etapa estadual do congresso, — predominantemente brancos, universitários e masculinos — fica evidente uma prática repleta de vícios racistas, distante dos trabalhadores não brancos deste país que não estão nas universidades. Essa desconexão é um reflexo de uma abordagem teórica que faz da teoria revolucionária um privilégio branco, empregada mais para alimentar egos do que como um método científico para mudar nossa realidade.
A etapa estadual foi alarmante ao mostrar o quanto esse movimento de reconstrução revolucionária ainda é pálido em suas fileiras, discussões, preocupações e objetivos. Entender a centralidade da questão racial é fundamental para qualquer um comprometido com a construção da revolução no Brasil. No entanto, um desinteresse dos camaradas brancos. A etapa estadual do congresso foi lastimável, desanimadora e preocupante pelo menos para as negras e negros presentes. Nossa crítica aqui não se trata de subjetivismo, muito menos de identitarismo, como alguns diriam (e disseram) e com toda certeza dirão ao ler essa tribuna. Trata-se de um fato objetivo e que vocês não querem reconhecer, mas pode ser posto a prova como vários exemplos: o perfil dos militantes em São Paulo, e o fato de que durante a etapa estadual inúmeros camaradas nos relataram o desejo de realizar o desligamento do PCB-RR, infelizmente não nos surpreendeu que todas esses camaradas são pessoas negras.
Se você que lê a carta esteve na etapa estadual de SP deve se lembrar da quantidade de pessoas negras por grupo de discussão (GD), na maioria era de 0 a 2 pessoas negras, às vezes um pouco mais. Enquanto os outros 15 estavam no GD de Movimento Negro, cumprimento o papel terceirizado dessa discussão que segue tão cara pro movimento comunista e pra construção da revolução no Brasil.
Dito isso são revelados dois fatos: 1 - pouquíssimas pessoas negras passam a se interessar por travar uma luta organizada conosco em nossos espaços de atuação; 2 - muitas das que decidiram lutar em nossa organização caminham para se arrepender. A questão racial deve ser central no nosso debate, deve ser o que nos propicia a pensar a sociedade brasileira, como assim já dissemos. Se esta não for o motor da nossa estratégia revolucionária, não avançaremos. Ou seja, temos um problema com urgência para que seja resolvido (se nossa organização tiver intenções revolucionárias). Caso basta que sejamos um grupelho pequeno-burguês com frases de efeito e onde a questão racial seja apenas uma palavra de ordem desonesta, estamos no caminho certo.
Essa tribuna é um chamado a todes camaradas não brancos, a todes que não enxergam os seus iguais nesse movimento de reconstrução revolucionária, e a todes que realmente entendam a centralidade da questão racial para a construção da revolução brasileira. NÃO DESANIMEM! Se fortaleçam para que possamos nos fortalecer e não deixar a branquitude paulista tomar esse movimento para si. Pedimos atenção dos camaradas dos demais estados desse nosso Brasil, fortaleça seus camaradas negros, LGBTQIA+ somos nós que estamos tirando o movimento comunista da mediocridade. E precisamos desse apoio se o intuito de vocês assim como nós for a real emancipação da classe trabalhadora.