'Quem fala sobre o que? A divisão mecânico-liberal da pauta das opressões' (Thali)

Precisamos refletir formas de se mudar uma estrutura organizacional que faz com que certas pessoas vejam como mais importante se debruçar por horas sobre o que o jornal significava para Lenin na Rússia do que como a população trans tem sido utilizada como inimigo interno no Brasil.

'Quem fala sobre o que? A divisão mecânico-liberal da pauta das opressões' (Thali)
"A realidade, camaradas, é que mesmo após a cisão esse cenário se mantém em nossa organização. As únicas pessoas a verem essas pautas com a seriedade necessária são as pessoas afetadas por elas."

Por Thali para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Camaradas, após ler a tribuna “Racismo é só competência do minervino?” me peguei pensando no papel dos que os Coletivos Partidários desenvolveram, como a pauta das opressões ainda segue uma lógica, que aqui chamo de, mecânico-liberal dentro da nossa organização, onde se tem a ideia de que cabe apenas às mulheres pensarem sobre feminismo, as LGBT sobre LGBTfobia e as pessoas racializadas como racismo e o quanto isso é confortável para diversos militantes que ainda enxergam essas pautas como “secundárias”.

O PAPEL QUE OS COLETIVOS DESENVOLVERAM E SEU APARTAMENTO DO PARTIDO

De acordo com as resoluções organizativas do último congresso, os coletivos têm o seguinte objetivo:

88. Os coletivos orgânicos partidários são organizações que agrega militantes do PCB e aliados/as, amigos/as e simpatizantes do Partido que atuam nas lutas sociais. Têm como objetivo aglutinar um campo político e ideológico em torno do PCB, inserido nos movimentos de massa. Os coletivos não podem, em hipótese alguma, agregar militantes organizados em outros partidos. O papel do coletivo partidário é ser a interface, o elo de ligação do Partido com os movimentos sociais e populares. O PCB, como partido leninista, não é uma federação de coletivos, muito menos um espaço de representação dos/as militantes nos movimentos específicos. As deliberações dos Congressos e Encontros Nacionais dos coletivos passam pelo crivo do Comitê Central e não podem estar em desacordo com a linha política do PCB, assim como todas as decisões políticas e organizativas dos coletivos não devem estar em desacordo com os interesses e orientações partidárias. (Resoluções de organização do XVI Congresso do PCB p.14 ; Grifos meus)

Embora o objetivo dos Coletivos fosse inserir o PCB dentro dos movimentos de massa e socializar os acúmulos desses dentro do Partido, isso nunca aconteceu. Devido a forma organizativa dos Coletivos (que sempre foram extremamente semelhantes a qualquer célula do Partido) foi muito difícil que estes se interessem dentro dos movimentos sociais de forma orgânica e os insumos trazidos dos movimentos dificilmente, para não dizer nunca, foram incorporados pelo Partido.

Na realidade, os coletivos se tornaram o único espaço do Complexo Partidário onde se discutia e se pensava a questão das opressões. Formulando e puxando todas as atividades sobre esse tema os Coletivos se tornaram os token do Patido sobre essas tématicas (Como assim nosso Partido é machista, temos até um coletivo LGBT), Sem apoio do Partido, os coletivos carregaram nas costas as intervenções do 8M, Mês da visibilidade LGBT e o Novembro Negro. O aprofundamento desse processo acabou criando uma divisão mecânica-liberal de que apenas quem sobre essas violências deveria pensar sobre elas, indo contra os próprios acúmulos do marxismo sobre o identitarismo liberal e o conceito de “local de fala”. Se tirarmos o que foi produzido pelos Coletivos será difícil encontrar formulações sobre essas questões no PCB.

Todas essas questões, que aqui coloco de forma resumida, resultaram em, basicamente, dois grupos de militantes, o primeiro que não vê sentido em se pensar sobre a pauta das opressões e o segundo que se encontram desfalcados em pautas que vão além delas. O primeiro grupo é composto majoritariamente por militantes do Partido, mas também contém pessoas da UJC, que não vê a questão das opressões como ponto central do trabalho de um Partido Comunista, que devem envolver todas as instâncias e estar contido em todos os planejamentos e o segundo militantes que foram tão condicionados a pensar apenas em uma questão específica que sentem dificuldade de adquirir acúmulos e formular sobre outras, por falta de formação nessas outras temáticas.

QUEM REALMENTE SE IMPORTA COM ESSAS PAUTAS?

A realidade, camaradas, é que mesmo após a cisão esse cenário se mantém em nossa organização. As únicas pessoas a verem essas pautas com a seriedade necessária são as pessoas afetadas por elas. Esse apontamento fica claro se pararmos para refletir sobre o engajamento nas tribunas que se propõem a pensar as opressões, e sobre como nos espaços como plenárias e direções esses assuntos não surgem de forma natural, tem sempre que ser puxado (a contragosto de alguns), por algum militante que sofra opressões ou algum ex militante dos Coletivos.

Precisamos refletir formas de se mudar uma estrutura organizacional que faz com que certas pessoas vejam como mais importante se debruçar por horas sobre o que o jornal significava para Lenin na Rússia do que como a população trans tem sido utilizada como inimigo interno no Brasil (veja, aqui eu não classifico que os debates sobre o Órgão Central são menos importantes, mas que outras questões da mesma importância são deixadas de lado com naturalidade).

AS OPRESSÕES SÃO PROBLEMA DE TODO MUNDO!

Tenho refletido muito sobre as formas que possamos utilizar para romper com esse processo de divisão das pautas e dentre elas destaco aqui as que acho mais importantes:

  1. Fim definitivo dos coletivos partidário e criação das frações antiopressão (antiracista; LGBT; feminista classista)
  2. Criação de células especializadas nos movimento de massas (ex. célula especializada no movimento negro) que não tenham apenas militantes que componham aquela minoria, mas sim os que possuem mais contatos e facilidade de inserção naquele movimento. (Vale destacar que essas células não deverão ser responsáveis por pensar, somente, a questão das opressões, mas aproximar o trabalho partidário dos movimentos de massas)
  3. Incorporação dos acúmulos dos Coletivos Partidários na linha política do Partido
  4. Incorporação da Pauta de opressões nos planos de formação (Nacional, Regional, local e de células)
  5. Que nas criações dos calendários de atuação sejam levadas em conta as datas que os coletivos eram responsáveis por elaborar atividades (ex. 8M e novembro negro) a nivel nacional, regional e local cabendo as direções criar GTs ou operativos para essas datas.
  6. Que as nominadas para as direções, a serem eleitas no congresso, sejam compostas por pelo menos 50% de ex militantes do CFCAM, CNMO e LGBTcom (esse ponto em específico pretendo desenvolver melhor e defender  em uma próxima tribuna)