Queimadas sem freio: impunidade joga lenha na fogueira da destruição ambiental
Uma pesquisa do Greenpeace revela que, apesar dos crimes ambientais praticados em agosto de 2019, ninguém foi preso, as multas não foram pagas e vários responsáveis tiveram acesso a créditos rurais com subsídios públicos.
Por Redação
A impunidade continua sendo a marca registrada do desmatamento e das queimadas no Brasil, cinco anos após o Dia do Fogo. Uma pesquisa do Greenpeace revela que, apesar dos crimes ambientais praticados em agosto de 2019, ninguém foi preso, as multas não foram pagas e vários responsáveis tiveram acesso a créditos rurais com subsídios públicos. Essa impunidade incentiva a repetição desses crimes e contribui para a situação alarmante de queimadas na Amazônia, Cerrado, Pantanal e, recentemente, em São Paulo.
Segundo a Polícia Federal, o Dia do Fogo foi uma ação coordenada e criminosa, organizada por fazendeiros e empresários da região sudoeste do Pará para atear fogo em vastas áreas da floresta amazônica. O evento resultou em um aumento de aproximadamente 300% dos focos de incêndio nas cidades de Novo Progresso, Altamira e São Félix do Xingu, comparados aos dias anteriores a 10 de agosto de 2019. Os mandantes e os autores foram identificados, mas ninguém foi preso até hoje. Na prática, no Brasil, é mais grave furtar comida por fome ou portar pequena quantidade de maconha, do que incendiar a vegetação, cujo dano é imensuravelmente maior tanto para a natureza quanto para a sociedade.
O Greenpeace Brasil realizou a pesquisa nas 478 propriedades em que foram registrados focos de incêndio no Dia do Fogo, com base no Cadastro Ambiental Rural (CAR) e em imagens de satélites. Há fortes indícios de grilagem em 106,6 mil hectares destas terras, por estarem sobrepostas a áreas de Florestas Públicas Não-Destinadas (FPND). Nos últimos cinco anos, 18,7 mil hectares, uma área superior à área urbana de Belém, foi desmatada nestas áreas. Em uma dinâmica comum à expansão da fronteira agrícola: desmata, queima e converte floresta em pastagem ou lavoura, terra pública em privada, como exemplificado na imagem abaixo.
O desmatamento e as queimadas nas propriedades envolvidas no Dia do Fogo não cessaram em 2019, de acordo com o relatório da pesquisa: “os imóveis analisados queimaram e continuaram registrando focos de calor e cicatrizes de área queimada ao longo dos últimos anos, inclusive mesmo estando alguns deles embargados pelo poder público”. A maioria das propriedades analisadas possui embargos ambientais, somando 871, porém, somente 86 são devido ao fogo, o que demonstra as limitações também no âmbito fiscalização. Isso se deve em parte ao sucateamento de órgãos ambientais como o IBAMA, com destaque para o déficit e desvalorização dos servidores, que estiveram em greve até este mês de agosto reivindicando melhores condições de trabalho.
No âmbito da punição econômica, existem 662 multas vinculadas aos embargos nas propriedades analisadas. A soma dos valores das multas é superior a 1,2 BILHÃO de reais. No entanto, somente 41 mil reais (0,003%) foram quitados. Segundo o Greenpeace: “Alguns imóveis apresentam vários embargos dentro de seus limites. Alguns se referem ao mesmo tipo de destruição, como repetidas ocorrências por desmatamento, por exemplo. Outros apresentam vários tipos de infrações ambientais diferentes ao longo dos anos analisados”. Em outras palavras, os proprietários não pagaram, não foram presos e continuaram a praticar crimes ambientais.
Além de não pagarem pelos crimes, 29 propriedades envolvidas no Dia do Fogo acessaram financiamento público via crédito rural. Foram 127 transações que somaram um montante superior a 200 milhões de reais. Quase 75% do crédito foi destinado para a “aquisição, criação e manutenção de bovinos”. São cinco bancos envolvidos, com destaque para o Banco da Amazônia, que foi responsável por 97% do crédito, além do Banco do Brasil, Banco John Deere, Banco Cooperativo Sicredi e Cooperativa Sicredi Grandes Rios. Esse acesso ao crédito rural via bancos públicos demonstra como os crimes ambientais são intrínsecos à atual dinâmica de produção e expansão da agropecuária capitalista no Brasil.
A impunidade que seguiu ao Dia do Fogo, mesmo com todo o alcance midiático alcançado na época, é uma demonstração de como os crimes ambientais têm sido tratados no país. São um incentivo para quem quer atear fogo de forma criminosa em ecossistemas naturais, em lavouras ou de forma irresponsável para lidar com o lixo. Nesse sentido, a impunidade contribui para fenômenos de impacto ambiental, social e sanitário de dimensões nacionais como os incêndios de 2024 em diversas regiões do país.
Para reverter este cenário, é necessário tornar a legislação ambiental mais severa e aplicada com mais rigor. É necessário, entre outras ações, proibir o acesso ao crédito rural para propriedades envolvidas em crimes ambientais; prender os responsáveis por ações criminosas contra a natureza; penhorar bens para quitar as multas ambientais; expropriar os proprietários de terras que tenham praticado crimes ambientais; e fortalecer os órgãos ambientais, com a valorização e a ampliação do número de servidores
Todas ações invariavelmente exigem pressão e organização popular. Pois a impunidade com os crimes ambientais está estruturalmente vinculada ao agronegócio, que detém enorme poder econômico e político. Mas não é invencível, ao mesmo tempo que precisa ser vencido para conter o desmatamento, as queimadas e o aquecimento global. Para que seja viável uma relação harmônica entre sociedade e natureza.