Quanto mais polícia, mais mortes e violência nas periferias

A situação em Estados como Alagoas, Amazonas e Ceará, que apresentam taxas de policiais por habitante mais elevadas do que a média nacional e altos índices de mortes violentas, reforçam essa avaliação.

Quanto mais polícia, mais mortes e violência nas periferias
Reprodução/Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Por Redação

Vem se destacando nos últimos anos o avanço de poder político das corporações policiais, com ganho de espaço nos orçamentos estaduais e entrada de egressos das polícias nos parlamentos e no poder executivo, ao mesmo tempo em que crescem os índices de letalidade policial nas periferias e favelas e se acentua o caráter racista da violência do Estado. Um relatório de  2023, produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, aponta que pessoas negras no Brasil estão 3,8 vezes mais propensas a serem vitimadas pela violência decorrente de intervenções policiais do que pessoas brancas. Nesse mesmo ano foram registradas 6.393 mortes por intervenção policial, cujas vítimas em sua esmagadora maioria, mais precisamente 82,7%, eram negras. Dentre essas vítimas totais, 71,7% tinham entre 12 e 29 anos e praticamente a totalidade (99,3%) eram homens, demarcando assim os jovens negros como o perfil inequívoco dos atingidos por violência policial letal no Brasil.

Um exemplo recente da disputa de espaço e de poder político no avanço da militarização da institucionalidade burguesa foi denunciado, principalmente por militantes dos direitos humanos, da luta antirracista e especialistas no debate de segurança pública, na elaboração da Lei Orgânica Nacional das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares dos Estados (LOPM). O Projeto de Lei 3045/2022, aprovado posteriormente enquanto Lei 14.751/2023, buscava fortalecer a posição política dos comandantes-gerais militares na cadeia de comando da segurança pública e abria espaço para a extinção das secretarias de segurança pública nos Estados, fazendo avançar a militarização e reduzindo controle social sobre as polícias militares.

Encaminhado de forma silenciosa no Congresso, visto o acordo costurado que envolvia a extrema-direita, bancada da bala e o Governo Lula-Alckmin, o projeto, que incorpora também a ampliação de poderes de fiscalização ambiental aos policiais militares, foi aprovado com vetos apenas em mecanismos que limitavam a possibilidade de acesso de mulheres, via concurso nas corporações policiais, e que atrelava as ouvidorias aos comandos militares. O resultado objetivo dessa aprovação é um retrocesso no controle civil sobre as forças policiais nos Estados, como na experiência promovida pelo ex-governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, que deu impulso ao projeto. A LOPM incorpora diversos elementos do decreto-lei 667 de 1969, editada pela ditadura empresarial-militar, “moderniza” a forma de abordagem e avança sob os marcos da politização reacionária atual das forças policiais.

O fortalecimento da militarização e do poder político das corporações policiais carrega consigo o impulsionamento da política de “guerra às drogas” e da lógica de combate a inimigos internos. Essa lógica racista, que identifica nas favelas e periferias o território a ser “retomado” e a população trabalhadora que mora nesses locais enquanto potenciais inimigos a serem combatidos pelo Estado, vem elevando os orçamentos estaduais de segurança “pública”, com destaque para o policiamento ostensivo das polícias militares, bem como fazendo subir os índices de letalidade policial, as taxas de policiais por habitante e o descontrole civil sobre as corporações. Esse fortalecimento político da militarização e o crescimento das taxas de policiais por habitante vem impulsionando também, como apontado pelo pesquisador Bruno Paes Manso do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP), o descontrole civil sobre os efetivos policiais passa a abrir mais brechas para o envolvimento em negócios ilegais, como nos casos da formação de milícias e de grupos de assassinos por encomenda.

O discurso presente no senso comum, impulsionado por especialistas que defendem interesses da ordem capitalista vigente, busca reduzir a questão da violência urbana apenas ao avanço da disputa por territórios entre facções do tráfico de drogas, a ser resolvido com o avanço do policiamento ostensivo em uma lógica de confronto. Porém, o cruzamento com dados de taxa de policiais por habitante indica, na verdade, que quanto mais policiais presentes nas ruas, e, portanto, maior a força das corporações policiais nos Estados, é maior também a recorrência de crimes contra a vida de trabalhadores nesses Estados. Os casos dos Estados do Rio de Janeiro e da Bahia, que se destacam nos números absolutos de assassinatos, e do Amapá, que passou a liderar índices de assassinatos e de taxa de policiais por habitante nos últimos anos, são paradigmáticos nesse sentido. A situação em Estados como Alagoas, Amazonas e Ceará, que apresentam taxas de policiais por habitante mais elevadas do que a média nacional e altos índices de mortes violentas, reforçam essa avaliação.

A expansão do peso político dessas corporações policiais vem expandindo não apenas seus quadros e inserção nos parlamentos, como amplificando mercados de segurança privada, o tráfico de armas a todo o crime organizado e a criação de milícias urbanas e rurais que fogem ao “controle” dos mecanismos legais do Estado burguês. Na última década, em meio ao fortalecimento da extrema-direita e da politização reacionária das polícias, o número de mortes provocadas por intervenção policial cresceu 188,9%, dentre as quais 83% das vítimas eram pessoas negras. O racismo, que tem peso preponderante na estruturação das formas burguesas de exploração dos trabalhadores no Brasil, é fundamentalmente uma das armas da classe dominante para produzir violência e controle direcionado a uma parcela da classe trabalhadora, contra a qual direciona de forma ainda mais pesada os aparelhos estatais de repressão sobre os quais a mesma tem domínio. A violência é elemento essencial ao projeto burguês em nosso país.

A luta contra o racismo e contra o capitalismo são inseparáveis no Brasil e a tarefa dos comunistas é demonstrar que soluções conciliadoras com o capital não podem produzir nada, senão o mesmo que vem produzindo nos últimos séculos. Exploração e opressão sobre os trabalhadores e trabalhadoras. O enfrentamento aos mecanismos de repressão da classe trabalhadora pelo Estado burguês passa por amplificar lutas pelo fim das polícias militares e pelo desfinanciamento das polícias no geral, com o fim da lógica de “guerra às drogas”, mas também pautando o enfrentamento ao poder político e econômico que fortalece políticas de encarceramento, de criminalização da pobreza e de violência racista nas favelas e periferias. Uma política de segurança pública que de fato dê segurança a nossa classe só pode ser construída a partir da mais ampla participação popular, com treinamento e armamento de todo o povo, sob controle comunitário e democrático direto.