Quanto à questão de uma revolução a nível nacional
Em um certo sentido, é apenas uma revolução a nível nacional que pode ser vitoriosa. Isso é verdade no sentido de que a unidade da esmagadora maioria da população na luta pelas demandas de tal revolução é essencial para a vitória ser conquistada.
Vladímir Ilitch Uliánov Lênin
Publicado em Proletárii, n. 16, em 2 de Maio de 1907
Traduzido a partir de marxists.org
Em um certo sentido, é apenas uma revolução a nível nacional que pode ser vitoriosa. Isso é verdade no sentido de que a unidade da esmagadora maioria da população na luta pelas demandas de tal revolução é essencial para a vitória ser conquistada. Essa esmagadora maioria deve consistir de toda uma classe, ou de diferentes classes que possuem certos objetivos em comum. Também é verdade, claro, que a atual revolução russa só pode ser vitoriosa se for nacional nesse sentido específico da palavra de que a participação consciente da esmagadora maioria da população na luta é essencial para a vitória ser conquistada.
Isso, contudo, é o limite da veracidade da palavra de ordem de uma revolução “a nível nacional”. Nenhuma conclusão pode ser tomada para além desse conceito que não seja um truísmo (somente uma esmagadora maioria pode ser vitoriosa contra uma minoria dominante e organizada). Por esse motivo, é fundamentalmente incorreto e profundamente anti-marxista aplicá-lo como uma fórmula geral, um modelo, um critério tático. O conceito de uma “revolução a nível nacional” deveria ensinar o marxista sobre a necessidade de uma análise precisa a respeito dos variados interesses das diferentes classes que coincidem em certos objetivos comuns, definidos, limitados. Sob nenhuma circunstância esse conceito deve servir para conciliar ou obscurecer o estudo da luta de classes no curso de qualquer revolução. Tal uso do conceito de “revolução a nível nacional” conta como uma rejeição completa do marxismo e um retorno à fraseologia vulgar dos democratas pequeno burgueses ou dos socialista pequeno burgueses.
Essa verdade é frequentemente esquecida pela nossa ala direita social-democrata. Com ainda mais frequência, esquecem que as relações de classe mudam numa revolução de acordo com o desenvolvimento da própria revolução. Todo desenvolvimento realmente revolucionário significa arrastar massas mais amplas para o movimento; consequentemente — uma maior consciência dos interesses de classe; consequentemente — uma política mais claramente definida, agrupamentos partidários mais definidos e limites mais precisos da fisionomia de classe dos vários partidos; consequentemente — maior substituição de demandas políticas e econômicas gerais, abstratas, que são vagas em sua abstração, pelas várias demandas concretas, claramente definidas das diferentes classes.
Por exemplo, a revolução burguesa russa, como qualquer outra revolução burguesa, começa inevitavelmente com as palavras de ordem comuns pela “liberdade política” e pelos “interesses populares”; somente no curso da luta, o significado concreta dessas palavras de ordem se tornam claros para as massas e para as diferentes classes, apenas na medida que uma tentativa prática seja feita para implementar essa “liberdade”, para dar um conteúdo definido para uma palavra vazia tal qual “democracia”. Antes da revolução burguesa, e em seu início, todos falam em nome da democracia — o proletariado e o campesinato juntos com os elementos da pequena burguesia urbana, e a burguesia liberal junto dos senhores de terra liberais. É apenas no curso da luta de classes, apenas no curso de um desenvolvimento histórico mais ou menos prolongado da revolução, que as diferentes compreensões dessa “democracia” pelas diferentes classes se revela. E mais, o profundo abismo entre os interesses das diferentes classes se revela em suas demandas por distintas medidas econômicas e políticas, em nome de uma mesma “democracia”.
Somente no curso da luta, apenas na medida em que a revolução se desenvolve, se releva que uma classe ou estrato “democrático” não quer ir, ou não pode ir, tão longe quanto outra, que enquanto objetivos “comuns” (supostamente comuns) estão sendo conquistados, escaramuças ferozes se desenvolve em torno do método pelo qual estão sendo conquistados, por exemplo, no nível, extensão ou consistência de liberdade e poder do povo, ou na maneira na qual a terra deve ser transferida aos camponeses, etc.
Temos que recordar todas essas verdades esquecidas para assim permitir ao leitor que entenda a recente disputa que se deu entre dois jornais. Isso é o que um deles, Narodnaya Gazeta, escrever o outro, Nashe Ekho.
“‘O agrupamento do povo pelo partido’, escreveu o Nashe Ekho, ‘essa importante lição política e a aquisição mais importante da revolução ao tempo das eleições para a Segunda Duma, demonstrou claramente por meio dos fatos a nível nacional que amplos estratos dos senhores de terra e da burguesia estão oscilando para a direita’. Bem verdade. Mas o ânimo e os mandatos que os deputados de ‘esquerda’ — Socialistas Revolucionários, Trudoviques, e Socialistas Populares — trouxeram consigo de suas localidades também ‘demonstraram claramente’ a nível nacional que o ‘povo’ está no presente preso nas ‘ilusões constitucionais dos Kadets em um grau considerável, que o ‘povo’ coloca esperanças excessivas nas atividades independentes da Duma, que estão excessivamente preocupados em ‘salvar’ a Duma. Esse é o fato óbvio que a Nashe Ekho deixou de perceber. Eles, de fato, perceberam quem o povo enviou para a Duma, mas não para quê foram enviados. Mas nesse caso, a Nashe Ekho não concordará que, ao propor ao proletariado que ignore tarefas ‘de nível nacional’, está propondo que se isole, não apenas da ‘sociedade burguesa’, mas também do ‘povo’ pequeno burguês?”
Essa é uma declaração extremamente instrutiva e digna de nota, que conciliar três grandes erros oportunistas; primeiro, os resultados das eleições contrastam com o ânimo dos deputados, o que é tomar o ânimo dos deputados pelo ânimo do povo, e regredir do mais profundo, extenso e básico para o mais raso, estreito e derivativo [1]. Segundo, a questão de uma linha política firme e contínua e as táticas para o proletariado são substituídas pela questão em torno de uma análise de um “ânimo” ou outro. Terceiro, — e mais importante — por causa do fetiche vulgarmente democrata por uma “revolução a nível nacional”, o proletariado é assombrado com o fantasma do “isolamento” para com o “povo pequeno burguês”.
Devemos lidar com os dois primeiros erros da maneira mais breve possível. As eleições afetaram as massas, e mostraram, não apenas seu ânimo efêmero mas seus interesses profundos. É completamente indigno da parte dos marxistas regredir dos interesses de classe (expressos pelos agrupamentos partidários nas eleições) para um ânimo efêmero. O ânimo dos deputados pode ser pessimista, enquanto os interesses econômicos das massas podem clamar por uma luta de massa. Uma análise do “ânimo”, portanto, pode ser necessária para determinar o momento para alguma ação, passo, apelo, etc., mas certamente não para determinar as táticas proletárias. Argumentar de maneira diferente significaria substituir táticas proletárias prolongadas por uma dependência sem princípios sobre “ânimos”. E todo o tempo, o ponto em questão foi a respeito de uma linha e não teve nada a ver com um “momento”. O proletariado ter se recuperado ou não no presente (e Narodnaya Gazeta pensa que não) é importante para decidir o “momento” para a ação, mas não para determinar a linha de ação tática da classe trabalhadora.
O terceiro erro é o mais profundo e o mais importante — o medo do “isolamento” dos social-democratas ou do proletariado (que é a mesma coisa) com o povo pequeno burguês. Trata-se realmente de um medo bastante indevido.
A social-democracia deve se isolar do povo pequeno burguês na medida em que os Socialistas-Revolucionários, os Trudoviques e os Socialistas Populares estejam realmente sendo arrastados pelos Democratas-Constitucionalistas — e isso está acontecendo — e de fato tem acontecido com muita frequência a começar com o voto por Golovin, e em seguida com a famosa tática do silêncio sepulcral, etc. Pois há de haver uma de duas: ou a vacilação da pequena burguesia é, em geral, um indício da natureza vacilante da pequena burguesia, e do desenvolvimento difícil e árduo da revolução, mas não significa que se acabou ou que suas forças estejam exauridas (que é a nossa opinião). Então, ao se isolar de toda e qualquer vacilação e hesitação do povo pequeno burguês, o proletariado social-democrata os educa para a luta, os treina como preparação para a luta e desenvolve sua consciência política, determinação, firmeza, etc. Ou então, a vacilação do povo pequeno burguês significa o final da presente revolução burguesa (acreditamos que tal opinião seja equivocada, e nenhum social-democrata a defendeu direta e abertamente, ainda que a ala da extrema-direita social-democrata esteja indubitavelmente inclinada para ela). Então, novamente, o proletariado social-democrata deve também se isolar da vacilação (ou traição) da pequena burguesia, de maneira a educar as massas proletárias na consciência de classe, e prepará-las para uma participação mais planejada, firme e decidida na próxima revolução.
Em ambos e em todos os casos, o proletariado deve se isolar do povo pequeno burguês, imerso nas ilusões Kadets, e fazê-lo incondicionalmente. O proletariado deve em todos os casos perseguir a política firme e contínua de uma classe verdadeiramente revolucionária, sem se deixar abalar por quaisquer contos reacionárias ou filisteias, sejam sobre as tarefas nível nacional em geral, ou sobre uma revolução a nível nacional. É possível que, por meio de uma certa combinação de forças ou a concomitância de condições desfavoráveis, a parte esmagadora das camadas burguesas e pequeno burguesas estejam infectadas, por enquanto, com subserviência, servilismo e covardia. Isso seria uma covardia “a nível nacional”, e o proletariado social-democrata se isola dela no interesse do movimento operário como um todo.
Notas
[1] Nota do Autor: No que diz respeito aos “mandatos”, rejeitamos completamente esse argumento. Quem contabiliza as orientações e mandatos revolucionários e oportunistas? Quem não sabe quantos jornais foram suprimidos por publicarem orientações revolucionárias?