'Qual a importância da construção do ME secundarista para a Revolução Brasileira?' (Pietra Marcicano)

Um dos maiores erros que podemos cometer agora é escolher ignorar o que se passa dentro das escolas, com seus alunos, professores e outros funcionários. Para avançar a consciência de nossa classe, é urgente aprofundar nosso conhecimento sobre o movimento estudantil secundarista

'Qual a importância da construção do ME secundarista para a Revolução Brasileira?' (Pietra Marcicano)
"O problema que enfrentamos no MEP e no MES em geral, antes de ser organizativo, é político."

Por Pietra Marcicano para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

É fácil ver - e mais fácil ainda ignorar - o desconhecimento acerca do movimento estudantil secundarista em nossas fileiras. Em momentos anteriores ao racha, mas já marcados pela tensão entre juventude e partido, a inserção e atuação no MES foi votada e aprovada como uma das prioridades da juventude no próximo período, além de outros pontos já apropriados pelos camaradas.

Tendo em vista que grande parte das experiências nacionais relacionadas ao MES e ao MEP ocorreram em tempos de federalismos e isolamentos ideológicos tremendos em nossa organização, ainda encontramos debilidades no que diz respeito ao compartilhamento de acúmulos e debates - problema que afeta todos os âmbitos de nossa atuação, não só este. Sendo assim, os ganhos, perdas e formulações citados neste documento são baseados, mais especificamente, na região metropolitana de São Paulo, onde se concentrou minha atuação enquanto aluna gremista, antes de ser e enquanto membra de um núcleo da UJC.

O movimento estudantil secundarista é historicamente conhecido por ter travado lutas contra a Ditadura Militar, pela campanha “O Petróleo é Nosso!”, pelo Impeachment de Collor, pela participação nas jornadas de junho de 2013 e, com maior destaque, as ocupações de escolas em 2015 e 2016. Se a proposta fosse listar todos os eventos significativos para a história do Brasil que tiveram participação desses estudantes, prenderia o leitor por muito mais tempo do que desejo. O ponto central é: tomamos como referência o trabalho de secundaristas da agora velha geração, que ocupa lugares dos mais variados, do subemprego à universidade, ou os dois. Vejam, camaradas, porém, que não temos grandes quadros ou lutas sendo travadas no MES atualmente. Qual parcela de nossa organização é formada por secundaristas? Quantos núcleos tocam trabalhos em escolas, sejam elas públicas ou privadas? Nossos núcleos realizam debates qualificados acerca, por exemplo, do Novo Ensino Médio e suas implicações? Ainda, quantos de nossos camaradas entendem qual a real necessidade da construção do trabalho de base entre estudantes secundaristas?

O problema que enfrentamos no MEP e no MES em geral, antes de ser organizativo, é político. As deficiências que nos impedem de avançar nessa área estão, sim, relacionadas a como tocamos trabalho de base em escolas e bairros. Mas a contradição se inicia dentro de nossos próprios núcleos, onde grande parte dos camaradas sequer faz ideia da importância do MES para a construção do socialismo no Brasil. Esse desconhecimento e até certa ignorância apresentados pelos camaradas não configuram um desvio pessoal, sendo, na verdade, mais um dos sintomas de uma política que desenvolvemos por anos, que separa o movimento estudantil do movimento de bairro, que separa as universidades das ocupações, que separa o as escolas da luta pelos direitos dos povos indígenas, e assim por diante. As discrepâncias entre movimento estudantil e de bairro são motivo para outra discussão, entretanto são intrínsecas ao entendimento das pedras postas no caminho à inserção com relação a essa parcela da juventude.

A escola pública brasileira é uma maquete da sociedade que se encontra do lado de fora dos portões, mas que, mesmo assim, não deixa de entrar. Ali, encontramos todos os tipos de opressão observados nas ruas, em escala menor, mas significativamente intensificados. Por se tratarem de jovens, na maior parte das vezes, dos 12 aos 18 anos vindos dos mais variados contextos familiares, a diversidade e discordâncias existentes entre si contribuem para a construção de um ambiente, muitas vezes, hostil e desgastante. Nas PEIs - Novo Modelo de Escola em Tempo Integral -, por exemplo, temos em média 500 estudantes que passam nove horas dentro da escola e, com o Novo Ensino Médio, não chegam a ter aulas tão básicas quanto História e Química. Com a recente mudança de livros didáticos para slides produzidos e distribuídos pelo governo do estado, através de rápida observação das redes sociais e no cotidiano dos estudantes, é inegável que o despreparo e descaso com os quais o material foi produzido apenas fazem contribuir para um ensino cada vez menos acolhedor e emancipador.

Além da precarização do currículo escolar, é observado o sucateamento das estruturas dos prédios que abrigam estes alunos. Banheiros sem trancas, assentos, sabonete e papel higiênico são mais fáceis de se encontrar do que se imagina; alunos que comem o almoço com as mãos, porque não há talheres o suficiente para todos; recordes de evasão escolar principalmente por parte das turmas do ensino médio; na recente onda de calor intenso, escolas sem um ventilador que funciona; nos meses de chuva, água que entra pelas janelas sem vidro e até pelas tomadas…

Mais uma vez, se a proposta fosse enumerar todos os empecilhos que um estudante secundarista enfrenta diariamente para exercer seu direito de frequentar a escola, consumiríamos uma quantidade de tempo desbalanceada. Mas lhes pergunto, camaradas, não são os problemas citados, também, problemas da classe trabalhadora? Quando o governador do estado veta o projeto de distribuição de absorventes gratuitamente nas escolas, estamos falando de um problema de quem? Quando cada vez mais jovens se veem obrigados a abandonar os estudos para completar a renda familiar, o que isso reflete? Quando as entidades estudantis não são capazes de realizar um debate qualificado sobre o arcabouço fiscal e o marco temporal, a que classe isso é prejudicial? Quem alimenta os alunos mais pobres quando a escola entra em recesso? E quem o deveria fazer?

A inserção nas escolas, camaradas, é o primeiro contato que os futuros militantes pela revolução brasileira têm com o movimento comunista e suas demandas. É sobre dar nome ao sucateamento e as privatizações, sobre explicar os serviços terceirizados e os materiais impróprios. Educar os filhos para que eduquem seus pais e, no futuro, seus próprios filhos. A cada escola que deixamos de determinar como local de atuação, é perdida a chance de mobilizar estudantes ativos e politizados que, muitas vezes, precisam só de um convite para passarem a ser construídos como os quadros dos quais tanto precisamos.

Já passou o tempo, camaradas, de etarismos em nossa organização. Ninguém é novo demais para saber do que fala, muito menos velho demais para se entender a conjuntura. Se nos organizamos da forma que o fazemos, é porque entendemos que, como um partido de vanguarda, é nosso trabalho guiar o proletariado brasileiro rumo à sua libertação, sejamos nós novos ou velhos, estudantes ou trabalhadores, militantes de base ou dirigentes. Não há, em nossas fileiras, espaço para um discurso que invalida e diminui militantes secundaristas que, já pela natureza de seu trabalho, tendem a se distanciar de outros locais de atuação.

Se precisamos estar nos locais nos quais se está a classe trabalhadora, que estejamos em escolas como estudantes, professores e coordenadores. Que passemos a ver a potencialidade existente dentro dessas instituições, dentro dos conflitos cotidianos que, com a nossa ajuda, podem - e devem - ser transformados em um debate sobre classes no Brasil. É nosso dever entender que nenhuma escola existe e se perpetua enquanto instituição social num vácuo; ela existe em um bairro, que tem moradores, seus próprios problemas de infraestrutura, de acesso a serviços públicos, etc. Existe, no Brasil de 2023, enquanto um instrumento de perpetuação da cultura hegemônica, que ensina os filhos da classe trabalhadora a se contentarem com o que a ideologia neolibieral os deixa ter, sem questionar e sempre obedecer.

Enquanto comunistas, camaradas, cabe a nós uma reflexão sobre os elementos subjetivos e materiais que rondam a educação. Um dos maiores erros que podemos cometer agora é escolher ignorar o que se passa dentro das escolas, com seus alunos, professores e outros funcionários. Para avançar a consciência de nossa classe, é urgente aprofundar nosso conhecimento sobre o movimento estudantil secundarista, um dos setores com maior potencial de politização e combate ao Capital.

Saudações camaradas,

camarada Pietra