'Programa, Jornal, Paridade e outras propostas' (Zenem Sanches)
Todo nosso trabalho revolucionário deve ser um esforço de objetivação (de tornar aquela formulação política pensada em transformação da realidade concreta) do nosso Programa.
Por Zenem Sanches para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
Camaradas,
Estou muito animado com todos os debates e proposições políticas que estão sendo enviados para nossa Tribuna Preparatória para o XVII Congresso. Soma-se também a alegria de ver a iniciativa militante de ampliar a circulação de tais debates transformando os textos da tribuna em áudio/podcast e de enviar artigos para o portal sobre acontecimentos cotidianos da luta de classes. Enxergo isso e o presente momento da nova fase da Reconstrução Revolucionária através do PCB-RR como um auge da democracia partidária. Nunca antes, pelo menos desde 2016 — ano no qual ingressei no PCB, a militância comunista se interessou tanto por refletir, debater, formular, posicionar-se e disputar os rumos do nosso movimento. Por um lado, essa é uma demonstração de um amadurecimento de nosso movimento e, por outro lado, expressa como o PCB, preso em sua cultura pecebista, suas dinâmicas burocráticas e no centrismo e amadorismo de suas direções, impedia a realização e o desenvolvimento da iniciativa da militância comunista.
No presente texto tenho como objetivo provocar, através de propostas, o debate político e prático sobre vários aspectos do trabalho revolucionário. Estou ciente de que me arrisco a falar sobre muitos temas, acabando sendo simplistas e cometendo equívocos, mas é exatamente por isso que entendo essa contribuição como um conjunto de provocações que tem por objetivo fomentar novos debates, críticas e propostas.
A centralidade do Programa
Avalio que um dos grandes problemas do PCB que fazíamos parte é a falta de uma formulação clara e coesa de um Programa Político. Quando observamos as resoluções congressuais do PCB, em especial a do XVI Congresso, não encontramos uma formulação sucinta e coesa que guie a atuação cotidiana da militância, mas na verdade uma imensidão de formulações, debates e análises. Percebam como, por exemplo, nas mais de 80 páginas das resoluções do XVI denominadas Perfil do Proletariado Brasileiro, ao invés de apresentar de forma clara nossas compreensões sobre o proletariado brasileiro e a luta de classes em nosso país, está presente uma salada de diversas investigações estatísticas, descrições da realidade, compreensões políticas, enumeração de categorias, etc. Essas mais de 80 páginas parecem até um desperdício quando percebemos que um dos objetivos desse temário — que era elencar os setores prioritários para construirmos nossa inserção — não foi cumprido, visto que para essas resoluções tudo é prioritário — logo nada é prioritário. Esse texto poderia ser um subsídio, enviado e debatido enquanto uma Tribuna, ou um documento de apoio, mas claramente não é um conjunto de Resoluções nem de Teses Políticas.
Entendo que um Programa Político é um documento claro, coeso e sucinto composto pelas nossas compreensões sobre a época histórica que vivemos, a realidade internacional, latino-americana e brasileira, as classes sociais no nosso país e suas dinâmicas de vida e luta, o poder político e principalmente nosso entendimento do que deve ser a Revolução Brasileira, o processo de tomada do poder, nossas alianças e frentes de luta e nossas propostas (ou melhor, tarefas e bandeiras) para construir tal processo revolucionário. Entendo que o Temário Programa de Lutas para a implementação da Estratégia socialista no Brasil do XVI também não cumpre esse papel, visto que não apresenta nossas compreensões, tarefas e propostas de forma clara, coesa e sucinta.
No título desse tópico afirmei uma centralidade do Programa Político para o nosso trabalho revolucionário pois acredito que é a partir do Programa Político que devemos estruturar nossa organização e nosso trabalho prático cotidiano. As formas de organização, as táticas e métodos de luta, as campanhas, construções de movimentos, as intervenções políticas, etc., tudo — com suas particularidades e mediações em cada contexto — é um meio de realizar o fim, que é o Programa. Todo nosso trabalho revolucionário deve ser um esforço de objetivação (de tornar aquela formulação política pensada em transformação da realidade concreta) do nosso Programa.
Quando não temos um Programa Político claro e coeso que guie nosso trabalho revolucionário, abrimos brecha para que direções oportunistas gradualmente "aparelhem" as instâncias e desviem nossa intervenção política, como ocorreu no PCB. Como não tínhamos uma compreensão clara de nossas tarefas, foi um processo mais difícil e doloroso conseguir perceber como a prática política do Comitê Central do PCB desviava-se das formulações da Reconstrução Revolucionária.
Jornal enquanto fio condutor
Adiantando minha posição, tenho acordo com camarada Machado em sua tribuna "O jornal não foi ultrapassado". Construir o jornal é uma das tarefas mais urgentes e prioritárias para a Reconstrução Revolucionária. Para além de um Agitador Coletivo e ser estruturado pela nossa organização, o jornal deve estruturar nossa organização. Ele deve ser o fio condutor da nossa organização.
Camarada Machado já ressaltou o jornal como organizador na cadeia de relação entre as instâncias, dos repasses, da proatividade dos militantes, etc. O jornal também estrutura o surgimento prático do trabalho partidário das células. São incontáveis os casos de situações de células que quando estão começando ou se reestruturando não sabem como começar um trabalho "prático". No PCB, em que o jornal O Poder Popular é mal estruturado e ficamos anos sem impressão e distribuição séria, não poderíamos ter uma resposta óbvia para essas nossas dúvidas iniciais. Mas se estruturarmos o Partido em torno do jornal, como seu fio condutor, já temos um trabalho inicial externo óbvio para todas as células: panfletar e vender o jornal. Distribuir o jornal para pessoas próximas, colegas de trabalho/bairro, vender em locais de grande circulação, é o germe do trabalho prático revolucionário das células. É através e ao redor desse trabalho que as células podem constituir mais profundidade na sua atuação, se aproximar dos trabalhadores e a partir disso abrir novas alamedas de trabalho político como a construção de instrumentos coletivos, disputa sindical, organização de mobilizações. Esse é um dos motivos pelo qual não devemos poupar esforços de toda a militância em construir o jornal.
É necessário priorizar na nossa divisão revolucionária do trabalho nacional a constituição de um forte coletivo de camaradas dedicando esforços especializados no nosso jornal. O trabalho de direção ideológica da nossa organização através das matérias, a produção e revisão dos textos, uma cadeia de transmissão entre as células e a equipe do jornal para recebimento de informações e repasses para matérias, o acompanhamento minucioso do cotidiano social e político do nosso país, a editoração, entre outros, são esforços que abrirão a possibilidade de uma intervenção política muito mais eficaz no cotidiano da nossa classe.
Em paralelo a isso, devemos também dedicar grandes esforços na digitalização do nosso jornal. Subestimar as comunicações digitais é se ausentar de fazer trabalho político em meios que nossa classe passa parte considerável de seu tempo diário. Construir para o Jornal matérias e posicionamentos políticos em forma de vídeos, criação e circulação de imagens, presença dos nossos conteúdos nas mais diversas plataformas como Twitter, Tik Tok, Facebook, YouTube, TwitchTV, produção de "correntes de zap", entre outros, são tarefas fundamentais para construirmos a hegemonia proletária. Aproveitando o assunto, acredito que também devemos construir uma coletividade organizada de militantes especializados na produção de conteúdos digitais, de intervir nos meios digitais propagando o marxismo-leninismo e a nossa linha política através dos mais variados temas e formas.
Um passo "motriz" contra o machismo e racismo em nossas fileiras
Não é necessário falar sobre como o racismo, o machismo, a lgbtfobia e outras diversas formas de opressão que estruturam e são estruturadas pelo capitalismo atravessam também nossa organização. Acho que esse é ponto de consenso comum que toda militância pode perceber não só na ausência de prioridade e atenção do PCB nesses temas (terceirizando para os coletivos) como também na recorrência de discursos e práticas opressivas no conjunto da militância partidária. Gostaria de propor um passo "motriz" pois acredito que representará um avanço necessário para conseguir lidar frontalmente com a questão das opressões em nossa coletividade: a paridade de gênero e raça nas instâncias central e intermediárias.
O XVI Congresso como um todo (ou pelo menos na etapa nacional e estadual de SP) evidenciaram nosso urgente atraso nessa questão. O debate e a intervenção que camaradas mulheres e camaradas negros/as fizeram durante a eleição do Comitê Central no XVI foi politicamente belíssimo pois colocou um dedo na ferida da predominância masculina e branca das nossas direções. Não nego a possibilidade de camaradas homens cis e brancos (dos quais faço parte) de enfrentarem com coragem e determinação o problema das opressões. Mas vejo que essa predominância de identidade na composição das direções como um grande empecilho para o enfrentamento sério que esse problema merece.
É tendo representada nossa classe nas nossas direções que poderemos enfrentar com seriedade as opressões que nossa classe sofre e reproduz. É com direções cheias de mulheres, pessoas não-brancas e LGBTs que abriremos possibilidade de constituir vários trabalhos sérios para enfrentar essa questão. Além disso, se não somos mecanicistas e economicistas e assim entendemos o machismo, o racismo, a lgbtfobia e demais formas de opressão como partes integrantes junto com a questão de classes da unidade dialética da nossa formação social — ou em outras palavras como o capitalismo estrutura e é estruturado pelas opressões citadas — temos que entender que o avanço do nosso trabalho político revolucionário depende de uma intervenção política que atravessa o cotidiano das mulheres cis/trans, das pessoas não-brancas e lgbts da nossa classe. Construir a predominância de mulheres e pessoas não-brancas nas nossas direções é abrir a possibilidade de alinhar a conexão de nossa intervenção política com nossa classe. É por isso que precisamos defender que PELO MENOS 50% de nossas direções (central e intermediárias) tenham que ser compostas por mulheres cis/trans e pessoas não brancas. É necessário ciência de que isso por si só não resolverá o problema, mas essa é uma ação prioritária para abrir a possibilidade de realizar os outros esforços para resolvermos esse problema.
Para aqueles que tem melindres com essa paridade e estão refletindo algo como "temos que fazer essa paridade gradual, não sei se temos tantas militantes mulheres e não brancos já preparados para as tarefas de direções" eu digo em alto e bom tom: DEIXE DE BESTEIRA, CAMARADA! Temos sim camaradas preparados e capazes para construir essa paridade nas direções e, mesmo que não tivéssemos (não acho que é o caso), é colocando esses camaradas nas direções que eles poderão adquirir a experiência necessária para a tarefa. "Ah, mas se colocarmos pessoas não preparadas de forma forçada na direção por causa dessa paridade elas podem tocar um trabalho com problemas". Deixe de melindre, camarada. É errando que se aprende, e quando alguém errar iremos criticar para essa pessoa aperfeiçoar seu trabalho e, caso ela persista cometendo equívocos muito graves iremos tirá-la da direção — simples assim. É assim que deve se dar a relação entre base e direção numa organização leninista. Melindres não podem nos impedir de tomar uma decisão política tão importante.
Plataforma de Formação Política
Temos um problema grave que é a ausência de uma política de formação nacional. Essa ausência se expressa não só na falta de um conjunto de materiais partidários organizados para fins de formação, como também na falta de cursos presenciais de formação nos mais variados níveis. Tal fato é um impeditivo para o desenvolvimento de uma base comum de acúmulos e compreensões políticas no conjunto da militância, o que dificulta nossos trabalhos e avanços. Por outro lado, temos um conjunto grande de militantes, professores, comunicadores e propagandistas preparados para falar, ensinar e debater sobre os mais diferentes temas. Temos plenas condições de estruturar uma política de formação profissional: o que falta é planejamento, divisão de tarefas e iniciativa das direções.
Ao invés de começarmos a estruturar nossa formação através de atividades presenciais, penso que o passo mais decisivo para avançarmos é construir uma Plataforma de Formação Política Virtual. Um site bem organizado, focado na formação política da militância e de nossa classe. Cursos em vídeos sobre Marxismo, História do Brasil, Luta LGBT, oratória, trabalho de base, etc; publicação de artigos, ebooks, guias de estudos, podcasts e uma biblioteca virtual; lives de grupos de estudos e leituras; fóruns de discussão teórico-política para tirar dúvidas e debater determinados temas; entre outros. De fácil acesso e navegação pelo navegador ou mobile. Esse é o guarda-chuva que irá unificar o trabalho de formação política em nosso Partido.
A partir do trabalho realizado nessa plataforma, poderão ser adaptados cursos presenciais, as células terão um referencial para conduzir suas formações e estaremos criando um espaço de permanente formação para nossa militância. Inclusive, nessa plataforma podemos construir materiais de apoio aos processos de recrutamentos da nossa organização. Sabemos que no processo de recrutamento é importante um esforço de assimilação por parte do recrutado e que nem sempre esse esforço pode ser feito através de textos ou conversas. Construindo vídeos de apoio para recrutamento podemos criar mais eficácia no nosso "recrutar".
Uma direção central especializada em seu trabalho
É intrigante como a especialização dos militantes em determinada instância assusta alguns camaradas. Parece até que tirar um militante membro do CC da instância de célula significa uma fratura no osso de nossa organização e uma desconexão entre bases e direções. Não acredito que esse seja o caso. O acúmulo de instâncias não aumenta a conexão entre base e direções, pelo contrário, aumenta a sobrecarga e o caráter artesanal do trabalho revolucionário. É sensato que alguns militantes da direção central estejam nas células para construir algum tipo de trabalho sindical ou de massas em conjunto com seus camaradas colegas de categoria ou local de trabalho. Porém, é insensato pensar que esse é o caso para todos os militantes.
É necessário elevar o nosso trabalho nacional a outro patamar. Enganam-se aqueles que acreditam que concentrar esforços no trabalho nacional é desnutrir o trabalho nas bases. Muito diferente disso, um trabalho nacional de qualidade potencializa muito o trabalho dos militantes nos seus locais de atuação. Ter um trabalho nacional constituído por um bom jornal, uma frequente produção de panfletos e vídeos agitativos, orientações de trabalhos, construção de campanhas, produção e formação teórico-política, entre outros, é armar nossa militância com instrumentos para construir o trabalho prático cotidiano. Não há maior desperdício do que células tendo que construir seus próprios materiais para mobilizações nacionais. A partir de uma produção nacional permanente de materiais para os trabalhos de mobilização, as células podem concentrar seus esforços em outras tarefas prioritárias e particulares. O trabalho das células avança.
Não é fundamental que um militante da direção central também faça parte de uma instância intermediária para o CC ter uma melhor visão do todo partidário. Mais importante que isso é um acompanhamento especializado, um assistente que está menos sobrecarregado porque não acumula instâncias e pode concentrar seus esforços em sua tarefa. Especializar grande parte da direção central — isto é, que grande parte dos militantes do nosso Comitê Central sejam integrantes somente desta instância – é concentrar esforços em um trabalho nacional que potencializará muito todo nosso trabalho revolucionário.
Além disso, a especialização também é respeitar a saúde física e mental dos nossos militantes. A sobrecarga de instâncias é inegavelmente um fator no adoecimento da militância. E a partir disso, abrimos também novas portas para que mais militantes se formem dirigentes e potencializem nosso trabalho coletivo. Por fim, gostaria de reforçar que no momento penso que essa especialização seja obrigatória somente para a direção central.