'Profissionalização da estrutura organizativa' (B. Salvador)

Um núcleo que “precisa de braços” mas não sabe quantos braços, ficará pra sempre patinando sem rumo. Precisamos ter nossas fraquezas identificadas explicitamente, na nossa cara, na ponta do lápis, na métrica, na planilha, de forma inquestionável. Se não nomeamos o problema, ele não será superado.

'Profissionalização da estrutura organizativa' (B. Salvador)
"A organização não era um dos temas sobre o qual Lênin tanto discorria a toa. É nela que precisamos nos abraçar."

Por B. Salvador para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Prezados camaradas, aqui me encontro novamente para tecer minhas contribuições visando acumular para o XVII Congresso da nossa organização. Estive pensando sobre quebra de militantes e sobre como devemos atualizar nossos mecanismos de controle das tarefas em execução dentro dos organismos, visando otimizar sua execução, evitar a perda de deliberações, enfim, pensar uma política organizativa ampla para que haja uma profissionalização da nossa atuação a tal modo que permita e favoreça a entrada de quadros da classe trabalhadora em nossas fileiras.

Em minhas reflexões, fui perguntar a uma pessoa que não é militante, mas tem alinhamento com a nossa linha política o porquê dessa pessoa não se organizar. A resposta óbvia veio de pronto “eu não tenho pique para chegar do trabalho e ficar que nem você o dia inteiro em reunião”. E isso é um comentário recorrente que ouço, em diferentes formulações, dentro dos nossos convívios, inclusive vindo de pessoas que buscam o recrutamento. Inicialmente, algum estranhamento de minha parte: o capitalismo não se derrubará no nosso conforto, exigirá trabalho. Mas de fato, é um ponto central. Vivemos num regime que nos priva não apenas do capital e dos meios de produção, mas de outros recursos escassos que são o tempo e a sanidade.

Para que possamos conter em nossa organização trabalhadores e trabalhadoras, devemos considerar a precarização das leis trabalhistas, a uberização e desmonte das relações de trabalho, a glamourização do “empreendedorismo” como alternativa para problemas sistêmicos de desemprego e prestação de serviços, jornadas duplas e triplas com trabalho doméstico e de cuidado, enfim uma miríade de condições. Ou seja, ninguém tem tempo para passar 4h de um fim de semana em reunião, depois ir num ato, depois escrever uma nota, ler o texto pra outra reunião de formação, isso tudo de forma voluntária e não remunerada. Entre a revolução e o seu único dia de lazer na semana, na quinzena, quiçá no mês, a exaustão do corpo e da mente falam muito alto.

Em suma, como fazer para tratar de nossas pautas com tamanha eficiência e resultado que o seu custo-benefício seja nitidamente maior do que o valor do tempo de lazer e descanso da nossa classe? Perguntei pra mesma pessoa “então e se fosse você o secretário de organização (e dei um pouco de contexto), o que você faria?”. E fui chamada a atenção, por quem nunca leu um livro marxista sequer, quanto à nossa indisciplina revolucionária.  E lanço mão de Mao para sustentar meu argumento, pois nosso comunismo artesanal está de fato recheado de liberalismo. “Não obedecemos a ordens, colocamos as nossas opiniões pessoais acima de tudo. Não esperamos senão atenções por parte da organização e repelimos a disciplina desta. Eis uma quarta forma de liberalismo.”.

Quando deliberarmos um dia de reunião, uma pauta, hora de início e previsão de término, que ela seja cumprida literalmente, com rigor. O controle dos tempos de fala não pode ser flexibilizado de forma reiterada, pois via de regra, prolonga os debates e faz com que o fim das reuniões seja entremeado do silêncio dos cansados de quem não aguenta mais a discussão e só quer que ela acabe. Não se esgota o tema, e sim, a paciência dos camaradas.

“Ah, mas assim haverá prejuízo na qualidade dos debates”, alguns argumentarão. Depende, contraponho eu. Então precisamos tornar o debate mais eficiente. Conforme tenho observado em meu organismo, geralmente as propostas que são estruturadas com alguma antecipação e apresentadas previamente à reunião possuem um debate mais qualificado e sucinto. Além da apresentação prévia, há de se desenvolver melhor as métricas de tempo. Ainda não tive muito tempo para planilhar essa proposta com base nas nossas reuniões, mas partindo do pouco que observei me parece perfeitamente factível que padronizemos nossas rotinas com reuniões de no máximo 1h, de pauta única, com metodologia e propostas enviadas previamente, sem momento para informes ao início da reunião, iniciando diretamente com 15 minutos de apresentação de pauta, 35 para debate e 10 para sistematização dos encaminhamentos. Informes podem tranquilamente se transformar num email, num boletim interno, excetuando-se os que têm correlação direta com o tema da reunião e que não puderam ser comunicados por outros meios antes. O uso do método congressual como sugerido por camarada Marte na tribuna “Pela implementação do método congressual nas instâncias de direção em todo país” é uma boa alternativa, principalmente se a pauta da reunião incluir uma proposta extensa e detalhada que precisa ser discutida ponto a ponto em organismos com uma quantidade mediana (ou maior) de militantes.

No debate, podemos perceber que há vantagem de tempos de fala mais reduzidos. Considerando um núcleo de 7 militantes, cada um faria apenas 1 intervenção de 5 minutos, mas 5 intervenções de um minuto, ou 2 falas de 2 minutos, com uma margem (pensando na reunião proposta acima, de 35 min de debate). Para plenárias, congressos, ambientes com quórum maior, para que um grupo relativamente intermediário (digamos uma plenária com 50 pessoas, na qual 20 solicitam inscrição) de militantes consiga se expressar, uma única rodada de debate a 2 minutos por fala já levaria 40 minutos, isso se não houver nenhuma reinscrição. Falas longas permitem que nós possamos desenvolver raciocínios mais complexos porém diminuem as potencialidades de resposta às colocações dos camaradas e resolução mais pontual de defeitos em uma determinada proposta. Então talvez devemos enfocar nossos esforços disciplinares na realização de pré-debates, contrapropostas, enfim, no preparo da militância ANTES de cada reunião.

Essa é fundamentalmente a tarefa da Secretaria Organizativa: ser um fio condutor que permita que o coletivo encontre um ritmo de pensar cada proposta previamente, analisar com calma, para que sejamos um grupo avaliando uma elaboração com começo, meio e fim, e não vários indivíduos soltos chegando na reunião do jeito que dá, falar o que veio na telha ali na hora e se sentir o comprometido. Cito novamente Mao: “Julgamos ter prestado grandes serviços à revolução e damo-nos ares de veteranos; somos incapazes de fazer grandes coisas mas desdenhamos as tarefas pequenas; relaxamo-nos no trabalho e no estudo. Eis uma décima forma de liberalismo”. Isso é espontaneísmo em nossas fileiras, artesanalidade na execução das tarefas de organização, superficialidade na construção política das nossas demandas.

Ou seja, além de ser importante que os temas que irão à pauta sejam minimamente elaborados na forma de uma proposta para apreciação pré reunião, e de que os camaradas priorizem falas curtas e reinscrições em detrimento de monólogos, ainda teremos questões quanto ao tempo. O que nos traz ao meu próximo ponto que é a divisão real dos trabalhos e a mudança no caráter das secretarias. Mais do que uma instância dirigente do organismo, mais do que tocação de tarefas, o secretariado deve ser como uma pasta, uma secretaria de fato, com várias funções dentro dela que são gerenciadas e executadas pelo conjunto da militância. Defendo que não haja militante de organismo de base algum que não esteja compondo um secretariado, coletivamente, visando a divisão de tarefas. O organismo de base é em suma o produto da ação coordenada e sincrônica das secretarias. As secretarias devem ter como objetivo aumentar sua complexidade e divisão interna de tarefas, para que eventualmente todas as tarefas sejam tocadas por no mínimo 2 camaradas cada, quem sabe mais. Esse apontamento garante que, na eventualidade de um camarada se afastar, ter algum imprevisto, não comparecer à reunião, que o andamento dos trabalhos não seja interrompido pela personalização gritante realizada na execução da tarefa. Se as tarefas não são tocadas em dupla (no mínimo), toda vez que um camarada X responsável não estiver disponível, a sua respectiva tarefa estará em um limbo, sem continuidade.

Se Lênin cunha a artesanalidade do trabalho da militância pensando nos estágios evolutivos da divisão do trabalho humano socialmente produzido, e que na fase artesanal todo o objeto em produção era criado integralmente por um indivíduo (ou poucos indivíduos), manualmente ou com ferramentas mínimas, de fato é a fase em que estamos. A marca da artesanalidade então chama-se sobrecarga de trabalho e acúmulo de tarefas na mão desses poucos indivíduos. E seja por uma falta literal de pessoas disponíveis na localidade, seja por uma falha na confiança política entre camaradas (via de regra, uma mistura de ambas as coisas), o fato é que sem divisão do trabalho efetiva, a artesanalidade não será superada e com isso, militantes valorosos continuarão quebrando. “O resultado é prejudicar-se tanto a colectividade como o indivíduo. Essa é uma primeira forma de liberalismo”, como novamente podemos perceber na obra de Mao.

É na pequena e ao mesmo tempo descomunal tarefa de confiar nos camaradas que compartilham nossa organização que reiteradamente manifestamos nosso liberalismo, nossa artesanalidade e nosso espontaneísmo. Ao assumirmos para nós múltiplas tarefas, afirmamos ao coletivo que não confiamos na capacidade deles de executá-las, e que preferimos nos impor o fardo do sofrimento, da exaustão, do que permitir com que outro camarada execute a tarefa a seu modo. Assumimos tarefas demais por que preferimos que elas sejam feitas à nossa maneira individual, por que é mais “fácil”, mais “instintivo” (e culturalmente muito mais naturalizado) se sobrecarregar do que ter que passar pelo processo de admitir que não somos (enquanto indivíduos) tão especiais assim, tão grandes assim, a ponto de sermos indispensáveis e os melhores possíveis na execução da tarefa.

Também é muito estranho para nós, antinatural até considerando a rotina de exploração que o capital impõe, ser capaz de impor limite ao volume de trabalho apresentado, já que jornadas duplas e triplas de trabalho são a regra, não a exceção na nossa classe. Por termos medo, dificuldade, estranhamento e preguiça de fazer a crítica do andamento dos trabalhos, concentra-se em si (indivíduo) a tarefa para furtar-se da igualmente importante tarefa de fazer um balanço qualificado e autocrítica (coletivamente). “Melhor eu fazer do que deixar o outro camarada fazer, por que eu não vou gostar, mas não quero ser chato na reunião e demorar ainda mais”. Se estamos fugindo de “ser chatos”, também estamos fugindo de melhorar. Ao não fazermos a crítica, também deixamos subentendido o pressuposto silencioso de que “se eu não critico, não serei criticado”. Liberalismo, liberalismo, liberalismo.

A ideia do martírio como elemento qualificador da justeza da nossa luta é anti leninista. A ideia de que “eu sozinha vou fazer a revolução com base em sacrifício pessoal, apenas”, é anti leninista, com sonhos de heroísmo, egóica e profundamente antipopular. Não é um militante sozinho que faz revolução, e sim, a classe trabalhadora como um todo, organizada. Se em “O Estado e a Revolução”, Lênin discorre sobre a evolução das etapas do socialismo ao ponto de cobrarmos “de todos conforme suas capacidades, a todos de acordo com suas necessidades”, mas na nossa prática não são todos exigidos de forma equitativa dentro de um organismo, há uma falha dentro do organismo, e essa falha é uma falha em pensar a tarefa organizativa enquanto também uma tarefa política. E essa falha pode, talvez, ser mitigada através de meios de controle do número de tarefas sendo executadas simultaneamente por todos os camaradas, bem como a (talvez polêmica) limitação do número de tarefas por camarada.

Essa proposta, se desviada, pode de fato ser uma faca de dois gumes, admito, mas vamos desenvolvê-la mais claramente. Reconheço que nos momentos artesanais da militância, com núcleos de 3, 4 militantes, haverá mais acúmulo de tarefas em menos indivíduos, ainda mais com nossa tendência de fazer reuniões com mais de uma pauta, com cada uma delas gerando 3 ou 4 encaminhamentos soltos ao invés de uma proposta já mais redonda e coesa. Mas um núcleo de 12 militantes pode conter em si 3 pessoas apenas na secretaria de organização. Esse coletivo já pode fazer uma reunião de secretariado para definir estrategicamente as pautas urgentes, sistematizar propostas para envio prévio ao restante do núcleo, elaborar o planejamento da próxima reunião (data, pauta, questões norteadoras da pauta, apresentação de materiais de apoio, mesa, relatoria). E para dificultar a divisão assimétrica e espontaneísta dos trabalhos, devem ser levantados todos os encaminhamentos de todo o contínuo das reuniões em alguma plataforma que seja visual e dinâmica o bastante (a exemplo do Trello, mas existem outras) para que todos os camaradas saibam o que está sendo executado, por qual militante, o que foi concluído e quais encaminhamentos ainda precisam ser efetivados.

Se a Sec Org realiza corretamente esse trabalho de sistematização, acredito ser possível implementar um sistema onde um camarada fica responsável por apenas 1 tarefa por vez, obrigatoriamente. No ato de assumir a tarefa, o próprio camarada estabelece o tempo provável que será necessário para a execução da mesma, registrada em ata e em plataforma própria para o controle das tarefas. Se esse prazo autodeterminado não for cumprido, a Sec Org facultará ao militante a realização da tarefa com uma dupla ou a troca da tarefa. Para assumir uma nova tarefa, o militante precisa ter concluído a tarefa anterior. O não cumprimento de 3 tarefas em sequência levará à medidas educativas, processos disciplinares de graus variados ou a formalização de afastamentos/desligamentos.

Isso evitaria a figura recorrente de camaradas que estão com 50 tarefas pendentes para realizar, em 2 instâncias dirigentes distintas além de sua base, enquanto outros militantes estão na mesma tarefa há 1 mês. Pois de fato, se um camarada é mais rápido que o outro, não há mal em deixar que cada um tenha um ritmo de trabalho e que um pegue tarefas novas a cada dois dias enquanto outro o faz uma vez por semana, mas há prejuízo em manter uma cultura política de acúmulo de tarefas na qual um militante sobrecarregado tem em sua lista várias tarefas que não distribui à ninguém, na qual apenas as mesmas pessoas tocam tarefas enquanto outras se arrastam, e numa secretaria organizativa que não é capaz de fazer essa identificação de forma precoce para intervir. A Sec Org só conseguirá intervir naquilo que ela consegue observar, e sem um rígido controle de quais e quem está com cada tarefa, por quanto tempo, e possibilidades de mediação já previamente sugeridas para serem adequadas a cada caso, não será possível que superemos o regime artesanal de trabalho na militância.

Pensando em termos numéricos, imagino que apenas núcleos de tamanho considerável permitirão o desenvolvimento de uma secretaria organizativa de fato profissionalizada, com uma divisão de tarefas efetiva. Em um breve exemplo, observem:

  • secretaria geral de organização - 1 a 3 militantes, supervisionam o andamento geral dos trabalhos dentro da sec, pasta a pasta (sugiro nº ímpar para realizar votos de desempate)
  • pasta de relatorias - pelo menos 2 militantes, não precisam ser os autores de todas as relatorias, mas garantem o controle de quais militantes estão responsáveis por cada relatoria, quais relatorias estão pendentes, a formatação das relatorias, o repasse os encaminhamentos das relatorias para a pasta de tarefas
  • pasta de tarefas - pelo menos 2 militantes, controlam a divisão de tarefas militante a militante, garantindo que cada um toque tarefas sucessivas, não tarefas simultâneas, registrando o prazo autodefinido pelo militante para a execução, justificativa de atrasos, solicitações de auxílio, solicitações de troca das tarefas
  • pasta de arquivamento - pelo menos 2 militantes, organizam todos os documentos produzidos e recebidos pelo organismo, com data, padronização de título e formato, controle de versões editáveis/word e não editáveis/PDFs; fazem repasses sobre circulares e enviam as sugestões de tarefas propostas para a pasta de tarefas
  • pasta de sistematização - pelo menos 2 militantes, reúnem as propostas enviadas previamente pelos militantes para envio pré-reunião, visando o preparo antecipado para o debate e a familiarização de todos com as propostas
  • pasta de agenda - pelo menos 2 militantes, responsáveis pelo controle de todas as datas de reuniões, atos, plenárias, atividades, postagens, bem como prazos de envio de documentos
  • pasta de planejamento - pelo menos 2 militantes, é responsável pelo controle das sugestões de pautas e sua distribuição dentro das reuniões dos próximos meses, feito de forma antecipada, porém ajustável, em parceria com a pasta de agenda
  • pasta de comunicação interna - pelo menos 2 militantes, é responsável por manter atualizados os dados de contato de todos os militantes do núcleo, buscar contato se o militante parar de comparecer subitamente às reuniões, enviar lembretes de atos, datas, tarefas, prazos em geral, dentre outros aos militantes, conforme controle da pasta de agenda

Ou seja, tranquilamente, tarefa para 8 pastas, 16 militantes e isso só na secretaria organizativa. Tarefas essas que estão sendo frequentemente tocadas por UM secretário, UMA secretária, na grande maioria dos organismos. Entendem a sobrecarga agora? Entendem como temos uma tarefa de fato ousada pela frente? Por que se pensarmos assim, buscando planejar como uma organização profissional faria, com uma divisão interna estruturada, compreendemos o seu real tamanho. Compreendemos que nos faltava o primeiro elemento, enxergar a distância numérica entre o que somos agora, em estágio de artesanato, para o salto que deveremos dar visando a profissionalização. Nem sequer chegamos na manufatura ainda, camaradas! Vivemos repetindo que temos poucos braços mas não sabemos nem sequer quantos braços precisamos ter. Extrapolando o nº de 16 militantes por secretaria, considerando 4 secretarias, nos dá o número de 64 militantes, com certeza muito mais do que temos em QUALQUER localidade (acredito eu, posso estar errada). O que nos leva ao próximo ponto, a necessidade de determinarmos, em caráter prioritário para a criação de um núcleo/célula, a obrigatoriedade da secretaria de recrutamento.

A divisão tradicional de secretariado mínimo do organismo em secretaria organizativa, política e de finanças é um bom passo inicial, mas não é o bastante. Considerar um núcleo de 3 como um organismo completo para atuação é temerário, é afirmar para 3 pessoas que elas dão conta da enormidade de tarefas que a militância demanda. Nós superestimamos as nossas capacidades e criamos um véu de ilusão. Se visamos nossa profissionalização imediata, é necessário a existência obrigatória de uma secretaria focada em recrutamento, como elemento organizador central de todos os núcleos em consolidação, ou seja, todos os núcleos com menos de 64 militantes, ou seja, todos nós.

Sem que um camarada fique com o trabalho de registrar aproximações possíveis, avaliar se o aproximado tem o perfil que buscamos e manter o contato com todas essas pessoas, buscando recrutamentos ATIVAMENTE, não pararemos de ficar rodando no mesmo lugar. Sem pessoas, sem divisão de tarefas; sem divisão de tarefas, sobrecarga; e sobrecarga significa o afastamento ou a saída completa do militante. O núcleo encolhe ao invés de crescer. É o ciclo vicioso que enfrentamos. Se visamos nossa capilarização na classe, se, como o camarada J.V.O brilhantemente explicita na tribuna “Que tipo de formação nós queremos? Precisamos de dirigentes, agitadores e propagandistas!”, precisamos de generais e capitães, então precisamos nos profissionalizar na tarefa de recrutadores. Precisamos identificar na classe trabalhadora pessoas com os perfis que buscamos, de dirigentes, de agitadores, de propagandistas, de quadros de finanças, de quadros organizadores, e a tarefa de identificação é do RECRUTADOR.

O recrutamento não pode cair na lógica de “tarefa de todos é tarefa de ninguém”. Todos devem observar seus convívios visando identificar nomes em potencial, mas alguém deve sistematizar os nomes levantados, seus números e redes para contato, avaliar o perfil, a melhor forma de abordagem, como essa pessoa pode contribuir para a organização, garantir que os contatos da nossa classe buscando radicalização não se percam por aí e jamais sejam recrutados. Se precisamos urgentemente “de braços”, precisamos que alguém mantenha registro e contato com “os braços” que estamos tentando alcançar, para de fato podermos fazer um avanço. E só com quadros recrutadores estando ativos, em funcionamento coeso com as demais secretarias (a de organização inclusive com um papel fundamental para a manutenção do fluxo coeso da sec rec, pois muitas tarefas são geradas nos recrutamentos que precisam de acompanhamento, muitas relatorias devem ser feitas de cada aproximação ou recrutamento para balanço, muitos momentos de encontros ou reuniões precisam ser agendados), que teremos enfim os números que nos permitirão parar de quebrar e de fato resistir, dividir as tarefas e avançar.

A disciplina revolucionária é central nesse processo, em especial a disciplina de cobrar, de registrar e de formular. Os registros dos processos que estamos desenvolvendo na RR precisam ser analisados na secretaria periodicamente, para se transformarem em métrica. Uma revolução que “pode sair daqui a um século” nunca irá sair, camaradas. Um núcleo que “precisa de braços” mas não sabe quantos braços, ficará pra sempre patinando sem rumo. Precisamos ter nossas fraquezas identificadas explicitamente, na nossa cara, na ponta do lápis, na métrica, na planilha, de forma inquestionável. Se não nomeamos o problema, ele não será superado.

A meu ver, a RR pode trabalhar com alguns prazos. Considerando que algumas previsões climáticas afirmam que Belém-PA pode estar inabitável em 2050, com 222 dias de calor extremo (acima de 50ºC), para termos chance de retorno precisamos ter avançado na revolução antes disso. Se tomarmos o poder em 2040, isso nos dá 16 anos para tocar a tarefa revolucionária. A tarefa não sairá do lugar se não estabelecermos uma data em longo prazo, e a partir dela tirarmos objetivos de longo, médio e curto prazo, mesmo que a data venha de uma criação arbitrária. Pelo menos teremos um planejamento de longo prazo REAL, ao invés de imaginário. Pois bem, 16 anos a contar de 2024, nos deixam com 6 anos para a consolidação da RR nas massas do povo brasileiro, o que defino aqui (arbitrariamente, pelas vozes da minha cabeça) como a capacidade de tocar uma movimentos de massas prolongados em pelo menos 20-25 capitais simultaneamente. Depois, 5 anos em estágio de guerra civil velada, marcado pelo desenvolvimento das nossas capacidades para avançar na organização de greve geral nacional sustentada com reivindicações políticas amplas e avanço dos trabalhos clandestinos. Por fim, os últimos 5 anos de guerra civil aberta, com tomada de poder pelo povo e consolidação do socialismo brasileiro. Nessa divisão, ainda teríamos uns 5-10 anos de margem de erro antes do agravamento  climático iminente. Essa pode ser nossa estratégia.

E subordinada a estratégia, vem a nossa tática. O nosso primeiro objetivo então seria a consolidação prática de núcleos efetivos, com 64 militantes no mínimo. Em 12 meses, isso significa 5 recrutamentos por mês, mais ou menos, 6 arredondando para cima. Imaginem o nosso avanço organizativo se ao fim de 2024, após a realização do XVII Congresso Extraordinário, todos os núcleos da RR estiverem efetivamente com 64 militantes ativos, divididos em 4 secretariados com divisão e controle real de tarefas, permitindo a redução da carga horária de trabalho político para 1 a 2 horas semanais, com reuniões inclusas. É possível, camaradas, mas jamais seria sem estabelecermos algum prazo, com alguma métrica, algum objetivo, e começarmos a trabalhar em cima dele.

"Ai, a meta é irrealista, arbitrária, etc, não conseguiremos". Será mesmo, camaradas? Em 30 dias, a Comissão Provisória de GO, inicialmente com 4 militantes, atingiu o quórum de 11. 7 recrutamentos em 1 mês a partir de um controle rígido dos recrutamentos e da divisão de tarefas do organismo, com apenas 1 militante na Sec Rec, 1 militante na Sec Org. Agora teremos 3 militantes em cada secretaria, em quanto será que não aumentamos nossas possibilidades de trabalho político? E pode ser melhor, pode ser nacional. Se falharmos na meta, realizaremos um balanço e compreenderemos por que falhamos. Mas acho perfeitamente possível que seja algo feito, se houver planejamento efetivo e direcionado para tal. Temos que ter um dia D para sonharmos, mesmo que simbólico, mesmo que falhemos, para nos nortear e não permitir que o senso de urgência siga em abstrato. Se nem nós sabemos para quando é a revolução, jamais deixaremos de ser um “partido de retaguarda”, seguindo na rabeira dos movimentos espontâneos ao invés de organizando  movimentos planejados, como cunhou e camarada N. Sanchez em sua tribuna. Se estamos divulgando um projeto para a nossa classe, para além do onde (a revolução brasileira e internacional) e o como (o marxismo leninismo e o partido de vanguarda), precisamos também oferecer o quando.

Vamos escolher a data e propor a tarefa da revolução para toda a classe trabalhadora. Vamos recrutar, estudar, analisar, planejar e executar. Vamos ousar sonhar a organização que queremos. Identificar a divisão de trabalho que queremos, para atingirmos o equilíbrio entre vida pessoal e trabalho de militância que precisamos, para que a nossa organização de fato caiba na rotina da classe trabalhadora. Para que de fato, a atuação de um comunista seja realista, não a realização insana de tarefa suficiente para 16 pessoas por um único militante na secretaria.

E, apesar de devermos buscar o consenso, não devemos glamourizar o consenso por gostarmos de ouvir nossas próprias vozes. É necessário ter a maturidade de perceber quando os pontos apresentados já cobrem os principais aspectos de uma questão e que estamos persistindo no tema por nos faltar a humildade de entender que o coletivo não é favorável à proposta. É necessário que cada militante se prepare para participar dos debates e reuniões internas (mesmo as dos organismos de base) ao invés de arriscar no freestyle toda vez. Preparar propostas, realizar pré-discussões dentro das secretarias, superar a idealização que criamos em nossas cabeças de que haverá um mesmo horário que todos conseguirão sempre participar, de que todas as pautas devem ser discutidas por todo o contingente de pessoas, que não podemos dividir as tarefas ou controlar rigidamente os tempos de fala por suposto “autoritarismo”, o que na verdade é indisciplina. A profissionalização envolve a setorização e a capacidade de delegar as tarefas adequadas aos subordinados, essa é uma das tarefas que deve estar no nosso horizonte enquanto dirigentes. Delegar pensando não em fugir do trabalho, e sim, em garantir a adequada distribuição do mesmo, ativamente buscando o liberalismo em nossas fileiras para rechaçá-lo, confiando que os camaradas que compõem nossa organização serão responsáveis em igual medida, cobrando para que sejam, educando quando não forem.

A organização não era um dos temas sobre o qual Lênin tanto discorria a toa. É nela que precisamos nos abraçar.