'Processos disciplinares: formalismo incontornável' (Leandro Amaral)
Nota-se que as lacunas e omissões acerca do PD o tornam uma ferramenta de perseguição de vozes dissonantes no Partido, lhe conferindo um verniz de regularidade enquanto possui ampla margem de arbitrariedade para aqueles que compõe os órgãos partidários.
Por Leandro Amaral para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
Uma das questões mais polêmicas durante a crise que se abateu sobre o PCB foi a maneira que foram instaurados e conduzidos os processos disciplinares que culminaram na expulsão de centenas de militantes do complexo partidário.
Ficou claro para diversos camaradas que os Processos Disciplinares (PD) foram arbitrários e seletivos, não havendo isonomia no tratamento entre os militantes, além de instaurados de maneira que impossibilitou a possibilidade de ampla defesa dos camaradas.
Diante disso, gostaria de compartilhar com os camaradas uma análise de como se estruturam (ou deveriam se estruturar) os PD’s na forma exposta no Estatuto do PCB e como podemos aprimorá-lo.
Ressalto que o aprimoramento do processo disciplinar não busca “punir melhor” os militantes ou cultivar uma política punitivista, mas sim garantir que esses sejam conduzidos tendo como princípios o Devido Processo e a Ampla Defesa, critérios mínimos na condução de qualquer Processo Penal na Justiça Burguesa e que nós como comunistas temos não apenas de adotá-los, como também aprofundá-los.
O PD encontra-se previsto no Capítulo IV do Estatuto do PCB (disponível no site do TSE), denominado “Da Disciplina e da Fidelidade Partidária”, sendo que a parte que dispõe especificamente sobre o Processo Disciplinar se encontra no artigo 12 (que trata das sanções aplicáveis), artigo 13 (do PD em si) e o artigo 14 (sobre a conduta que os órgãos devem adotar durante o Processo Disciplinar).
Para os fins da presente contribuição, irei me ater ao artigo 13 e seus parágrafos, a seguir reproduzidos:
Artigo 13 - Qualquer das medidas mencionadas no Artigo anterior pode ser proposta por militante, organismo ou instância partidária, sendo decidida, em primeira instância, pelo organismo a que estiver ligado o militante, em reunião convocada especialmente para este fim, com a presença de, pelo menos, ⅔ (dois terços) dos seus membros e decisão da maioria absoluta dos presentes, assegurado o direito de defesa.
Parágrafo Primeiro - Da reunião participa o militante em causa, que será notificado por escrito, por via postal ou eletrônica, com antecedência mínima de 3 (três) dias anteriores à sua realização.
Parágrafo Segundo - A ausência do militante em causa, na reunião convocada, não impede a sua realização, no caso de o mesmo deixar voluntariamente de a ela comparecer ou de optar por encaminhar tempestivamente sua defesa por escrito.
Parágrafo Terceiro - A reunião poderá ser agendada para outro dia, se o militante em causa houver previamente apresentado justificativa para sua ausência, aceita pelo organismo responsável pelo processo.
Parágrafo Quarto - Contra qualquer decisão tomada pela reunião cabe recurso, interposto pelo militante em causa ou por organismo ou instância, no prazo máximo de 15 (quinze) dias corridos, contados a partir do dia seguinte à data em que o mesmo foi notificado por escrito, por via postal ou eletrônica, da decisão. A interposição de recurso por parte do militante contra medida disciplinar que o atinge não tem efeito suspensivo. Os recursos terão como instância final o Congresso Nacional do Partido.
Parágrafo Quinto - Os organismos partidários hierarquicamente superiores àquele a que estiver ligado o militante poderão abrir processo disciplinar contra ele, de ofício, respeitados os parágrafos anteriores, no que couber, podendo ainda, a seu critério, avocar processo disciplinar que tramite em organismo inferior.
No caput do artigo 13, já vemos uma grave deturpação da finalidade do PD, ao dispor que qualquer militante ou órgão pode propor a aplicação de uma das medidas do artigo 12.
Assim, o PD já se inicia com um militante ou órgão propondo que outro deve sofrer determinada sanção, invertendo a lógica do PD ao não se verificar previamente se há ou não elementos para a aplicação da medida disciplinar.
Essa configuração do PD inverte o ônus da prova e viola a presunção de inocência, já que pressupõe que o militante praticou a infração disciplinar, com este devendo provar o contrário; Para piorar, não há nenhuma fase anterior de inquérito e investigação dos elementos que embasam a abertura do PD.
Instaurado o PD, o militante é notificado a respeito da audiência onde já se decidirá a aplicação da medida, onde deverá realizar a sua defesa. O ideal nesse ponto seria conferir um prazo para o camarada apresentar sua defesa por escrito e, apresentada ou não, marcar a reunião para a decisão.
A brevidade do PD não se resume aos atos que o compõem, mas também ao prazo para o militante apresentar a sua defesa, de apenas três dias.
O Estatuto é silente de como deve ser o procedimento da reunião onde se decidirá o PD, se a decisão será reduzida a ata da reunião ou como deve ser decidida a aplicação da sanção, apenas dispondo da possibilidade de recurso sem efeito suspensivo, ou seja, a pena é aplicada em imediato.
Apliquemos agora o PD a um caso hipotético: uma célula com cinco militantes e um deles discorda da linha política adotada. Os demais membros da célula podem instaurar o processo disciplinar e, tendo a maioria, expulsar o camarada discordante, o qual se manterá longe da organização até que seu recurso seja analisado e acolhido pela instância superior!
Nota-se que as lacunas e omissões acerca do PD o tornam uma ferramenta de perseguição de vozes dissonantes no Partido, lhe conferindo um verniz de regularidade enquanto possui ampla margem de arbitrariedade para aqueles que compõe os órgãos partidários.
Um ponto que surgiu nos debates sobre os problemas do PCB na condição da sua política foi o excesso de formalidades para algumas questões, adotando um formalismo que resultava em um imobilismo do trabalho prático.
Entretanto, observo que esse formalismo se encontra bem longe do PD, justamente o lugar onde a adoção e cumprimento de certas formalidades é crucial para evitar a sua deturpação e garantir a defesa dos camaradas.
Por outro lado, o Estatuto da UJC, que foi alterado no IX Congresso realizado em 2022, é bem mais robusto e esclarecedor a respeito das infrações disciplinares e o PD, envolvendo a participação do assistente do organismo, prestação de auxílio à vítima (caso haja) tendo dispositivos específicos para casos de agressão física, psicológica e sexual, sendo assim um bom ponto de partida para a reformulação no âmbito do Partido.
Deste modo, camaradas, espero ter demonstrado como que o cumprimento de formalidades mínimas no âmbito do PD servem para evitarmos que uma camarilha se aposse de um órgão partidário e o utilize para seus próprios fins, em detrimento da base partidária.