Privatizações, violência, avanço da direita nas eleições e mais: as lutas dos trabalhadores paulistas em 2024

Sob o governo de Tarcísio de Freitas, a população trabalhadora de São Paulo enfrentou de privatizações com ataques à direitos básicos, como água, saneamento e educação, a recorde de incêndios florestais.

Privatizações, violência, avanço da direita nas eleições e mais: as lutas dos trabalhadores paulistas em 2024
Reprodução/Foto: Instagram - Tarcísio de Freitas

Por Redação

O ano de 2024 foi intenso e decisivo em vários setores da luta de classes no estado de São Paulo. Sob o segundo ano de mandato de Tarcísio de Freitas (Republicanos), os trabalhadores paulistas enfrentaram o avanço da política de privatização, o aumento e o incentivo à violência policial, e passaram por eleições municipais que confirmaram a continuidade das políticas anti-povo do governador na maioria dos municípios, com a eleição em massa de candidatos de direita e extrema direita, inclusive na capital.

O avanço das mudanças climáticas deu o pano de fundo para o cenário. Com recorde de incêndios florestais, o agronegócio paulista expandiu sua fronteira agrícola, enquanto a população, a fauna e a flora do Cerrado e da Mata Atlântica sofreram com as consequências das queimadas.

Apesar de tudo, este também foi o ano em que a classe trabalhadora saiu da defensiva histórica diante da perda de direitos e foi reivindicá-los. E o estado de São Paulo foi o primeiro do Brasil a ver uma greve de trabalhadores exigindo a diminuição da jornada de trabalho, que ocorreu na empresa PepsiCo, na capital e em Sorocaba.

Privatizações

Em julho de 2024, Tarcísio de Freitas conseguiu concluir uma das mãos importantes privatizações previstas para o seu governo, a da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), junto ao avanço do programa Universaliza SP, que busca ampliar o fornecimento de saneamento básico no Estado, a partir da iniciativa privada, nas cidades que não são atendidas pela estatal, transformando em mercadoria, à mercê dos interesses do mercado privado, o direito básico à água e saneamento.

O avanço da privatização atingiu também os transportes, com ameaças de privatização das linhas ainda públicas do metrô de São Paulo e uma série de problemas nos serviços já privatizados. As linhas de trem administradas pela Via Mobilidade, pertencentes ao grupo CCR, registraram ocorrências quase diárias, com direito a incêndios, acidentes e até morte de um trabalhador nas mãos dos seguranças na linha 8 diamante, na cidade de Carapicuíba. O grupo CCR, responsável pelas linhas privatizadas e dono de uma série de concessões de aeroportos, rodovias e sistemas ferroviários em todo Brasil, é um dos principais interessados na privatização dos transportes em São Paulo.

Não são apenas concessões estaduais à iniciativa privada que causaram problemas aos paulistas em 2024: a Empresa Nacional de Energia Elétrica (Enel), empresa de energia italiana, cuja concessão é autorizada pelo governo federal, foi a maior responsável pelo caos na capital paulista.

O aumento das chuvas torrenciais causadas pelas mudanças climáticas, somadas ao descaso do prefeito Ricardo Nunes no manejo das árvores e manutenção da cidade e as demissões e falta de manutenção por parte da Enel, em busca de enxugar gastos, levaram a uma série de quedas de energia em São Paulo. Só no mês de outubro, mais de 2,1 milhões de endereços ficaram sem energia após um temporal na Grande São Paulo.

Seis dias após o apagão, o presidente da Enel, Guilherme Gomes Lencastre, afirmou que o funcionamento da empresa estava próximo da normalidade, mesmo com 36 mil imóveis ainda sem energia. “Nós temos 8,2 milhões de clientes. Numa operação normal, esse número oscila, inclusive entre esse patamar de 36 mil ou até um pouco mais”, disse.

Educação básica

A educação pública em São Paulo enfrentou muitos desafios que comprometeram ainda mais o acesso, a qualidade e a inclusão de ensino. Decisões do governo estadual, como o leilão da gestão de 33 escolas, o projeto de escolas cívico-militares e o fechamento de turmas noturnas são parte de uma iniciativa que prioriza o lucro e a repressão, em detrimento do direito à educação pública, gratuita e de qualidade.

Em maio, o governador sancionou a lei que institui o projeto das Escolas Cívico-Militares no estado. Defendida como solução para problemas como indisciplina e violência escolar, a medida introduz a presença de militares no nas escolas, atuando como monitores e, em alguns casos, como professores.

Danilo Santos Nascimento, professor de Geografia na rede estadual, apontou que a militarização “não tem compromisso pedagógico e busca apenas reprimir e punir os estudantes”. Ele destaca, ainda, que a medida representa um avanço ideológico de setores conservadores, moldando os jovens e limitando o desenvolvimento de um pensamento crítico.

Já no mês de junho, Tarcísio anunciou o leilão da gestão de 33 escolas estaduais para a iniciativa privada. A concessão, que segue o modelo das Parcerias Público-Privadas (PPP) — um dos pilares da gestão de Tarcísio —, representa uma ameaça ao ensino público, como destaca a historiadora e professora Thais Vieira  "A privatização vai precarizar ainda mais nossas condições de trabalho. O ambiente escolar é um espaço de produção de conhecimento, o professor é um mediador desse conhecimento, ele ensina e aprende. A escola não é uma empresa, e o professor não é um colaborador”.

Outro ataque direto à educação pública paulista em 2024 foi o projeto de fechamento de turmas noturnas, que dificulta ainda mais o acesso de jovens trabalhadores à conclusão de seus estudos, e está diretamente ligado à aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 9/2023, de Tarcísio de Freitas, aprovada pela Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) em novembro.

A PEC reduz o investimento obrigatório previsto na Constituição Estadual de 30% para 25% com educação, e figura como o motivo para o fechamento de pelo menos 101 classes do ensino médio noturno e cinco classes de Educação de Jovens e Adultos (EJA), em 43 escolas estaduais da rede pública, como aponta um levantamento do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp).

Educação superior

Na maior universidade do país, a Universidade de São Paulo (USP), o ano de 2024 foi permeado por perseguições sionistas contra estudantes solidários ao povo palestino, que sofre com a colonização e o genocídio praticados por Israel há quase 80 anos.

Em meio a uma campanha que pedia o fim das relações da USP com as universidades sionistas de Haifa e Hebraica de Jerusalém, cinco estudantes do curso de Ciências Moleculares, membros do Comitê de Estudantes Solidários ao Povo Palestino (ESPP), foram acusados de antisemitismo e quatro estão sendo processados, com possibilidade de expulsão, pela universidade.

As falsas denúncias, feitas por grupos conservadores que atuam dentro da USP, surgiram após os alunos deliberarem pela divulgação de um manifesto contra os ataques de Israel a civis na Faixa de Gaza, e resultaram em um Processo Administrativo Disciplinar (PAD), que se baseia em artigos de um regimento criado durante a Ditadura Militar (1964-1985), nos quais a instituição busca proibir manifestações políticas, raciais e culturais dentro de seus campi.

“O que nós temos é a introdução nos meios de comunicação hegemônicos de uma narrativa que justifica o discurso sionista sobre o que está acontecendo em Gaza, que se baseia, entre outras coisas, na ideia de que qualquer crítica a Israel é um ato de antissemitismo, e isso acaba de alguma forma criando um clima favorável a esse tipo de denúncia”, aponta a advogada Maíra Pinheiro, que representa os estudantes injustamente acusados, em entrevista ao Ópera Mundi.

Já na Universidade Estadual Paulista (Unesp), o ano foi de contraofensiva do movimento estudantil. Com o Diretório Central dos Estudantes (DCE) Helenira Rezende desativado há 17 anos, depois de uma gestão conduzida pela União da Juventude Socialista (UJS), do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), de maneira afastada da base dos estudantes, os unespianos realizaram um Congresso de Estudantes da Unesp (CEU) e refundaram o órgão mais importante de representação discente da universidade, que tem o maior número de campi no estado.

O CEU ocorreu no campus de Assis, e os delegados da União da Juventude Comunista (UJC), do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), defenderam uma reconstrução com chapa majoritária, com indicações de Representantes Discentes (RDs) feitas pelo DCE, além de um órgão gerido a partir das necessidades dos estudantes, que atue pela permanência estudantil e pelo fim do vestibular.

Violência policial

A violência policial em São Paulo ganhou terreno fértil para crescer com a gestão de Tarcísio de Freitas e do Secretário de Segurança Pública Guilherme Derrite, que defenderam publicamente o fim do uso de câmeras corporais por policiais e afirmaram que “policial bom tem que ter pelo menos três homicídios no currículo”, respectivamente.

Do início de janeiro ao início de dezembro de 2024, 712 pessoas foram mortas por policiais militares, segundo dados do Ministério Público. O número é 74% maior do que o registrado no mesmo período de 2023, com 460 mortes. Em 2024, 604 pessoas foram mortas por policiais em serviço e mais 104 por agentes de folga, estatísticas que equivalem a dois assassinatos por dia, ainda de acordo com o MP.

E a violência da Polícia Militar não se restringiu aos assassinatos em São Paulo. Nas cidades de Bauru e de Santos, em outubro e novembro de 2024, policiais militares agrediram e intimidaram familiares e amigos durante o velório e enterro das vítimas Guilherme, de 18 anos, e Ryan, de 4 anos.

Saúde

A saúde pública enfrenta uma série de desafios e escândalos que têm preocupado a população. Um dos principais problemas é o escândalo envolvendo contratos com Organizações Sociais (OSS), que têm sido alvo de investigações por suspeitas de desvio de verbas públicas.

Segundo reportagem do G1, esses contratos, que deveriam ser utilizados para melhorar a infraestrutura e os serviços de saúde, têm sido questionados por falta de transparência e eficiência. Recentemente, descobriu-se que os recursos destinados às OSS não foram devidamente aplicados, o que representa um prejuízo de milhões de reais para os cofres públicos.

Além disso, o SUS tem enfrentado o fechamento de leitos em hospitais públicos, o que tem gerado uma crise na capacidade de atendimento dos pacientes. Segundo dados do Conselho Federal de Medicina (CFM), nos últimos 13 anos foram fechados 25 mil leitos de internação, em média cinco leitos por dia.

Mesmo com a abertura de leitos em outros setores, há um grande déficit nos serviços de emergência, que acaba por sobrecarregar os trabalhadores da saúde e atrapalhar o auxílio às pessoas que buscam atendimento. O problema se agrava ainda mais com o dinheiro da saúde indo para as OSS, que estão constantemente ligadas aos escândalos de corrupção e desvio de verba pública.

Outro tópico polêmico é o fechamento de serviços legais de aborto. Em dezembro de 2023, o serviço de aborto legal do Hospital Vila Nova Cachoeirinha foi fechado pela prefeitura por acusações de irregularidades. Porém, após investigações, descobriu-se que a prefeitura não recebeu denúncias sobre esse serviço que é uma das referências na cidade de São Paulo.

A Secretaria de Saúde chegou a fazer cópias de prontuários de pacientes que passaram pelo serviço, prática que é ilegal, quebrando a confiabilidade e sigilo médico. Em um ano com diversos ataques ao direito do aborto legal, esse caso demonstra a perseguição que que os trabalhadores sofrem sobre os poucos direitos que ainda restam dentro da saúde pública.

Outras demandas como o aumento da insegurança alimentar, da população em situação de rua, falta de medicamentos e profissionais e ataque aos direitos dos cidadãos demonstram que os trabalhadores encontram dificuldades em usufruir de um sistema de saúde público de qualidade e com possibilidades para ajudar as mais diversas especificidades de uma classe trabalhadora tão diversa como a brasileira.

Os cortes de gastos e contratos com OSS acabam por minar cada vez mais as lutas pela manutenção de serviços e aumento de capacidade para atendimentos e acesso a medicamentos e tratamentos qualitativos.

Eleições municipais

A festa da democracia, como é chamado o processo de eleições que ocorrem a cada dois anos, se mostrou novamente uma farsa na defesa dos interesses e direitos dos trabalhadores. O que os paulistas viram nas eleições municipais de 2024 foram disputas entre direita e extrema-direita, confirmando as políticas de ódio e neoliberal já vistas nos governos estadual e federal.

Na corrida pela prefeitura da capital, Guilherme Boulos (PSOL) se mostrou cada vez mais próximo de um discurso de direita ao alegar, em campanha, que não era favorável à legalização das drogas, e, ainda, que acreditava que existiam modelos de privatizações que podem funcionar em São Paulo.

E nem mesmo ao abandonar pautas caras aos trabalhadores, na busca por se assemelhar aos seus concorrentes, Boulos conseguiu ser eleito. No segundo turno, foi derrotado por Ricardo Nunes, que obteve 3.393.110 de votos, ou 59,35% do total.

Fora da capital, a derrota da esquerda institucional não foi diferente. A legenda que mais levou prefeituras em 2024 foi o Partido Social Democrático (PSD), criado por Gilberto Kassab, atual secretário de governo de Tarcísio de Freitas. Do litoral ao interior, o PSD conquistou 206 dos 645 municípios paulistas, e logo atrás veio o Partido Liberal (PL), de Jair Bolsonaro, com 104 prefeituras.

Na Grande São Paulo, 36 cidades ficaram com gestões de partidos de direita e extrema-direita, enquanto apenas Mauá, Rio Grande da Serra e Cotia elegeram prefeitos do Partido dos Trabalhadores (PT), Partido Socialista Brasileiro (PSB) e Partido Democrático Trabalhista (PDT), respectivamente.

Incêndios florestais

O estado de São Paulo foi, além de tudo, tomado por fogo em 2024, e registrou um recorde de focos de incêndio. De janeiro a 20 de setembro, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) registrou 7.296 ocorrências do tipo, maior número já observado desde o início da série histórica, em 1998.

O mês de setembro deste ano, especificamente, foi marcado por uma leva de incêndios criminosos por todo o Brasil, ligados ao avanço das fronteiras agrícolas, e 405 das 645 cidades paulistas registraram ao menos um foco de incêndio no período. Coincidentemente, os municípios que mais tiveram terras queimadas, possuem mais da metade de seus territórios destinados à agropecuária, ainda de acordo com o Inpe.

A cidade recordista em incêndios durante o mês de setembro de 2024, Altinópolis, registrou 125 ocorrências e tem 68,97% do seu território voltado à agropecuária. Logo atrás vem as cidades de São Carlos e Pitangueiras, com 93 incêndios cada, e 60 e 90% dos territórios tomados por lavouras e pastagens, respectivamente.

Fim da escala 6x1

A luta histórica da classe trabalhadora pela redução da jornada de trabalho alcançou um novo estágio com a chegada da pauta ao Congresso Nacional, em novembro de 2024, através de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) de autoria da deputada Erika Hilton (PSOL-SP), e com o crescimento do assunto nas redes sociais.

Na busca por pressionar parlamentares a favor da redução da jornada, o PCBR e mais organizações da esquerda radical, junto a poucos setores da esquerda institucional, convocaram manifestações de rua, tirando a classe trabalhadora da posição defensiva.

A insurgência por mais tempo de vida e menos trabalho fez o estado de São Paulo ter a primeira greve no país pelo fim das escalas 6x1 e 6x2, nas unidades da PepsiCo de Sorocaba e Itaquera — na capital.

A paralisação teve início no dia 24 de novembro e foi encerrada em 02 de dezembro, sem um acordo que beneficiasse os funcionários. Neste período, os trabalhadores denunciaram ao Jornal O Futuro sistemáticas práticas de assédio da parte dos gestores da PepsiCo, negligência com a saúde mental dos funcionários e perseguição aos grevistas.

Outra situação de trabalho degradante que veio à tona foi a condição dos trabalhadores de uma das unidades da rede de Supermercados Confiança, também em Sorocaba. Nesta denúncia, além da já abusiva carga horária obrigatória de 6 dias de trabalho com direito a 1 de folga, os relatos denunciaram  horas extras obrigatórias que batiam até 16h diárias, funcionários trabalhando 21 dias direto, sem folgas, erros no pagamento dos salários e pessoas sendo coagidas a trabalhar mesmo com atestado médico.