Privatização dos presídios e as condições das mulheres: O governo Lula - Alckmin potencializará a barbárie penitenciária

O Brasil tem a terceira maior população carcerária feminina do mundo. Em 20 anos quadruplicamos o número de mulheres encarceradas (Pesquisa do World Female Imprisonment List), chegando a cerca de 42 mil mulheres em condição de cárcere, segundo o levantamento de Informações Penitenciárias (INFOPEN).

Privatização dos presídios e as condições das mulheres: O governo Lula - Alckmin potencializará a barbárie penitenciária

O governo da Frente Ampla Lula-Alckmin tem avançado vigorosamente nas privatizações dos setores públicos. Suas últimas iniciativas aprofundaram as medidas de Temer, levando à draconiana privatização dos presídios. Essa medida aprofundará ainda mais o encarceramento em massa, especialmente da população negra e pobre, a fim de beneficiar a lucratividade dos setores privados. Para as mulheres negras o aumento exponencial do encarceramento e todos seus prejuízos, vem sendo uma realidade desde 2006, quando foi alterada a lei de drogas. O decreto presidencial de Lula tornará ainda pior essa situação e escalará ainda mais a guerra às drogas.

Por meio do decreto presidencial N°11.498 o governo incluiu, em abril de 2023, os presídios e a segurança pública como áreas a serem privatizadas via Parcerias Pública Privadas (PPPs), ampliando as áreas disponíveis para privatização no âmbito do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), criado por Michel Temer no contexto do golpe de 2016. Além disso, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) passou a financiar a privatização dos presídios. O banco que deveria apoiar a indústria e a produção de ciência e tecnologia está atuando diretamente para o aumento do lucro via encarceramento. O decreto também proporciona acesso ao crédito público via Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil. O avanço na privatização dos presídios, junto ao novo arcabouço fiscal que limita os gastos estatais com saúde, educação, cultura, assistência social, moradia popular e etc, atinge diretamente as mulheres.

O Brasil tem a terceira maior população carcerária feminina do mundo. Em 20 anos quadruplicamos o número de mulheres encarceradas (Pesquisa do World Female Imprisonment List), chegando a cerca de 42 mil mulheres em condição de cárcere, segundo o levantamento de Informações Penitenciárias (INFOPEN). Esse aumento se deve sobretudo a aplicação da Lei de Drogas (11.323) que desde sua implementação em 2006 afeta desproporcionalmente as mulheres, em especial às mulheres negras que representam 62% dessa população. Entre 2000 e 2016 o encarceramento de mulheres cresceu 656%, um aumento de quase 7 vezes em 16 anos (INFOPEN). Colocadas na linha de frente pelo tráfico, muitas vezes como “mula” e ocupando postos baixos na hierarquia, verifica-se uma feminização da pobreza. As mulheres estão sendo presas cada dia mais, sob a acusação de tráfico, na maior parte das vezes trata-se de crimes sem violência e da posse de pequenas quantidades de droga.

Com a privatização dos presídios teremos um setor lucrando diretamente com o encarceramento de jovens negros e negras. O encarceramento em massa é resultado de uma aplicação burguesa do direito penal, que é inerentemente seletiva e funciona como um instrumento severo de controle social. Com a privatização teremos uma pressão política e econômica desses setores, resultando na aplicação de penas mais severas com o único objetivo de gerar mais lucro, longe de garantir segurança, o Estado penal reprime e violenta parte significativa da população historicamente marginalizada e vítimas do racismo estrutural. 

A guerra às drogas é uma guerra aos pobres

A Lei de Drogas de 2006, teoricamente, possui uma abordagem mais voltada para a saúde e redução de danos. Na época ocorreu um debate com estudiosos do tema, profissionais do direito e organizações da sociedade civil - como organizações de redução de danos e grupos de direitos humanos - e o entendimento era de que a criminalização do uso de drogas estava agravando problemas sociais e de saúde pré existentes. Ocorreu a inclusão de dispositivos que despenalizam o consumo de drogas, desde que seja considerado uso pessoal, sem intenção de tráfico; isso significa que os usuários não seriam mais automaticamente sujeitos a penas de prisão.

Na prática, a população carcerária aumenta exponencialmente e recai sobre uma parcela muito específica da população. O foco é na repressão e na punição no comércio varejista da droga, ou seja, nos postos mais inferiores do tráfico. Quem vai para prisão hoje não é quem transporta drogas em aviões ou se encontra no alto escalão na hierarquia, mas sim aqueles e aquelas que se encontram em situação de uso ou de pequenas modalidades de tráfico, a punição não atinge todos os estágios da cadeia. Apesar dos dispositivos legais que despenalizam o consumo de drogas, quem define quem é usuário ou traficante é a polícia, o ministério público e o juiz. Não há uma quantidade ou parâmetro estabelecido, fica a cargo da discricionariedade dessas autoridades que devem analisar a situação. O resultado é uma população carcerária negra e pobre que caminha para atingir 900.000 pessoas.

O encarceramento exponencial de mulheres afeta diretamente a comunidade ao seu redor. Muitas vezes, enquanto responsáveis pelo sustento da família, pelo cuidado das crianças e dos idosos, a família enfrenta dificuldades adicionais. Em alguns casos as mulheres assumem a responsabilidade pela posse de drogas para proteger seu companheiro ou assumem algum posto quando ele é preso ou promovido. O gênero impacta diretamente na experiência do cárcere. As condições estruturais do sistema penal são degradantes, há superlotação, transmissão de doenças, não há o mínimo para dignidade humana para nenhum encarcerado, para às mulheres soma-se a ausência completa de atendimento às necessidades específicas relacionadas ao gênero. Além disso, a maior parte das encarceradas não recebem visitas. São as mulheres que visitam e fornecem suporte aos companheiros e filhos presos, mas quando elas são presas, verifica-se um abandono. Soma - se a isso a violência sexual sofrida legalmente nas revistas íntimas e a extralegal, exercida por carcereiros e carcereiras. Há uma tripla discriminação: de gênero, racial e do estigma de criminosa.

As condições do cárcere afetam diretamente a dinâmica das organizações criminosas. Quando o Estado priva a pessoa encarcerada do acesso a água quente, a comida em condições salubres, a saúde e não oferece nenhum tipo de suporte, abre-se caminho para meios alternativos de resolução desses problemas, no caso, para as facções. O tratamento que é fornecido após o cárcere, sem opções de trabalho, sem acesso a políticas de reinserção e com o estigma de ter sido encarcerado, também alimentam esse cenário.

Reprodução: Mario Tama/Getty Images

A privatização e o Complexo Industrial Carcerário Global

Angela Davis cunhou o termo "Complexo Industrial Carcerário Global" para descrever um sistema interconectado de instituições, práticas e políticas que promovem e lucram com o encarceramento. Esse complexo não inclui apenas às prisões, mas também sistemas de vigilância, empresas privadas de segurança e todas as formas de controle social. O termo global destaca que o complexo não está restrito a um país ou região, mas se estende por todo o mundo. São vários os fatores que alimentam esse complexo, como o próprio racismo, a militarização, a guerra às drogas e as políticas neoliberais.

O neoliberalismo, a partir das privatizações, redução dos serviços públicos e dos gastos estatais com políticas sociais, aprofunda as desigualdades de classe. Nesse processo as pessoas mais pobres precisam recorrer a ações ilegais para sobreviver, como estamos presenciando com o aumento dos furtos famélicos, e a resposta do neoliberalismo é justamente a criminalização desse processo que ele mesmo causa. Ocorre a criminalização da pobreza e um aumento de políticas de segurança e punição, com investimentos crescentes em sistemas de justiça criminal e medidas de vigilância. A privatização dos presídios atua dentro dessa lógica.

A privatização faz com que setores da burguesia lucrem em cima da pobreza, do racismo, da desigualdade de gênero. Ao transferir a gestão das prisões para empresas privadas, cria-se um incentivo perverso para manter altos níveis de encarceramento, já que essas empresas lucram com a superlotação e a permanência dos presos. Isso não afeta somente os encarcerados, mas se distancia de abordar e resolver as causas subjacentes do crime.

É inconcebível que um governo que se auto intitula de esquerda e iniciou sua gestão reivindicando a “diversidade” avance na privatização do complexo prisional. Hoje, movimentos feministas e abolicionistas têm avançado, cada vez mais, mostrando toda a ineficácia do sistema prisional e sua lógica racista e excludente. As prisões não servem em nada para reduzir os índices de violência, pelo contrário, criam um sistema que legitima a violência estatal e incentiva as facções. É necessário avançar para a total abolição do “complexo industrial carcerário” que vitima as mulheres, principalmente as mulheres negras, imigrantes e pobres dentro e fora das prisões.