Privatização de escolas em São Paulo é ataque frontal à educação pública
Com primeiro leilão realizado, gestão Tarcísio-Feder pretende entregar, ao todo, 33 escolas públicas aos interesses de empresas privadas e grupos de investimentos.
Por Redação
O avanço das políticas da extrema-direita em São Paulo atingiu um ponto decisivo com o leilão para a privatização da gestão escolar, que teve início no último dia 29 de outubro. A iniciativa faz parte de um projeto de Parceria Público-Privada (PPP), proposto pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), que visa entregar à iniciativa privada a construção e administração de 33 escolas da rede estadual. O decreto de concessão confirma um dos pilares principais do governo Tarcísio: o pacote de "desestatização".
São Paulo não é o primeiro estado a privatizar escolas públicas. O mesmo ocorreu na rede estadual do Paraná quando Renato Feder, atual Secretário de Educação em São Paulo, ocupava o mesmo cargo na educação paranaense durante o mandato do governador Ratinho Júnior (PSD).
A privatização das escolas em São Paulo, aliada à militarização do ensino e à adoção indiscriminada de tecnologias educacionais, como o uso de inteligência artificial na criação de materiais didáticos, levanta sérias preocupações sobre a qualidade do aprendizado, a equidade no acesso à educação e a liberdade pedagógica em relação aos temas que os professores podem abordar. A implementação desse conjunto de políticas indica uma tendência de desvalorização do ensino público, favorecendo modelos que priorizam o lucro em detrimento de uma educação de qualidade.
Em entrevista ao Futuro, a professora e historiadora Thais Vieira opina sobre o cenário da privatização para os professores: "A privatização vai precarizar ainda mais nossas condições de trabalho. O ambiente escolar é um espaço de produção de conhecimento, o professor é um mediador desse conhecimento, ele ensina e aprende. A escola não é uma empresa, e o professor não é um colaborador. A gestão de Tarcísio e Renato Feder já aprovou a substituição de livros didáticos por materiais digitais (slides), o uso de plataformas digitais, diversos aplicativos e, ainda, o uso de Inteligência Artificial para produzir esses conteúdos pedagógicos. Onde fica o professor nesse processo de ensino-aprendizagem? Ele se torna um número, algo substituível e destituído de sua real função”.
O projeto de privatizações escolares, avaliado em R$ 1,6 bilhão, dos quais R$ 1,2 bilhão devem ser investidos nos primeiros três anos, é apresentado como uma solução para os problemas de infraestrutura e gestão nas escolas estaduais. No entanto, a lógica por trás dessas parcerias vai além de uma simples "modernização". Trata-se de um projeto político que visa abrir espaços no setor público para que o capital privado possa lucrar em áreas fundamentais, como a educação.
"Uma empresa privada almeja um objetivo: o lucro. Para que esse lucro seja sempre maior, é natural que a empresa corte gastos ao máximo. O que veremos são essas empresas privadas recebendo verba pública e, para aumentar seus lucros, precarizarão os serviços prestados de forma progressiva", aponta Thais.
Ao entregar a gestão das escolas à iniciativa privada, o governo transfere a responsabilidade pela qualidade da educação para grupos cujo único interesse é o lucro. A experiência de outros estados e países que adotaram esse modelo é clara: a privatização leva à precarização dos serviços, à elitização do acesso e à queda na qualidade da educação ofertada aos mais pobres.
Segundo dados do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que assessorou a formatação da PPP, o número de escolas em regime de concessão já foi reduzido de 60 para 33 unidades, sob a alegação de falta de interesse e capacidade do setor privado em atender à demanda. Ainda assim, o governo Tarcísio segue firme em sua agenda, avançando em um projeto que atende aos interesses de grandes grupos econômicos, e não às necessidades da população.
Embora o governo tente acalmar os especialistas em educação afirmando que as empresas concessionárias não terão controle sobre o conteúdo pedagógico, a verdade é que, ainda assim, a própria estrutura e gestão das escolas serão submetidas a uma lógica empresarial, fator que afeta diretamente a experiência educacional.
Nesse sentido, a infraestrutura já debilitada de diversas escolas ficará ainda mais comprometida, devido aos incentivos, previstos pelo governo, às gestões que reduzirem gastos. Dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) mostram que São Paulo enfrenta um déficit de infraestrutura nas escolas estaduais, e em 2022, aproximadamente 40% das escolas não possuíam laboratórios de ciências, e 60% estavam com bibliotecas em condições inadequadas de uso.
Além disso, o projeto fere o caráter universal da educação pública, previsto na Constituição Federal de 1988. O modelo de PPP tende a introduzir formas de cobrança indireta e a segmentação do ensino, ampliando a distância entre as escolas públicas e privadas. Ao invés de promover equidade, a privatização reforça as barreiras sociais e econômicas, tornando o acesso à educação de qualidade ainda mais restrito. No contexto atual, em que 25% dos jovens brasileiros entre 15 e 29 anos nem estudam nem trabalham, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), qualquer política que enfraqueça o sistema público de ensino agrava ainda mais o cenário.