Prefeito e latifundiário de Ouro Preto do Oeste (RO) pretende mudar o nome da Reserva Chico Mendes
Alex Testoni (União Brasil) propõe consulta popular sobre a mudança do nome, atendendo interesses do agronegócio e da direita local e sendo mais uma tentativa de apagar a luta dos movimentos sociais.
Por Redação
O Parque Chico Mendes, em Ouro Preto do Oeste (RO), centro de uma disputa entre memória e interesses do agronegócio, pode ter seu nome alterado por iniciativa do prefeito Alex Testoni (União Brasil). A proposta, impulsionada por latifundiários influentes, busca apagar a homenagem ao líder sindicalista, símbolo da luta dos trabalhadores rurais em defesa da floresta, sob a justificativa de que sua trajetória não representa o estado, que se tornou um dos líderes em desmatamento e expansão agropecuária.
O Parque Municipal, popularmente também conhecido como Parque Chico Mendes, é o terceiro maior parque natural do país. Nele se localiza o morro que leva o mesmo nome, em homenagem ao líder sindicalista assassinado por latifundiários em 1988. O parque está localizado às margens da BR-364, e abrange uma área de Reserva Florestal e perímetro urbano, sendo um dos principais pontos turísticos da cidade.
A proposta de mudança do nome surgiu com o anúncio da possível inauguração de um Mirante no local. O prefeito utilizou suas redes sociais nesta terça-feira, dia 14, para expor suas opiniões e promover uma "consulta popular" sobre o novo nome.
O Mirante é uma antiga promessa de campanha de Testoni, considerado seu principal projeto para transformar a cidade em uma verdadeira atração turística. A obra, financiada com recursos do Governo Federal e emendas parlamentares desde 2020, deveria ter sido entregue em 2023, mas foi prorrogada para 2024. No entanto, até o momento, o mirante ainda está em fase de finalização.
Em suas redes sociais, o prefeito de extrema-direita expõe as verdadeiras intenções por trás da proposta de mudança de nome. Latifundiários influentes de Rondônia, figuras carimbadas no estado, defendem que não se deve homenagear ‘um sindicalista de esquerda’, acrescentando que Chico Mendes teria sido responsável por atrasar o desenvolvimento do Acre e que sua trajetória não tem relação com a história de Rondônia, um estado atualmente voltado para o crescimento do agronegócio. Tudo sendo respaldado por comentários positivos do prefeito.
Isto se insere em um contexto que os principais políticos e a burguesia de Rondônia transformaram o estado em um dos campeões em desmatamento e queimadas, impulsionadas pela expansão da agropecuária e da monocultura. Em 2024, durante longos meses, as cidades do interior e a capital respiraram o pior ar do mundo.
Esse cenário também foi viabilizado pelo apoio a uma concepção ideológica que apaga a história dos povos originários e extrativistas, ao mesmo tempo em que reforça a concentração de terras. Como consequência, essas mesmas populações resistentes do genocídio e também os agricultores familiares e camponeses pobres são sistematicamente marginalizados, sem direito à terra.
Nesse contexto, Ouro Preto do Oeste experimenta um crescimento exponencial no setor agropecuário e conta com uma pequena população de 35.445 habitantes. Entretanto, o número de bovinos atinge a impressionante marca de 406.601 cabeças. Essa disparidade resulta em uma diferença percentual de cerca de 1047,13%. Isso significa que o número de bovinos é mais de 10 vezes superior à quantidade de pessoas no município. Esse fenômeno tem se tornado cada vez mais comum em municípios da Amazônia. Embora a agropecuária represente apenas 20% do PIB de Ouro Preto do Oeste, ocupando a terceira posição no ranking dos setores econômicos, ela ainda exerce um papel significativo na economia local, com o setor de serviços liderando com 40,5%, seguido pela administração pública com 28,7%. E essa significância torna a cidade cada vez mais “culturalmente” do agro.
Frente aos argumentos apresentados no projeto do prefeito, apagar mais uma vez o nome que representa o contrário disso é uma estratégia eficaz para alcançá-los.
Ligações perigosas
Testoni atualmente está em seu quarto mandato. Em 2024, foi o candidato a prefeito mais rico do estado de Rondônia, com um patrimônio declarado de mais de 37 milhões. Essa riqueza lhe confere certa notoriedade como um exímio burguês que cresceu através do governo: sendo amplamente reconhecido por monopolizar seus interesses, utilizando o funcionalismo público e acumulando uma vasta fortuna em propriedades urbanas e rurais. Um verdadeiro coronel.
Na verdade, seu grande interesse em transformar a cidade como um exemplo de ponto turístico favorece ele mesmo, que é o principal empresário no local.
Tido como grande pecuarista e empresário, não poderia deixar de ser uma representação perfeita desse meio. Em 2014, foi investigado pelo Ministério Público por liderar uma organização criminosa que utilizava uma estrutura de segurança, composta por policiais militares, para garantir sua impunidade. Esses policiais eram usados para ações ilícitas, como saques bancários e perseguição a opositores. Além disso, Testoni manipulava a cidade, intimidando adversários políticos e censurando jornalistas. O Ministério Público detalhou o esquema na Operação Ludus, que levou à prisão de vários envolvidos, incluindo membros da "Assessoria Militar" que, na prática, eram capangas do prefeito. Mas, ele sempre foi liberado pelo TRE para concorrer as eleições e em 2023 a justiça burguesa acabou inocentado não só ele, mas todos os investigados nessa operação.
O que se ganha com a mudança de nome?
A mudança de nomes ou a omissão de nomeações de monumentos, praças, pontos turísticos e até parques, embora possam parecer ações pequenas e localizadas, se somam a um processo maior de apagamento da memória social. A alteração do nome do Morro Chico Mendes se insere nesse contexto, sendo mais uma tentativa de apagar a luta dos movimentos sociais, especialmente daqueles que defendem a floresta e as populações pobres rurais.
Um exemplo desse fenômeno de apagamento ocorreu em 2018, quando a histórica Estação Liberdade, situada no bairro homônimo de São Paulo, teve seu nome alterado para "Japão-Liberdade". Essa mudança desconsiderava, tanto no nome quanto nas interpretações históricas do bairro perpassada na mídia, a resistência das pessoas escravizadas vindas de África e a herança cultural afro-brasileira construída por longos séculos no local. Em 2023, após intensa luta do movimento negro, a Praça “Japão-Liberdade" foi rebatizada para "Japão-Liberdade-África". Contudo, a alteração da Estação que possuiria o mesmo nome da praça foi vetada em outubro de 2023.
Em ambos os casos, as propostas de mudança de nome vão além de uma simples modificação de nomenclatura e semântica. Elas refletem um esforço mais amplo para reescrever ou obscurecer a história, desconsiderando o legado cultural e as lutas do povo, na tentativa de apagar a memória coletiva.
A luta e o legado de Chico Mendes não possam ser reduzidos ou captados por meio dos inúmeros parques, reservas extrativistas e florestais, avenidas, escolas, bustos que levam seu nome, e nem mesmo à mera representatividade vazia de sua figura que não conseguem elucidar o sentido de sua luta, sua estratégia organizativa e seu verdadeiro sonho – o socialismo. No entanto, seja por meio de monumentos ou canções, a simples menção a seu nome pode servir como uma porta de entrada para muitos conhecerem sua história e se indignarem com os mesmos problemas que o revoltaram: a concentração de terras e o genocídio das nossas formas de viver.
É comum homenagear os maiores genocidas da classe trabalhadora desde o período colonial, que recebem homenagem continuamente. Assim, quando aparece algo nomeado em elucidação a Chico Mendes ou qualquer outro herói do povo brasileiro, pode-se celebrar a exceção a essa regra inescrupulosa e sonhar com a possibilidade de uma sociedade diferente, onde não se homenageiem mais os assassinos da classe trabalhadora e onde a história não seja contada apenas para enriquecer o 1% da população do campo, representando a burguesia latifundiária.
Dessa forma, a memória pode se tornar um instrumento de apoio à luta pela emancipação. É preciso posicionar-se não apenas contra o projeto de mudança de nome proposto por Testoni, mas também contra a política que ele representa, tanto em Rondônia quanto em todo o Brasil.
Travar uma ofensiva contra esse modo econômico, que propagandeia seus interesses por meio da grande mídia até a educação, é algo urgente. A principal bandeira dessa luta deve ser a nacionalização de todas as terras, considerada inimiga número um do Agro, antes que todos sejam engolidos.