PREFÁCIO das "Resoluções do XVII Congresso (Extraordinário) do Partido Comunista Brasileiro - Reconstrução Revolucionária" - Qual o significado histórico da consolidação do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário?
Este prefácio tem como objetivo apresentar aos trabalhadores um pouco do histórico que levou à consolidação, em junho de 2024, do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR).

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Gabriel Lazzari
Secretário-Geral do PCBR
O congresso do nosso partido foi um acontecimento único no seu gênero, sem precedentes em toda a história do movimento revolucionário russo. Pela primeira vez, um partido revolucionário clandestino conseguiu sair das trevas da ilegalidade para aparecer à luz do dia, mostrando a todos e cada um a trajetória e o desfecho da luta interna do nosso partido, a fisionomia do nosso partido e de cada uma das suas partes de alguma importância em questões de programa, de tática e de organização. Pela primeira vez conseguimos nos libertar das tradições de relaxamento e de filistinismo revolucionário próprios de círculos, reunir dezenas dos mais diversos grupos, muitas vezes terrivelmente hostis entre si, unidos exclusivamente pela força de uma ideia e prontos (prontos em princípio) a sacrificar todo e qualquer particularismo e independência de grupo em prol do grande todo que pela primeira vez criávamos de fato: o partido. Mas em política os sacrifícios não se obtêm sem esforço; conquistam-se combatendo. Como era inevitável, a luta pela morte das organizações foi terrivelmente encarniçada. O vento fresco da luta aberta e livre transformou-se em turbilhão. Este turbilhão varreu – e ainda bem que varreu! – tudo o que ainda subsistia de todos os interesses, sentimentos e tradições de círculo, e criou pela primeira vez organismos coletivos genuinamente partidários.
[Vladimir Lênin, Duas táticas da social-democracia na revolução democrática, 1904]
O bolchevismo existe, como corrente do pensamento político e como partido político, desde 1903. Só a história do bolchevismo durante todo o período da sua existência pode explicar de maneira satisfatória porque é que ele pôde criar e manter, nas condições mais difíceis, a disciplina férrea necessária à vitória do proletariado.
[Vladimir Lênin, Esquerdismo, doença infantil do comunismo, 1920]
Reconstruir a história da luta do proletariado por sua emancipação, pela conquista efetiva do poder de Estado, é um desafio imenso. É preciso recolher, analisar, destrinchar as condições objetivas e subjetivas da luta dessa classe em cada país, em cada localidade, em cada momento e recompor esse quadro como um todo. No meio desse conjunto imenso de elementos, é tarefa também dos marxistas “separar o joio do trigo”, ou seja, compreender quais aspectos são determinantes e quais são determinados, quais são centrais e quais são laterais, quais são predominantes e quais são subordinados. Um erro na consideração desses elementos pode ser fatal para a própria luta do proletariado: considerar como mais fundamental para o desenvolvimento de uma determinada greve um setor de retaguarda dela do que um setor de vanguarda leva um determinado partido a modificar sua tática, pondo em risco o desenvolvimento da própria greve; da mesma forma, hesitar em um momento que pede audácia, ou até mesmo avançar muito rapidamente em um momento em que são necessários recuos pode produzir derrotas que marcam o proletariado por anos.
Este prefácio tem como objetivo apresentar aos trabalhadores um pouco do histórico que levou à consolidação, em junho de 2024, do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR). Compreender essa história não é uma condição indispensável para apreender os elementos que estão dispostos nas páginas seguintes, no Programa, no Estatuto e nas Resoluções aprovadas no XVII Congresso (Extraordinário) do PCB-RR. Mas certamente ajudará a traçar um quadro em movimento do PCBR, como continuador e legatário do Movimento Comunista Brasileiro em geral e do velho Partido Comunista Brasileiro em particular. Em vez de uma “foto”, isso é, da consolidação de anos de disputa interna ao PCB em posições aprovadas pelo Congresso, poderemos ter algo mais parecido com um “filme”, em que as causas e consequências aparecem conforme sua inter-relação real. Com isso, esperamos cumprir o objetivo de explicar o atual estado de nosso Partido não como uma “ideia absoluta”, “parida” das mentes dos militantes, mas como síntese de um processo de amadurecimento ideológico e prático de milhares de militantes comprometidos com a luta pelo socialismo-comunismo – processo que ainda requer aprofundamento, revisão, reanálise, autocrítica e imensa capacidade prática. Não somos ainda a vanguarda do proletariado brasileiro – essa é uma tarefa a se construir, a tarefa de aprofundar a Reconstrução Revolucionária do Partido Comunista em nosso país.
A contrarrevolução nos anos 1990 e a Reconstrução Revolucionária do PCB
Seria possível estabelecer diversos pontos de início da discussão sobre o atual estágio do Movimento Comunista Internacional (MCI). Um balanço histórico do MCI que consiga sintetizar as diversas tendências do movimento revolucionário que decorreram (com maiores rupturas ou maiores continuidades) do evento fundante da Revolução Russa em 1917 é uma necessidade que nosso Partido ainda deverá cumprir, sobretudo como atualização ao documento Socialismo: Balanço e Perspectivas, aprovado no XIV Congresso Nacional do PCB (em 2009). Esse esforço exigirá dos comunistas brasileiros grande dedicação e aprofundamento na história da luta de classes no mundo. No entanto, para os fins a que se dedica esse prefácio, é suficiente que possamos debater o impacto da contrarrevolução nos anos 1990 e o que isso implicou para o desenvolvimento do PCB.
A virada dos anos 1980 para os anos 1990 presenciou a consolidação de uma série de recuos políticos e ideológicos realizados por Partidos Comunistas ao redor do mundo. Contando com dois eventos “balizadores” desse processo de derrota da classe trabalhadora mundial (a queda do Muro de Berlim, em 1989, e a dissolução da União Soviética, em 1991), todo o contexto político mundial dá um passo atrás na luta dos trabalhadores pelo socialismo-comunismo. Os países socialistas do Leste Europeu caíram em “efeito dominó”, causando um retrocesso em direitos e condições de vida assustadores para a classe trabalhadora dentro deles. Podemos mencionar, como exemplo, os níveis de desemprego na Rússia, que não chegavam a 4% em 1991 e atingem 14% da população em 1999; ou o PIB russo, que caiu mais de 40% entre o fim da URSS e o 1998; entre outros indicadores. Massas de trabalhadores foram levados à miséria e setores ligados à ex-burocracia soviética e ao capital internacional invadiram os mercados dos países até então socialistas com uma onda de privatizações absolutamente inigualada até o momento por nenhum país. As economias planificadas centralmente tornaram-se economias altamente monopolizadas por esses setores.
Não foram, contudo, apenas os aspectos econômicos que representaram uma derrota para o proletariado internacional. Principalmente do ponto de vista das condições subjetivas, o fim do papel de liderança do MCI que cumpria o PCUS e o fim da alternativa societária que a URSS representava causaram um recuo imenso na perspectiva revolucionária dos trabalhadores. Essa crise objetiva do socialismo mundial também se refletia, de diversas maneiras, nos Partidos Comunistas – e isso não apenas a partir dos anos 1980, mas com raízes muito anteriores, do ponto de vista ideológico, estratégico e tático. Assim, pudemos ver casos como a dissolução do Partido Comunista Mexicano, ainda em 1981, no Partido Socialista Unificado do México; ou a liquidação do Partido Comunista Italiano, em 1991, transformado em Partido Democrático da Esquerda.
No Brasil, a situação não foi diferente. Já desde pelo menos o VIII Congresso do PCB, em 1987, ficava clara a intenção da maioria da direção do Partido em caminhar em um sentido de abandono completo do marxismo-leninismo e da perspectiva socialista (para nem falar da perspectiva socialista revolucionária), advogando por uma nova formação política – de fato, o fim de um Partido Comunista. É nesse cenário que ocorre a movimentação de diversos militantes, desde membros do Comitê Central até militantes de base, pela manutenção do Partido, organizando o Movimento Nacional em Defesa do PCB entre o IX Congresso, em 1991, e o X Congresso de 1992, considerado fraudulento pelos militantes do Partido. Quando efetivamente se realiza o Congresso em 1992 e o Partido se divide – com a ala majoritária do CC adotando o nome de PPS e debandando para o liberalismo, e com a ala revolucionária disputando, inclusive legalmente, o PCB –, é realizada a Conferência Nacional de Reorganização e convocado um X Congresso legítimo para 1993.
É nesse Congresso de 1993 que é colocada pela primeira vez a tática da Reconstrução Revolucionária como uma palavra de ordem e objetivo do Partido. Hoje, em retrospectiva, podemos afirmar categoricamente que esse processo não foi linear e nem era interpretado da mesma maneira por diversos militantes do próprio PCB. O ponto de culminância que nos permite observar isso, no entanto, foi o XIII Congresso, em 2005. Nesse Congresso, em meio ao primeiro governo Lula, o Partido decide abandonar por completo a estratégia democrático-nacional que sustentou durante a maior parte de sua história e assumir a Estratégia Socialista, isso é, o Partido passa a compreender que não há etapas intermediárias a se conquistar antes da tomada revolucionária do poder pelo proletariado. O Partido não chegou a essas conclusões sem desafios – diversos militantes abandonaram o PCB a partir das definições de sua Estratégia, demonstrando que o próprio processo da Reconstrução Revolucionária havia atingido um grau de amadurecimento distinto de seu princípio. Se em 1992 a questão era simplesmente manter o Partido (e entre os defensores dessa manutenção, havia diversas linhas políticas e visões estratégicas), em 2005 se esclarece o caráter socialista da Revolução Brasileira e começa o período de maior desenvolvimento da Reconstrução Revolucionária do Partido.
A crise capitalista e as divergências no Movimento Comunista Internacional
Não podemos compreender esse processo da Reconstrução Revolucionária como um fenômeno isolado. Já desde os anos 1990, diversas iniciativas são formadas para reagrupar os comunistas em âmbito internacional, sendo a mais duradoura e ainda existente o Encontro Internacional de Partidos Comunistas e Operários (EIPCO). O Movimento Comunista Internacional (MCI) já há décadas colecionava divergências importantes e inconciliáveis em termos de estratégia: se podemos observar um processo de autocrítica estratégica muito demarcado em alguns PCs (KKE, sobretudo a partir do 14º Congresso; PCM, a partir de sua refundação em 1994; entre outros), que despontam, dessa maneira, como um polo mais coeso em termos de avanço do marxismo-leninismo no MCI; temos ao mesmo tempo PCs que abertamente apresentam perspectivas reformistas (PC Português; PCdoB; PC da Federação Russa) para alcançar o socialismo (ou nem isso) em seus países. O desenvolvimento dessas divergências foi se dando, em termos ideológicos, nos vários EIPCOs desde sua fundação.
A crise capitalista, que se iniciou em 2008/2009 com a explosão da bolha dos créditos subprime nos EUA e seguiu com efeito dominó pelo mundo, gerou uma queda generalizada das taxas de lucro da burguesia internacional. Sem o avanço consciente e massivo da classe trabalhadora em nível internacional, as medidas burguesas de enfrentamento à crise se deram segundo o roteiro das chamadas “medidas neoliberais”, ou seja, cortes de direitos e precarização das condições de vida da classe trabalhadora; achatamentos e arrochos salariais; flexibilização de legislações trabalhistas; privatização massiva de serviços básicos (saúde, educação, previdência etc.) – em suma, medidas que visavam a aumentar a exploração do proletariado global como forma de retomar as taxas de lucro reduzidas com a crise. A expressão político-eleitoral desse processo foi o ascenso rápido de figuras da extrema-direita em diversos países. Ficava cada vez mais claro que, para sua aplicação sem contestação, era preciso passar para uma política de repressão política aberta dos trabalhadores que lutavam em defesa dos seus interesses de classe. Os setores da burguesia que estavam menos diretamente dispostos a fechamentos de regime e apostavam em novos ciclos de conciliação de classes foram progressivamente perdendo espaço – alguns de maneira irreversível.
Um momento como esse – de retrocessos nos direitos e condições de vida da classe trabalhadora produzidos por uma intensa e direcionada repressão de Estado – produziu um cenário novo de diferenciação política. Cada vez mais as pressões pequeno-burguesas que se manifestavam nas estratégias rebaixadas de alguns PCs opunham a esse avanço da extrema-direita e de forças neofascistas e neonazistas uma defesa da democracia burguesa, retomando as mesmas justificativas para o giro estratégico das Frentes Populares nos anos 1930 e 1940. Essa diferenciação expressava, também, diferentes abordagens teóricas em relação ao marxismo-leninismo: a visão sobre o imperialismo e as posições dos países na cadeia imperialista; a questão do Estado e da participação dos comunistas nos governos burgueses; o papel dos comunistas frente às forças liberais no movimento dos trabalhadores (social-democratas, reformistas etc.), entre outras.
Esse processo intensificou imensamente as divergências também no seio de alguns Partidos. O primeiro caso de maior expressão foi a cisão do Partido Comunista dos Povos da Espanha (PCPE) em 2017, dando origem ao Partido Comunista dos Trabalhadores da Espanha, esse último identificado claramente com uma visão marxista-leninista e com a Estratégia Socialista de tomada do poder pelo proletariado; mas também foram notáveis o fim do pacto de unidade de ação, em 2020, entre a Frente da Juventude Comunista e o Partido Comunista, na Itália, resultando na criação da Frente Comunista; a desfiliação do Movimento de Juventude Connolly do Partido Comunista da Irlanda, em 2021; a fundação do Partido Comunista Argentino, em 2023, como uma cisão marxista-leninista do Partido Comunista da Argentina; a separação da União da Juventude Comunista Revolucionária (Bolchevique) e o Partido Comunista dos Trabalhadores da Rússia, em 2022, por conta do apoio deste último às operações de sua própria burguesia na guerra interimperialista na Ucrânia. Os exemplos não são poucos e revelam um processo muito maior de agudização de contradições e divergências políticas, que são produto das posições diversas das classes sociais e como essas posições se expressam dentro dos PCs.
É importante mencionar particularmente, como já fizemos antes, o impacto da guerra interimperialista na Ucrânia para essa aceleração do processo de diferenciação no seio do MCI. Não é um acaso que o tema da guerra seja sempre um divisor de águas no seio do movimento dos trabalhadores: é nele que se apresenta na prática a máxima de que “a guerra é a política por outros meios” – e, nos casos das guerras entre polos em disputa por lugares destacados na cadeia imperialista, o maior exemplo de conciliação com os interesses burgueses se mostra quando uma organização operária apoia que sua “própria” burguesia nacional use a classe trabalhadora como bucha de canhão na guerra, matando e morrendo nas mãos de outros trabalhadores conscritos. O precedente histórico da própria divisão do movimento operário entre comunistas e social-democratas, no curso da Primeira Guerra Mundial, não é somente uma coincidência. Assim, não foi por acaso o exemplo da cisão no seio do PCTR.
Também o papel da China no atual estágio do capitalismo é um dos temas centrais das diferenciações no MCI. Enquanto alguns Partidos preferem se apoiar em análises antileninistas do imperialismo para ver a disputa da China contra o bloco EUA-UE como uma disputa “anti-imperialista”, os membros do polo marxista-leninista do MCI compreendem que as disputas interimperialistas hoje em desenvolvimento no mundo estão diretamente conectadas com a posição destacada da China na cadeia imperialista e sua disputa pela hegemonia neste sistema, pela exportação de capitais para países na América Latina, na Ásia e na África. Essa é a mais aguda expressão atual da divergência, no seio do movimento internacional dos trabalhadores, entre enxergar o imperialismo como uma política de Estado ou de governo, identificada principalmente com o avanço militar sobre outros países; e enxergar o imperialismo como um estágio do próprio capitalismo, que predomina e condiciona as relações entre os países, que é a visão leninista. A luta anti-imperialista não é uma luta contra “impérios”, mas contra o sistema capitalista-imperialista, contra o capitalismo em sua fase monopolista.
O que vemos hoje, em escala global, é um processo cada vez maior de diferenciação entre as diferentes alas do MCI, uma diferenciação que se apoia em, entre outros elementos, um balanço (ainda por fazer) dos últimos 30 anos, isso é, da ação comunista no período contrarrevolucionário. Afinal, analisar essas três décadas transcorridas é buscar responder às seguintes perguntas: qual foi o balanço dos PCs sobre o movimento comunista e o processo de construção do socialismo no século XX e o que deve ser feito para superar a contrarrevolução? Não é permissível aos comunistas, obviamente, fazer juízo de valor ou moralismo barato com sua própria história. Fazer uma avaliação científica exige um olhar desapaixonado, crítico, que busque compreender as causas para além das aparências, que se afaste de personalismos ou de “pecados originais” – exige uma análise marxista-leninista sobre o próprio desenvolvimento do MCI. É só assim que poderemos compreender o porquê de estarmos, ainda, em um período contrarrevolucionário, e não numa nova onda revolucionária.
O avanço da extrema-direita no Brasil e o recuo da Reconstrução Revolucionária do PCB
Voltando os olhos para nosso Partido, é possível ver com clareza o momento em que se inicia a confusão ideológica e o giro à direita em nossa política nacional e internacional. Esse momento, não à toa, coincide com o processo do golpe de 2016.
O Partido, até pelo menos o primeiro semestre de 2015, vinha em um ascenso de formulações e estabelecimentos de linhas importantíssimas. Consolidado o XV Congresso do PCB, em 2014, tinha apresentado uma candidatura própria para as eleições, o que já havia feito em 2010, como resultado do XIV Congresso. Em 2014, teve a capacidade de leitura histórica para declarar, no segundo turno, o voto nulo na disputa entre Dilma e Aécio Neves no segundo turno. Todo o desenvolvimento do segundo governo Dilma, até o impeachment, comprovou o que o PCB dizia:
13. Independentemente do governo de plantão, com o agravamento da crise mundial do capitalismo, o estado burguês reprimirá ainda mais os trabalhadores e as lutas populares, porque precisará tentar retirar ou diminuir direitos sociais e trabalhistas, acirrando a luta de classes. Como em outros países, a sociedade se torna mais conservadora, ampliando a hegemonia do capital no aparelho de estado, na mídia, no parlamento, na justiça.
14. Diante de tudo isso e na certeza de que a vitória de um ou outro candidato no segundo turno não vai representar alteração do quadro atual, o PCB se posiciona em favor do voto nulo. O apoio dos comunistas à candidata do PT seria contribuir para iludir os trabalhadores e desmobilizá-los nas suas cada vez mais duras e necessárias lutas.
[Nem Dilma nem Aécio: PCB seguirá na luta pelo Poder Popular e pelo Socialismo, Comitê Central do PCB, 11 e 12 de outubro de 2014]
A opção pela demarcação em relação à social-democracia e aos governos burgueses atingiu seu auge de clareza e autoconsciência sobre a independência política do proletariado neste momento. O Partido atraía novas forças, novos lutadores, exatamente por causa de sua postura firme frente aos descaminhos da conjuntura brasileira; atraía uma geração de militantes mal-formados e espontaneístas, cuja principal experiência de luta de massas havia sido as Jornadas de Junho de 2013, mas com grande disposição para não se dobrar à massiva hegemonia da social-democracia e para desenvolver-se em uma forma superior de organização e de concepção política. Era uma geração que provou diretamente, como primeira experiência política, a incapacidade da estratégia democrático-popular em apresentar soluções para a classe trabalhadora brasileira; e que, por outro lado, não sofrera diretamente com o impacto ideológico do período da contrarrevolução nos anos 1990, que levou diversos militantes, mesmo entre os comunistas, a um democratismo pequeno-burguês que se chocava diretamente contra a propensão à tomada do poder, com a luta pela ditadura do proletariado, uma necessidade do projeto de emancipação da classe trabalhadora.
Assim, foi como consequência desse momento do Partido que em 2015 a União da Juventude Comunista realizou seu VII Congresso Nacional. Em que pese uma incompreensão ainda presente sobre os movimentos de massa (devido ao tamanho e falta de inserção da UJC), havia uma escolha clara por disputar as entidades de base do Movimento Estudantil, galgando espaços junto à direção do movimento, obviamente de maneira minoritária, mas que preparou a formulação, aprovada no VIII Congresso da UJC (2018), de uma linha de grande amplitude e clareza no que dizia respeito à disputa real pela direção do movimento (principalmente estudantil), com a disputa de DCEs, UEEs, da UNE, da UBES, da ANPG. A consolidação orgânica também foi a marca desse momento: enquanto o VII Congresso foi feito por uma UJC em que ainda havia uma dispersão grande das forças e pouca divisão de tarefas (não havia organismos de base, os “núcleos”, na imensa maioria das localidades), o VIII Congresso foi realizado por uma UJC bem organizada e mais capaz de intervir no movimento de massas. Começa ali o debate sobre profissionalização e especialização das tarefas; avança o debate sobre direção real do movimento; e novamente se dissemina na militância o debate sobre o internacionalismo proletário e a FMJD.
Aqui já podemos começar a observar esse grande descompasso que surgia dentro do PCB. Acuado pelo golpe e pelo avanço da extrema-direita (que o próprio Partido já dizia ser um processo em curso), um setor do Partido começa a propor um forte recuo em sua linha política. Em vez de se definir e se demarcar em relação às demais forças no movimento dos trabalhadores, mesmo nos momentos de necessária unidade de ação, o Partido caminhava para borrar, perante os olhos da classe trabalhadora, as fronteiras com outras organizações da “esquerda socialista”, como era o caso do PSOL, que já iniciava seu giro à direita, consolidado em sua presente participação no governo burguês de Lula e Alckmin. Já nas eleições municipais de 2016 essa movimentação ficou muito clara: tendo mantido sua independência política nos pleitos anteriores, a linha do PCB foi a de apoiar as candidaturas do PSOL (na maioria das vezes, sem sequer ter a vice-candidatura) às prefeituras, o que ocorreu em todas as capitais, com exceção de Belém (PA), em que o candidato do PSOL (Edmilson Rodrigues, hoje prefeito da cidade) foi apoiado apenas no segundo turno.
O mesmo se pôde ver na participação errática do Partido em diversas “frentes” no mesmo período. Primeiro, ao buscar uma participação na Frente Povo Sem Medo (FPSM), composta por partidos, movimentos e entidades que buscavam lutar contra o impeachment sem abrir mão das críticas às medidas de austeridade do segundo governo Dilma, mas que tampouco tinha qualquer programa unitário e socialista. Com o passar dos anos, sobretudo depois das eleições de 2016 e se aproximando das eleições de 2018, a FPSM ficou cada vez menos distinta da governista Frente Brasil Popular (FBP) e cada vez com uma agenda menos independente da FBP. Como consagração desse momento, nas eleições de 2018 novamente tivemos uma subordinação completa do Partido ao movimento eleitoral do PSOL, com a exceção da vez sendo o estado de Goiás, onde houve candidato próprio. A campanha presidencial também usou essa tática, em apoio a Guilherme Boulos. A tática eleitoral era simplesmente acompanhar o PSOL nessas candidaturas, que já demonstravam, em níveis distintos, o giro à direita do próprio partido.
Já a partir de 2019, sem realizar um balanço autocrítico da Frente Povo Sem Medo, mas assumindo na prática suas limitações, o PCB decide passar a apoiar a construção do chamado “Fórum Sindical, Popular e de Juventudes de Luta pelos Direitos e pelas Liberdades Democráticas”. Impulsionado pela presença do Partido, em unidade com outras organizações do PSOL, na direção do ANDES-SN, o Fórum era apresentado como a “tábua de salvação” da política nacional. Seria o espaço que organizaria um “Encontro Nacional da Classe Trabalhadora e dos Movimentos Populares”, que mudaria a correlação de forças na classe trabalhadora brasileira com um programa unitário e independente. Como se podia ver, ilusões colocadas à parte, o Fórum funcionava, em âmbito nacional, como uma forma de centralizar as alianças nas diversas disputas sindicais para que houvesse unidade entre o PCB e correntes do PSOL, em especial a Resistência. No movimento estudantil, em que esse tipo de política colocaria a UJC a reboque não apenas da Resistência, mas de todo o campo social-democrata, para o qual a corrente caminhava a passos tímidos (hoje largos), a política do Fórum não teve qualquer expressão.
Podemos resumir, de certa forma, os eventos narrados como um choque de tendências políticas internas ao PCB. Por um lado, sem o temor incutido por uma ala do Partido, o desenvolvimento da UJC concentrava-se em uma ferrenha disputa do movimento de massas com cada vez mais independência e firmeza estratégica; por outro, em um espírito reboquista, uma subordinação e dissolução da política sindical e eleitoral do PCB em relação ao PSOL (especialmente sua ala à direita, que crescia com a crise do Bloco de Esquerda interno a este partido).
Foi nesse contexto que o Comitê Central anunciou a realização do XVI Congresso Nacional do PCB, em 2019. Depois de 5 anos sem Congresso, o Partido poderia fazer um balanço de suas atividades desde o XV Congresso (mesmo em consideração ao fato de que a própria tática partidária, como apresentado, mostrou-se uma justaposição de táticas desconexas e que caminhavam com cada vez mais vigor a uma indefinição política e a um reboquismo em relação ao PSOL); poderia avaliar cientificamente a justeza de suas medidas internas e de suas construções junto às massas; avaliar a pertinência das formas de aliança e de combate em relação às organizações políticas pequeno-burguesas e burguesas; compreender as debilidades de maneira honesta e, com todo esse acúmulo, propor soluções para as causas dos problemas do Partido. Qual não foi a surpresa quando as Pré-Teses do CC ao XVI Congresso nos traziam propostas como:
1. O atual momento do PCB caracteriza-se pela ultrapassagem da etapa de reconstrução revolucionária, depois de termos superado o momento inicial de defesa da manutenção de nossa organização e de reinserção do Partido no cenário político e social brasileiro (1992-2005). [...]
Ou ainda:
[...] Lutamos pela transformação da ONU e outros organismos multilaterais em instâncias efetivas de promoção do desenvolvimento e da justiça social no plano internacional. [...]
Não havia um balanço da Frente Povo Sem Medo, ou uma caracterização do Fórum; não havia uma avaliação sobre a tática do Partido no momento da mudança conjuntural importante que ocorreu com o golpe em 2016. Diversas resoluções aprovadas no XV Congresso, como a criação do Centro de Formação Astrojildo Pereira, não tiveram qualquer menção no documento.
Esses elementos, é claro, eram sintomas. Sintomas de que cada vez mais setores do Partido não questionavam abertamente os avanços políticos (teóricos, estratégicos, ideológicos) consolidados no curso da Reconstrução Revolucionária e referenciados nas resoluções congressuais, mas simplesmente os deixavam de lado na hora da aplicação prática dessa política. Sob o pretexto da “flexibilidade tática”, o que se operava era efetivamente um recuo estratégico. Em 2019, o PCB chega a assinar uma declaração de PCs da América do Sul que comemorava a vitória eleitoral de Lopez Obrador, presidente do México, uma declaração em que os Partidos se congratulavam (!) pela vitória do “governo progressista” do MORENA.
O desenvolvimento do XVI Congresso Nacional do PCB e a cisão
Com essa série de contradições irrompendo no seio do Partido, contradições que não eram muito distintas das existentes no próprio MCI, o XVI Congresso Nacional tem início no fim de 2019. Desde o princípio, com a abertura da Tribuna de Debates interna, o processo congressual mostrou-se recheado de polêmicas importantes que diziam respeito à aplicação da linha política do XV Congresso e à correção dos aspectos políticos e organizativos incorretos apresentados pelo CC do PCB. Já alguns elementos começavam a soar como “curiosos” ao conjunto do Partido, como a baixa participação dos membros do CC nos debates internos (apenas um membro do CC enviou uma única contribuição antes da suspensão das Tribunas).
Suspenso durante a pandemia, o XVI Congresso teve sua etapa final realizada apenas no final de 2021. A partir do meio de 2021, o CC do PCB decide por “reabrir” a Tribuna de Debates (apenas para delegados, suplentes e membros do próprio CC) e é nessa fase que as principais críticas amadureceram sobre o processo de deriva de nosso Partido, sobretudo com as contribuições do camarada Ivan Pinheiro, que efetivamente romperam a “paz de cemitério” que reinava a partir do silêncio dos membros do CC do PCB na Tribuna (para além de Ivan e o outro membro mencionado, outros dois dirigentes nacionais escreveram, cada um uma contribuição para a Tribuna). Ainda durante essa suspensão, inúmeras manobras burocráticas foram tentadas pelo CC do PCB para influenciar os rumos dos debates: “reuniões individuais” eram feitas com militantes às vésperas do Congresso; denúncias que seriam utilizadas nos velhos e famigerados Processos Disciplinares surgiam no âmbito do Comitê Central e de alguns Comitês Regionais, para perseguir alguns militantes; militantes foram “proibidos” de enviar comunicações críticas ao próprio CC; entre outras aberrações mandonistas. As tensões internas ao Partido – profundamente políticas – eram de tal forma claras que, por um lado, alguns membros do CC comentavam (nos bastidores, sempre, é claro) sobre “a possibilidade de racha”; enquanto, por outro, camaradas como o próprio Ivan já apontavam a necessidade de fazer um XVII Congresso muito em breve. Isso tudo acontecia em um momento em que o CC do Partido deixava-se levar pela confusão absoluta no que dizia respeito a suas táticas e palavras de ordem, apostando na construção da Frente Nacional Fora Bolsonaro, uma frente policlassista completamente tomada por partidos burgueses e reformistas. O PCB, nesse momento, levantava a palavra de ordem do “Fora Bolsonaro-Mourão”, agitava pela “cassação da chapa pelo TSE” e defendia o impeachment de Bolsonaro – tudo isso ao mesmo tempo.
Não é preciso ler nas entrelinhas para compreender quais foram as posições vitoriosas nas Resoluções do XVI Congresso do PCB. Saía a “ONU promotora da justiça social” e entrava a construção do polo revolucionário do MCI; saía a “ultrapassagem da Reconstrução Revolucionária” e entrava o “aprofundamento da Reconstrução Revolucionária”; era abertamente assumida a tarefa de estarmos “na oposição ao futuro governo de conciliação de classes”; a crítica ao mandonismo e ao federalismo internos foi reforçada; foi aprovada a criação de uma “tribuna/boletim interno de debate permanente entre a militância”. O PCB mantém o Marxismo-Leninismo como base de sua formulação teórica e decide que os militantes farão sua contribuição financeira de maneira progressiva, e não linear como era até então.
Apesar disso, seria totalmente irresponsável dizer que essas resoluções foram compreendidas nas suas divergências com as posições da maioria do CC do PCB à época. A verdade é que houve poucos entre os que se opuseram a esses pontos vencedores que tiveram a coragem de se apresentar para o debate na Plenária Final do XVI Congresso. O silêncio dos membros do CC sobre os temas centrais do Congresso na Tribuna foi repetido no púlpito, em grande medida. A Plenária, composta por delegações eleitas havia mais de um ano e meio, tampouco refletia as posições internas ao Partido depois de um grande crescimento nas campanhas contra o governo de Bolsonaro e Mourão e os ataques da burguesia durante a pandemia.
É nesse quadro, já compreendendo que haveria um altíssimo nível de tensões nas eleições do novo Comitê Central, que o Secretário Geral do PCB busca diversos militantes da “ala esquerda”, ou melhor dizendo, opositores pela esquerda da linha proposta pelo CC e defensores dos avanços consolidados no XV Congresso, para propor um acordo: cessariam as perseguições políticas internas se houvesse a defesa da proposta de CC apresentada pela Comissão Eleitoral, em que figurariam elementos destacados dessa “ala esquerda”, representados minoritariamente no novo CC. Longe de ser um acordo defendido conscientemente pela maioria dos delegados, foi um acordo feito fora do púlpito congressual. Para a “ala direita”, composta pela maioria do CC, era a única forma de não terem sua imagem, já manchada por seus próprios erros políticos e tão discrepante da linha aprovada pelo XV e pelo XVI Congressos, completamente enxovalhada nos destaques à nominata – ainda que um senso de seguidismo amplamente disseminado na Plenária fosse o tampão contra mudanças radicais da composição do CC de qualquer forma; para a “ala esquerda”, era a forma de ganhar tempo para manter o oxigênio renovador do Partido em circulação, em vez de ser expurgada diretamente no pós-Congresso – que era exatamente o rumo para o qual caminhavam os “processos disciplinares” e as perseguições dentro do Partido, sob aval e com participação direta do CC.
Mesmo havendo uma série de indicativos de que o acordo não seria duradouro, o trabalho unitário desenvolvido pela “ala esquerda” teve grande sucesso e conseguiu, senão reverter, pelo menos refrear temporariamente o avanço do giro à direita da maioria do CC do PCB. As táticas do PCB no ano de 2022 tiveram um caráter de maior independência, que se expressou na campanha própria à Presidência e inúmeros candidatos próprios a governos dos estados, com destaques nacionais como as candidaturas dos camaradas Gabriel Colombo (SP) e Jones Manoel (PE) – marcando um retorno à política do Partido anterior a 2016. É preciso notar que, mesmo nesse cenário, a decisão à candidatura própria foi consequência da decisão do próprio PSOL de apoiar, desde o primeiro turno, a candidatura de Lula e Alckmin.
Foi também em 2022 que teve lugar o IX Congresso Nacional da UJC. Colhendo os frutos das políticas que vinham acumulando acertos e correções de linha desde o VII Congresso, o Congresso se desenvolveu durante quase todo o ano. Entre os temas debatidos, destacam-se o impulso da UJC em contribuir para os trabalhos do jornal (uma discussão marcada, nas entrelinhas, pelo amplo descontentamento nas bases com o precário desenvolvimento do jornal O Poder Popular) e, mais do que tudo, uma formulação mais aprimorada sobre as alianças no movimento de massas, criando critérios políticos e programáticos para as unidades que já haviam sido ensaiados no VIII Congresso. A decisão de fazer o trabalho político direcionado ao “movimento secundarista em geral e, vinculado a ele o movimento de estudantes do Ensino Profissional Técnico (EPT); à inserção no movimento de jovens trabalhadores e a inserção nas universidades privadas de massas” também revelava um amadurecimento da organização, que compreendia a necessidade de cumprir com a política do giro operário-popular caminhando para além do movimento estudantil de universidades públicas e indo em direção aos setores proletários da juventude. Com todo o contexto por que passava o PCB, o IX CONUJC também expressou algumas das principais disputas no Partido, como é natural quando os embates ideológicos vão se esclarecendo – houve até a tentativa de um delegado de agitar, no próprio plenário, que o Congresso tentava reencenar “as posições derrotadas” no XVI Congresso do PCB, o que não podia ser mais longe da realidade.
Apesar desse desenvolvimento parecer, à primeira vista, positivo para as posições da “ala esquerda”, vencedoras no XVI Congresso, não havia qualquer disposição da maioria do CC do PCB em aplicar a linha congressual. Isso já fica claro desde a intervenção assinada pela Comissão Política Nacional em novembro de 2022 no 22º EIPCO, em Havana. Renegando a avaliação do próprio CC sobre a guerra na Ucrânia (de fevereiro de 2022), que afirmava o choque dos interesses das burguesias russa e estadunidense no conflito e conclamava pela unidade dos trabalhadores ucranianos e russos contra o capitalismo em seus países, a CPN passa a afirmar que a derrota apenas do polo UE-EUA-OTAN significaria, por si só, um avanço para os trabalhadores do mundo. Também a nota política do CC em novembro de 2022 afronta e rompe diretamente a linha do Congresso: enquanto as Resoluções afirmavam a “oposição ao futuro governo de conciliação de classes”, o CC decide que o PCB apenas “manterá a posição de independência ao governo” – posição que já tinha sido apresentada no mesmo EIPCO, em que a CPN afirmou que a disputa do segundo turno entre Bolsonaro e Lula “representou a luta entre a civilização e a barbárie” e não entre duas formas de gestão do capitalismo.
A gota d’água, no entanto, veio de um salto ainda maior à direita, empreendido às escondidas pelo Secretário Geral e pelo Secretário de Relações Internacionais, com a participação sem aprovação no CC ou na Comissão de Relações Internacionais na chamada “Plataforma Mundial Anti-Imperialista” (PMAI), uma articulação de partidos que tomaram o lado da Rússia na guerra interimperialista (ainda) em curso na Ucrânia, em aberta oposição às visões apresentadas pelo bloco revolucionário do MCI no EIPCO de Havana e às próprias resoluções do Partido. A participação foi feita por texto para o encontro de Belgrado em dezembro de 2022, sem nem sequer tradução e publicação no site do Partido, em que o Secretário de RI defende que o governo de Lula se alie a outros países capitaneados pela social-democracia na América Latina, em vez de apontar a unidade dos trabalhadores desses países para a luta revolucionária. Em março de 2023, foi a vez do Secretário Geral do PCB ir presencialmente ao encontro da PMAI em Caracas, sendo recebido pelo partido-anfitrião, o PSUV, no momento de intensificação da perseguição governamental ao Partido Comunista da Venezuela. Sob as denúncias dessa articulação às escondidas dentro do próprio Comitê Central, foi decidido por unanimidade que o Partido não participaria dos encontros da PMAI até uma melhor análise. Mas a decisão do CC não foi o suficiente para impedir o Secretário de RI de comparecer a mais uma reunião dessa iniciativa, agora em Seul, na Coreia do Sul, o que foi feito em maio de 2023. A declaração apresentada, que não foi aprovada pelo CC ou pela CPN, chega a afirmar que as exportações de capital privado chinês para o Brasil “contribuem para a construção de um campo internacional não-alinhado e de um mundo multipolar”.
Era preciso demonstrar claramente para o conjunto do Partido e da classe trabalhadora brasileira a violação feita à linha política do PCB pela maioria de sua própria direção, sob a pena de deixar como letra morta todo o acúmulo do XVI Congresso. A publicação, pela Revista Opera, do artigo do camarada Ivan Pinheiro, Ainda sobre a chamada Plataforma Mundial Antiimperialista, abalou as estruturas partidárias. Pela primeira vez, a imensa maioria da militância do Partido tomou conhecimento dessas violações da linha congressual e começou a questionar o compromisso do CC do PCB com o XVI Congresso. Em um gesto de coragem, o camarada Jones Manoel foi também a público divulgar a denúncia, o que lhe rendeu como punição a destituição de todas as tarefas de direção ainda em 8 de julho.
Mas é claro que, para desmobilizar a resistência ao giro à direita, a maioria do CC não poderia se restringir a isso: em 30 de julho de 2023, em reunião online, os camaradas Jones Manoel e Ivan Pinheiro, que já não eram membros do CC e não puderam apresentar nem sequer suas defesas; e os camaradas Gabriel Landi e Ana Karen, além deste que vos escreve, fomos expurgados do PCB por defender as resoluções do XVI Congresso Nacional do PCB. A resposta de uma parte muito significativa da militância foi imediata, com dezenas e dezenas de mensagens de solidariedade aos camaradas expurgados pela maioria do CC do PCB.
A maioria do CC do Partido havia decidido por um rumo que ia muito além da expulsão de cinco militantes. Ela decidia, nessa movimentação, que a defesa inabalável das resoluções do XVI Congresso Nacional do PCB, acima de qualquer coisa, era motivo para ser removido do Partido. A violação do Congresso, por sua vez, era sinal de “lealdade partidária”. O que estava em questão era enterrar as principais questões políticas aprovadas no Congresso, sobre política nacional e internacional, e pôr um freio no aprofundamento da Reconstrução Revolucionária.
Defender o legado da Reconstrução Revolucionária do PCB era a única opção para os comunistas. O lançamento do Manifesto em Defesa da Reconstrução Revolucionária do PCB, em 3 de agosto, foi o ponto de virada da crise do Partido, um ponto que permitiu ao conjunto da militância tomar conhecimento da única proposta para uma solução unitária do impasse: a realização de um congresso, o XVII Congresso (Extraordinário), que havia sido proposta pela primeira vez em carta do camarada Ivan Pinheiro ao CC em 4 de julho de 2023.
A adesão inconteste da maioria da UJC ao Manifesto, com declarações de Coordenações Regionais e núcleos inteiros, comprovou o rumo correto em que estava o desenvolvimento da linha política do Partido no seio de sua juventude, reafirmada pela consulta nacional às bases feita pela CNUJC eleita no IX Congresso, boicotada pelos que concordavam com os expurgos. Também diversas células e comitês declararam-se publicamente favoráveis à realização do XVII Congresso. A resposta do CC do PCB foi a intensificação dos expurgos, uma verdadeira “limpa” daqueles que defendiam a linha aprovada no congresso vigente. Cito de cabeça o exemplo do meu estado, São Paulo, em que uma única circular do Comitê Regional expulsou cerca de 700 militantes da UJC.
A realização da I Plenária Nacional do PCB-RR (o nome dado provisoriamente à ala do Partido que decidiu manter a Reconstrução Revolucionária viva), realizada no fim de setembro, deu uma forma superior ao processo de construção do congresso. Na II Plenária Nacional, em novembro, foram lançados os documentos-base e o XVII Congresso teve seu início na prática.
O próprio processo congressual ainda deixa muitos elementos a serem analisados e sintetizados. Tal experiência nos trouxe novos desafios sobre como compreender a unidade de ação e a liberdade de crítica entre nós. Buscando no resgate das concepções leninistas do centralismo democrático as respostas para um processo que envolvia, entrelaçados, ruptura e continuidade, nossa polêmica congressual viu-se obrigada a abrir-se publicamente para envolver os mais distintos matizes de opinião de milhares de comunistas espalhados pelo país no debate sobre a superação da crise partidária. A Tribuna de Debates foi um organizador coletivo com impacto imenso (inclusive internacional), expondo à luz tanto as confusões em nossas fileiras quanto as respostas capazes de soldar uma verdadeira unidade ideológica e de ação. Não nos prender a fórmulas, mas ser intransigente com os princípios, fez das Tribunas um potencializador dos debates congressuais, que se refletiram na própria cena do XVII Congresso (Extraordinário).
As decisões do Congresso reafirmaram o rumo do processo da Reconstrução Revolucionária e as linhas políticas vencedoras no XVI Congresso foram ainda mais aprofundadas, apresentadas em bases mais científicas. Mas esse foi apenas o primeiro passo. A tarefa agora é estudarmos com clareza esses resultados e aplicá-los no dia a dia de nossa intervenção junto ao proletariado na luta de classes. Sem qualquer autoproclamação, podemos estar errados em diversos pontos. Mas tudo indica que damos um passo adiante firme, científico na mirada marxista-leninista, para a construção da revolução socialista no Brasil.
Continuidade e ruptura na consolidação do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário
O panorama traçado por essa tentativa de linha do tempo dos desafios do movimento comunista nos últimos trinta anos é, sem sombra de dúvida, muito incompleto. Não aponta diversos aspectos importantes, como o recrudescimento da política bélica dos EUA no começo do século XXI; os ciclos de lutas internacionais decorrentes da crise já no começo da década de 2010; uma análise mais pormenorizada do desenvolvimento chinês e russo, em particular, dado o papel de destaque que hoje desempenham ou buscam desempenhar na cadeia imperialista; entre outros aspectos. É uma tentativa que busca, no entanto, traçar algumas linhas-mestras para compreendermos o atual momento do MCI, em geral, e do movimento comunista no Brasil, em particular, com o foco dado no desenvolvimento do PCB até 2023 como desenvolvedor, em potencial, da linha política de vanguarda do proletariado brasileiro. Assim, o processo da cisão do velho PCB e consolidação do PCBR demonstra, também, algumas das potencialidades históricas a serem desenvolvidas pelo proletariado em nosso país.
O primeiro aspecto a se recuperar nesse ponto é justamente o debate sobre o novo momento do MCI e como alguns processos semelhantes (autocrítica estratégica, rompimento com a social-democracia, revisão do marxismo-leninismo pós-VII Congresso da IC etc.) retomaram ou buscaram retomar o vigor revolucionário de alguns PCs nos anos 1990 e no começo do século XXI. Usando a “taxonomia” do camarada Gabriel Landi em seu texto A Reconstrução Revolucionária e o XVI Congresso do PCB, a “via da Reconstrução Revolucionária” parece ser a forma vitoriosa de recuperação e reconstrução do legado histórico do MCI por aqueles PCs cujo desenvolvimento interno os levou a elaborar suas autocríticas e a se posicionarem novamente em defesa do marxismo-leninismo ortodoxo e da via revolucionária.
Enganam-se aqueles que crêem, portanto, que esse processo de Reconstrução Revolucionária ocorre “apenas” nos aspectos estratégicos (como muitos no velho PCB pensam), mas que deixam intactos a sua estrutura organizativa, seus métodos de trabalho, suas táticas etc. Recuperar o marxismo-leninismo em seu vigor revolucionário significa, também, recuperar os debates organizativos e táticos do bolchevismo. Significa, no limite, aderir a uma determinada concepção do marxismo que diz respeito à visão de mundo em sua totalidade, indo desde o debate sobre o materialismo e a consciência, até as aplicações mais minuciosas e precisas das táticas eleitorais. Isso significa, portanto, que criar uma nova fusão entre estratégia e organização, entre “o fora” e “o dentro” do Partido, entre o movimento espontâneo e a consciência: significa retomar o Partido de novo tipo, marxista-leninista.
Diferentemente de outras táticas de construção e reconstrução dos PCs que foram empreendidas por diversos militantes nas últimas décadas, entendemos que todo o processo da Reconstrução Revolucionária do PCB aponta para essa ruptura – uma ruptura com o etapismo presente nas formulações estratégicas do Partido por décadas; uma ruptura com o legado da Frente Popular dos anos 1930 e 1940 e do recuo estratégico da “coexistência pacífica” dos anos 1960; uma ruptura com o eurocomunismo, a desilusão, o liquidacionismo dos anos 1980 e 1990. Mas, ao mesmo tempo, uma ruptura que só é possível por causa da urgência histórica da retomada, da afirmação da continuidade da perspectiva comunista, e não de sua negação total. É esse o senso profundamente autocrítico da Reconstrução Revolucionária do PCB que nós nos negamos a abandonar.
Foi preciso, para a maioria do CC do velho PCB, abandonar esse mesmo legado. Com esses princípios levados a ferro e fogo, seria impossível uma reaproximação com os polos oportunistas do MCI, como foi feito nas participações na Plataforma Mundial Anti-Imperialista; seria impossível manter uma posição vacilante em relação ao governo burguês de Lula e Alckmin; seria impossível sustentar um federalismo organizativo em que vigoravam os chefes locais; seria impossível reforçar o burocratismo que podava as críticas, as iniciativas das bases e a correção de linha que é típica do marxismo-leninismo; seria impossível retomar a nostalgia acrítica do “pecebismo”, que se importa acima de tudo e em primeiro lugar com formas organizativas rígidas do Partido, em detrimento da rigidez na linha política. Ao produzir a cisão do PCB, a maioria do CC do velho PCB produziu um rearranjo de forças no movimento comunista brasileiro e resolveu, em patamar superior, uma contradição objetiva, que era o descompasso entre o projeto comunista da Reconstrução Revolucionária e o recuo oportunista e atemorizado com o avanço da extrema-direita defendido pelos pecebistas. O patamar superior é aquele que viemos apresentando desde a cisão: de um lado, ficou a Reconstrução Revolucionária do PCB, como processo histórico vivo; do outro, a cada vez mais carcomida estrutura do próprio PCB.
É por isso que foi relativamente fácil – em uma posição de ampla maioria – a conclusão a que chegou o XVII Congresso (Extraordinário) sobre o tema:
§12 Nós do PCBR reivindicamos o legado do PCB, comemorando suas vitórias históricas e buscando superar seus vícios, dando continuidade (em consonância com diversos PCs do mundo que fizeram a autocrítica de suas estratégias) ao processo de Reconstrução Revolucionária do Partido que se iniciou em 1992 e que foi colocado sob ameaça pelo próprio CC do PCB em sua proposta para o XVI Congresso. A decisão da maioria do CC de cindir o PCB foi uma reação contra o necessário aprofundamento da Reconstrução Revolucionária e a favor do giro à direita em sua política, afastando-se da estratégia socialista.
Não temos qualquer receio de afirmar em alto e bom som: o continuador da Reconstrução Revolucionária do PCB é o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário. Por isso mesmo, reivindicando desde o I até o XVI Congresso do PCB e todo o legado do movimento comunista brasileiro, optamos pela adoção do nome PCBR como forma de superar um estágio determinado desse processo de Reconstrução Revolucionária, e enquanto marchamos rumo ao que será o XVIII Congresso do PCBR, reivindicando também o Congresso cujas Resoluções aqui publicamos pelo que foi, em seu sentido político e histórico máximo: o XVII Congresso (Extraordinário) do Partido Comunista Brasileiro - Reconstrução Revolucionária.
O Partido Comunista bolchevique, através de suas muitas mudanças de nome, sempre referiu-se ao seu I Congresso como o Congresso de 1898 do Partido Operário Social-Democrata Russo. Isso não é a toa: longe de pensar que essa continuidade produz confusões, acreditamos, como os bolcheviques, que ela educa, tanto na apreensão de nossa trajetória, quanto na compreensão do próprio processo contraditório e sinuoso de construção, em conexão com as lutas de classes, de um verdadeiro partido revolucionário do proletariado.
Mas isso, é claro, também nos coloca uma tarefa histórica, que certamente não pode ser soterrada por qualquer ufanismo infantil ou autoproclamação: a tarefa de levar a cabo essa mesma Reconstrução Revolucionária. Não somos, obviamente, um partido “pronto”. Não somos, obviamente, a vanguarda do proletariado brasileiro. Ainda. É o processo de nos tornarmos vanguarda, nos tornarmos o partido do proletariado revolucionário no Brasil, que move o projeto comunista hoje. Esse será um trabalho intenso, complicado, extenuante até.
Mas apenas esse processo poderá render os frutos necessários para a Revolução Brasileira e a construção do socialismo-comunismo. O proletariado precisa de um partido de vanguarda. Nós temos condições de trabalhar para sê-lo. E isso as decisões de nosso Congresso apontam muito claramente.
Avançando para concepções mais científicas: Estratégia, táticas, Programa
Já no impulso autocrítico em relação a como levar, desde nossas discussões do XVII Congresso (Extraordinário), o Partido para concepções mais científicas, mais ortodoxas do ponto de vista marxista-leninista, alguns camaradas do então Comitê Nacional Provisório se puseram a revisar a bibliografia bolchevique sobre uma série de aspectos e fazer o esforço leninista de “consultar-se com” o legado histórico do movimento comunista para compreender, sem dogmatismo, mas aprendendo com o passado, como construir aspectos tão centrais para o Partido quanto o Programa.
No velho PCB, o Programa partidário era formulado de maneira completamente displicente. Se analisamos mesmo o XVI Congresso, no “Programa de Lutas”, não vemos senão uma série infindável de bandeiras a serem defendidas, muitas vezes misturadas com a forma do movimento que as deve defender, sem encadeamento lógico ou predominância de algum aspecto sobre o outro. Era um “self-service”, um “buffet” de bandeiras que poderiam ser escolhidas conforme o momento, a luta, a campanha – e mesmo nesses momentos, poderiam ser flexibilizadas, como na campanha ao governo do estado do RJ em 2022, em que o candidato do Partido entendia como “sem mediação” as defesas do Passe Livre e da estatização do transporte coletivo. Também não passou incólume a isso a UJC, que repetiu erro semelhante no IX Congresso Nacional: o Programa da UJC era nada menos do que 22 páginas de bandeiras, com alguns parágrafos explicativos. Para quê serviam esses programas? Para pouco, a bem da verdade. A cada luta concreta, milhares de novas bandeiras se impunham, pelo movimento espontâneo da luta de classes, e nos faziam ter que compreender quais seriam aquelas que nós buscaríamos utilizar e quais, inclusive, seriam novas, mas estariam corretas para aquela determinada luta.
Estudando a fundo o desenvolvimento do Programa dos bolcheviques, além de outros vários programas de PCs do polo marxista-leninista do MCI atual, pudemos ver alguns contrastes importantes. O primeiro, mais demarcado, é que o Programa para os bolcheviques não era pensado no sentido de um programa eleitoral, ou seja, de uma série de pautas a serem agitadas puramente para a inserção no parlamento; nem como um programa de lutas, isso é, de meras bandeiras a serem agitadas no curso das nossas intervenções no movimento de massas. O programa bolchevique era pensado, em primeiro lugar, como o documento pelo qual o conjunto da classe trabalhadora poderia vir a conhecer o Partido; ele apresentava, assim, minimamente uma análise da sociedade em que existia, em diferenciação com visões das demais correntes do movimento revolucionário (devemos sempre lembrar das polêmicas de Lênin contra os populistas russos), e qual era o projeto dos bolcheviques para sua revolução. Mas, em segundo lugar, o programa apresentava as medidas correspondentes aos interesses objetivos das classes em luta para aquela estratégia, medidas que deveriam ser arrancadas das mãos da burguesia com o sangue e luta dos trabalhadores e aplicadas concretamente na administração revolucionária com a tomada do poder.
O esforço de consolidação do Programa do PCBR conseguiu sintetizar esse mesmo fundamento para um novo tempo histórico. Afinal, quando montaram seu primeiro Programa, os bolcheviques (assim como toda a “esquerda” russa) compreendiam corretamente que viviam o momento ainda da estratégia democrática, de derrubada da autocracia czarista. Nós vivemos hoje o momento da estratégia socialista, em que não há mais interesses a conciliar nem sequer com a república burguesa em sua faceta mais democrática. Tampouco pode um Programa apresentar pautas “irrealizáveis”, contando com que, ao se colocar em luta para conquistá-las, o proletariado compreenda que não podem ser realizadas no capitalismo e, só assim, possa lutar contra o próprio capitalismo. Esse é um pensamento infantil, já combatido pelo próprio Marx nas polêmicas do movimento revolucionário alemão e francês. Os comunistas apresentam, sim, um programa plenamente realizável para o proletariado, inclusive demonstrando quais tarefas são realizáveis no terreno do capitalismo e quais não são – não por sua dificuldade, ou pela correlação de forças, mas pelas características estruturais do capitalismo, pelo império da propriedade privada dos meios de produção
É nesses termos que se apresenta o nosso Programa, que pode ser lido nas próximas páginas. É um programa que apresenta, de forma sucinta, mas completa, nossa visão sobre o PCBR e sobre o Brasil e sua revolução socialista. Apresenta, também, as medidas pelas quais combateremos ainda no capitalismo, compreendendo um desdobramento que deve ser bem definido: ele combina o programa mínimo do proletariado com o programa máximo das camadas pequeno-burguesas e autônomas exploradas e oprimidas – é sobre essa aliança social, sob hegemonia do proletariado, que baseamos nossa visão estratégica. Ao fim, apresenta também um conjunto de medidas imediatas a serem realizadas pelo proletariado quando da tomada do poder – tanto no sentido de que serão as fundamentais para a reorganização socialista da sociedade, quanto no sentido de que permitirão uma resistência a contento contra um possível processo contrarrevolucionário.
Essa concepção programática, mais científica e menos displicente, baseia-se inteiramente na compreensão da Estratégia Socialista, ou seja, no fato de que o PCBR compreende que não há etapa intermediária entre o capitalismo brasileiro e o socialismo; que não há, portanto, nenhum tipo de unidade a ser feita com os capitalistas por algum amálgama de “interesses comuns” que alegam haver entre ambas classes. Também essa concepção científica sobre a realidade brasileira implica uma outra conclusão: de que são apenas os interesses objetivos do proletariado que poderão levar a Revolução Brasileira à vitória, isso é, ao socialismo – e que, nessa medida, todas as táticas do Partido, inclusive para o trabalho entre camadas não-proletárias, deve ter em vista um Programa que aponte em que medida são possíveis as unidades entre o proletariado e as camadas trabalhadoras não-proletárias.
É a partir dessa concepção que desdobramos o conjunto das táticas apontadas em nossas Resoluções de Estratégia e Táticas. Em vez de inserções gelatinosas e movimentistas, a espinha dorsal da construção do PCBR será, a partir de agora, o trabalho no seio do proletariado, buscando compreender e intervir de forma vigorosa e cada vez mais numerosa no movimento sindical e operário. Esse princípio do trabalho comunista, que não se deixa mistificar simplesmente por uma “atuação entre os pobres”, levou o Partido a definições também mais científicas sobre quais setores da produção são predominantes hoje no capitalismo brasileiro, compreendendo a importância estratégica dos trabalhadores desses setores e ramos no processo revolucionário. Serão nossa prioridade absoluta. Todos os demais trabalhos partidários, nas mais diversas camadas exploradas e oprimidas do país, terão essa finalidade como alvo, do ponto de vista da inserção orgânica: o trabalho nos setores estratégicos do proletariado.
Só assim, compreendemos, poderá o PCBR verdadeiramente criar as conexões no seio do proletariado de que tanto precisamos, num esforço hercúleo de verdadeira reconstrução, em diversos lugares, de um movimento sindical pujante, conectado com as bases, combativo e que possa, nos momentos de grandes lutas políticas, cerrar fileiras ombro a ombro, com o Partido desempenhando papel de sua vanguarda.
O partido marxista-leninista: nosso Estatuto, centralismo democrático, profissionalização
Não estaria completa a discussão de um Partido Comunista se não decorresse de sua visão estratégica e das táticas toda a compreensão sobre sua organização. Compreender a visão marxista-leninista sobre o desenvolvimento capitalista e as tarefas a serem desempenhadas pelo proletariado no sentido de sua emancipação leva necessariamente a conclusões organizativas. Não é à toa que toda a parte inicial de Que fazer?, obra fundamental de Lênin sobre a questão de organização do Partido, centra-se em debater o problema da consciência de classe, da teoria revolucionária e da estratégia do Partido. Qualquer tentativa de fazer o contrário acaba por resultar, por um lado, em dogmatismo e burocratismo, quando as formas partidárias passam a decorrer não de decisões conscientemente desdobradas da linha política, mas da manutenção de formas já aplicadas e consagradas para momentos específicos da luta de classes (o que era bem comum no velho PCB); ou, por outro lado, em liberalismo e liquidacionismo, quando as mudanças necessárias nas formas de organização do Partido começam a servir-se simplesmente das ideias de um ou outro dirigente, de um ou outro militante, sem levar em consideração as necessidades objetivas de determinadas formas políticas.
A essas conclusões chegou o PCBR no XVII Congresso (Extraordinário). O primeiro aspecto, o mais imediato aspecto, apreendido pelo conjunto da militância desde o princípio do processo congressual tinha a ver com a concepção marxista-leninista sobre o centralismo democrático. Esse é um tema bastante polêmico entre os comunistas do mundo todo, como já mencionamos, e a nossa atual concepção do centralismo democrático vem em busca de recuperar o legado leninista e vê-lo não como método estático, atemporal e a-histórico, mas como ferramenta para uma luta: a luta por uma linha verdadeiramente revolucionária. Todo o debate aberto, ainda em 2021, com a publicação de O Centralismo Democrático de Lênin, coletânea de textos e traduções inéditos ou reeditados de Lênin sobre o tema, foi tomando forma concreta no processo de nosso congresso e vai tomar ainda outra forma agora no Partido consolidado. É claro que diversos excessos foram cometidos também nesse sentido: o rompimento de amarras de um PCB que vinha se burocratizando e dogmatizando suas formas de debate (com uma clara finalidade política e ideológica) cria, como se diz, uma necessidade de “curvar a vara”, de experimentar as potencialidades e os limites de um método de trabalho diametralmente oposto. Certamente ainda teremos muitas formulações sobre isso e, por melhor ou pior que seja o balanço, o importante foi que nenhum dogma deixou nosso Partido paralisado. Ao contrário, pudemos ver as expressões mais legítimas e ilegítimas do pensamento marxista-leninista aparecem em nossa Tribuna de Debates congressual – e isso já enriquece nosso Congresso como poucos congressos anteriores a ele.
Se podemos, no entanto, claramente perceber que a questão do centralismo democrático foi a questão mais imediatamente apreendida em termos da nossa política organizativa, também temos que reconhecer que o Congresso aprovou muitos outros temas, inclusive mais centrais, para resgatar e aprofundar a Reconstrução Revolucionária.
O primeiro deles foi avançar muito claramente na concepção de Partido no que diz respeito à legalidade, o que se expressa em nosso Estatuto. Em vez do Estatuto do velho PCB, recheado de ritos burocráticos e atravessado por exigências da legislação eleitoral, pudemos diferenciar claramente as facetas possivelmente legais das outras tarefas de nosso Partido ao elaborar um Estatuto de um Partido militante – um Estatuto que regule no mínimo necessário as relações entre militantes e organismos e que não desperdice seu tempo criando dezenas ou centenas de artigos, parágrafos e incisos sobre direitos e deveres; formas de “processar disciplinarmente” os militantes; ou como deve ser a composição de tal ou qual organismo dirigente. Não é um documento que presta contas ao “juridiquês”, mas ao funcionamento de um Partido de combate, com regras simples e claras. Isso falando apenas do ponto de vista da forma. Mas no conteúdo também nosso Estatuto revela um avanço em relação ao velho PCB – um avanço que já havia sido conquistado no IX Congresso da UJC (!), mesmo tendo sido vetado depois, burocraticamente, pelo CC do PCB – que é sobre os organismos e os militantes. Superando uma concepção basista e autoenganadora sobre o pertencimento de todos os militantes a organismos de base (células), nosso Estatuto agora reconhece o óbvio: cada militante deve cumprir tarefas para o Partido e cumpri-las no organismo em que for mais necessitada sua presença. Novamente, temos aí um verdadeiro combate entre uma forma dogmática e uma forma prática de pensar os militantes e os organismos do Partido. Qualquer semelhança com a proposta de Lênin do 1º Artigo do Estatuto do POSDR não é mera coincidência.
Um segundo tema, totalmente correlacionado à resgatada concepção marxista-leninista de Partido, é o do combate intenso e constante aos métodos artesanais no seio do PCBR. Novamente, qualquer um que pense que esse tema organizativo não se apoia em concepções políticas vai perder o fio da discussão muito rapidamente, na medida em que o combate às formas artesanais, locais, federalistas de trabalho é também o combate por um Partido para toda a classe; não um partido “de cada sindicato, de cada estado, de cada cidade”, mas um partido dirigente do proletariado na luta de classes. E foi nesse sentido que nosso Congresso apontou em diversos temas – indo desde o combate ao federalismo na nova forma de organizar os comitês do Partido em Comitês Locais, até a máxima centralização e coordenação nas finanças. Mas nenhuma dessas formas estaria completa sem a visão da questão central, a do jornal.
O PCBR decidiu, em consonância com a teoria marxista-leninista, pela construção absolutamente prioritária de um jornal político para todo o país. Isso não significa, obviamente, que se trata “apenas” de um jornal em si, mas da consideração da centralização da agitação e da propaganda, da coordenação de uma agitação nas ruas e uma agitação nas redes, de uma propaganda presencial e virtual – todas as formas comunicativas do Partido sendo expressões de um único organizador coletivo, nosso Órgão Central, o jornal O Futuro. É com esse instrumento que buscaremos organizar a luta dos trabalhadores em todos os lugares do Brasil (e também fora do Brasil) de um espírito de classe (em detrimento do caráter particularista e corporativista), um espírito de luta pela hegemonia do proletariado. Será a nossa ferramenta para unir a luta teórica, econômica e política a cada passo que dermos no combate à burguesia e ao oportunismo.
O significado histórico da consolidação do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário
E a primeira pergunta que se põe é esta: como se mantém a disciplina do partido revolucionário do proletariado? Como se comprova? Como se reforça?
[Vladimir Lênin, Esquerdismo, doença infantil do comunismo, 1920]
O XVII Congresso (Extraordinário) cumpriu um papel muito importante no desenvolvimento do movimento comunista brasileiro. Em primeiro lugar, porque resolveu em um patamar superior as contradições internas do velho PCB, separando concepções estratégicas e ideológicas completamente distintas em duas organizações – uma que mantém o registro eleitoral e o nome adotado desde 1960, dando passos atrás na sua autodefinição política acumulada desde 1992 e aplicando na prática um apego puramente simbólico, nostálgico e autoproclamatório a que se convencionou chamar de “pecebismo”; e outra, que dá consequência à Reconstrução Revolucionária, aprofundando-a em seu resgate do marxismo-leninismo e olhando autocriticamente para o conjunto da história do MCI. Apenas por esse único fato, poderíamos dizer que esse Congresso redefiniu as fronteiras políticas internas ao movimento dos trabalhadores no Brasil e que essa definição mais apurada permite sempre um avanço de consciência de determinados setores da vanguarda.
Mas a consolidação do PCBR, síntese final do Congresso, tem um significado histórico mais amplo – ou, melhor dizendo, é parte de um processo histórico mais amplo e toma parte nesse processo de maneira mais autoconsciente. Esse processo histórico é o desenvolvimento concreto das expressões potenciais de vanguarda do proletariado internacional, os Partidos Comunistas, no período contrarrevolucionário em que vivemos, desde a dissolução da União Soviética. As novas expressões do capitalismo-imperialismo no começo da queda da hegemonia dos EUA e no cenário de ampla ascensão de um polo em disputa com eles no sistema imperialista, combinadas com o desenvolvimento de gerações de militantes que não foram vítimas diretas do impacto ideológico do fim da URSS e veem esse processo não como uma tragédia insuperável, mas como uma fonte de análises para construir um novo período de vitórias, têm sido aproveitadas como fatores de uma renovação política no Movimento Comunista Internacional que, diferente de outras tentativas de renová-lo (trotskismo, maoísmo, eurocomunismo etc.), retorna ao pensamento de Lênin com rigor científico e necessidade de conversão da teoria em movimento organizado.
Inserido nesse processo, e como parte importante dele, o PCBR tem hoje esse significado político: um dos elementos dinâmicos no processo de desenvolvimento de um polo marxista-leninista no seio do MCI.
Não devemos, é óbvio, ver isso como o fim de uma trajetória, mas como um ajuste de rumos no nosso caminho – caminho cujo objetivo é o socialismo-comunismo. Isso, mesmo no nosso Partido, ainda não está feito. É uma tarefa a ser feita, a tarefa de aprofundar a Reconstrução Revolucionária, de avançar na formulação marxista-leninista e, principalmente, no trabalho de massas. Para fazer com que esse significado histórico atual, também ele, tome uma forma superior, o PCBR não pode se contentar com o que conquistou em termos teóricos e muito menos com o nível de conexão e trabalho entre as massas. Se o desenvolvimento teórico do marxismo-leninismo for usado como pretexto para o afastamento das massas proletárias, estaremos enterrando a Reconstrução Revolucionária e legando para um futuro absolutamente distante o desenvolvimento do movimento revolucionário do proletariado. Se, ao contrário disso, seguirmos a ferro e fogo nossas resoluções de Estratégia e Táticas, priorizando o trabalho de conexão com os setores estratégicos do proletariado, amplificando ao máximo nossa agitação e nossa propaganda e não tolerando entre nós qualquer sinal de amadorismo e imobilismo, estaremos no caminho certo para desenvolver o partido revolucionário de vanguarda do proletariado brasileiro.
Isso cabe a nós.