'Precisamos ter, também, um movimento de massas, para organizar e educar a classe na disciplina revolucionária' (Filipe Bezerra)

Por Filipe Bezerra para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

(Uma análise baseada na perspectiva de quem está inserido nos movimentos sociais/populares, mais especificamente, na luta por Moradia)

Por vários percalços, demorei para poder escrever uma contribuição que sintetizasse a realidade concreta da luta por moradia, bem como do movimento social e popular, aquele que está, necessariamente, ‘junto e misturado’ com a parcela mais precarizada e explorada da classe trabalhadora.

Essa demora se dá pelo fato de que não temos, ainda, uma organicidade dentro da esquerda revolucionária que proporcione condições materiais para que, coletivamente, possamos formular sobre o território e as lutas em que travamos. É importante salientar aqui, que nenhuma contribuição é possível de ser feita individualmente, seja da perspectiva, propriamente dita, de por a mão na massa e introduzir aquilo que observamos e construímos no dia a dia, de maneira dialética, ou da perspectiva deste próprio acúmulo, intelectual, pensante, que foi e é construído via interrelação social de todos os sujeitos que fazem parte do processo, desde o Adenilson, morador da ocupação Carlos Marighella, operario e camarada, até mesmo os camaradas que irão introduzir este texto na plataforma de tribunas. Todo trabalho é coletivo.

Sem mais enrolação, quero ser objetivo dentro deste texto, pelo menos assim eu espero. Estamos há 2 anos inseridos 24 horas por dia na experiência da Marighella, o que é exaustivo, mas que possibilita observar e traçar formas de nos organizarmos enquanto  classe, difundindo as ideias comunistas e plantando o desejo da Revolução Socialista.  Pela Marighella passaram mais de 700 famílias, que de certa forma foram influenciadas pela nossa política, pela nossa moral e valores comunistas, pela nossa compreensão de mundo, de lutar contra a exploração do homem pelo homem, que se contagiaram com essa fúria que tentam reprimir , mas que existe dentro de nós. Aqui cabe lembrar que nosso papel é canalizar essa indignação, essa revolta, essa chama de insurreição.

Já imaginando este cenário, a célula da qual eu faço parte, Dirce Machado, de movimentos sociais, colocou como objetivo, construir um comitê de base da Unidade Classista com os companheiros que ali estavam ocupando e lutando em busca de uma moradia. Decisão acertada, pois essa luta não pode ter um fim em si mesma, tendo como objetivo final a conquista apenas da moradia – é necessário que entendamos que essa luta é parte do caminho, ou seja, uma tática, para atingir a estratégia (a revolução socialista), e para isso, consequentemente, temos que organizar e formar a nossa classe, nos formar.

Pois bem, passado 2 meses, estava formado o Comitê de Base de Luta por Moradia da UC, com, inicialmente, 25 militantes, dos quais, 21 eram moradoras e moradores da Ocupação. Iniciamos um processo de formação política, teórico e de prática política desses camaradas, para que eles fossem replicadores, propagandistas e agitadores da organização e da luta da classe trabalhadora, mas, como  era já esperado, nós não conseguimos cumprir com esta tarefa de maneira como queríamos , que trouxesse avanço político e organizativa para este tempo histórico, pois a falta de acúmulo, experiência, e vontade ( ou a presença de uma linha política pelega do grupo dominante)  do PCB velho, simplesmente ignorou a importância deste processo, e não prestou nenhum suporte, seja político ou financeiro, deixando este comitê, engessado a política da UC, que não tem nenhuma condição de conduzir processos como a luta por moradia, pois está engessado no movimento (de disputa) sindical (de sindicato), o que para mim é uma incompreensão do que de fato é o movimento sindicalista e qual a sua função tática dentro do processo pré revolucionário.

Ocorreu que, passaram muitos trabalhadores com sede e gana de lutar coletivamente, mas a nossa estrutura, medíocre, não permitiu com que a gente organizasse esta massa num instrumento que de fato cumprisse tal função. Cabe pontuar aqui que, além do que já foi citado, houve uma clara essência do centralismo democrático de Lênin, que tem por objetivo mover a ferramenta, com todas suas forças diante de uma conjuntura e realidade de acirramento que trará saltos políticos e organizativos importantíssimos  para o fortalecimento da classe trabalhadora, naquele determinado território, no seu tempo histórico e na sua realidade concreta. Parece algo fantasioso o que eu coloco aqui, mas não é, pois reparem, no planejamento da direção Estadual, a nossa inserção no território de Palhoça, grande Florianópolis, se daria em 5 anos, porém, com a ação que culminou na Marighella, conseguimos essa inserção em 9 meses, e que poderia estar muito mais fortalecida e consolidada hoje, se a direção entendesse a importância do processo e utilizasse a ferramenta naquele momento de maneira sólida e em prol de um objetivo.

O que eu quero dizer com toda essa explanação, é que o formato e o método  de inserção e o trabalho da nossa célula, nas camadas mais precarizadas da classe trabalhadora, proporcionou e proporciona com que a nossa linha política se insira, capilarize e se enraize cada vez mais no seio da classe trabalhadora, em seus diversos setores, dando a possibilidade de um verdadeiro e possível rebuliço na correlação de forças da luta de classes.

Estamos falando dos Comunistas entrando em todas as comunidades e conversando com os operários do município, sobre Comunismo, revolução, exploração da força de trabalho, luta de classes, usando foice e martelo, sem esconder o que defendemos, ou seja, organizando a indignação da nossa classe, ao ponto de os evangélicos se chamarem de camarada ( por entender o significado da palavra) ou até mesmo as crianças dentro de casa pedirem assembleia para poder ter o direito de fala, antes de serem castigado pelos seus pais. Parece brincadeira, algo besta, insignificante, né? Mas não é. É a partir deste processo, se pintando de povo, como dizia o camarada Ernesto, de organizar a nossa classe, que 5 moradores da Ocupação, trabalhadores da JBS, paralisaram o setor de abate em um dia, e na outra semana estavam encabeçando a primeira greve da fábrica da JBS de São José/SC. Mobilizando uma categoria inteira, e assim, eles mesmos, sendo sujeitos da batalha pela sua emancipação. Nesta greve, conseguimos ser referência para a categoria, onde os trabalhadores pediam orientação para nós, em vez do líder sindical, pelego, fazendo com que a gente tomasse, na medida do possível, as rédeas da GREVE, mesmo sem dirigir o sindicato ( isso é o que eu entendo por sindicalismo, organizando a classe em torno da sua categoria e local de trabalho, mas obviamente, não estou negando a importância de disputamos a entidade). Foram mais de 50 trabalhadores, que estiveram e ainda estão em contato conosco depois daquela greve, pedindo orientação, questionando sobre a exploração diabólica deste sistema. Mas eu pergunto a vocês, camaradas, onde nós iremos alocar esses trabalhadores? Em qual ferramenta iremos inserir esses companheiros para organizar a sua revolta e marchar com a gente, ombro a ombro pela revolução? Vários destes foram demitidos ou foram submetidos a outras formas de vender a sua força de trabalho, isso tudo sem alternativa para busca da emancipação, pois sozinho, só lhe restará o sentimento de impotência e serventia eterna. E o nosso árduo trabalho de tentar organizá-los, contribuir no processo de consciência  coletiva, resultou em que?  A resposta é clara, nem 1% do que poderíamos ter conquistado. Quase nada de saldo político,  de saldo organizativo, de acúmulo de força. Reparem, foram mais de 700 famílias que passaram pela Marighella, mais de 300 trabalhadores na greve, mais de 150 morando na ocupação, mais umas dúzias do bairro que olham o trabalho e querem contribuir de alguma forma. Volto a questionar vocês, camaradas, onde nós iremos organizar essa massa, que vai cumprir uma tarefa fundamental no processo da luta de classes? A tarefa de agitar, propagandear e enfrentar, com muita consciência, na linha de frente a opressão do Estado? (Eles serão linha de frente não porque nós iremos manobrar para isso, serão pois essa parcela da classe não tem nada a perder, a não ser os grilhões e sente a necessidade de reparação, de “justiça”)

Finalizando, trago uma proposta, que ao meu ver, nesses 12 anos de luta por moradia, movimento popular, acredito ser adequada. A luta por moradia não é apenas para garantir uma casa, assim como outros movimentos fazem e nós criticamos, a luta por moradia é pra conquistar território, se inserir nos locais de trabalho (ex.: a JBS) e organizar a classe pra que esta possa avançar pesadona, atropelando a burguesia e o Estado burguês. Por isso proponho que nós tenhamos um movimento que possa servir de ferramenta para esses trabalhadores, que seja a esperança de que dias melhores virão. Devemos criar a ferramenta, mas também criar condições para que ela funcione, com direcionamento político, mas com liberdade de ação, sem burocracias e derrotismo, que a classe se sinta dona dela. Precisamos de uma ferramenta que possa correr de norte a sul como alternativa de enfrentar as mazelas do capital, mas que não discuta só reivindicações pontuais de forma isolada, mas que possa trazer intersecção das lutas, de maneira dialética, que possa ser formada pelos trabalhadores , mas que também seja ferramenta de formação daqueles que a constroem. Que ela apresente um novo mundo, uma nova forma de enxergar as relações sociais, que possa instigar o pensamento crítico, possibilitando enxergar a relação da questão de moradia com trabalho, de educação com saúde, da cultura com o direito à cidade, pois esta ferramenta, nestes moldes apresentado, vai possibilitar a insaciável vontade de lutar para que possamos conseguir tudo, absolutamente tudo que nos é de direito. Que possamos conquistar territórios e avançar para uma postura dentro da luta de classes não mais reativa, mas sim de AÇÃO, onde nós iremos determinar os rumos da nossa sociedade, o rumo das nossas próprias vidas.

Esse movimento pode se chamar como for, pois não será o nome que vai reger a caminhada, mas sim a compreensão de que precisamos de uma vez por todas, mostrar para nós, a classe trabalhadora, um mundo fora da caixa, e todas as suas relações dialéticas que influenciam na nossa condição de vida. Um movimento que debata Terra, e como nós relacionamos com ela, que debata o Trabalho e como ele nos torna diferentes de outros seres, e que debata Teto, pois esse é o que dá a possibilidade de construir territórios e relações de identidade e consciência de classe. Nessas três frentes de luta, encontraremos a luta pela saúde, soberania alimentar e energética, da relação de exploração do trabalho, educação, segurança, cultura, combate às opressões, liberdade religiosa, enfim.

E para isso , se fará necessário uma política firme, uma disciplina organizativa jamais vista por nós, e uma direção revolucionária para garantir que o seu papel seja cumprido.

NÃO HÁ TEMPO PARA TEMER, CAMARADAS.  O MEDO DÁ ORIGEM AO MAL, O HOMEM COLETIVO SENTE A NECESSIDADE DE LUTAR!