'Precisamos nos preparar para a conquista dos territórios! Desde já!' (L. Queen)

Precisamos desde já construir as bases para o controle dos territórios e da produção no nosso país. Isso não significa tomar em armas e empreender uma guerra revolucionária imediatamente, mas começar desde já, enquanto acumulamos forças, a estabelecer nossos territórios.

'Precisamos nos preparar para a conquista dos territórios! Desde já!' (L. Queen)
"Precisamos desde já começar um processo de ocupação rural e urbana no sentido de organizar o povo trabalhador, mas também no sentido de produzir."

Por L. Queen para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Camaradas, fiquei muito feliz com o lançamento da tribuna 'Qual o papel dos comunistas na luta pela terra e por território e por que nos recusamos a assumi-lo' pele camarada Veva e da tribuna 'Caminhos da revolução brasileira: aliança operária-camponesa' de camarada L. Gonçalves por trazerem a questão da terra para discussão – embora discorde radicalmente da leitura desta última tribuna. A questão agrária é uma das contradições históricas mais profundas que o nosso país possui e até agora está sem solução. Uma solução que só pode vir da revolução socialista no caso do Brasil, dado o caráter dependente do capitalismo brasileiro.

A reforma agrária é uma das tarefas da Revolução Brasileira – da mesma forma que o foi em todas as demais revoluções socialistas no mundo, como bem documenta os diversos artigos presentes no livro Experiências Históricas de Reforma Agrária no Mundo¸ organizado pelo João Pedro Stédile. Na China, por exemplo, a reforma agrária foi quase que um procedimento comum que o Partido Comunista usou ao longo dos 74 anos de história da RPC para resolver diversas crises, alimentares, políticas e/ou econômicas.

Assim como e camarada Veva, acho francamente inaceitável que nosso Partido não dê a devida atenção à questão do campo. Durante a etapa estadual do IX CNUJC em SP realizei críticas enfáticas no meu GD à falta de resoluções sobre o campo. Absolutamente nenhuma resolução versava sobre o campo profundamente. Minha sugestão foi indicar que precisávamos estudar o tema até porque eu, à época e ainda hoje (embora um pouco menos), não tinha conhecimentos teóricos profundos sobre o tema.

Outra coisa que as duas tribunas supracitadas mencionam, e que tenho acordo, é que a contradição campo-cidade é muito mal trabalhada pelo nosso Partido, lidando com ela de forma muito mecânica, além de desconsiderar a gigantesca diferença entre as realidades nacionais. Simples, o campo no interior de SP, perto de Campinas ou Piracicaba, é radicalmente distinto do campo em Rondônia. As contradições são distintas, as relações de produção por vezes também. Meu núcleo da UJC, o núcleo Unicamp, atua junto aos camaradas do MST no Acampamento Marielle Vive, que tomaremos de exemplo.

O Marielle Vive é considerado um acampamento rural, mas que fica à cerca de 40 minutos de Campinas, um centro urbano com mais de 1 milhão de habitantes. Os moradores do acampamento produzem suas comidas em seus terrenos próprios, mas também coletivamente através da horta mandala, em que os moradores destacados para as tarefas de produção se revezam para cuidar da horta. O produto dessa horta é vendido no Armazém do Campo em Campinas ou outros lugares – além de ser usado pelos moradores para a cozinha comunitária. Muitos dos moradores do acampamento, contudo, não são camponeses. Muitos são proletariados urbanos que vivem no acampamento – seja pelo baixo custo de vida, pelas melhores condições, pela sociabilidade, etc. Há pessoas que trabalham no setor de eletricidade, construção, etc.

Outra questão: o acampamento Marielle é também um entrave à urbanização do município que ocupa, Valinhos (ou pelo menos ao tipo específico de urbanização que o município pretende como projeto). Isso se dá porque o acampamento está localizado num terreno de uma antiga granja nos arredores de Valinhos, numa região que cresceu com a especulação imobiliária e conta com inúmeros condomínios de luxo ao redor. É curioso que, indo a caminho do acampamento, se veja muitos condomínios chiques até chegar ao acampamento, que parece ser o entrave final do crescimento da especulação imobiliária.

O próprio terreno é propriedade da Eldorado Investimentos Imobiliários[1], que contava com uma única cabeça de gado à época de sua ocupação. Portanto, aqui vemos uma situação complicada para se distinguir campo e cidade mecanicamente. Esse debate precisa ser feito. Não quero aqui neste texto, contudo, me debruçar sobre isso de maneira direta, mas pretendo escrever um adendo principalmente à tribuna de camarada Veva – já que tenho acordo completo com tudo que foi escrito pele camarada.

E camarada levantou a bola, me resta cortar o saque, vou falar sobre territórios e Poder Popular. Comecei falando do Marielle Vive porque lá foi onde eu aprendi na prática o que significa Poder Popular – ou pelo menos uma de suas facetas. Ao se chegar perto do acampamento a primeira coisa que se encontra é uma portaria fechada, cuidada e vigiada pelos próprios moradores. Os moradores possuem escalas para participar da segurança da portaria e estão munidos de walkie-talkies para conversar entre si (provavelmente com outros camaradas fazendo outras tarefas pelo acampamento).

Lá no acampamento, através do Coletivo Dínamo de Engenharia Popular e do MUP, o núcleo UJC/Unicamp se faz presente. Construímos ao longo dos últimos anos uma relação muito fraterna com o acampamento, mas também construímos (literalmente) um filtro de minhocas para a cozinha comunitária deles (que inclusive foi parte da construção dessa relação fraterna). Ao término da construção desse filtro, que se deu com um mutirão, realizamos uma confraternização com os moradores, onde pudemos conversar mais abertamente com os camaradas do MST, além de beber, cantar karaokê, etc.

Em conversas com os camaradas do acampamento, um dos relatos que mais impressionou aquele dia foi o relato a respeito da portaria do acampamento. Este camarada com quem conversava disse enfaticamente que a polícia era proibida de entrar no acampamento e que eles mesmos (a polícia) sabiam disso. Ele me contou que sempre que a polícia chega ao local pedindo para entrar, seja lá qual o motivo, a segurança da portaria não permite. Os moradores exigem saber qual o motivo e, se for alguém específico, eles levam a pessoa envolvida até a portaria. Se for alguma coisa como, por exemplo, um possível carro roubado, os moradores escoltam um dos policiais até o suposto carro e apenas se eles tiverem um mandato (sem permitir que eles entrem de carro no acampamento). Ou seja, existe uma restrição à ação da polícia nesse espaço e essa restrição é única e exclusivamente resultado de um controle daquele território por parte dos moradores. E esse controle é feito principalmente através de organização das massas e da formação política. Se há elementos como armas eu não sei (e não diria se soubesse), mas não há nada visível. Ou seja, pelo menos no sentido da coerção ao Estado Burguês, as armas não estão imediatamente colocadas.

Existe um limite não muito bem definido, tensionado, entre o Poder Popular que germina ali no acampamento e o Poder Burguês.

Outro relato interessante é a respeito das questões de gênero. Primeiramente o acampamento se organiza em núcleos de base (como todo acampamento do MST), coordenados por um homem e uma mulher (a paridade de gênero é uma obrigação). Eles conduzem reuniões dos NBs para organizar a vida local, a produção local, as exigências dos moradores, encontrar soluções para problemas comuns, etc. Dentre estes problemas, às vezes se encontra a questão da violência familiar. Isso não passa em branco no acampamento – violência familiar e violências de qualquer tipo não são toleradas e os próprios moradores tem uma política de segurança muito rígida para lidar com isso. Qualquer pessoa que cause os mesmos problemas no acampamento por três vezes seguidas é expulsa. Os moradores dizem que a cada vez que o problema se repete a conversa vai diminuindo de tempo: na primeira vez conversam por uma hora sobre porque a pessoal não deve fazer o que fez, as implicações disso e a política do acampamento de não aceitar esse tipo de comportamento; na segunda vez a conversa dura vinte minutos e é para alertar a pessoa a não fazer a mesma coisa de novo; na terceira vez a conversa dura cinco minutos e serve para informar a pessoa que ela precisa buscar seus pertences e sair do acampamento dentro de um período de tempo. Isso serve inclusive para não atrair a atenção da polícia burguesa – por isso mesmo o tráfico de drogas é também proibido.

Não estou necessariamente expressando acordo aqui com todas estas visões, o que eu quero apontar é que há uma situação dual no acampamento: ao mesmo tempo que internamente o poder é exercido pelos moradores, até mesmo chegando a impor limites (mesmo que parcos e não muito sólidos) ao poder burguês, há também uma pressão vinda de fora, deste poder burguês. É a dualidade de poderes expressando seus conflitos.

Para além disso, o Poder Popular presente no acampamento se manifesta na possibilidade que os trabalhadores e camponeses ali tem de sustentar aquela vida, até mesmo de fornecer uma vida mais digna para quem mora ali dentro do que seria a vida fora dali, conforme me relatou outro morador no mesmo dia do mutirão. Esse camarada disse algo que me impactou: muitas pessoas procuram o MST porque não tem casa nem comida, e que, apesar das dificuldades, ali no acampamento isso não falta. Pudemos ver isso todas as vezes que estivemos no espaço: comida não falta. Comemos no almoço na cozinha comunitária, nas confraternizações (como na festa junina desse ano) o acampamento também tem o costume de compartilhar comida. Também já nos ofereceram espaço para passar a noite no local mais de uma vez quando necessário.

Aqui quero fazer coro ae camarada Veva quando elu diz sobre a questão alimentar: a fome no Brasil só pode ser solucionada com a solução das contradições da terra. Os comunistas precisam se fazer presente na terra e produzir comida para alimentar o povo na cidade! Precisamos desde já começar um processo de ocupação rural e urbana no sentido de organizar o povo trabalhador, mas também no sentido de produzir.

Este é outro aspecto que frequentemente deixamos de fora ao falarmos do Poder Popular, que é a característica econômica dele. O Poder Popular precisa ter capacidade econômica de se sustentar e o MST mostra um impressionante trabalho neste sentido, tendo construído inúmeras cooperativas rurais, pequenas indústrias e até mesmo uma escola de quadros (veja mais em https://mst.org.br/2020/01/24/conheca-a-escola-nacional-florestan-fernandes-ha-15-anos-formando-militantes/). Tudo isso sustentado com produção própria.

Vejamos este trecho que Mao Zedong escreveu em janeiro de 1934, isto é, mais de uma década antes da proclamação da RPC:

Os camaradas leram certamente o folheto que vos foi distribuído sobre as duas circunscrições exemplares. Nelas, a situação é completamente diferente. Que importantes não são as contribuições dadas ao Exército Vermelho pelas circunscrições de Tchancam(1), na província de Quiansi, e Tsaici(2), na província de Fuquien! Na circunscrição de Tchancam, 80% da juventude e dos homens e mulheres de idade madura ingressou nas fileiras do Exército Vermelho, e, na de Tsaici, 88%. A venda de títulos de dívida pública alcançou igualmente um grande sucesso, tendo sido arrecadados 4.500 yuan em Tchancam, circunscrição que conta com uma população de 1.500 habitantes. E obtiveram-se também muito bons resultados noutros sectores do trabalho. Como explicar tal situação? Alguns exemplos far-nos-ão entender. Quando um incêndio destruiu um dos quartos e parte doutro da casa de um camponês pobre da circunscrição de Tchancam, o governo local procedeu a uma colecta entre a população, para acudir ao infortunado. Como três moradores da circunscrição não tivessem meios de subsistência, foram imediatamente socorridos com arroz recolhido pelo respectivo governo e associação de ajuda mútua. Como se tivesse verificado uma falta de cereais no Verão do ano passado, o governo de Tchancam agiu no sentido de fazer vir arroz do distrito de Cunlue(3), que está situado a mais de duzentos lis, prestando assim uma ajuda às massas. Diligências semelhantes foram igualmente feitas com êxito na circunscrição de Tsaici. Esses governos são efectivamente exemplares. Os seus métodos de direcção distinguem-se radicalmente dos métodos burocráticos do governo municipal de Tindjou. Há que aprender com as circunscrições de Tchancam e Tsaici e lutar contra as direcções burocráticas como a de Tindjou!

Ou seja, podemos ver neste trecho que 15 anos antes de o que chamamos de Revolução Chinesa acontecer, o governo revolucionário já governava, produzia e organizava a vida social no campo! Já havia territórios sob o poder do PCCh e lá a produção já era organizada pelo partido.

A Revolução Russa ocorreu de modo distinto. Apesar de considerarmos sua data da consolidação o ano de 1917, pois foi quando o governo Czarista foi efetivamente deposto, a resistência no campo aconteceu nos anos seguintes e os territórios tiveram que ser tomados durante o que costumou-se chamar de guerra civil e, aos poucos, o poder proletário foi estabelecido na Rússia toda. Os conflitos no campo entre o Partido e a burguesia rural continuaram acontecendo ainda durante o período da industrialização, ali nos anos 30, quando há relatos de kulaks ateando fogo nos próprios animais e coisas do tipo para atrapalhar os trabalhos do Partido e colocar os camponeses pobres contra os operários.

No caso da Revolução Russa, o controle da economia começou pela cidade e depois se direcionou ao campo – processo que parece ter sido o inverso na Revolução Chinesa.

Além disso, a ruína econômica já começou abarcando uma série de ramos. Só se pode lutar com êxito contra a ruína econômica elevando ao máximo a tensão das forças do povo e adotando diversas medidas revolucionárias imediatas, tanto no plano local como no centro do Estado. (...) Só é possível salvar-se da catástrofe implantando um controle verdadeiramente operário da produção e da distribuição dos produtos. Para este controle é necessário, em primeiro lugar, que em todas as instituições fundamentais se garanta aos operários uma maioria não menor do que as três quartas partes de todos os votos, atraindo obrigatoriamente tanto os sócios que não tenham abandonado a direção de seus assuntos, quanto o pessoal técnico e científico; em segundo lugar, que os comitês de fábricas, os sovietes centrais e locais de deputados operários, soldados e camponeses bem como os sindicatos obtenham o direito de participar no controle, sendo postos à disposição deles todos os livros comerciais e bancários e estabelecendo-se a obrigação de fornecer-lhes todos os dados que interessem; em terceiro lugar, que obtenham esse mesmo direito os representantes de todos os grandes partidos democráticos e socialistas. (...) O controle operário, já reconhecido pelos capitalistas em diversos casos de conflito, deve ser desenvolvido imediatamente através de uma série de medidas cuidadosamente meditadas e graduais, mas aplicadas sem demora alguma, transformando-se em um sistema de regulamentação completa da produção e da distribuição dos produtos pelos operários. (Lenin em “Resolução Sobre as Medidas Econômicas Contra a Desordem”, escrita em julho de 1917, logo antes da Revolução de Outubro)

De qualquer forma, me parece que o controle de territórios é inevitável, comece pelo campo ou pela cidade, e que a revolução Brasileira tem como um de seus pressupostos a resolução do conflitos no campo e a reforma agrária popular-socialista. Somente assim podemos responder aos anseios da população pelo fim da fome nas cidades.

A tomada e controle de territórios deve ser feita “de assalto” no Brasil como um todo numa situação oportuna (como uma guerra que desestabiliza o regime burguês atual) ou devemos atuar sob a lógica dos territórios libertos e ir construindo o socialismo através de uma guerra de libertação? Na China realizou-se a revolução sob a lógica de territórios libertos de maneira clara. Na Rússia, contudo, o partido conseguiu tomar o poder de assalto no calor da guerra, usando a guerra como um elemento aglutinador de forças decisivo, mesmo que após a 1917 tenha se sucedido uma guerra interna à Rússia (que contou com potências imperialistas invadindo ou financiando e armando grupos locais). Na prática, o período da guerra civil foi um período de reorganização econômica, mas também de conquistas de territórios e consolidação do poder soviético.

As outras revoluções socialistas apontam para o mesmo problema da tomada do poder através dos territórios. A Revolução Coreana é um exemplo vivo: temos hoje uma revolução que foi parcialmente bem-sucedida, com metade do território controlada pela classe trabalhadora e metade do território controlada pela burguesia coreana com apoio dos EUA. O Vietnã passou por um processo similar, esteve dividido entre Norte e Sul até a vitória final do povo trabalhador vietnamita sobre a contrarrevolução na assim chamada Guerra do Vietnã. Na China este processo é até hoje incompleto também, Taiwan e Hong Kong (e, se não me engano, Macau) são os últimos territórios controlados pela contrarrevolução se considerarmos que a China ainda se trata de um país socialista.

As revoluções em África também passaram pela libertação de territórios, como nos diz Samora Machel em seu texto “Estabelecer o Poder Popular para servir às massas”:

Finalmente, porque nos nossos diversos centros o Poder Popular e Democrático já é exercido na prática, eles aparecem como laboratórios da nossa experiência e centros difusores da nossa linha e dos seus resultados práticos. Importa, pois, que precisemos [do verbo precisar, tornar preciso] como os nossos centros devem cumprir essa tarefa e quais os requisitos, indispensáveis para que levem a cabo a sua missão histórica.

E, ainda no mesmo texto:

Em Cabo Delgado, em Niassa, em Tete, em Manica e Sofala, as companhias e os ricos proprietários abandonam as nossas zonas e fogem. Assim o nosso Poder instala-se na produção. Já não são as companhias e os ricos que definem os objetivos da produção e do trabalho e beneficiam do nosso esforço. Hoje, porque temos o Poder, a produção liberta o homem, dá-lhe sua identidade de transformador da natureza e da sociedade. Produzimos para aprender e aprendemos para produzir e lutar melhor, produzimos para satisfazer as nossas necessidades, para alimentar as nossas crianças e famílias, vivermos melhor. O nosso Poder cria a produção coletiva a serviço do Povo e da Revolução, destrói a produção exploradora, transforma os produtores individualistas em produtores integrados na coletividade. A produção em vez de dividir os homens em explorados e exploradores une-os agora todos, faz de todos servidores do povo, desenvolvendo o bem-estar do povo. Nas zonas livres o Estado colonial e burguês foi destruído, as estruturas feudais desaparecem.

Ou seja, a Revolução Socialista se trata não só da existência de um movimento de massas forte, mas um movimento de massas que lute pela libertação dos territórios do julgo burguês. Por isso acredito que independente das condições de tomada do poder total, precisamos desde já construir as bases para o controle dos territórios e da produção no nosso país. Isso não significa tomar em armas e empreender uma guerra revolucionária imediatamente, mas começar desde já, enquanto acumulamos forças, a estabelecer nossos territórios.

Como devemos preparar o Partido para a tomada de territórios? Por onde devemos começar a tomada de territórios? Quais as particularidades do Brasil nesse sentido? Como lidar com a contradição campo-cidade no domínio de territórios?

E essa questão passa também pela determinação de qual classe está em melhores posições para se tornar a vanguarda revolucionária, se operária ou camponesa. E camarada L. Gonçalves traz essa questão, ao meu ver, de maneira muito idealista, postulando com base em supostas provas históricas do caráter subjetivo revolucionário do campesinato e não olhando para as condições objetivas das relações de produção. A resposta para essa questão, contudo, não é simples. Seria possível dizer que num país que possui realidades tão distintas quanto São Paulo e Porto Velho (capital de Rondônia) o operário ou o campesinato somente pode ser a vanguarda revolucionária? Acredito que sim, porque é importante também levar em conta as relações de produção e não somente as condições subjetivas de tal classe ou qual classe de se rebelarem.

Por mais que o Brasil se configure como uma economia agrária e extrativista, essa produção existe para atender aos interesses da burguesia internacional, de forma que toda produção agrária precisa ser escoada através de rodovias, ferrovias, rios e aviões (estes últimos em menor escala, obviamente). Se queremos combater a burguesia brasileira latifundiária, nosso objetivo não deve ser SOMENTE empreender uma guerra no campo, onde o latifúndio possui enorme força bélica através de seus jagunços e controle de um território imenso, mas PRINCIPALMENTE fazer o proletariado urbano travar as redes de logística da burguesia através de greves, ocupações de rodovias, etc. São essas redes que levam os produtos para serem vendidos no mercado mundial, e também são elas que trazem as armas para dentro do país e em direção ao seu interior.

Isso não quer dizer ignorar o trabalho no campo, nem ignorar a potência do campesinato, mas apontar que em termos estratégicos o proletariado urbano se encontra hoje no Brasil em uma posição muito mais favorável para a tomada do poder. Contudo, a questão do campo ainda precisa ser notada pelos comunistas, porque o Brasil é também um país cujas contradições entre campo e cidade levam à fome do proletariado urbano. E trabalhador com fome não faz revolução, não pega em armas, não tem tempo para pensar em política.

E camarada Veva já apontou sobre a questão alimentar, que acredito ser uma ponta solta que precisamos agarrar.

A população na cidade passa fome, muitos não tem onde morar ou sofrem com o preço abusivo dos aluguéis. O Brasil tem inúmeras terras improdutivas que até mesmo de acordo com o direito burguês estão irregulares, bem como inúmeros prédios não utilizados que servem à especulação imobiliária. O MST aproveita essa brecha para lutar pela reforma agrária. O MTST luta pela reforma fundiária urbana. Nós deveríamos usar essas mesmas brechas legais neste momento para acumular forças para a revolução brasileira, alimentando o trabalhador da cidade com a comida vinda do campo e fornecendo moradia a eles (além de começarmos a controlar nossos territórios e redes de logística). Precisaríamos de um corpo técnico-jurídico para estudar as melhores terras para se ocupar, precisaríamos de acúmulos sobre como fazer isso também (creio que os camaradas de Piracicaba em SP, os camaradas da OPA no Ceará e os camaradas da Ocupação Carlos Marighella em SC tem acúmulos a respeito). Esse seria um primeiro passo no campo (ou naquelas regiões fronteiriças entre campo e cidade, como é o caso do acampamento Marielle Vive).

Para além das ocupações, também precisamos nos preocupar com outras formas de conquista dos territórios urbanos, já que esta conquista é muito mais complicada e que só será completamente realizada no processo de insurgência revolucionária. Em quais bairros nas cidades brasileiras estamos fisicamente presentes? Temos sedes nos bairros periféricos, que servem de espaço de socialização da população local? Precisamos desses espaços nas grandes cidades e vejo inúmeras possibilidades para tal.

Desde as já citadas sede do partido (que serviria como local para reuniões, encontros, formações e armazenamentos) e ocupações de prédios abandonados, até empreendimentos que possam servir como forma de angariar fundos para o partido, mas que também possam se inserir na vida cotidiana da população em um determinado bairro. Por exemplo, uma banca de jornal do Partido (mesmo que desvinculado dos símbolos e nome do partido) poderia ser um lugar de venda do nosso jornal e de outras organizações da esquerda revolucionária e sindicatos (boicotando a mídia burguesa quando possível), mas também um ponto de encontro para a população local – não é incomum esse tipo de local servir de encontro e conversa nos bairros. Há ainda diversas outras possibilidades de se fazer presente no território urbano: a construção de casas de culturas, associação de moradores, ocupação de fábricas em vias de serem fechadas, etc[2].

O Partido Comunista da Turquia – TKP, possui um importante trabalho de base construído a partir de suas sedes distritais. Dessa forma, com o terremoto ocorrido no começo deste ano, o TKP conseguiu realizar importantes atividades de solidariedade com a população atingida. Suas sedes foram importantes espaços para a organização logística. Vejamos uma nota do TKP[3]:

Cidadãos, (...) Organizemos juntos a solidariedade. Nos encontraremos essa noite às 20h em todas as nossas sedes distritais – incluindo as na região atingida – para coordenar os esforços de solidariedade e cooperação. Além do compartilhamento instantâneo de informações, as sedes do Partido Comunista da Turquia (TKP) compartilharão diariamente com público um abrangente boletim – a partir de hoje – com observações, avaliações e informações relativas à zona atingida e às atividades de solidariedade. Os boletins serão disponibilizados toda noite durante uma semana.

Um outra nota diz o seguinte:

Atividades de solidariedade e coleta de materiais de ajuda serão coordenadas na sedes do Partido, alinhadas com as necessidades identificadas com nossas equipes que estão trabalhando na região. No momento há profunda necessidade de cobertores, lã, barracas, sacos de dormir, lanternas e materiais de higiene. A primeira parte desses materiais de emergência coletados nas sedes – com grande esforço – já foram enviados para a região.

Portanto, aqui vemos como o TKP conseguiu atuar a partir de suas sedes na organização das ações de solidariedade com os atingidos pelo terremoto e abrir suas portas para a classe trabalhadora. No caso brasileiro, as sedes do nosso Partido poderiam servir como pontos de distribuição ou venda a preços baixos de comida (em associação com as ocupações rurais produtivas), no sentido da solidariedade proletária, para combater a fome do povo trabalhador e fornecer melhores condições de luta (além, claro, de criar um vínculo com a classe trabalhadora que reside naquele local).

Aqui fica um apelo particular: as direções partidárias, desde já, precisam coordenar os trabalhos do partido para a disputa dos territórios. E eu falo as direções pois é inaceitável que continuemos com o espontaneísmo federalista que imperava anteriormente no PCB. Não é trabalho de um núcleo ou célula escolher como e onde vai abrir um sede ou ocupar um terreno, esse trabalho é das direções. É dever das direções realizar o estudo de quais espaços de inserção são prioritários (com base nas nossas resoluções congressuais), procurar os entraves com o direito burguês que podemos encontrar e descobrir como nos proteger deles, destacar quais militantes devem ser girados para realizar tais tarefas, dar o suporte financeiro para que estes militantes exerçam a tarefa devidamente (e não esperar que eles realizem suas tarefas de finanças para tal, assim não estamos profissionalizando nem especializando nada).

Precisamos que o PCB-RR, ou qual seja o nome que adotaremos no futuro, tenha sedes em todos os bairros periféricos e proletários de todas as cidades deste país, precisamos ter territórios rurais sobre nosso controle, territórios que produzam comida e os levem para a cidade. Precisamos estabelecer redes de logística que possibilitem a ação coordenada e organizada do nosso Partido nos territórios deste país, nos preparando para a tomada do poder.

Saudações comunistas!


[1] https://www.brasildefato.com.br/2023/04/14/acampamento-marielle-vive-celebra-cinco-anos-com-luta-por-justica-e-contra-despejos

[2]Até mesmo a conquista de um centro acadêmico pode ser considerada uma conquista de um território, como é o caso do nosso núcleo, em cujos CAs que dirigimos realizamos reuniões e guardamos materiais (até mesmo outros núcleos não universitários da cidade de vez em quando “pegam emprestado” os espaços dos nossos CAs para realizarem reuniões, na falta de espaços próprios). Podemos ver na luta dentro do ME a importância da conquista desses espaços: é muito mais fácil guardar materiais, realizar reuniões, se encontrar com camaradas quando necessário, etc.

[3] Todas as notas do TKP aqui citadas estão disponíveis em https://pcb.org.br/portal2/29950