'Precisamos defender as “experiências socialistas”?' (Doni)

A única atitude que devemos ter perante essas experiências 'socialistas' que falharam, não por acaso, é a crítica dura e científica ao revisionismo teórico e ao rebaixamento político no campo econômico, no internacionalismo proletário e na destruição da família burguesa.

'Precisamos defender as “experiências socialistas”?' (Doni)
"Defender as chamadas experiências socialistas sem desconsiderar seu rebaixamento político é o mesmo que praticar um oportunismo apaixonado e bem-intencionado (por isso mais perigoso), é defender que a conversão de PCs em Partidos Sociais-Democratas se justificou em razão dos avanços sociais conquistados, esquecendo que justamente essa barganha com nossos princípios foi o que permitiu a destruição dessas vitórias."

Por Doni para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Gostaria de começar saudando a camarada Victória Pinheiro, que acertadamente defendeu a necessidade de organizarmos de fato a polêmica pública em nossas plataformas, fugindo da lógica liberal-burguesa das redes sociais e tratando de nossas questões político-organizativas com a seriedade e demora necessárias. Nesse sentido, dou minha pequena contribuição sobre o que deve ser nossa atitude em relação ao “socialismo real” ou as experiências “socialistas” do século XX, tentando tirar esse debate dessas redes sociais até o curto limite dos meus acúmulos teóricos.

Escrevo com o objetivo de combater noções oportunistas e idealistas em nossos debates sobre o MCI (Movimento Comunista Internacional) as quais, se desenvolvidas, poderão nos levar a tomar justamente o caminho duramente criticado por nós no processo do racha, o apoio ao imperialismo contra-hegemônico de países como a Rússia e a China. Para tanto, tomo exclusivamente o exemplo da União Soviética e de seu desenvolvimento histórico como fundamento. 

Em princípio, é comum (dada a própria lógica dos algoritmos) que façamos um debate raso sobre como a queda do chamado “bloco soviético” foi uma das grandes tragédias do século XX que desmobilizou e desorientou os movimentos organizados de trabalhadores, facilitando o rebaixamento das lutas a partir da perda do referencial da URSS. Isso é verdade? Sim e não.

Enquanto algumas organizações trotskistas comemoraram o fim da URSS em razão de sua “degeneração”, outres viram com temor a magnitude da destruição de vidas que a terapia de choque causou em poucos anos. O ponto fulcral é que ambes estão relativamente certos, camaradas. 

Por um lado, muito antes de 1991 o PCUS deu exemplos de oportunismo e revisionismo da teoria marxista: são casos emblemáticos a reintrodução de elementos de mercado na URSS muito antes da glasnost e da perestroika e o apoio à criação do “estado de israel” quando o movimento sionista estava amplamente caracterizado como imperialista.

Por outro lado, energia elétrica foi levada a todos os cantos do país, erradicou-se o analfabetismo, conseguiu-se dar cabo do déficit habitacional, construiu-se um impressionante programa espacial a partir de milhares de avanços técnico-científicos e outras várias conquistas sociais foram alcançadas. 

Ambas particularidades da sociedade soviética fazem parte da mesma totalidade, camaradas. A metafísica idealista se funda justamente em separar o que deveria estar junto, em tomar uma parte pelo todo. Entender o fim da URSS como um golpe surpreendente é jogar todo o socialismo científico pela janela, se consideramos o desenvolvimento de nossa história como um processo não podemos discutir de forma infantil a culpa de Gorbatchev ou de Stálin sem entender as origens políticas da questão, ou seja, quais foram os fundamentos político-programáticos que permitiram esse longo processo de desgaste, que findou em 1991 mas poderia muito bem ter ocorrido antes, uma vez que as bases materiais já estavam lá.

Sem desconsiderar os constantes ataques imperialistas, as três guerras vividas em menos de 30 anos, as fomes e outros desafios, o fato é que a ditadura do proletariado soviético não foi capaz de elevar a democracia ao seu ponto máximo – e extingui-la – ao contrário decaindo na burocratização do partido e na despolitização social até o ponto no qual foi possível destruí-la.  

Em razão disso, a única atitude que devemos ter perante essas experiências “socialistas” que falharam, não por acaso, é a crítica dura e científica ao revisionismo teórico e ao rebaixamento político no campo econômico, no internacionalismo proletário e na destruição da família burguesa.

Defender as chamadas experiências socialistas sem desconsiderar seu rebaixamento político é o mesmo que praticar um oportunismo apaixonado e bem-intencionado (por isso mais perigoso), é defender que a conversão de PCs em Partidos Sociais-Democratas se justificou em razão dos avanços sociais conquistados, esquecendo que justamente essa barganha com nossos princípios foi o que permitiu a destruição dessas vitórias.

Não podemos continuar acriticamente nessa direção, caso contrário em pouco tempo estaremos até defendendo o welfare state porque a classe trabalhadora conquistou salários melhores, moradia, saúde, educação e outros direitos significativos (não no Brasil).

Enfim, camaradas, espero ter contribuído, com meus limites, para a qualificação desse debate e para que possamos enxergar de forma menos emocionada a história do MCI e entender não só suas conquistas e deficiências, mas a relação indissociável entre ambos.