'Pra que serve o partido? Uma reflexão final para o congresso' (Jão da Batera)
O marxismo é só nossa ferramenta, e não pode ser nosso objetivo, porque é uma teoria, camaradas. Nosso objetivo deve ser uma nova sociedade. Uma nova forma de vida. Esse é nosso objetivo.
Por Jão da Batera para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
Rapaziada, escrevo essa tribuna trazendo a discussão de uma série de questões sobre nosso partido, o racha, e o movimento comunista brasileiro. Faço esse texto no dia 19, então o escreverei, lerei uma ou duas vezes, e vou mandar. Simbora!
Para começar o texto, quero dizer que existe um assunto que é, na minha opinião, o maior problema que temos atualmente na discussão do nosso partido. Mas esse assunto não é tratado de forma direta. Ele é definido a partir de outra pauta, e como nós lidamos com ela. Em outras palavras, houve uma discussão gigante sobre a China e a definição de socialismo que foi trazida como a questão essencial a ser debatida agora, e muitos camaradas foram contra isso, e se posicionaram a partir da visão de que não deveríamos estar debatendo a China. E isso, a priori, parece um papo besta, mas acho que esse movimento esconde a real conversa que deveria estar acontecendo. Qual é o motivo do racha? E porque usamos os métodos organizativos do CC?
Enquanto se discute o espaço que damos para a China, e assuntos parecidos (que são de fato importantes, pois definirão a linha política do partido sobre como compreendemos a definição de socialismo, por exemplo), estamos de fato discutindo se o racha foi político ou organizativo. Se um militante hoje defende a discussão da China, é porque está confortável com os métodos que usamos hoje, e com o modelo de debate que temos. Logo, podemos avançar para debates políticos, pois não haverá prejuízo na qualidade deles.
Essa é uma percepção minha sobre como esse debate está se construindo, e talvez muitos que defendem a conversa sobre a China sejam opostos ao que eu coloquei. Podem existir militantes que acreditam que o racha foi também organizativo, mas que defendem que devemos ter com urgência uma posição bem estabelecida sobre a China pela necessidade de compreensão de nossas próprias políticas. Eu digo que esse debate será, e já está sendo prejudicado. Isso se deve ao fato de que nossa organização não tem maturidade, e nem método organizativo definido pelos que estão nela. Eu mesmo, entrei pós racha, e toda essa estrutura foi apenas imposta a mim, de certa forma. E até onde vejo, essa estrutura não está contribuindo em nada com nossas inserções nas massas. Um monte de militantes considerados importantes (alguns chamam de quadros) se desligaram, assim como um monte de militantes novos. Eu presenciei, inclusive, diversos desligamentos na minha região (e por um processo interno que ocorre aqui, quase optei por esse caminho).
Acredito que seja importante que façamos a discussão sobre nossa organização porque ela não prevê um monte de coisa. Isso se dá, acredito, porque ainda tem muita gente que se utiliza de certas “máximas” de como Marx ou Lenin (principalmente Lenin, já que ele que traz de fato os métodos organizativos) observavam o modo que deveríamos fazer a revolução de forma totalmente literal. Eu particularmente sou suspeito para falar, porque tenho pouca leitura de Lenin, mas para elucidar meu argumento, irei utilizar o exemplo sobre o que seria o congresso. Até onde me foi explicado por alguns camaradas, o congresso é um local onde o militante tem o direito de expressar e defender o que acredita ser coerente. No congresso, o militante tem abertura também para realizar as críticas que sentir serem pertinentes. Mas aí eu pergunto, “E se tivermos uma pessoa neurodivergente?”. De acordo com uma pessoa próxima, que por acaso é profissional da saúde mental, existem certas neurodivergências que fazem que uma pessoa portadora dessa condição entre em crise ao receber uma crítica pública. Então qual seria o nome de mantermos esse tipo de estrutura e visão dentro da nossa organização? (começa com “capa” e termina com “citismo”)
Se alguém ao ler isso quer argumentar que “um militante deve ter postura e maturidade para receber crítica”, meu amigo, tu tá é muito doido kkkkk. Peço que retorne ao parágrafo anterior, e releia, e se quiser discutir isso, tudo bem, mas você tá errado (sem rodeios. Tá errado). Isso significa que Lenin não nos serve? Não pô (se eu afirmasse isso, tava lascado kkkk o Norte inteiro viria contra mim). O que eu estou pontuando é que Lenin fez o que podia para criar as condições para um debate honesto, mas hoje temos condições de fazer melhor. E acreditar que os militantes neurodivergentes estão seguros em nossos espaços simplesmente porque falamos que todos os militantes estão seguros e assim devem se sentir é, para mim, a definição de liberalismo. Liberalismo no sentido de que achamos que tornar as condições igual para todos é o que garante “democracia”. Se você, como militante comunista, defende essa visão, meia noite eu te conto um negócio…
Lenin fez o que pôde, e usaremos o que nos cabe. Mas utilizar e defender sua teoria de forma acrítica, como muitos fazem, é tudo, menos revolucionário. Marx nos diz que o proletariado deve aceitar sua posição na história como o revolucionário de hoje, e acho que isso significa entender que devemos abrir mão de certas coisas que não cabem, e criar teorias que caberão. Isso significa aceitar nosso lugar na história. E não pensar em novos métodos organizativos é ir contra essa nossa obrigação histórica. Somos obrigados a vencer! Nunca podemos esquecer disso!
Existem muitos camaradas que tenho um respeito absurdo. E digo isso em nível tanto regional quanto nacional, mas devo assumir que vejo uma postura destes às vezes que me entristece. O Twitter se tornou um problema gigante nessa militância, e sinceramente é triste ver como estamos perdendo a guerra para um aplicativo falido de um cara que não sabe nem nomear o filho direito. Para quem não entendeu, pesquisa aí o nome do filho do “Elou Music”. Estamos perdendo essa guerra contra esse cara, mano.
De vez em quando, surge um pensamento importante em minha mente sobre como devo compreender a minha inserção no partido. E sempre me alimento de uma máxima: “Marxista por ser revolucionário, e nunca o contrário. Jamais revolucionário por ser marxista.” O que quero dizer, e convido a todos a pensar, é que antes de decidirmos ser marxistas, devemos escolher sermos interventores do mundo. O marxismo é só nossa ferramenta, e não pode ser nosso objetivo, porque é uma teoria, camaradas. Nosso objetivo deve ser uma nova sociedade. Uma nova forma de vida. Esse é nosso objetivo. O marxismo é só a teoria que se provou a melhor. Então parem de debater quem aí sabe de fato o que Marx queria, porque não importa o que ele queria. Importa o que a gente quer, e como usaremos a sua teoria. Eu não sou revolucionário para ser “verdadeiramente marxista”. Eu sou primeiro revolucionário, e uma teoria se provou a teoria que pode me ajudar a intervir na nossa realidade, e essa, é o marxismo, o que também me faz marxista. E se tudo der certo, se eu conseguir o que quero, e se vencermos a estrutura que lutamos contra, amanhã seremos os reacionários. Porque a dialética nos coloca nessa posição. Os burgueses já foram os revolucionários, e são os reacionários de hoje. Hoje, seremos revolucionários, e amanhã, seremos passado. Ser marxista é entender que o futuro não será marxista. Será a sua superação.
Escrevo tudo isso porque acredito que parte do partido esqueceu tudo isso. Não esqueçam isso, camaradas. Estamos agora em guerra, e esse tem que ser o nosso foco. Nosso método organizativo não está nos ajudando em nosso objetivo e em parte, porque ainda existem alguns de nós que querem recuperar o legado do “verdadeiro partido comunista brasileiro, o PCB. O único possível, que tem o ‘nome científico’ e 100 longos anos de luta”. Acho que posso afirmar com muita tranquilidade que se um partido comunista demora 100 anos para fazer uma revolução que, no final, não faz, é porque esse partido comunista não serve seu propósito. Uma guerra se faz rápido, camaradas. Só devemos desembainhar uma espada quando temos certeza de que a usaremos. Caso contrário, enquanto o inimigo se mantém numa posição confortável, nós nos tornamos tensos, cansados, e o tempo nos desgasta. Nos torna fracos para que o primeiro ataque do inimigo seja definitivo.
Aos que vão ao congresso, espero que o que escrevi se conecte com sua realidade de certa forma, e que gere alguma forma de reflexão. Espero também não ter tomado muito tempo, e que essa leitura não seja redundante e que as análises que fiz tenham sentido. Me sinto um pouco inseguro sobre muito do que escrevo por não ter uma visão de um todo, mas acho que esse é o significado do que chamamos de “construção coletiva”. O EDC fará muita falta, e não sei exatamente se o jornal será utilizado de forma parecida, mas espero que tenhamos um espaço parecido (dentro ou fora do jornal) para discutir nesse formato.
Gostaria de agradecer aos que leram até aqui, e novamente trago, não se esqueçam dos nossos objetivos! Não podemos recuar neles nem por um segundo! Como citação única que farei aqui de forma mais direta, gostaria de citar o título do discurso do Fred Hampton traduzido por nossos queridíssimos camaradas Jones Manoel e Gabriel Landi em Raça, Classe, Revolução para lembrar a todos que “É UMA LUTA DE CLASSES, PORRA![1]” e não devemos nos esquecer disso nem por um segundo.
Vamos ganhar, rapaziada. É nossa única opção.
[1] Discurso de Fred Hampton selecionado e traduzido por Gabriel Landi e Jones Manoel em Raça, Classe, Revolução p.150.