'PPP – Periferia, proletariado e personalismo: uma nota sobre a Conferência Regional da UJC-SP' (Camarada Pedro)

Caracterizar a classe trabalhadora brasileira, em sua totalidade, parte de fazer uma análise concreta da realidade concreta, contendo um nível de análise sociológico, antropológico, histórico, político e econômico do Brasil nos últimos 40 anos.

'PPP – Periferia, proletariado e personalismo: uma nota sobre a Conferência Regional da UJC-SP' (Camarada Pedro)
"O fato de que hoje, no Brasil, existe uma quantidade absurda de trabalhadores precarizados não pode ser apenas um chavão discursivo, mas uma análise científica da realidade brasileira e o que devemos fazer a partir disso."

Por Camarada Pedro para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Camaradas, devo começar essa tribuna contextualizando o motivo dela existir. Essa tribuna é escrita dias depois da Conferência Regional da UJC-SP, na qual fui delegado pelo meu núcleo. Gostaria primeiro de manifestar a iniciativa dos camaradas que estão organizando o Movimento em defesa da Reconstrução Revolucionária do PCB de abrir as tribunas para debates, essa é minha primeira tribuna e não tive a oportunidade de elogiar a forma como está sendo tocada, apesar de algumas críticas que não cabem neste momento.

Nessa Conferência, houve um destaque a respeito de um termo, que gerou um debate interessante, mas que, em minha opinião, foi extremamente anti-científico e não pautado da melhor maneira. A polêmica era a respeito do nosso foco de massificação das fileiras serem de quadros oriundos da periferia x oriundos do proletariado, e, posteriormente, uma proposta de quadros proletarizados oriundos da periferia, a qual acredito que seria uma boa síntese.

Sobre a polêmica

Camaradas, muito bom que a nossa organização esteja discutindo os rumos de como conduzir um trabalho junto às massas, contudo, é necessário que em toda discussão que permeia nossas táticas tenha um nível de cientificidade e ortodoxia no método de análise do Brasil atualmente.

A forma como foi colocado o termo “periferia”, pelos camaradas, foi em alto nível de abstração, sem definir exatamente o que é a periferia, o que seriam quadros da periferia, quais setores dessa área estaríamos focando. Da mesma forma como o proletariado não é uma camada homogênea da classe trabalhadora, a “periferia” também não é homogênea, concentrando dentro de seus limites geográficos e materiais diversos setores da classe trabalhadora – os ligados ao setor produtivo, ao setor de serviços, autônomos, precarizados, lumpemproletarios, etc.

Não é como se não houvesse material e literatura dentro do nosso campo que defina cientificamente o que é a “periferia”, como essa se forma, quem habita, e como podemos atuar junto à essas pessoas, no sentido de guiar a linha política que levará essas pessoas a terem fé na revolução brasileira e atuarem para dar cabo a ela. Porém, percebo que os camaradas que defenderam a tese 1 – leia-se “oriundos da periferia” – pareciam não ter esse nível de acúmulo teórico e prático. Querer definir de maneira abstrata a “periferia” nos faz atuar de maneira artesanal e descentralizada, pois não temos a compreensão material do que significa ser periférico.

Acerca do proletariado, acredito que a tese 2 estava mais bem conceituada, porém com um erro metodológico de não conseguir definir o proletariado de maneira concreta considerando a realidade brasileira. Se o proletariado são apenas aqueles que trabalham com o setor produtivo, podemos facilmente jogar a toalha para o neoliberalismo e para os vendilhões que leiloaram a nossa soberania nacional – se é que um dia esta existiu – e sucatearam o nosso setor produtivo. Fazer a análise concreta da situação concreta significa compreender que a classe trabalhadora do Brasil e o seu proletariado está no setor de serviços, que é o setor que circula a mercadoria. Acredito que falta uma compreensão científica do processo de extração de mais-valor, acreditando que isso se concentra apenas no momento de produção de mercadorias. A extração do mais-valor é, no capitalismo, uma característica do trabalho, independente do setor da classe trabalhadora. A efetivação da mais-valia se dá, inclusive, no momento da troca. Sem considerar o setor de serviços como uma categoria fundamental para a nossa atuação é ter uma compreensão equivocada da realidade brasileira.

Essa categoria, hoje, é, contudo, muito mais difícil de ser organizada, justamente por não serem concursados ou CLT, a maioria são autônomos ou PJs, não são sindicalizados, contudo, é impossível negar a capacidade de mobilização e politização desse setor do proletariado. Se a nossas táticas de inserção na classe trabalhadora, como foi tirado na plenária do RR, são nas categorias de metroviários e bancários, apesar de serem sim setores estratégicos para nós – pois dizem respeito à capacidade de parar a produção e à circulação de capital –, ainda são setores de um proletariado que, nos bancos e linhas estatais, são concursados ou CLT, ou seja, são parte de uma “elite proletária”. Já os setores precarizados, por mais que haja uma dificuldade de se serem mobilizados, não é possível negligenciá-los. O fato de que hoje, no Brasil, existe uma quantidade absurda de trabalhadores precarizados não pode ser apenas um chavão discursivo, mas uma análise científica da realidade brasileira e o que devemos fazer a partir disso.

Não é possível, portanto, negligenciar esses setores da classe trabalhadora e esperar que nos inserindo prioritariamente em setores de uma aristocracia proletária, teremos de fato um avanço gigantesco nos nossos trabalhos junto às massas.

O equívoco, portanto, em minha leitura, foi a falta de cientificidade no debate que foi trazido pelos camaradas que defenderam a tese 1, e uma certa idealização do que seria o proletariado brasileiro, pelos que estavam na defesa da tese 2, apesar da demarcação conceitual feita pelo camarada que propôs a alteração de “oriundos do proletariado” fosse infinitamente melhor.

Caracterizar a classe trabalhadora brasileira, em sua totalidade, parte de fazer uma análise concreta da realidade concreta, contendo um nível de análise sociológico, antropológico, histórico, político e econômico do Brasil nos últimos 40 anos. Como que foram formadas as grandes metrópoles? Como que se mudou o padrão de acumulação de capital nesse período e de que forma isso impactou a configuração do proletariado brasileiro? Como que se dá a relação campo-cidade? Como se dão as contradições de capital-trabalho nas capitais e regiões metropolitanas e como se dá no campo? Não é possível criar uma homogeneidade dessa classe, tampouco acreditar que a nossa atuação será a mesma nesses diferentes setores. Incomoda um tanto também a forma de como é negligenciado também as contradições do campesinato e dos trabalhadores rurais nos debates da UJC-SP. Os trabalhadores rurais, inclusive, têm mais ligação com o setor produtivo do que a maioria dos trabalhadores das metrópoles – que estão muito mais ligados com a circulação de mercadorias –, com contradições trabalhistas que se agudizam ainda mais, no ponto da exploração do trabalho.

Sobre personalismo

Durante esse debate na Conferência Regional, um dos camaradas que estava defendendo a tese 2 citou uma tribuna do camarada Gabriel Landi que daria uma sustentação teórica para o que o camarada estava expondo. Ao citar o nome do camarada Landi, ele foi acusado pelos defensores da “tese rival” de criar um personalismo em torno da figura do camarada Landi. Primeiramente, acredito que essa acusação, além de vazia, serve para desmoralizar o argumentador perante o pleno – até porque essa organização teme esse tal de “personalismo” mais que o diabo teme a cruz –, de maneira pessoalizada, anti-científica. Na minha visão, um claro golpe argumentativo para tentar sustentar uma tese que estava se mostrando insustentável perante uma argumentação com densidade teórica infinitamente melhor. Para além dessa insatisfação pessoal, é necessário, novamente, que se tenha cientificidade ao utilizar os termos e os conceitos. O que é esse tal de personalismo? A tribuna citada pelo camarada fazia uma disputa acerca de um debate que ainda está aberto, onde estava exposta uma tese leninista. Ou seja, se o camarada que estava defendendo a tese 2 tivesse citado Lênin e não Landi isso seria aceitável e não personalismo? Para não ser personalismo, a pessoa tem que ter morrido? Para não ser personalismo, você não pode citar nomes? O que é esse tal de personalismo? Faço um apelo para os camaradas definirem de maneira científica o que é o personalismo. Pois, na minha visão, a forma como o camarada expôs foi extremamente legítima no tom de trazer uma referência que, além de um quadro político do nosso Partido, é um grande formulador, que se baseia em Lênin, coisa que os defensores da primeira tese não conseguiram fazer – lembrando que parte da minha tribuna foi discordando da definição de proletariado que o camarada expôs e tentando expor o que, dentro das minhas leituras de Marx, Engels e Lênin, seria o proletariado no Brasil.

Em conclusão, faço um apelo para que os camaradas, primeiramente, repensem o que seria o proletariado e façam uma análise mais concreta da realidade da classe trabalhadora brasileira, pois só nesse nível de debate teórico e tocando um trabalho político é que poderemos entender na totalidade a realidade brasileira e levar a cabo a Revolução. Peço também para que os camaradas definam cientificamente o que é esse personalismo. Pois ainda é um conceito sem definição concreta que serve, em maioria, para dar golpes argumentativos para vencer um debate contra alguém que, ou realmente está se referenciando em alguém de maneira acrítica, ou está tentando dar uma sustentação teórica mais profícua para o debate.

Saudações comunistas!