'Por uma educação verdadeiramente popular!' (Évelyn Caseira Nunes)
Como podemos chegar a um debate sério sobre a Educação Popular se nossos dirigentes são professores universitários apartados de qualquer movimento popular que germine esta educação que defendemos?
Por Évelyn Caseira Nunes para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
Não é novidade para nenhum militante comunista que o tema da Educação Popular nos é muito caro no sentido da construção de uma nova sociedade, entretanto, no modelo organizativo vigente do PCB, dirigido pela fração-CC, muitas são as adversidades no que tange a construção de um projeto uníssono, autêntico e marxista-leninista de educação.
A escrita desta tribuna advém da minha experiência pessoal enquanto educadora popular e militante do Núcleo Rio Grande da UJC e da Célula Rio Grande do PCB, cidade na qual conseguimos construir um cursinho pré-ENEM de Educação Popular, nomeado Poder Popular, em um dos bairros mais populosos da cidade, com um trabalho baseado na formulação e voluntariedade de nossos militantes.
Quando buscamos construir o Poder Popular o primeiro obstáculo que encontramos foi a falta de acúmulos políticos e de experiências sobre outras tentativas semelhantes, uma das mais autênticas marcas de nosso federalismo extremo. Mesmo assim, fomos persistentes e decidimos dar continuidade ao nosso projeto de Educação Popular pelas nossas próprias mãos, forjando os acúmulos no escuro, errando e aprendendo com o processo, mas sem nenhuma direção política das instâncias superiores, sem nenhuma orientação dos mesmos que clamam a plenos pulmões que a militância que aderiu à Reconstrução Revolucionária do PCB não tem trabalho de base.
Não pretendo neste texto dar um relato de experiência acerca das duas edições do Poder Popular, mas pretendo externalizar diversas problemáticas e contradições que foram crescendo ao longo dos anos na minha constituição enquanto militante e educadora popular, talvez sem conseguir respondê-las adequadamente, mas no intuito de dar o pontapé inicial no debate sobre a temática.
Os primeiros questionamentos que ficam são: defendemos a Educação Popular, mas para quem? Como? Onde? De que forma? Gritar palavras de ordem por uma escola e uma universidade popular, infelizmente, não é o suficiente. Atualmente, nossas concepções acerca da educação não passam de abstrações, de ideias gerais e sem nenhum tipo de delimitação teórica, política ou prática.
Sendo assim, para chegarmos na parte prática é preciso partirmos da teórica; nosso Partido não tem e não se dedicou a ter, até o momento, uma base teórico-científica acerca da Educação Popular. O pouco de documentação que temos (cartilhas, textos, teses) foi construída ao longo dos anos e através do trabalho árduo de militantes da base que constroem o MEP e o MUP. Mas, mesmo assim, continuamos clamando o jargão da Educação Popular, sem pensar, cientificamente, neste espaço rico em potencial para a construção de centros paralelos de poder do proletariado.
A partir de qual teoria e metodologia baseamos e compreendemos nosso projeto de Educação Popular? Na Pedagogia Libertadora de Paulo Freire? Na Pedagogia Histórico-Crítica de Dermeval Saviani? Na ideia de Pedagogia Socialista levantada por Krupskaia? Ou em qualquer outra concepção? Se em uma destas, por que não nas outras? Quais são nossas críticas e posição acerca destas teorias? Vejam, não saberíamos responder a estes questionamentos porque nunca construímos, pelo menos não nacionalmente, um debate e uma formulação séria, que fuja de abstrações, acerca do que concebemos enquanto Educação Popular. E esta problemática teórica não é mera formalidade, afinal, a concepção teórico-científica do método pedagógico que será aplicado nas diferentes salas de aula diz, diretamente, sobre o que esperamos destas salas de aula e o que acreditamos que delas deve florescer. Sem a aplicação de um método não há como afirmar com certeza o que esperamos que seja o resultado do trabalho educativo. O educador e o educando não são meras peças num jogo difuso que devem, entre trancos e barrancos, chegarem a uma metamorfose espontânea geradora da Educação Popular. Se pretendemos construir pólos de Poder Popular através da educação, precisamos, urgentemente, debater e pensar a educação enquanto marxistas-leninistas e com a seriedade que ela demanda.
Acredito que na esteira destas problemáticas está escondido o que tanto denunciamos nos últimos meses como sendo a essência da fração-CC, a fração academicista e pequeno-burguesa responsável por dirigir nosso Partido. Como podemos chegar a um debate sério sobre a Educação Popular se nossos dirigentes são professores universitários apartados de qualquer movimento popular que germine esta educação que defendemos? Podemos construir um trabalho em bairros periféricos ou no campo através de cursinhos populares com uma direção que está drasticamente afastada desta realidade? Podemos construir um trabalho em bairros periféricos ou no campo através de cursinhos populares com uma direção que não ouve a base e suas experiências? Para eles, de fato, basta bradar o bordão de Educação Popular e dormir tranquilamente.
E para nós? E para quem deseja construir, através da Educação, um pólo de Poder Popular e de organização da classe trabalhadora? Se desejamos reconstruir o Partido, precisamos sair do amadorismo e do trabalho artesanal, das abstrações e da verborragia inconsequente, precisamos entender que a educação, como qualquer outro setor de interesse dos comunistas, deve ser pensado para além do óbvio, daquilo que está dado, deve ser debatido e deve ter sua atuação planejada. O que queremos e esperamos quando colocamos um camarada professor a trabalhar em um curso popular? O que queremos e esperamos quando fundamos um curso popular? Qual a diferença da educação no campo e na cidade? Que método pedagógico utilizaremos para intervir na realidade desses estudantes trabalhadores a partir das expectativas que temos para este espaço de atuação em específico?
Reitero que faço diversas provocações ao longo do texto que não foram diretamente respondidas, mas as faço em um apelo de tentar expor questões que atormentam o meu ser militante e educador há tanto tempo. Que possamos buscar respondê-las em breve e que possamos compreender não só os passos que levarão à Educação Popular (que estão muito bem formulados nas resoluções da UJC, por exemplo), mas também compreender, cientificamente, o que concebemos enquanto Educação Popular, desde a relação professor-aluno, à organização de uma aula, até o planejamento do que desejamos construir enquanto organização neste espaço em que estamos inseridos. No limite, o que desejamos com este projeto de Educação Popular em diferentes localidades, nos bairros, no campo, nas escolas e nas universidades.
Cair em uma abstração e generalismo do que é Educação Popular é tender para uma concepção liberal, burguesa e academicista de educação; a relação educador-educando no seio do marxismo-leninismo é um núcleo de poder paralelo do proletariado, de solidariedade de classe, de formação e formulação política. A sala de aula deve ser vista como o espaço de acesso irrestrito ao conhecimento sistematizado, ao cânone, ao conhecimento popular, à formação política, social e cultural.
A experiência que temos construído em Rio Grande é rica nesse sentido mas ainda muito frágil no que tange a formação de nossos educadores e à uma concepção teórico-metodológica de método para o trabalho educativo, justamente porque nos falta uma concepção ampla de experiências semelhantes pelo Brasil afora, bem como espaços de debate e sistematização de acúmulos entre camaradas que trabalham com a Educação Popular, para que se possa compartilhar experiências, métodos, e construir um trabalho uníssono baseado nas premissas do marxismo-leninismo e do programa geral por uma escola e universidade popular.
O trabalho educativo é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens.
Dermeval Saviani
Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. Campinas: Autores Associados, 2011.