'Por uma educação libertadora e uma universidade popular' (João Victor Nino)
Construir uma universidade popular é uma tarefa árdua, mas é fundamental para garantir que a educação superior seja um direito de todos, independentemente de sua origem social.
Por João Victor Nino para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
Vêm ocorrendo em todo o Brasil um avanço das políticas neoliberais, que têm se intensificado cada vez mais na sociedade brasileira. A burguesia cria problemas falsos para apresentar soluções igualmente falsas, e essas políticas neoliberais são precisamente essas soluções enganosas. Recentemente, assisti a um vídeo em que um burguês afirmava que era necessário manter desempregados na sociedade para que houvesse uma reserva de mão de obra para os capitalistas. Sua declaração revela como a burguesia enxerga o proletariado: como uma mera mercadoria, nada mais do que isso. Toda nossa humanidade é subjugada, reduzindo-nos unicamente à força de trabalho. Esse é o projeto da classe burguesa para a nossa classe: explorar-nos cada vez mais e alienar o proletariado, mantendo-o sem consciência de classe.
Primeiramente, eles nos privaram dos meios de produção e das ferramentas, deixando a classe praticamente sem nada. Classe essa que em sua luta pela sobrevivência, é obrigada a vender a única coisa que lhe resta: sua força de trabalho, que é cruelmente explorada pela burguesia. Dessa forma, o capitalismo opera, lucrando com a exploração da força de trabalho do proletariado, utilizando todos os meios possíveis para tornar o sistema de exploração ainda mais produtivo.
Além disso, a burguesia dissemina sua ideologia para alienar a classe trabalhadora. Essa ideologia está em constante evolução, pois a burguesia não pode existir sem revolucionar permanentemente os instrumentos de produção, portanto as relações de produção, portanto as relações sociais todas. Sendo a primeira consciência que o proletariado desenvolve, é essa consciência imediata que coloca o indivíduo contra outros indivíduos da mesma classe, pois a classe se vê na necessidade de sobreviver, sendo essa a consciência de um indivíduo inserido numa divisão social do trabalho. Lutando contra outros na concorrência do mercado. Essa consciência imediata da classe explica em parte por que a maioria dos proletariados se submete passivamente à ordem do capital, que mantém a exploração em vigor. Sendo a ideologia a arma mais perigosa da burguesia, pois divide a classe, dificultando a sua emancipação e a ruptura com o sistema de exploração. A burguesia sabe que a arma ideológica é aquela que proporciona a consciência de classe ao proletariado. A burguesia vive com medo de um proletariado consciente, especialmente se for uma massa considerável de proletariados organizados e conscientes.
É amplamente reconhecido que a educação, especialmente a educação popular, desempenha um papel fundamental no desenvolvimento da consciência de classe. Nesse sentido, as universidades públicas desempenharam um papel crucial no Brasil nas últimas décadas, impulsionadas principalmente pelas conquistas da classe trabalhadora durante as grandes greves do final do século passado, que abriram as portas da universidade para o proletariado. As universidades desempenham um papel crucial no desenvolvimento da consciência de nossa classe, especialmente nos cursos de ciências humanas. A educação é um método revolucionário que incomoda a burguesia, que tenta de todas as formas nos excluir das universidades, utilizando o poder do Estado para criar obstáculos ao acesso da nossa classe ao ensino superior. Vale lembrar que o moderno poder de Estado é apenas uma comissão que administra os negócios comunitários de toda a classe burguesa
Portanto, as universidades públicas não escapam dos planos das políticas neoliberais. Em todo o Brasil, há um processo deliberado de desvalorização dessas instituições. Esse sucateamento ocorre de maneira intencional, e devemos lembrar que, embora sejam instituições públicas, elas não são acessíveis a todos, e muitos que conseguem ingressar nelas têm dificuldade em se manter. As universidades públicas não são populares.
Em primeiro lugar, é importante destacar o processo injusto que ocorre para o acesso ao ensino superior, exemplificado pelo Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Este modelo de avaliação transforma a educação em uma mercadoria, o que, por sua vez, resulta em uma educação bancária repleta de deficiências. Primeiramente, ela falha ao tornar o processo educativo meramente um ato de preparação para exames, negligenciando completamente o desenvolvimento do senso crítico do aluno. Isso significa que os alunos não são devidamente capacitados para agir de maneira crítica e proativa na transformação de sua própria realidade. A abordagem da educação bancária, em que o conhecimento é transmitido do opressor para o oprimido, é um equívoco em nosso contexto, uma vez que serve aos interesses do opressor em perpetuar o sistema de opressão. É claro para nós, comunistas, identificar quem são os opressores (a burguesia) e quem são os oprimidos (o proletariado), e entender que todo esse processo ocorre de forma proposital para a desestruturação de nossa classe.
Além disso, esse sistema de ensino que transforma a educação em uma mercadoria não apenas negligência o desenvolvimento do senso crítico em nossa classe, mas também cria uma disparidade significativa entre as escolas privadas e as escolas públicas. Nas escolas privadas, o foco muitas vezes se concentra em preparar os alunos exclusivamente para exames de vestibular, enquanto as escolas públicas enfrentam um processo de sucateamento que desmotiva os alunos e não lhes fornece os recursos necessários para alcançar o ensino superior. São poucos os alunos que conseguem chegar lá, e ainda menos os que concluem seus cursos. Aqueles que conseguem ingressar geralmente acabam em cursos menos elitizados.
Essa falta de condições adequadas para nossa classe ocorre intencionalmente por parte da burguesia, que tem como objetivo utilizar as escolas privadas, especialmente as mais elitizadas, para formar a elite administrativa da sociedade. Para eles, a função das escolas públicas é produzir mão de obra barata para esses administradores. Isso evidencia a perpetuação da desigualdade social e econômica, com a burguesia controlando não apenas os meios de produção, mas também o acesso à educação de qualidade, deixando o proletariado em desvantagem e perpetuando a divisão de classes.
Para lidar com esses problemas, a burguesia apresenta soluções que visam desfavorecer cada vez mais nossa classe, como o novo modelo de ensino médio. Esse novo ensino médio enfraquece nossa educação, pois muitas disciplinas das áreas de humanas foram removidas e a carga horária reduzida. Isso limita ainda mais a capacidade de nossa classe desenvolver pensamento crítico e reflexivo sobre a atual situação que enfrentamos. Primeiro, a burguesia demonizou os professores, retratando-os como doutrinadores. Depois, impôs a ideia de uma "escola sem partido". Agora, estão tentando convencer nossa classe de que as ciências humanas são dispensáveis, que não acrescentam nada à vida dos jovens periféricos e que o ensino técnico é a solução para os problemas da falta de desemprego.
Sabemos muito bem que nas escolas privadas, os filhos da elite burguesa continuarão tendo acesso a todas as disciplinas que lhes são de direito, enquanto os jovens das classes mais baixas estão sendo privados do direito de desenvolver pensamento crítico. Isso representa mais uma estratégia da burguesia para manter o controle e a desigualdade, perpetuando o status em que a educação de qualidade é reservada apenas para os privilegiados, enquanto a classe trabalhadora é desfavorecida e impedida de questionar o sistema injusto em que vivemos. É fundamental destacar que não estou criticando a existência do ensino técnico em si, mas sim as condições em que está sendo implementado. O problema reside na forma como esse ensino técnico está sendo aplicado, com a remoção das ciências humanas e a promoção de falsas disciplinas sob a roupagem de coaching e meritocracia. Além disso, ele acaba produzindo uma mão de obra especializada em larga escala, atendendo aos interesses da burguesia. Conforme mencionado anteriormente, o objetivo da burguesia é aumentar a competição dentro da nossa classe, visando reduzir os custos de produção. Em um cenário em que há mais mão de obra disponível do que demanda, ocorre uma queda nos salários, como podemos observar no exemplo da sociedade cafeeira no início do século XX, em que a entrada em massa de imigrantes em São Paulo nas fazendas levou a uma drástica redução nos salários.
Compreendemos que a estratégia atual da burguesia é semelhante àquela empregada há um século, já que a mesma classe dominante continua exercendo seu poder. Portanto, é crucial reconhecer esses padrões históricos de exploração e desigualdade que têm sido perpetuados pela burguesia. Devemos persistir na luta por uma educação justa e emancipadora, buscando romper com o atual sistema. Uma das medidas necessárias é a abolição do sistema de vestibular, de modo a tornar a universidade acessível a todos, independentemente de sua origem social. Este é o primeiro passo em direção a uma universidade verdadeiramente inclusiva e popular.
Adicionalmente, devemos considerar a situação crítica das universidades públicas em si. Atualmente, enfrentam diversos desafios que dificultam a permanência dos estudantes. Um exemplo ilustrativo é a situação na USP, que atualmente está em greve devido à carência de professores. A falta de docentes é um problema significativo, não apenas atrasando a formação dos alunos, mas também sobrecarregando os demais professores, causando um desgaste mental considerável. Além disso, a escassez de professores pode levar ao encerramento de cursos, o que é uma preocupação adicional. Portanto, é essencial abordar essas questões de maneira eficaz, pressionando por investimentos adequados nas universidades públicas, valorização dos professores e a garantia de um ambiente educacional de qualidade para todos os estudantes.
Além disso, para tornar a universidade verdadeiramente popular, é fundamental garantir condições para que todos possam se manter nela. Isso inclui a disponibilidade de um Restaurante Universitário (RU) gratuito e de qualidade para todos os estudantes, o que infelizmente não é uma realidade na maioria das universidades. Um exemplo disso é a situação na Universidade do Estado do Pará, onde o RU não apenas serve uma quantidade insuficiente de comida, mas também não funciona no turno da noite. Isso deixa muitos estudantes com fome e prejudica o funcionamento do campus durante o período noturno.
É importante ressaltar que muitos estudantes precisam trabalhar para sustentar seus estudos, e muitas vezes o único tempo disponível para se dedicar aos estudos é à noite, devido à jornada de trabalho diurna. Portanto, a falta de serviços como o RU noturno acaba diminuindo a acessibilidade ao ensino superior e prejudicando aqueles que buscam melhorar suas vidas por meio da educação. Garantir a disponibilidade de RUs de qualidade e horários adequados é um dos passos importantes para tornar a universidade mais inclusiva. Adicionalmente, é crucial lutarmos pela implementação de bolsas de auxílio à permanência dos estudantes, bem como bolsas destinadas à pesquisa e ao ensino. Isso forma um pilar fundamental, uma vez que pesquisa e ensino estão intrinsecamente ligados, sendo impossível separar um do outro.
O papel dos comunistas na construção de uma universidade popular é de extrema importância, pois temos o dever de atuar como agentes de mudança e liderança nesse processo. Para alcançar esse objetivo, é fundamental promover todas as ideias já ditas acima. Além disso, os comunistas devem ser a vanguarda na conscientização da classe estudantil como um todo. Isso envolve a criação de espaços de debate e reflexão sobre a necessidade de uma universidade verdadeiramente inclusiva e acessível a todos. Propagar ideias que visem à igualdade de oportunidades e à erradicação das barreiras socioeconômicas é uma responsabilidade importante dos comunistas.
Construir uma universidade popular é uma tarefa árdua, mas é fundamental para garantir que a educação superior seja um direito de todos, independentemente de sua origem social. Os comunistas desempenham um papel vital nessa luta, liderando o caminho em direção a uma sociedade mais justa, onde a educação seja uma ferramenta de emancipação e não um privilégio de poucos.