'Por uma crítica do movimento estudantil secundarista' (Lilo Jardim)

A UBES ou qualquer outra entidade geral não está nos locais que precisamos disputar e muitas vezes não tem como chegar lá pela própria estrutura institucionalizada que se encontra ao longo dos anos de aparelhamento. Porque ela continua sendo nossa única tática para o MES?

'Por uma crítica do movimento estudantil secundarista' (Lilo Jardim)
"Não acredito que devemos parar de disputar as entidades, mas que devemos encarar o ME como um meio de potencial muito maior do que as limitações que se colocam a partir da disputa tradicional dele."

Por Lilo Jardim para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Por mais que na tese nº 87 das resoluções do IX Congresso da UJC coloquem que a UJC visará a não associação mecânica entre o movimento estudantil secundarista e o movimento estudantil universitário, não é isso que está contido no conteúdo de todas as outras 16 teses do segmento. Ironicamente, na tese 90 temos um erro de revisão que evidencia o copia e cola preguiçoso em nossas resoluções - “A UJC não deve reproduzir vícios sectaristas e dirigistas, fechando as portas do MUP para lutadores que, mesmo não sendo ainda comunistas, querem lutar pela escola Popular.”

Bem, além de o fato dessa tese evidenciar a pobreza de nossas formulações para com essa frente de atuação, ela também deixa claro a abstração completa do nosso programa de escola popular que não tem qualquer critério para se desenvolver na militância cotidiana, confundindo bandeiras agitativas sem nexo entre si com termos de profundidade teórica (omnilateralidade ??) que não encontram respaldo em nossas leituras obrigatórias dentro da pasta de formação política. Gostaria, primeiramente, de indicar a tribuna da camarada Évelyn Nunes “Por uma educação verdadeiramente popular” que aponta para a não definição política, prática e teórica das nossas concepções sobre educação popular.

Para além disso, essa tribuna é uma tentativa de iniciar uma crítica das nossas teses para o Movimento Estudantil Secundarista, buscando pensar a falta de acúmulos sérios e debates para esse campo como um dos vetores para o copia e cola preguiçoso das táticas do MEU para o MES. Evidentemente, esse debate também não sai do escopo da crise partidária e do federalismo, algo que precisa também ser devidamente situado dentro dessa discussão. Para isso, vou levantar a experiência do meu núcleo - Secundaristas RS, que atua na Grande Porto Alegre - como ilustração.

Somos um núcleo um tanto solitário que na maior parte de sua existência viveu sempre entre crises geracionais, com poucos debates fundados em estudos sérios e uma construção completamente isolada do MEP. Até onde sabemos, somos o único núcleo no RS que tocou algum trabalho relativo ao ME secundarista, mesmo que diversos núcleos-cidade já existissem, como em Santa Maria, Rio Grande, Caxias do Sul, Pelotas e etc. Também foram poucas as oportunidades que tivemos para partilhar nossos acúmulos com o estado. Em Porto Alegre, a célula de educação básica foi dissolvida há mais ou menos 1 ano. Mesmo assim, também tivemos pouquíssimo acesso a essa célula, tendo somente 1 camarada dela que permanceu no PCB, esquecido pelo CR e ficando sem célula, atuando de forma independente na escola em que leciona. Ou seja, um núcleo fadado a constante crise, seja geracional ou política, condenado ao exercício constante de autocríticas vazias pela incapacidade de atuação enquanto o real problema estava sendo deliberadamente tapado pela gestão política do federalismo. Minha compreensão é essa: o federalismo é a forma organizativa com que gesta a crise política do PCB, chegando a absurdos com a realidade anárquica da Grande Porto Alegre, já descrita por outros camaradas em outras tribunas, com fins de conservar uma direção decadente e vacilante.

Nesse sentido, tenho entendido o próprio MEP como uma forma organizativa sintomática do federalismo e, por sua vez, da crise política do PCB. Na etapa nuclear do IX Congresso da UJC, meu núcleo entendeu o MEP como mais uma terceirização do trabalho de massas nas escolas em um formato totalmente disforme. Lançando algumas questões que apareceram: o MEP nunca teve definição organizativa - é um coletivo do PCB? Se é, porque só a UJC toca o MEP como se fosse um coletivo de movimento estudantil? Quem pode militar no MEP? Pessoas de outras organizações podem militar no MEP, já que ele não é (ou é?) um coletivo do PCB? Se só independentes podem militar no MEP, já que ele é (ou não?) um coletivo do PCB, como fazer para não assumir uma postura dirigista frente às bases? Se não comunistas podem militar no MEP, o que fazemos se uma medida reformista é proposta e acatada pela base, mesmo com espaços de convencimento? Se, de acordo com a resolução 90, não devemos fechar as portas do MEP para lutadores não comunistas que querem lutar pela escola popular, quer dizer que nosso programa de escola popular não é comunista?

Enfim, camaradas, algumas contradições que considero meio básicas mas que sequer foram debatidas qualificadamente pelo pleno no IX Congresso Nacional da UJC. Na oportunidade de debatermos a polêmica em torno do MEP, tivemos que reduzir a questão à existência ou não de uma conferência política nacional para debate exclusivo do MEP, uma vez que ele é subordinado ao PCB e o seu fim ou não só poderia ser debatido pelo próprio PCB. Sequer chegamos a tocar no mérito político da questão justamente por conta do federalismo. A UJC constrói praticamente sozinha o MEP e não pode debater em congresso sobre a política que respalda sua existência?

De qualquer forma, o pleno votou majoritariamente que não deveria existir essa Conferência, algo que me deixou muito curioso. Por que, afinal, essas contradições referentes ao MEP eram tão aparentes no meu núcleo e no restante dos estados, não? Não tenho certeza se consigo responder com qualidade a essa questão, mas no mínimo duas alternativas conectadas de respostas surgem na minha cabeça: 1 - que possa haver uma espécie de “pecebismo” desenvolvido em torno do MEP “mepismo” que cria uma certa resistência às críticas a essa instância. Coloco isso porque na primeira crítica ao MEP que presenciei, provocada por outra camarada do meu núcleo, senti exatamente isso, um apego emocional ao MEP, já que boa parte da minha formação como militante tinha se dado lá, não na UJC. 2 - Esse apego se constrói porque o MEP parece um espaço propício para atuação, ao contrário das instâncias diretamente subordinadas à burocracia partidária: é independente o suficiente do PCB para poder atuar autonomamente sem interferências burocráticas dos organismos superiores, criando experiências positivas, mesmo que não centralizadas. É como uma plantinha que cresce em meio às rachaduras do asfalto, não tem qualquer solo fértil para se enraizar e crescer de forma saudável, mas existe ali como sintoma de uma força de vontade inspiradora apesar de todo o ambiente inóspito que o cerca. Então, entre não ter nada e ter uma mudinha de rachadura, preferimos nos apegar a essa mudinha.

Para um exemplo ainda mais claro disso, quero levantar as formações que fazíamos no MEP RS. Elas eram muito mais qualitativas do que qualquer formação que fizéssemos no núcleo da UJC, simplesmente porque elas não estavam presas dentro dos formatos engessados e bancários da lista de leituras nacional. Tivemos um espaço de livre formulação no MEP em que ao mesmo tempo em que fizemos a crítica à formação da UJC, formulamos um formato experimental, que, longe de ser o ideal, foi base para a crítica da Formação política que colocou o RS como um dos estados onde a formação política é mais avançada no Brasil.

Por isso, camaradas, se vamos fazer a crítica ao federalismo e à crise política do PCB, precisamos tocar no Movimento Estudantil Secundarista e no mérito político que constitui a existência do MEP. Mesmo que existam muitas experiências positivas ao redor do país que possam e devem ser aproveitadas, como a formação no RS, isso precisa ser encarado como uma solução organizativa que tapa-buraco, mas não soluciona os problemas que estão na raiz da crise que culmina nesse racha e que também respalda a existência de deformações como o MEP.

Novamente para as teses:

91.  UJC  seguirá,  através  do  MEP,  nas  disputas  da  UBES  fazendo  oposição  ao  campo democrático  popular  e  a  conciliação  de  classes,  fortalecendo  a  linha  revolucionária  dentro  da entidade,  denunciando  o  apassivamento  feito  pela  majoritária,  reivindicando  uma  entidade construída pelas bases e participando ativamente dos seus fóruns e espaços, contudo deverá realizar um planejamento de médio e longo prazo para ampliação da nossa atuação nas entidades nacional, estaduais, regionais e locais e para o fortalecimento destas, a ser compartilhado com o PCB, criando grêmios combativos onde eles não existem e disputando o movimento estudantil secundarista dentro das Escolas de Ensino Técnico. Nesse processo, é necessária a compreensão e honestidade quanto às limitações dessas entidades hoje, em muitos casos por conta de suas direções majoritárias.
92. O eixo central da UJC no movimento estudantil secundarista será a reconstrução e a rearticulação das entidades estudantis, especialmente as entidades de base, assim como o aumento de nossa capilaridade nestas. Para isso, será fundamental a disputa e gestão de entidades gerais, com o objetivo de potencializar a rede do movimento, aglutinar entidades já existentes e auxiliar na construção dessas onde não existirem. A UJC deverá, também, buscar a criação e regularização das entidades  estaduais,  regionais,  municipais  e  locais  onde  estas  não  existirem  ou  estiverem desativadas. (grifo nosso)

A tese 91 aponta a existência de limitações das entidades gerais hoje, algo que não é desenvolvido em mais nenhum outro lugar. Ao mesmo tempo, apesar dessas limitações, a tese 92 afirma que será por meio das disputas das entidades gerais que faremos a reconstrução e rearticulação das entidades de base. São teses que além de não conversarem entre si, demonstram a profunda falta de formulação para o ME. A tese 92, por exemplo, faz uma inversão muito sintomática ao delegar a tática de disputa das entidades de base à presença nas entidades gerais quando todas ou quase todas as entidades gerais limitam sua atuação aos vícios institucionais da social democracia. Isso é, também, limitar nossa atuação nas entidades de base.

O trecho a seguir faz parte de um documento produzido pelo meu núcleo que ainda não foi publicado.

Algo que não pode continuar sendo reproduzido, por exemplo, é a disputa pela disputa. Uma disputa que imita boa parte das táticas adotadas pelas juventudes majoritárias que consiste em atuar com afinco durante as campanhas para eleições mas relativizar nossa responsabilidade na atuação cotidiana e criação de vínculos reais com os setores mais consequentes da classe trabalhadora, que não são contemplados pelo limite quase sempre institucional de atuação na UMESPA e demais entidades. Afinal, mesmo que possamos disputar algumas cadeiras, não vamos conquistar qualquer hegemonia ou exercer influência o suficiente somente pela via de uma disputa afastada da realidade da classe trabalhadora. Até mesmo porque não podemos separar a estrutura das entidades da linha política com a qual elas vêm sendo construídas nos útlimos anos e ter qualquer ilusão de que voltaremos a dirigir a UBES como na época em que a fundamos. Se quisermos mudar a lógica do MES para além das estruturas apequenadas pela democracia burguesa, precisamos ser ousados: reconhecer os limites de uma atuação ultrapassada e elaborar táticas novas, criativas e voltadas de fato à construção do poder popular.

Isso é, camaradas, a UBES ou qualquer outra entidade geral não está nos locais que precisamos disputar e muitas vezes não tem como chegar lá pela própria estrutura institucionalizada que se encontra ao longo dos anos de aparelhamento. Porque ela continua sendo nossa única tática para o MES?

Não acredito que devemos parar de disputar as entidades, mas que devemos encarar o ME como um meio de potencial muito maior do que as limitações que se colocam a partir da disputa tradicional dele.

Isso não quer dizer que deixaremos a construção das entidades gerais de lado, mas que a criação de hegemonia dentro delas deve vir como consequência de nossa atuação radicalizada diretamente nas bases da classe trabalhadora, não como meio ensimesmado de atuação. Nunca conseguiremos convencer que nossa linha é acertada se fazemos isso somente através de discursos nos mesmos espaços mediados e limitados pela democracia burguesa, mas somente através da práxis revolucionária. Nossos palanques não devem ser negociados com juventudes que se contentam com vitórias parciais, mas construído com aqueles que não aceitam nada senão a vitória da classe trabalhadora.

Nossa tarefa para o XVII Congresso deve ser a de entender o papel da escola dentro da cadeia produtiva e como meio de vivência da classe e, a partir disso, formular políticas de atuação para o MES verdadeiramente populares.

Uma alternativa que vem sendo elaborada no meu núcleo - ainda não construída devido às infinitas crises - é a possibilidade de criação de um periódico local político-cultural que deve ser construído pelos próprios grêmios estudantis de forma unificada, com o objetivo de gerar coesão entre as entidades de base e um respaldo real para a construção de uma entidade geral - que ainda não está organizada na localidade para qual o periódico vem sendo pensado. Isso em razão de que a construção da entidade de forma isolada perpassa pelas mesmas limitações de quaisquer outras entidades gerais: é uma estrutura muito grande para a UJC dar conta sozinha com a nossa força atual, seremos muito provavelmente atropelados por UJS e cia. além de que reproduz uma tática ensimesmada afastada da realidade da maioria dos estudantes periféricos.

Finalizo minha tribuna convidando os camaradas secundaristas a escreverem sobre seus acúmulos! Precisamos muito dessa troca.

Ousar, criar, escola popular!