'Por um salto qualitativo' (Movimento Marxista 5 de Maio – MM5)
Falamos em termos leninistas: da criação no curto prazo do núcleo de um partido revolucionário do proletariado brasileiro. É este o momento que não podemos perder.
Por Movimento Marxista 5 de Maio – MM5 para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
Camaradas,
Em nossa tribuna anterior (“Tudo a ganhar, tudo a perder”) buscamos enfatizar a natureza, a dimensão e as perspectivas do processo de rompimento do RR com o PCB. Repetimos aqui que estamos diante de um fato histórico, ou seja, um acontecimento com capacidade potencial de alterar as condições subjetivas das lutas de classes no país, instalando um novo solo no qual transcorrerão a partir desse fato os embates entre burguesia e proletariado. Falamos em termos leninistas: da criação no curto prazo do núcleo de um partido revolucionário do proletariado brasileiro. É este o momento que não podemos perder.
E é nestes momentos de decisão que a luta de classes exige dos comunistas aquilo que eles têm de mais decisivo: o compromisso revolucionário. Concretamente, hoje precisamos mais que tudo daquilo que temos em nosso arsenal: humildade revolucionária. Permitam-nos, camaradas, falar daqueles restos pequeno-burgueses que, como alertava Lênin, ainda trazemos em nossas consciências. A luta é dura, difícil, mas podemos vencer. E venceremos.
- Do nosso ponto de vista, emerge entre os vários fatores imediatos que motivaram o fracionamento, o nó vital que os amarra em seu aspecto mais agudo, a questão ideológica. Na realidade, uma leitura rigorosa do programa da RR traz à vista os mesmos métodos reformistas, gramscianos e mesmo trotsquistas que arquitetaram o programa do PCB. Ou seja, o mesmo método antimarxista, antidialético portanto. Que nos desculpem os camaradas se somos tão diretos, mas o tempo não nos propicia o luxo da sua perda, de especulações, de indiretas e eufemismos. Então, especificamente, qual é esta questão ideológica?
- Toda uma reflexão acerca do processo de rompimento, desde seus primórdios até seus termos finais, aponta como causa principal deste processo uma rebeldia coletiva à acomodação à lógica do capital e a renúncia oficiosa à utopia revolucionária motivadas, no fundo, pelo abandono do marxismo. É isso que unifica as diversas – sim, são diversas – linhas da militância que optaram pelo fracionamento, dado o sepultamento prático do sonho revolucionário operado pela direção do PCB. Ilude-se, acreditamos, quem operar com a suposição de que o eixo das divergências se encontraria na questão internacional. Do mesmo modo, é ilusório o julgamento que busca as causas dos males no comportamento ditatorial, antileninista, deste ou daquele dirigente, da maioria deles ou de todos eles. Houve tudo isso? Claro. Mas não se encontra aí a raiz da questão. Mais que nunca precisamos ser radicais.
- Foi um programa formulado a partir da mistura venenosa reformismo-gramscianismo-trotsquismo que levou o PCB a se transformar em um partido socialdemocrata, etapista, acomodado, pálido, sem sonhos, sem utopia. Na medida em que a tomada do poder é substituída pela conquista de pedaços, maiores ou menores, de poder ainda no interior do capitalismo, a utopia da tomada do estado burguês por um ato revolucionário do proletariado comandado por sua vanguarda comunista – alimento ideológico fundamental da militância revolucionária – é jogada na lata do lixo. Na medida em que este ilusório e hipotético abocanhamento cotidiano assume ares de estratégia em um partido, estaremos diante de uma velha trilha construída a seis mãos por Bernstein, Gramsci e Trotsky. É contra isso que os camaradas do RR, revolucionários, se insurgiram: contra o assassinato da utopia revolucionária.
- Mas a raiz do mal ainda se encontra instalado em nossas salas de visita: o programa do RR simplesmente repete aquele programa evolucionista, antirrevolucionário, ideologicamente desmobilizador, do PCB. Vejamos a seguir alguns dos pontos que consideramos mais importantes.
- É preciso ressaltar, de início, os pontos positivos deste programa do RR, enquanto mesmo pontos de partida: a) a proposta da criação de um partido independente e de vanguarda; b) a defesa da ditadura do proletariado; c) a adoção do marxismo leninismo; d) o internacionalismo proletário; e) a inviabilidade de uma revolução nacional-democrática no Brasil. Compartilhamos estes pontos, mas somente como pontos de partida, princípios gerais, não pontos de chegada, já que o programa não define uma estratégia revolucionária, e quando pretende fazê-lo acaba desastrosamente se referindo à natureza da formação social, um fator de natureza objetiva em um programa revolucionário marxista, quando no marxismo leninismo a estratégia é um fator subjetivo, um plano geral de tomada do poder elaborado pela vanguarda comunista. E o erro do programa não ocorre por acaso: como argumentariam Bernstein, Trotsky e Gramsci, a própria formação social capitalista já seria revolucionária em si, e cada pedaço que dela obtivéssemos em lutas isoladas contra aspectos da dominação política, econômica ou ideológica da burguesia já seria igualmente um ganho revolucionário “estratégico”, mesmo que ainda no interior do capitalismo. Reforma, guerra de posição, programa de transição. Mudam os nomes mas a coisa é a mesma.
- Quanto à afirmação de que há uma “guerra imperialista na Ucrânia” e à formulação de que o Brics seria “um bloco sub-imperialista”, consideramos estes temas menos urgentes, correndo mesmo o risco de assumir uma prioridade que objetivamente não têm, bloqueando assim a discussão mais urgente. São termos de atualidade, não programáticos. Propomos deixá-los para uma discussão posterior, já no interior do núcleo do partido revolucionário que pretendemos, e necessitamos, criar neste congresso.
- “Revolução proletária internacional”. Se se entende isso do ponto de vista trotsquista da hipotética impossibilidade do socialismo em um só país, se é disso que se trata, somos frontalmente contra, já que preferimos ficar com Lênin na defesa da possibilidade do socialismo em um só país. Sugerimos aqui a consulta a dois textos de Lênin: “Sobre a palavra de ordem dos Estados Unidos da Europa” e “A questão militar da revolução proletária”.
- A tipificação da atual conjuntura como “um período de intensas lutas entre as classes sociais” não expressa a realidade da paralisia da luta classista aberta e direta entre burguesia e proletariado. O Brasil é uma das formações sociais em esta realidade se impõe de forma insofismável mesmo a um primeiro olhar.
- Registremos algumas das reivindicações tomadas como programáticas pelo programa do RR: a)redução da jornada de trabalho; b)demissão sem justa causa; c)aumento do salário mínimo; d)igualdade salarial; licença parental de 300 dias; e)inspetores laborais; f)reforma da previdência; g) direito de greve; h)construção de moradias e creches; i)extinção do senado; j) “...participação popular na segurança pública, com treinamento e armamento organizado de todo o povo, sob o controle democrático direto”; l) “...em seu conjunto (essas medidas) apontam para a transição a uma sociedade sob controle dos trabalhadores, uma sociedade socialista”.
- Ora, camaradas, estamos diante da letra do “Programa de Transição” trotsquista, escrito de próprio punho por Trotsky em 1938, cujo conceito-base é o da “revolução permanente”, suportada pela ideia, não mais que uma ideia, de que a partir daquele momento o capitalismo teria ingressado em uma era de irreprodutibilidade sistêmica, não sendo mais possível a produção de mais-valia. A história se encarregou, ela própria, de desmentir tal absurdo. E é este mesmo absurdo que joga metodologicamente na lata do lixo o conceito de conjuntura, essencial no pensamento político de Marx e Lênin, e esteio epistemológico da lei dialética da transformação da quantidade em qualidade – espaço em que se situa no materialismo histórico a própria possibilidade da revolução proletária.
- Poder popular. O programa do RR não diz se estamos falando de estratégia ou não quando propõe um processo de construção de um ‘poder popular’ a qualquer tempo e lugar no capitalismo, construção de um “contrapoder”, definido como “democracia direta construída na luta (as acima relatadas) pelos trabalhadores”, tipificando uma “dualidade de poderes”. Pergunta-se: fala-se aqui de uma situação ou de uma fase histórica? O programa simplesmente não responde a esta questão – simplesmente porque seu método gradualista, etapista, reformista, não permite colocar esta questão.
- Conclusão lógica: se a transformação revolucionária se faz de forma gradual dentro do capitalismo, então não se precisa de um partido leninista, mas de um partido socialdemocrata, sindicaleiro, um partido imediatista. É em que o PCB se transformou ao adotar uma lógica e uma ética que, no limite, instrumentalizam uma prática oportunista, de oportunidades. E a qualidade maior que se exige à concretização desta prática é a esperteza para ‘aproveitar as oportunidades’. E lá se vai o partido que se pretendia revolucionário água abaixo, deslizando pelo terreno escorregadio que o transformaria fatalmente em um novo PSOL. Um partido em que a utopia revolucionária acabaria oficialmente substituída pelo imediatismo pequeno-burguês.
- Continuando no “poder popular”. Segundo o programa do RR, trata-se da “...materialização da hegemonia do proletariado em um processo de luta rumo à sua constituição como classe dominante.” (grifos nossos) E o que é a construção desse poder popular? Responde o programa: “A construção do poder popular, assim, é nada mais do que a construção de um poder paralelo ao estado burguês.” Em Marx e em Lênin, o erguimento do proletariado ao poder se faz com a destruição do estado burguês através de um ato revolucionário – não de processos como querem o reformismo clássico, o gramscianismo e o trotsquismo.
- Defende o programa do RR: “...ordem pública seja mantida pelos próprios trabalhadores, pelo próprio povo armado.” Como? Quando? Em que conjuntura? Mas não existe conjuntura para o método que norteia o programa. De todo modo, há traços de anarquismo aí. Também explicitamente: a burocracia do estado deve ser substituída pelo “...poder imediato do próprio povo, pessoas do próprio povo elegíveis e exoneráveis.”
- Concluindo, propomos formalmente aos camaradas que releiam o item 5 acima, onde destacamos nossa perfeita identificação com aqueles princípios defendidos pelo RR. Não partimos do nada, portanto. Que nossas críticas sejam então tomadas como contribuição ao um debate já parametrizado pelos camaradas. Por isso, estamos certos de que as mesmas serão tomadas na linha da soma, não da divisão.