Por que Israel não deveria disputar as Olimpíadas?
A tentativa de Israel de realizar o 'sportswashing' não é algo novo; essa prática já ocorre em diversos esportes, mas principalmente no futebol, com destaque para a seleção nacional israelense, representada pela IFA.
Por Redação
A menos de 100 dias dos Jogos Olímpicos em Paris, e após a seleção de futebol israelense disputar partidas que poderiam tê-la classificado para a Eurocopa, surge o debate sobre o papel político do esporte na tentativa de legitimar o projeto colonialista do suposto Estado de Israel.
Com o reconhecimento por parte da ONU dos crimes militares de Israel e do genocídio promovido contra o povo palestino [1], fica cada vez mais claro a necessidade de um posicionamento por parte do Comitê Olímpico Internacional (COI) e da FIFA, declarando a suspensão da participação das equipes e delegações de Israel em competições esportivas internacionais.
A participação de Israel em competições esportivas internacionais, principalmente nos Jogos Olímpicos que se aproximam, onde até o momento mais de 60 atletas israelenses se classificaram para a disputa, ocorre na tentativa de realizar uma espécie de limpeza de reputação diante dos crimes de guerra que tem cometido, principalmente em Gaza. Com o esporte, há a possibilidade de humanizar a postura de todo um 'país' por meio das histórias individuais de cada atleta. Dessa forma, o COI, ao banir Israel dos Jogos Olímpicos, deveria buscar apenas possibilitar que atletas israelenses compitam sob bandeira neutra, como há o precedente, visto que o mesmo ocorrerá para atletas de origem russa [2], evitando assim que Israel utilize seus atletas como diplomatas de guerra na tentativa de realizar uma lavagem de imagem diante do genocídio que comete contra o povo palestino.
A tentativa de Israel de realizar o 'sportswashing' não é algo novo; essa prática já ocorre em diversos esportes, mas principalmente no futebol, com destaque para a seleção nacional israelense, representada pela IFA. Em 1974, por decisão da Confederação Asiática de Futebol (AFC), Israel foi banido da AFC e da Copa Asiática devido à guerra dos Seis Dias e sua postura colonialista e invasora no Oriente Médio. Na busca por legitimidade como país reconhecido internacionalmente, Israel foi acolhido pela UEFA para participar dos torneios europeus, embora nunca tenha conseguido se classificar para uma Eurocopa, desempenhando um papel secundário dentro da confederação europeia [3].
Enquanto o governo israelense intensificava os ataques militares contra o povo palestino no final de 2023, a IFA começou a buscar uma aproximação com a CONMEBOL, iniciativa que foi acolhida pelo presidente da confederação, o paraguaio Alejandro Domínguez. Em 11 de abril deste ano, em meio à contínua ação militar israelense em Gaza e aos constantes ataques aéreos contra os palestinos, essa aproximação se concretizou com a assinatura de um acordo entre CONMEBOL e IFA para cooperação mútua visando o fortalecimento e desenvolvimento do futebol israelense. Na prática, isso poderia permitir que a seleção de Israel disputasse jogos em competições oficiais da CONMEBOL, como possíveis edições futuras da Copa América [4].
Este acordo evidencia uma clara tentativa de 'sportswashing' por parte de Israel, especialmente diante das crescentes pressões internacionais provenientes de países da América Latina contra o genocídio e a colonização promovidos por Israel no território palestino. Exemplos dessas pressões incluem a decisão da Bolívia de romper relações diplomáticas com Israel, as sanções colombianas às compras de armas israelenses e as ameaças de rompimento de relações diplomáticas caso não haja um cessar-fogo. Além disso, o discurso de Lula na Cúpula das Nações Africanas, reconhecendo e pedindo sanções coletivas contra a postura genocida de Israel, e, principalmente, a luta sistemática de mobilização popular e boicote da população dos países da América Latina, denunciando os crimes de Israel, foram fatores que ajudaram a pressionar seus governantes a assumirem tais posições oficialmente.
Até o momento, dos mais de 32.000 palestinos assassinados pela incursão militar genocida do Estado Sionista de Israel na Palestina, especialmente em Gaza, mais de 1000 atletas palestinos foram mortos, incluindo 158 atletas profissionais, dos quais 91 eram jogadores de futebol [5]. O número incrivelmente alto de atletas mortos ocorre porque a maioria dessas pessoas eram jovens atletas ainda não profissionais, mas que tinham potencial para competir e se profissionalizar, possivelmente rumo a uma classificação para os Jogos Olímpicos, interrompida devido aos ataques militares das forças israelenses contra o povo palestino.
Desde a assinatura dos Acordos de Oslo, que visavam estabelecer uma solução pacífica através da construção de um estado palestino desmilitarizado, houve uma divisão territorial que definiu o controle civil palestino sobre parte dos Territórios Palestinos, principalmente na Faixa de Gaza e na Cisjordânia. Como se não bastasse o recuo político resultante dos Acordos de Oslo, Israel violou a autonomia extremamente limitada dos palestinos e expandiu consideravelmente seu domínio sobre os territórios palestinos, especialmente na Cisjordânia. Dessa forma, o Estado de Israel impôs restrições à liberdade de circulação dos palestinos, incluindo atletas, principalmente entre a Cisjordânia e Gaza. Atletas palestinos foram submetidos a interrogatórios em postos de controle israelenses ao viajarem para competições internacionais ou mesmo para treinarem com colegas em diferentes regiões palestinas. Além disso, muitos jogadores de futebol palestinos tiveram suas carreiras interrompidas devido a ferimentos causados por disparos das forças de ocupação israelenses, comprometendo gravemente sua capacidade de prosseguir com suas carreiras esportivas.
Os ataques israelenses contra a possibilidade da prática esportiva, seja como lazer, seja de maneira profissional, não se iniciaram após 7 de outubro de 2023; ainda em 2012, Israel demoliu um centro comunitário em Silwan que atendia dois grupos de futebol e 300 crianças[6]. Em 2015, movimentos de solidariedade à Palestina em todo o mundo se organizaram para pressionar a FIFA a proibir a participação de Israel em competições internacionais, devido à sua política de perpetuação de um regime de apartheid em relação ao povo palestino, além das prisões de jogadores da seleção nacional palestina. Esses episódios destacam uma longa história de interferência e restrições impostas por Israel ao desenvolvimento e à participação dos palestinos no cenário esportivo[7].
Em novembro de 2023, Thomas Bach, presidente do COI, alegou que a posição do Comitê Olímpico sobre o conflito se dava a partir do reconhecimento das delegações esportivas dos dois países, assumindo a posição de 'Dois Estados' dentro dos Jogos Olímpicos[8]. Tal posição de neutralidade viu o tempo passar, com o avanço colonialista das tropas israelenses ocorrendo dentro do território de Gaza, resultando em mais de 32.000 palestinos mortos pelas forças militares israelenses desde outubro de 2023. O número de atletas atingidos ultrapassou a casa dos milhares, e a população palestina de Gaza foi expulsa de seu território por conta dos bombardeios aéreos incessantes, tornando-se prisioneira de sua própria terra, em Rafah, o último local “livre de bombardeios” ameaçado diariamente pelo desejo sanguinário de expulsão completa do povo palestina de Gaza.
A neutralidade do Comitê Olímpico Internacional agiu como se Israel e Palestina estivessem em posição de igualdade. Essa postura fez com que a falta de sanções ou o banimento de Israel de participar dos Jogos Olímpicos não ocorressem, mesmo com a ação militar israelense em Gaza e na Cisjordânia prejudicando a possibilidade real de participação de atletas ou times palestinos, tanto na classificação quanto na competição de uma Olimpíada.
Essa 'neutralidade' se desfaz ao analisarmos as condições reais de disputa esportiva entre Israel e Palestina e os impactos do apartheid israelense na vida dos palestinos. Enquanto Israel se classificou para disputar o futebol nos Jogos Olímpicos de Paris, o time olímpico de futebol da Palestina teve seu técnico morto durante ataques aéreos das forças militares israelenses[9]. Atletas da equipe profissional de futebol, convocados para jogar a Copa da Ásia no início do ano, foram mortos antes de poderem viajar com a delegação. Enquanto times israelenses conseguem ter estrutura para disputar competições europeias como a Champions League ou a Europa League, as estruturas dos times palestinos são destruídas por ataques aéreos israelenses, como o Estádio Yarmouk em Gaza, que foi destruído após ser usado como campo de detenção de jovens palestinos pelo exército israelense[10]. Nagham Abu Samra, uma jovem karateca que estava na fila para representar a delegação olímpica palestina na modalidade, e que já havia sido campeã nacional, foi amputada após um ataque aéreo e acabou não resistindo[11].
Fora os ataques militares em Gaza, a possibilidade de acesso ao esporte, ao lazer e à vida é sistematicamente negada ao povo palestino devido ao regime de apartheid promovido pelo estado de Israel. Em um relatório da Human Rights Watch, foi constatada a existência de quase uma dezena de clubes esportivos que funcionam em territórios de assentamentos ilegais, formados a partir do roubo de terras palestinas na região da Cisjordânia. Alguns desses clubes são financiados pelo orçamento público israelense para promover empregos e lazer aos colonos israelenses, ao mesmo tempo que negam a possibilidade de acesso e uso de quadras ou estruturas para a população palestina local, simplesmente pelo fato de serem palestinos[12]. Tais clubes são associados à IFA (Associação de Futebol de Israel), à UEFA e à FIFA, e geram receitas para essas organizações por meio de vendas de ingressos, direitos de transmissão e transferências de jogadores para ligas maiores.
Uma das questões de pressão contra o COI e a FIFA surge devido à guerra interimperialista que ocorre no território ucraniano, entre Rússia e a OTAN. Essas entidades tomaram o lado do bloco imperialista UE-EUA e sancionaram a participação das delegações russas em competições internacionais, ao mesmo tempo em que se recusam a buscar pressionar pelo fim das operações militares em Gaza, não impondo a não participação das delegações israelenses, que utilizam esse espaço de competição internacional como palanque para a legitimação de seu projeto colonialista. Essas entidades tomarem tal medida não seria algo inédito, já que durante o apartheid na África do Sul, tanto o COI quanto a FIFA barraram a participação das seleções nacionais sul-africanas por quase 30 anos, buscando impor sanções políticas para que se desse fim ao regime de segregação social.[13]
Pensando nos Jogos Olímpicos, caso o COI não tome as providências necessárias e busque romper e barrar a participação de Israel nas Olimpíadas de Paris, nossa responsabilidade enquanto ativistas em defesa da liberdade palestina é buscar ser criativos sempre que a bandeira de Israel aparecer durante os jogos, utilizando esses momentos para denunciar seus crimes de guerra, seu processo de colonização, apartheid e o genocídio do povo palestino. Para os atletas brasileiros que venham a se classificar e competir com atletas israelenses, a posição deve ser a de cobrar que adotem posturas semelhantes às dos atletas irlandeses que se pronunciaram a favor do impedimento da participação da delegação israelense nos Jogos Olímpicos, ou que tomem a posição de denunciar os crimes de Israel e defender a Palestina livre.
Tal tomada de posição só será acatada, seja pelos atletas brasileiros seja por quem acompanha os Jogos Olímpicos, com um profundo e constante trabalho político de nossos militantes e apoiadores, no sentido de produzir agitação e pressão pela defesa do povo palestino através da construção de atos pelo cessar-fogo imediato, na formação de comitês de solidariedade ao povo palestino e nos processos de denúncia e organização de boicotes coletivos às empresas que estejam no Brasil e financiem o Estado ilegítimo de Israel. Não devemos nos acostumar com o genocídio do povo palestino, e os quase 200 dias de conflitos jamais devem ser tratados com naturalidade. Não devemos esquecer de nossos irmãos e irmãs na Palestina por nenhum minuto.
Fontes
[1]https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2024-03/relatora-da-onu-diz-que-israel-comete-genocidio-na-faixa-de-gaza
[2]https://ge.globo.com/olimpiadas/noticia/2023/12/08/paris-2024-coi-decide-que-atletas-russos-vao-competir-com-bandeira-neutra.ghtml
[3]https://www.brasildefato.com.br/2024/02/09/paises-arabes-pedem-que-fifa-expulse-israel-da-copa-do-mundo-por-massacre-em-gaza#:~:text=Uma%20das%20maiores%20anomalias%20do,movimento%20liderado%20pelos%20pa%C3%ADses%20%C3%A1rabes
[4]https://as.com/futbol/internacional/israel-firma-con-conmebol-y-podria-participar-en-la-copa-america-n/?outputType=amp
[5]https://trivela.com.br/asia-oceania/ex-jogador-selecao-palestina-morto-faixa-de-gaza/
[6]https://idanlandau.com/2012/02/15/arabs-bad-for-landscape/
[7]https://electronicintifada.net/blogs/patrick-strickland/will-israel-be-kicked-out-fifa-abusing-palestinian-players
[8]https://www.google.com/amp/s/www.folhape.com.br/noticia/amp/303924/coi-defende-a-vantagem-de-contar-com-comites-nacionais-israelense-e/
[9]https://www.palestinechronicle.com/palestine-olympic-football-team-coach-killed-by-israel-in-gaza-over-1000-athletes-killed-so-far/
[10]https://www.jordannews.jo/Section-20/Middle-East/Israeli-forces-level-Yarmouk-Stadium-in-Gaza-33514
[11]https://www.aljazeera.com/sports/2024/2/27/nagham-abu-samra-palestinian-karate-champion-israel-war-on-gaza
[12]https://www.hrw.org/news/2016/09/25/israel/palestine-fifa-sponsoring-games-seized-land