'Por canções que propaguem nossa ideologia: análise do hino Conquistar a Terra' (Camarada Johnatan)

Podemos usar esse tipo de música em muitos casos, desde atos de rua, até em místicas na abertura e fechamento de eventos, agitação nas redes, etc.

'Por canções que propaguem nossa ideologia: análise do hino Conquistar a Terra' (Camarada Johnatan)

Por Camarada Johnatan para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Saudações camaradas!

Trago uma discussão sobre utilização da música como ferramenta política, em particular a canção na agitação e propaganda, e com a análise do hino Conquistar a Terra, exemplifico que de que tipo de canção precisamos pra melhor espalhar nossa ideologia. 

É provável que um dos primeiros casos de música desenvolvida para uso político por comunistas (como entendemos hoje) tenho sido o Hino da Internacional Comunista que foi traduzido para dezenas de idiomas e hoje é conhecida pela grande maioria dos comunistas. Mas será que devemos tentar usar esse hino para agitação e propaganda no Brasil de hoje? Vamos analisar a primeira estrofe: “De pé, oh vítimas da fome | De pé, famélicos da terra | Da ideia o povo já consome | A crosta bruta que a soterra | Cortai o mal bem pelo fundo | De pé, de pé, não mais senhores | Se nada somos em tal mundo | Sejamos tudo, oh produtores”. Para a grande parte da classe trabalhadora, tanto a estrutura gramatical quanto o vocabulário utilizado dificultam o entendimento da ideologia sendo agitada. Duvido que 5% das pessoas do meu bairro entenderiam o significado de “famélicos” e “soterra” e muito menos entenderiam o que significa “não mais senhores” ou “sejamos tudo, oh produtores” quando colocados desta forma. Isso significa que a canção é inútil? Claro que não. Para nós, ela apresenta nossas ideias, gera um sentimento de união entre camaradas e com frequência nos emocionamos ao ouvi-la. Devemos usa-la em momentos de socialização entre camaradas para reforçar nossa ideologia e laços de camaradagem. Um uso claramente político, porém, não para agitação e propaganda. Para mais músicas nessa linha de utilização, recomento a página de músicas do marxista.org e as canções do bloco da Bateria Vermelha.

Muitas músicas já foram feitas para ter um caráter de agitação política com viés da classe trabalhadora e contestação da política burguesa. Talvez o maior exemplo disso nas últimas décadas seja o Rap, por exemplo, como Racionais MC's denunciando as condições de vida nas periferias urbanas e a brutalidade policial. Antes disso tivemos casos como Bezerra da Silva cantando sobre o uso da maconha e contra a criminalização. São movimentos espontâneos que partem da classe trabalhadora não organizada na perspectiva revolucionária para amenizar as mazelas do capitalismo. A grande maioria não faz agitação e propaganda comunista, nem indicam o caminho da revolução, nem apresentam a ideologia comunista conforme nós precisamos fazer. Porém, essas canções são uma grande fonte de radicalização de trabalhadores para a ideologia comunista. Então devemos fazer uso em contextos adequados, por exemplo, podemos usar Racionais MC’s quando fazermos denúncias a miséria das periferias do capitalismo, violência policial e em diferentes momentos junto ao movimento hip-hop. Já Bezerra da Silva podemos usar junto a luta antiproibicionista e antimanicomial. Com mais reflexão, poderíamos elencar dezenas de artistas com canções úteis para agitação em diferentes lutas da classe trabalhadora.

Vale destacar que no Brasil muitas canções foram usadas para fazer agitação contra a ditadura empresarial-militar de 64. Para poder lançar suas músicas, musicistas precisavam passar por uma intensa censura estatal de ideologia burguesa, e por isso, precisaram a deixar muitas coisas subentendidas, dificultando a comunicação. Analisemos a segunda estrofe de “Apesar De Você” de Chico Buarque: “Hoje você é quem manda | Falou, 'tá falado | Não tem discussão, não | A minha gente hoje anda falando de lado | E olhando pro chão, viu | Você que inventou esse estado | E inventou de inventar | Toda a escuridão | Você que inventou o pecado | Esqueceu-se de inventar | O perdão”. Compreendemos a mensagem de algumas partes porque entendemos com clareza o contexto, como “quem manda, falou 'tá falado”, não tem discussão” indica a falta dos instrumentos de democracia da maioria abaixo de “quem manda” no caso os militares com apoio da burguesia. Mas a mensagem não é clara e repercute pouca para pessoa que não entendem o contexto com clareza. É o tipo de canção que tem pouco apelo de agitação e propaganda hoje, pois a ditadura da burguesia se reveste com o verniz da democracia.

Outras músicas fazem agitação e propaganda comunista com maior ou menor grau de literalidade, passam a nossa ideologia e indicando a saída revolucionária pela organização dos trabalhadores, a exemplo de Don L e Primitivo MC. Em “Volta da Vitoria”, Don L, trás um cenário de comemoração da vitória da classe trabalhadora após muita luta. Talvez não seja tão fácil de entender isso para trabalhadores que não tenham tido acesso as ideias comunistas sobre a superação do capitalismo. Já o camarada Primitivo MC em “AK do Guevara” não só apenas coloca trechos de discursos de Fidel indicando a construção do socialismo, mas apresenta a tática usada junto do campesinato cubano. Esse tipo de música podemos usar em vários contextos para aumentar a propagação da nossa comunicação. Por exemplo, antes de atos de rua podemos deixar canções tocando para lembrar porquê lutamos e animar os presentes, em momentos de socialização entre camaradas, na produção audiovisual comunista em geral seja ela para as redes sociais ou outros veículos. 

Apesar das canções anteriores serem uteis para diversos usos, me parece que faltam canções para alguns momentos, como entoar canções em místicas para nos conectarmos com as pessoas enquanto passamos nossa ideologia. E como exemplo do tipo de canção que entendo que nos falta e das características que entendo que essas canções deveriam ter, analiso o hino “Conquistar a Terra”.  Apesar de não apresentar a ideologia do nosso partido (esse hino que é muito entoado pela Liga dos Camponeses Pobres - LCP) ela apresenta um volume muito grande de ideologia comunista e principalmente apresenta de forma fácil de entender, fácil de cantar, sem instrumentos e permite ser usada em diversos contextos da luta deles. 

Sugiro fortemente escutar a canção antes de continuar a tribuna. 

A música abre com “Agora nós vamos pra luta” indicando um protagonismo de quem canta e um chamado pra ação. Segue com “A terra que é nossa ocupar” indicando uma ação prática que é recorrente e fundamental na organização da LCP. Segue com “A terra é de quem trabalha”, indicando que a ação de ocupar é justificada e que é a coisa certa a ser feita. O primeiro parágrafo termina com uma frase que será repetida na música “A história não falha, nós vamos ganhar”. Essa frase trás ânimo para os lutadores, indicando uma análise da história da luta de classe e conclui que a luta não será em vão e que venceremos porque lutamos.

Segue o refrão, que começa por “Já chega de tanto sofrer”, essa parte indica ao ouvinte que existe um caminho onde é possível dar fim ao sofrimento que os trabalhadores sofrem. Segue com “Já chega de tanto esperar”, indicando que o caminho para acabar com o sofrimento é a luta e que é um erro de esperar por políticos de esquerda reformistas. A canção segue com “A luta vai ser tão difícil”, no hino essa parte soa quase como que um lamento. Isso comunica muito com as pessoas que já experimentaram a luta de classe de perto e viram que não é fácil. É quase que um abraço de consolação. Também prepara as pessoas para não terem ilusões com uma via fácil. A música segue “Por mais que demore, vamos triunfar”, indicando que nenhuma mudança será feita do dia pra noite e sem grande esforço, mas reafirmando que a vitória fará tudo valer a pena. Em seguida repete “A luta vai ser tão difícil | Por mais que demore, vamos triunfar”, reforçando que o caminho a seguir vai ter muita luta e que vai valer a pena. 

A próxima parte começa com “Quem gosta de nós somos nós | E aqueles que vêm nos ajudar”. Essa parte evidencia a ideia deles de não ter relações próximas com ninguém que não partilha da luta deles junto deles. Evitando ideia como “político X ou partido Y gosta de nós”, no caso do X e Y não participarem da luta deles. A música segue com “Por isso confia em quem luta”, indicando que a confiança das pessoas devem ser em seus camaradas e outros companheiros de luta, não em pessoas distantes ou no sistema político burguês. A canção repete “A história não falha, nós vamos ganhar”, dando ânimo e certeza da vitória. O refrão é entoado mais uma vez.

Uma nova estrofe começa com “Se a gente morrer nessa luta”. Essa parte é fundamental e é ainda mais relevante no contexto das lutas travadas pela LCP. O campo brasileiro já é extremamente violento e é ainda mais com quem luta por reforma agrária, com quem usa os métodos da LCP e nas regiões onde a trava suas lutas. Isso também apresenta tanto para nós quanto para nossos inimigos de classe que sabemos dessa possibilidade e que devemos e lutaremos mesmo assim. A música segue com “O sangue será uma semente”, indicando que mesmo a morte de alguns não deterá o movimento, que florescerá do sangue dos mártires. Isso também reflete algo que os movimentos campesinos fazem muito melhor que os movimentos dos trabalhadores urbanos, lembrar de seus mártires. A música segue com “Justiça vamos conquistar”, indicando que o mundo hoje não é justo e que termos que lutar para conquistar a justiça. Mais uma vez “A história não falha, nós vamos ganhar” e em seguida mais uma vez o refrão.

A música segue para “Já somos uns trinta milhões | O povo sem terra e sem pão”. Essa parte é importante para dar ânimo para a luta que eles tocam, indica que as mazelas da sociedade não são individuais, mas coletivas e que eles podem crescer muito. Segue com “O jeito é lutar por nosso chão”, mais uma vez a luta por reforma agrária é colocada como central. Voltando para a frase recorrente “A história não falha, nós vamos ganhar” e na sequência mais um refrão.

Segue com “A luta será prolongada | campo a cidade cercar”, colocando a tática maoista sem rodeios. E depois “Preparemos nossa fileiras | Para a gloriosa, Guerra Popular!”, indicando a etapa final da luta pela conquista do poder. Repete “Preparemos nossa fileiras | Para a gloriosa, Guerra Popular!”. Segue mais um refrão.

Já no fim a música se volta para gritos de palavras de ordem. Essa parte começa repetindo duas vezes “É terra, é terra! | Pra quem nela trabalha! | E viva agora e já a Revolução Agrária!”. E em seguida declarando o destino dos seus inimigos de classe sem rodeios “É morte, é morte | Ao latifundiário e ao burguês!”. Finaliza com palavras de ordem que saúdam a vitória de um poder na mão dos trabalhadores “E viva o poder operário e camponês!”.

Hinos como esse, passem a ideologia de forma clara para as massas trabalhadora, sem necessidade de instrumentos musicais e que não precise de grandes habilidades de canto. Podemos usar esse tipo de música em muitos casos, desde atos de rua, até em místicas na abertura e fechamento de eventos, agitação nas redes, etc. Não acho que seria fácil fazer, acredito que para alguns ritmos seria impossível, mas meu entendimento é que precisamos desse tipo de canção.